O Poema Dos Surdos escrita por Nena Lorac


Capítulo 4
Estrofe I (Parte 3)


Notas iniciais do capítulo

"O teu silêncio é harmonioso
O teu jeito expressivo é muito gostoso..."

(Parte 3)



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Eram nove da manhã, e eu me encontrava sentado à mesa com alguns livros ao meu redor, sendo que a maioria era sobre a Língua de Sinais. Entretanto, eu não sabia falar quase nada naquela língua, pois o que eu realmente estava estudando, era a história por detrás de tudo aquilo. Obviamente, eu não escolheria estudar isso. Fui, fortemente induzido, a ler aquelas teses de faculdade sobre o assunto. Mas tenho que admitir que o orgulho que eles tem por serem surdos é justificável.

A repreensão, mundial, pelos surdos me causou um mal-estar enquanto eu lia alguns fatos históricos. O modo como eles foram castigados por usarem a língua de sinais me deixou enojado. Eu só conseguia imaginar Matthew no meio daquela época e vê-lo sofrendo. Apesar de que alguns preconceitos ainda continuam.

Pelo visto, eu teria que estudar toda a parte histórica antes de me aventurar na comunicação em si, e durante toda aquela minha tarde de leitura, Matthew não me atrapalhou nenhuma vez. Ele apena ficou sentado do meu lado, lendo um outro livro qualquer, e uma folha de papel em sua frente com os dizeres “Qualquer dúvida, me chame”. Talvez ele quisesse que eu entendesse por mim mesmo o que foi a dor que os surdos passaram. Um estímulo a mais para eu querer aprender os sinais, suponho.

Bem, ele conseguiu.

xXx

Terminei de ler todas as três teses em uma semana, e quando eu acabei, eu fiquei encarando um teto e refletindo um pouco. De como a humanidade era idiota naquele tempo... e como não mudou tanta coisa desde lá. Ri um pouco do pensamento que eu criei e olhei mais uma vez para aquelas três teses jogadas em cima da cama, e por algum motivo, a vontade de escrever voltou após tanto tempo.

Puxei a cadeira para próximo da escrivaninha e peguei um papel meio amassado e uma caneta azul meio gasta. Eu escrevi a apalavra “surdo” bem grande naquela folha. E para cada letra da palavra, eu fui puxando um significado. Esse tipo de coisa era muito infantil de se fazer, mas foi o que me deu vontade.

No fim, o “S” foi de “sutileza”. O “U” de “único”. O “R” de “respeito”. O “D” de “destreza”. E o “O” de “otimista”.

Encarei todos aqueles adjetivos e fiquei passando a ponta da caneta em cima de cada um. A história dos surdos ainda estava bem fresca em minhas memórias. Pensei naqueles surdos que foram obrigados a falar contra a sua vontade. Naqueles que eram escondidos do resto da família e que acabavam por viver nos porões das próprias casas. E naqueles que eram mortos apenas por serem surdos. Só de pensar tamanhas atrocidades, o meu estômago revirou e eu fiquei com vontade de vomitar. Isso não era normal. Eu nunca tinha me deixado abalar por coisas assim antes.

Voltei meus olhos mais uma vez para aquele papel que eu rabiscara aquelas palavras. Lembrei do primeiro dia que eu vi esse loiro de óculos que se intitula de tutor. Ainda não consigo levar aquela minúscula pessoa a sério enquanto segura um monte de documentos. Eu gargalhei ao lembrar de algumas coisas que ele fazia que eram engraçadas. Foi quando eu percebi o motivo de ter escrito aquelas palavras.

“Elas me lembram o Matthew.”

xXx

O cheiro vindo da cozinha era algo maravilhoso. Desde que ele veio morar comigo, eu tenho sempre comido bem. Nem se compara ao meu estado de antes de eu entrar na prisão.

Já fazia algum tempo que eu não tinha uma recaída, apesar de sempre saber onde eu poderia encontrar o motivo dela. Era apenas uma questão de tempo para eu me tornar agressivo de novo. E quando isso acontecer, quero evitar de machucar alguém. Por isso quero tirar ele daqui dessa casa.

Cheguei perto da pequena mesa de jantar e me deparei com um cozido bem saboroso. Ele organizava os pratos e talheres para jantarmos, e sempre fazia isso com um sorriso no rosto. Cheguei a duvidar se ele realmente era uma pessoa de verdade por tentar sempre ser gentil. Pessoas não eram gentis à toa. Mas depois do tempo que tive para conviver com ele, eu percebi que esse mal das pessoas não se aplicava a ele. O defeito delas não condizia com o meu Matthew.

“Meu? Mas o que diabos eu estou pensando?”

Balancei a cabeça para esquecer esses pensamentos idiotas e voltei a olhar para a mesa. Matthew apontou para mim e fez um sinal estranho, mas meio que dava para entender que era “sentar”. Apenas obedeci ao suposto pedido e me sentei para jantar, e enquanto eu me servia, ele pegou o bloco de notas que ficava ao lado da mesa e começou a escrever. Pelo visto, era um texto grande, pois demorou para ele me entregar.

“Eu sei que eu não deveria falar sobre isso na hora do jantar,

mas eu realmente gostaria que você me contasse mais sobre

o que aconteceu antes de você ser preso.

Sim, eu sei o motivo de você ter sido preso, mas eu não sei como

aconteceu de acordo com você.

Não precisa me contar agora se você não quiser,

mas eu gostaria de saber.”

Não, eu não iria contar. Nem pretendia. Não quero lembrar das coisas ruins que eu fiz antes ou do modo que eu agia. Ficar alguns meses na cadeia foi bom para me afastar do problema, mas ele não está resolvido. É só questão de tempo. Não quero me lembrar, pois eu sei que ficarei na vontade para voltar para aquela situação deplorável. Realmente, eu sou um vagabundo.

Ele continuava me encarando, esperando que eu escrevesse alguma coisa, mas eu apenas balancei a cabeça em negação. Queria evitar ao máximo me aprofundar nesse assunto. Abaixei a cabeça e voltei a comer o cozido. Eu só escutei ele escrevendo mais alguma coisa no papel, mas dessa vez, ele me entregou bem mais rápido.

“Você gostaria de sair comigo?”


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Notas finais do capítulo

* Antes de começar aprender os sinais em si, aprendemos a datilologia ( o alfabeto e os números), e logo em seguida, é nos jogado a parte histórica da cultura surda. Eu não me aprofundei muito, mas deixei fragmentos do que acontecia com essas pessoas só por serem surdas. Sim, muitas delas morreram só por serem "defeituosas". Muitos surdos também eram obrigados a serem oralizados se não tivessem problema na fala. Mas para eles é extremamente desconfortável essa forma de comunicação. Em resumo, eles eram obrigados a ser que nem os ouvintes.

* Os livros que minha professora de Libras usou para nos guiar no assunto foram teses de doutorado e TCCs de graduandos das faculdades de psicologia. Eu não tenho todos os trabalhos comigo agora, mas aconselho vocês a lerem sobre as teses da Karin Strobel que a minha turma usou em sala de aula para debate. Ela é surda e se formou na área da educação com trabalhos a respeito desse tema, e o TCC dela é como se fosse um diário (ao menos eu me senti lendo um diário) onde ela conta experiências dela e de outras pessoas no meio dos temas que ela escolheu.

* Dependendo da pessoa que você fala em libras, e da expressão que você usa, o sinal de "sentar" pode ser apenas demonstrando o sinal ou pedindo para a pessoa sentar.

Sinal de "Sentar": https://www.youtube.com/watch?v=MBjIao0luNM

OBS: No capítulo anterior, eu tinha escrito "datilografia", mas devido a minha falta de atenção e a auto correção do word, o termo correto não foi usado.
O certo é "datilologia" e quem escreve no ar está "datilologando".
Eu já concertei esse erro no capítulo anterior e tem no prólogo também, mas se por ventura eu acabar escrevendo errado de novo e não perceber, me deem um toque (e depois eu me mato por ter escrito errado).

—---- xXx -----

Desculpem a demora para eu atualizar a fic! Mas eu estava tendo problemas com entrega de trabalhos na faculdade, e eu ainda tinha a matéria de Libras também (o vídeo, lembram?). Enfim, meio que o período está acabando e eu estou ficando mais folgada de trabalhos em geral. Tentarei atualizar essa e mais outras 3 fics (olha merda em que eu fui me meter...).

Eu também estava tendo uns probleminhas familiares e probleminhas com o pc e o notebook (ambos deram pau, mas o pc voltou a funcionar hoje, milagrosamente). Eu preciso resolver um bando de coisas por causa desses imprevistos, e espero que eu consiga resolver (;u;).

Tomara que vocês me perdoem por esse capítulo curto, mas avisando logo que essa parte 3 é o fim do "Estrofe I", e eu sei que isso é meio confuso, mas eu vou fazer assim. Então aguardem o "Estrofe II"!

Até o próximo capítulo~



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