Anna Júlia - Quisera Eu escrita por Anna Júlia


Capítulo 2
Capítulo 2 - Los Hermanos. Sonhos. Egos.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/664530/chapter/2

Meu final de semana inteiro foi jogado no lixo depois daquele dia. Parece até drama da minha parte dizendo isso, mas é real. Eu fiquei largado na cama pensando nas coisas que tu tinha me dito, na forma como tinha usado para se referir a mim e a minha atitude idiota com a Bruna. Eu não ligava pra Bruna, não até tu colocar daquele jeito. Não depois de eu ter enviado uma mensagem pra Laura e ela ter me ignorado, como tu disse que aconteceria. Queria voltar na tua casa pra te confrontar e jogar na tua cara coisas que eu nem sabia o que eram de verdade, mas eu não fui, porque mesmo sem te conhecer, eu sabia que tu iria bater a porta em minha cara. Ao invés disso eu fui me consertar com a Laura, e ela também bateu a porta em minha cara. Tu me fodeu, Júlia. Tu mal me conhecia e já tinha me ferrado. E aí, antes mesmo que eu notasse, já era segunda e eu já tinha que encarar mais um dia de aula, que passou arrastado, até o intervalo e tu brotar em minha frente, foi quando percebi que tu sempre esteve ali, mas agora tu era notada. Por mim e por todo colégio.

Eu conversava com o Lê antes disso e adivinha o assunto? Você.

Eu tinha te conhecido num final de semana, conversado contigo poucos minutos e tu já tinha te tornado tópico de assunto com meu melhor amigo.

— Como assim ela não te deu mole?

— Pois é, mano. Nem eu entendi, ela é toda diferente, cara. Tem umas frases loucas, tá ligado?

— Não, Jer. Com certeza eu não tô ligado.

— Ela não é igual todas as outras, cara.

— Puta que pariu – ele estapeou o ar. — Não acredito que tu tá afim dessa mina que tu conheceu ontem!

— Que porra, Leonardo – falei furioso. — Eu tô é puto com ela por não me dar uma moral. E não foi ontem, foi na sexta.

Ele me olhou de um jeito engraçado, antes de voltar a falar.

— Tu ficou me falando dessa mina desde que a gente chegou aqui no colégio, mano. Não me leve a mal, mas tu nunca fez isso antes.

— Eu conheci ela na festa, Lê. Como tu mesmo disse. Ninguém se apaixona da noite pro dia. É só que… Ela me fez pensar.

Ele sorriu, desviando o olhar do meu e ficou observando os caras que jogavam bola na quadra. Até o Leonardo já sabia que eu tava na tua, antes mesmo de mim. Ou de ti.

A Laura apareceu sem mais nem menos e pulou no meu pescoço me cumprimentando.

— Achei que tu tava puta comigo. – falei quando ela se afastou e eu consegui te ver. Você encarava a cena e revirou os olhos pra mim quando percebeu que eu tinha te visto. Eu sorri.

— Tu foi um fofo indo até minha casa… Não deu pra ficar com raiva depois disso.

Levantei, largando a Laura e o Lê para trás, sem nenhuma explicação, só pra ir falar contigo, que comprava uma coxinha.

— Tu tava errada – sussurrei em teu ouvido e percebi seus pelos se eriçando. Você me olhou torto, tentou fingir que o arrepio não tinha subido, e não me respondeu.

— Qual teu nome?

— Eu te disse que não interessa.

— Interessa sim, se eu tô te perguntando é porque interessa. E eu já perguntei mais de uma vez.

Você riu ironicamente.

— Volta pro teu mundo guri, pra guria que tu tem no papo, porque ela acabou de pular em teu pescoço. Pro teu amigo com quem tu faz apostas. Volta pro mundo em que não existe eu em tua vida. Quando tu fizer isso não vai precisar saber o meu nome.

— Tu tem medo – dessa vez eu é quem tinha cortado tua fala e eu vi tua armadura cair, Júlia. Bem pouquinho, mas eu vi. — Medo de virar aquela guria – apontei pra Laura, o que te fez rir e desviar o olhar, e tua pose de menina durona voltar. — Além do mais não tem como esquecer de ti. Tu deixou tua marca depois de sexta.

— Júlia, vem, a gente tá atrasada – uma guria um pouco mais alta que você apareceu do nada te puxando e se assustou quando me viu conversando contigo. — Ah, oi. Jerry.

— Engraçado como todo mundo sabe o meu nome e eu não sei o de ninguém. Mas agora eu sei o teu – falei sem tirar os olhos de ti. — Júlia.

Você me ignorou, pegou tua amiga pelo braço e saiu de perto de mim, mais uma vez, fazendo com que eu fosse atrás.

— Sai comigo hoje – te assustei ao falar, fazendo com que vocês parassem de andar e sua amiga arregalasse os olhos para nós dois.

— Não posso – você me respondeu.

— Eu não mordo.

— Morde sim, tu disse ontem.

— Então tu realmente tem medo.

Você revirou teus olhos de novo antes de dizer o real motivo para a rejeição. Poderia parecer que não, Júlia, mas eu já te conhecia mais que tu mesma e sabia que dizer aquilo te afetaria de alguma forma.

— A gente tem prova amanhã, preciso estudar.

— A gente? – enfatizei o “gente”. — A gente, tu e tua amiga ou a gente nós três?

— Nós três – foi tua amiga quem respondeu e eu vi teu olhar de raiva para ela. E você viu o meu sorriso.

— Beleza, nosso encontro vai ser acompanhado de livros se é assim que tu quer.

— Não, eu não quero.

— Tu não pode me impedir. Eu sei aonde tu mora – falei antes de sair, fazendo com que tu ficasse sem fala e com que tua amiga ficasse babando por mim. Até tua amiga me queria e tu não, Júlia.

——

Cheguei em tua casa por volta das três da tarde e uma Júlia descabelada abriu a porta.

— Oi. Tá linda – disse ao te ver.

— Não acredito – você pigarreou. — Diz que eu tô sonhando, que quando eu acordar tu não vai estar mais aqui.

— Não é sonho.

Você beliscou teu próprio braço e fez um som estranho quando percebeu que eu realmente estava ali. Tentou fechar a porta impedindo minha entrada, mas fui mais rápido que ti e coloquei o meu pé impedindo que ela se fechasse.

— Eu vim estudar contigo, preciso passar de ano – mostrei meus livros.

Você deu de ombros e acabou abrindo a porta para mim. Organizou seus materiais em cima da mesa da sala e se sentou. Depois de poucos minutos tu já me falava sobre as guerras e bombas e Estados Unidos, Rússia, França, Japão. Fiquei perdido no movimento dos teus lábios e parei de prestar atenção no som que saia da tua boca.

— Tu tá ouvindo alguma coisa que eu tô falando?

— Claro – respondi rapidamente e você me lançou um olhar intimidador. — Que não.

Um sorriso lindo brotou em teu rosto.

— Teu sorriso é lindo – falei olhando tua boca, o que te fez fechá-la. — Tu deveria mostrá-lo mais vezes.

— Eu mostro. Só que não pra você – disse enquanto procurava algum outro caderno.

— O que tu quer ser? Tipo, quando terminar o colégio? Faculdade.

Parecia que eu tinha acertado o assunto, ou tu que tinha se cansado de resistir e resolveu conversar comigo.

— Professora – respondeu meio sem graça e parando de fazer o que quer que fosse.

— Acho que acertei – sorri. — Vim no lugar certo.

— Não adianta nada se tu não prestar atenção no que eu te digo.

— É difícil se concentrar tendo uma professora como tu. Tenho até pena dos teus futuros alunos.

Silêncio.

— E tu? – você me perguntou, disfarçando o constrangimento.

— Não sei, não pensei sobre isso ainda.

Você riu, Júlia.

RIU. R-I-U.

— De que tu tá rindo?

— De ti.

Franzi o cenho. De mim?

— Da minha pergunta idiota, eu já sabia que tu responderia isso. Não poderia vir nada diferente de ti.

— De mim? Desde quando tu me conhece guria?

— Todo mundo te conhece, guri.

Eu dei de ombros, esperando sua continuação.

— Tu é filho de um dos caras mais ricos dessa cidade. Teu futuro é completamente garantido, e tu nem precisa se esforçar pra isso, porque se tu perder o ano teu pai vai lá e paga pra tu se formar. Se tu quiser fazer uma faculdade, teu pai vai lá e compra tua vaga. E não é porque tu é burro, nem nada, é porque tu sabe que não precisa se esforçar pra conseguir as coisas.

Não fiquei impressionado com o quanto tu me conhecia, todo mundo sabia aquelas coisas sobre o meu pai. Eu fiquei impressionado porque tu falava com desgosto. Tu parecia cuspir tudo que sempre quis me dizer, mas nunca teve a oportunidade e agora a chance era boa demais para você desperdiçar.

— Eu tô me esforçando contigo – falei te cortando.

— Já te disse que é porque eu não ligo pra ti. Teu ego tá ferido por ter conhecido uma guria que não suspira, como todas as outras, quando você passa. Eu não sou a menina que sonha em pular em teu pescoço na hora do intervalo, fazendo todas as outras ralharem de inveja. Eu sou a que tu nem olha quando passa. Sou essa menina, e tu? Tu é o cara que não pensa no futuro.

— Porque tu continua ferindo o meu ego, então? Porque tu não abaixa logo a tua armadura, me deixa vencer e ficar longe de ti, como tu diz que quer?

— Porque nada me faria pior do que saber que tu venceu comigo também. Porque isso só iria aumentar mais ainda o teu ego e eu não quero ser a guria responsável por isso. Muito menos mais uma carta no teu álbum de figurinhas intermináveis.

Tu não queria ser a responsável pelo aumento do meu ego e fama, Júlia, mas tu foi a responsável pela minha ruína.

— Tu nunca seria. Se tu entrasse no meu álbum teria posição especial, como já tem.

— Não vou te dar bandeira branca, guri. Por mais que tu te esforce.

— Não quero tua bandeira branca. Eu gosto de ti desse jeito, me respondendo torto, revirando os olhos pra mim. Sentindo ânsia de vômito só de olhar pra minha cara, porque eu sei que teu estômago embrulha só de pensar que tu pode cair na minha lábia, igual tantas outras já caíram. Porque diferente das outras, tu não é a guria que cai, certo Júlia? Mas se eu te fizer cair… Isso sim vai aumentar o meu ego. E eu te prometo que vou fazer com que tu caia, Júlia.

— Na verdade é Anna Júlia – você mudou o assunto, pois percebeu que eu tinha te desestabilizado.

— Anna Júlia? – perguntei confuso.

— É.

— Anna Júlia tipo a música dos Los Hermanos? Ôh Anna Júliaaaa aaaaa aaahhhhh – cantarolei te fazendo soltar a gargalhada mais escrota, mas com o som mais lindo que meus ouvidos já tinham provado.

— Você é um péssimo cantor – disse tirando as mãos do ouvido.

— Eu odeio Los Hermanos – te fitei ao falar.

— E eu odeio o Anna.

Sorri.

— Vou cumprir minha promessa – falei por fim, me levantando para ir embora. Te deixando com um olhar perdido em mim.

Eu fui embora ouvindo Los Hermanos, Júlia. E eu odiava essa banda, odiava muito. Até te conhecer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Anna Júlia - Quisera Eu" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.