Anna Júlia - Quisera Eu escrita por Anna Júlia


Capítulo 5
Capítulo 5 - FESTAS.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/664530/chapter/5

S A U D A D E.

Quem diria que um dia um cara feito eu usaria essa palavra. Ando (fiz) tantas coisas estranhas desde que te conheci que passei a me desconhecer, Júlia. Acho que eu nunca soube quem eu era de verdade, e tu me serviu como um descobrimento, sei lá. Isso é muito complexo pro meu cérebro de minhoca e a burrice daquele gato que tu gostava de dizer que eu tinha.

Mas enfim, eu nunca pensei que fosse sentir tanto tua falta igual eu senti depois que “soltei a corda”. As borboletas tinham sumido; uma dor insuportável no meio do peito tinha tomado o lugar do arrepio na espinha. As aulas viraram uma completa perseguição dos meus olhos para você. Se antes eu não prestava atenção nos professores por pura preguiça, agora eu não conseguia porque estava ocupado demais concentrado em você. Os finais de semana bêbado se extinguiram da minha vida, assim como as piranhas que eu pegava. Todo sábado eu acordava com uma mina estranha na minha cama, ou na cama de uma mina estranha, Júlia. Depois de ti?! Depois de ti minha cama tinha um espaço vazio que eu queria que fosse preenchido por ninguém menos que você. Viver tinha se tornado algo insuportável, o que eu nunca pensei que aconteceria. E, pra acabar com essa minha fossa, só tinha uma pessoa no mundo que poderia me ajudar: o Lê.

— Mano – o Lê entrou pela porta da cozinha, me encarando com raiva e o cenho franzido. — QUE PORRA É ESSA JEREMIAS?

— Jeremias é o teu cu – respondi com todas as forças que consegui arrancar do peito, e essas eram poucas.

Ele se aproximou de mim, que estava largado sobre a bancada da cozinha com uma garrafa de whisky pela metade.

— Cadê teus pais? – perguntou puxando minha cabeça pelos cabelos, sendo impossível não olhá-lo. — Tu tá deprimente, cara. Tu não pode ficar assim por causa de uma mina.

Revirei os olhos, me lembrando de ti.

— Não é uma mina qualquer – falei o encarando, o que fez com ele soltasse meu cabelo e ficasse me observando desentendido. Dei outro gole na garrafa nesse meio tempo.

— Beleza, Jer, foda-se. Fossa tem limite e eu sou teu melhor amigo e não posso te ver nesse estado por causa de uma guria que tu nem pegou! – ele fez questão de enfatizar a palavra. — Banho, agora – falou veemente, mas não o suficiente para que eu me movesse. — BANHO, JEREMIAS!

— Jeremias...

— O meu cu, já sei – respondeu cômico.

Continuei o encarando sem mover um músculo sequer, o fazendo perder a paciência, me pegar pelos braços e me arrastar até o banheiro, me dando um banho demorado e constrangedor. Assim que ele terminou o pequeno trabalho como babá, confesso que me sentia melhor, mas nem por isso a vontade de viver apareceu.

— Arrumei uma festa pra gente hoje.

— Que porra de festa, Lê, não vou pra festa nenhuma.

— Tu vai sim, porque eu não sou obrigado a ficar te vendo desse jeito por causa dessa mina. Hoje é tua volta por cima, e nem que tu coma a Laura, mas tu vai comer alguém.

Ignorei.

— Eu tô falando sério, caralho!

— Foda-se – respondi com raiva.

Ele balançou a cabeça em negativa, com um sorriso de canto na boca.

— Beleza, cara. Se tu quer ficar aí odiando o mundo, bebendo sozinho e matando aula por causa de uma guria que POUCO SE FODE PRA TI, problema é teu! Espero que tu entenda que enquanto tu sofre tua vida tá passando e tu tá perdendo muita coisa boa por gente que não vale a pena.

— Tu não entende, cara.

— Eu entendo sim, Jerry! Tu tem mania de achar que eu não entendo porque nunca gostei de ninguém na vida igual tu tá curtindo a Júlia, mas isso não quer dizer que eu não saiba o que tu tá passando agora.

— Como que tu pode saber se tu nunca sentiu?!

— Me diz como é então – ele falou se sentando, a espera de uma continuação.

O olhei desentendido e desviei meu olhar do dele.

— Fala, Jerry! – ele estapeou a escrivaninha com tanta força que eu levei um susto.

— Não sei cara! – gritei em retorno. — Não sei explicar. Eu só... Gosto. Gosto tanto que tenho medo, Lê! Eu nunca senti nada assim por ninguém antes, e tu sabe o número de gurias que eu já peguei. A Júlia é diferente, cara...

— Tu me diz isso desde a primeira vez que vocês conversaram.

— Pra você ver – respondi desinteressado.

Eu não queria continuar falando de ti, Júlia. Eu queria parar de pensar em ti, e falar só me fazia lembrar das coisas que tu me fazia sentir quando eu tava contigo e tudo de ruim que eu sinto agora por tu estar tão longe.

— Sabe, Lê?! Quando tu gosta tanto de alguém que teu coração dispara só de tu pensar na pessoa? É isso que eu sinto por ela. Mas agora não faz a menor diferença mais.

— Hãn? Por que? Como assim?

— A gente ficou. Tipo, eu apareci podre na casa dela, falei um monte de merda que eu tô arrependido pra caralho de ter dito, e aí eu beijei ela e sumi. Falei pra ela que eu não ia atrapalhar aquela vidinha perfeita que ela tem, e quero cumprir isso. Tá foda, mas eu quero cumprir.

— Cara, mas se ela não veio atrás de ti também é porque ela não quer nada. Tu não pode forçar ela a querer, Jer.

— Por isso que eu parei de insistir, Lê. Não adianta só eu querer se ela não quer, por mais que eu ache que ela queira e isso tudo seja só disfarce.

— Como assim?

— Ela tem a pose de durona dela, cara. De menina que nunca vai cair no papo do pegador, vulgo eu. Mas eu achava que ela tava afim de mim também, tá ligado. Por isso fiquei tanto tempo no pé dela, esperando que ela sem querer mostrasse um pouquinho de interesse. Mas ela não mostrou, acho que é por isso que eu to mais na bad. Porque eu sinto muito mais a falta dela do que ela sente a minha.

— Mano... Mais do que nunca tu precisa dessa festa.

— Não tô no clima, cara. É sério, me deixa curtir minha bad.

— Entende uma coisa, Jerry, não adianta tu querer ficar com a Júlia e não te esforçar pra ficar com ela, da mesma forma que não adianta tu tentar esquecer o que ela faz contigo sem se esforçar pra isso. Sem procurar fazer alguma coisa que distraia teus pensamentos. Tu ficar preso nesse quarto só te afunda mais ainda na merda, não é assim que as coisas vão se acertar. Tu tem que tomar alguma iniciativa, chutar a pedra pra ver se ela rola, saca?!

— Que porra tu fumou antes de vir pra cá?

— Nada – disse rindo. — Veste uma roupa logo e vamos sair. Não vou te deixar aqui feito um panaca.

Me arrumei todo mais para agradar o Lê pela sua tentativa em me ajudar do que por realmente querer ir naquela tal festa. Mas decidi me dedicar a sair da bad, Júlia. A te deixar de lado da mesma forma que tu tinha me deixado, a encarar meus problemas, igual o Lê tava falando. Decidi viver.

Andamos o caminho todo em silêncio até chegar na balada que tava rolando a festa. Antes de entrar, liguei o botão do foda-se, decidido a curtir aquela noite como eu jamais tinha curtido qualquer uma em minha vida. Era o teu velório pra mim, Júlia, mas eu queria transformá-lo em uma comemoração e não em algo que merecesse luto. Por isso, assim que entramos, aceitei a bala que o Lê me ofereceu. Foi questão de minutos pra que a mistura das pingas que peguei no bar e a bala fizessem seu efeito. Minha cabeça já nem se lembrava de ti, e todas as gurias que passavam por mim eram as mais lindas do mundo e eu queria ficar com todas elas. Eu amava todas elas. Eu tava transtornado de tão louco, mas só foi preciso meu olhar se desviar um segundo pra que todos esses efeitos sumissem. Porque eu te vi, Júlia. Te vi com um cara, sorrindo de um jeito que tu nunca tinha feito comigo. E isso me deixou puto. Me peguei franzindo o cenho e apertando os punhos enquanto te olhava.

— Solta ela teu filha da puta – falei sem perceber, fazendo a guria ao meu lado me olhar com estranheza.

— Tá tudo bem? – ela perguntou, procurando o ponto especifico que eu olhava. Me desvencilhei dela, sem dizer uma palavra sequer e continuei encarando vocês dois.

Assim que vi a mão do cara passando por tua cintura o sangue me subiu como nunca tinha subido há um bom tempo. Eu tava tão puto que cada pessoa que esbarrava em mim eu queria dar uma porrada, e aparentemente, só por causa disso as pessoas não paravam de se esbarrar em mim. Um idiota qualquer tropeçou e derrubou todo o copo de bebida em meu corpo, o que me fez ficar com mais raiva ainda.

— Teu babaca! – gritei o empurrando.

— Qual foi, moleque – ele respondeu.

Ignorei e tentei olhar vocês dois de novo que já haviam sumido.

A única coisa que eu conseguia pensar era em vocês se pegando em algum lugar daquela boate, Júlia. Em ele sendo o cara que eu queria ser. O cara que eu disse que tu iria trombar, alguns dias atrás.

Fiquei procurando vocês dois com o olhar e me atrapalhei mais ainda quando o Lê chegou.

— Jer, tu não sabe – o Lê falou rindo e quando percebeu que minha atenção estava em outro lugar também procurou o que eu via de tão interessante. — Que tu tá olhando?

— Nada – respondi ainda procurando por vocês.

Deixei o Lê pra trás e comecei andar pra onde vocês estavam, virando o rosto pra todos os cantos da balada pra ver se eu te achava. Sinceramente, Júlia? Seria melhor que eu não tivesse encontrado. Aquele cara estava a um segundo de encostar a boca na tua quando eu apareci de surpresa, o puxando pela gola da camisa e lançando um cruzado em seu rosto, o que o fez cair no chão e o nariz sangrar. Não tive como não sorrir com aquilo, até me senti um psicopata por isso.

— QUE PORRA É ESSA, JERRY. QUE CARALHO – você gritou, se abaixando para ajudar o cara.

— MANO – o Lê também apareceu me puxando pra longe.

— ELA MINHA GURIA, LÊ. ME SOLTA! – falei irritado.

Ele parou de me empurrar para qualquer lugar que fosse, apoiou as mãos em meus ombros e me olhou fundo, bem fundo antes de falar.

— Olha pra mim – ele gritava – Olha bem pra mim, Jerry – enquanto apertava o meu rosto entre suas mãos, me forçando a olhá-lo de volta. — Ela não é tua guria.

Ele falou com tanta calma e tão devagar, como se eu fosse uma criança de 05 anos de idade que só entendia as coisas se elas fossem ditas com calma.

Franzi o cenho para ele, puto da vida. Tirei seus braços de mim e voltei a te procurar com o olhar.

— Tu não deixou que ela fosse – ele gritou de volta.

Aquilo acabou pegando minha atenção.

— Ela que não quis ser.

— Por causa de quem tu é. Eu sei que isso é foda, mas bota isso na tua cabeça, Jerry. A Júlia não é tua, nunca foi e, pelo visto, tá longe de querer ser.

Você sabe qual o problema da verdade, Júlia? É que ela machuca. É que no fundo tu não quer ouvir a verdade. Teu mundo de ilusões, teus sonhos, tua vidinha mais ou menos, são o suficiente pra ti e por mais que tu peça pela verdade, tu não quer realmente escutá-la, porque quando o fizer vai ser como se um tiro de revólver te atingisse no meio do peito e a bala ficasse alojada pra sempre.

Era assim que eu me sentia naquela hora.

Eu não conseguia nem piscar depois de ouvir o que o Leonardo tinha dito.

— Vem, vamos embora – ele falou por fim, passando o braço por minhas costas e nos encaminhando até a saída.

Mas aí, num único segundo que eu virei o olhar, eu te vi. E logo atrás de ti eu vi a Laura. E eu fiz questão de me desvencilhar do Lê, passar ao teu lado, olhar no fundo dos teus olhos e beijar a Laura com tanta vontade que mereceria um prêmio de cinema. Enquanto nos beijávamos, abri os olhos e vi que você nos observava. Você era você, Júlia. E eu era eu. E eu, por ser quem eu era, estava com o orgulho ferido, tu, por ser quem era, o coração. Mas no fundo, bem lá no fundo, meu coração também doía.

Quando parei de beijá-la a peguei pela mão, passando ao teu lado novamente e saindo pra fazer você sabe muito bem o quê.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Anna Júlia - Quisera Eu" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.