Sputnik escrita por tendercholeric


Capítulo 1
I – ice is cold; roses are red; I’m in love




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sputnik – ( do russo, /ˈspʌtnɪk/ substantivo; literalmente “companheiro viajante” ) uma série de lançamentos de satélites artificiais soviéticos. O primeiro, Sputnik I, ( lançado em 4 de outubro de 1957 ) foi o primeiro satélite colocado em órbita pela humanidade.

I remember the time when a kiss on the hand
was enough

– Broods; MOTHER & FATHER

sputnik

;

afeto; em partes

sputnik I – ice is cold; roses are red; I’m in love

Uma coisa curiosa sobre os seres humanos é que nenhum é definitivamente igual a outro. Não são como os animais, que seguem um instinto de sobrevivência em comum. São individualistas; devorando uns aos outros para alimentar interesses pessoais secretos, são tão diferentes em sua fala e pensamento ( e talvez isso os torne mais parecidos entre si ) que é difícil acreditar que de fato pertençam a mesma espécie. O paradoxo é – no mínimo – interessante quando você percebe que o que os une é a falta de um interesse em comum. Criaturas distintas e curiosas, fáceis de quebrar em meio a sua existência passageira, cruéis com seus sentimentos ardentes; humanos, na falta de melhor expressão.

( mas eles? ah, eles não são realmente humanos. )

No fim, pessoas nunca conseguem se entender de fato; essas reuniões são a maior prova disso quando sempre terminam na mesma coisa. Tediosas, no máximo; nunca conseguem solucionar problema nenhum do mundo, de ninguém. Depois de anos observando, ele chegou a conclusão de que elas seguem uma espécie de padrão: um embaixador tem a palavra, uma discussão é aberta, problemas surgem, desacordos, rixas, desdém, um grito aqui, outro lá, encerramento. O problema ainda é um problema, o mundo continua a girar e eles continuam ali ( sem morrer ). A sequência é relativamente simples, mas não é por isso que deixa de ser cansativa, ainda mais depois de ter sido repetida por anos e anos e anos.

( e ele já perdeu a conta de quantos. )

Ivan está cansado.

Cansado, apesar de achar uma certa graça em observar todos aqueles idiotas discutindo. Reparar no quanto o cenho de Ludwig se fechava em frustração quando via que – outra vez; por que ele ainda não se acostumou? – ninguém havia chegado a acordo nenhum. O modo que Alfred adorava cortar a fala dos outros, com Francis e Arthur logo em seguida amando discordar prontamente e com punhos erguidos. Anos, e eles continuavam os mesmos. Engraçado; trágico, não conseguia se decidir.

E ele? Gosta de acreditar que tinha mudado um pouco junto ao leve movimentar dos braços do relógio. Gosta de pensar que toda aquela cólera que antes demonstrava tão – tão – abertamente estava agora enterrada em algum lugar, dormente, controlada, mas sempre pronta para devorar o que estivesse em seu caminho. Gosta de repetir para si mesmo que era a Rússia – forte e poderosa – e não uma casa vazia. Nunca, jamais uma casa vazia e solitária. Mas Ivan sempre foi honesto – brutalmente, até – e bem lá no fundo, ele sabe que continua essencialmente o mesmo.

Mudança é gradual, mas nem sempre bem vinda ( por mais que ele goste do aconchego de sua casa – agora menor, bem menor – onde ele pode ler sossegado com uma xícara de chá ao seu lado ).

Olhos avioletados circulam pela sala, um suspiro escapa de seus lábios misturado com um riso abafado; Lovino agora punha-se a discutir com Antônio, que na verdade nem sabia que aquilo era uma discussão enquanto ria animado e dava uns tapinhas nas costas do italiano. É, ninguém mudou muito ali. Um sorriso torto, a mão esquerda põe-se a ajeitar o cachecol ao redor do pescoço e os olhos continuam a vagar numa tentativa desesperada de curar o tédio. Já havia visto aquelas cenas tantas vezes, as mesmas sequências e os mesmos gestos, o relógio ainda marcava oito e meia e o dia era longo demais naquela conversa interminável.

E seu olhar cai sobre a figura de Yekaterina – Katyusha; sua mente logo fala em seguida, os lábios formando as sílabas em um tom mudo e carregado de carinho e saudade e ele se amaldiçoa um pouco por dentro por sequer se deixar escorregar daquele jeito – ela sempre tão quieta em seu canto, com a voz baixa e sem jeito. Hoje em dia ela mal sorri.

Nem sempre foi assim.

Ele se pergunta onde estaria aquela menina que corria pelo campo, a mulher com cabelo dourado como trigo maduro que lutava junto ao seu povo cossaco, a garotinha que o chamava de Ivanushka enquanto corria as mãos por suas bochechas. A moça que tinha o Dniepre fluindo em suas veias, a planície em seu corpo e os olhos azuis e tão calorosos ( a moça que ficava quando ele pedia; a moça que sempre ficou ). Ivan sentia falta dela.

( Ivan, ele repete. Ivan sente falta dela. Rússia apenas quer tomá-la de volta. )

Eles não são humanos, mas são algo parecido. Talvez seja por isso que ele ainda tenha tantos questionamentos o assombrando mesmo depois de tantos anos ( dias e dias depois que ela fechou àquela porta ). Por que foi embora? Por que caminhou olhando para trás? A terra pode ser moldada, mas um coração sempre continua a bater do mesmo jeito ( e o deles nunca vai parar de bater ).

( e o dele – querendo ou não – está com ela; esburacado e torto, aos pedaços, mas ainda assim sincero. )

A reunião acaba quando Ludwig já não tem mais a paciência necessária para exercer o seu trabalho de mediador. O alemão sai da sala aborrecido, o irmão mais velho o seguindo logo atrás com um comentário afiado, mas bem intencionado. Não demora muito para todos os outros se levantarem e irem saindo um a um, de volta para suas casas e seus próprios problemas e interesses.

( isso o faz pensar, talvez eles sejam humanos de fato. )

Yekaterina se levanta e Ivan não sabe dizer o porquê – algo toma conta de seu corpo, talvez fosse a dúvida, talvez a saudade, talvez um misto dos dois – mas logo se vê indo atrás dela. Desesperado, humano e imperfeito.

Assim como nessas reuniões os encontros entre eles sempre seguem uma espécie de padrão, uma sequência difícil de ser quebrada quando existe muita coisa ( que ele não entende ) envolvida. Ivan vai atrás dela, mão estendida; Yekaterina foge sem olhar para trás, tentando não olhar para trás. Pare. Rebobine. Repita. Repita infinitas vezes sem cansar, sem deixar aquele pinguinho de esperança morrer dentro do seu peito.

Hoje, quando ele segura o braço dela ela não tenta se afastar; algo dentro dele estremece.

( esperançoso. )

Katya apenas se vira para ele, seus olhos azulados e inseguros indo de um lado a outro como se estivesse procurando pela expressão desapontada de seu chefe. Ela deixa um suspiro aliviado escapar de seus lábios quando vê que o outro homem não está lá, provavelmente já do lado de fora a esperando impaciente para que pudessem voltar logo para Kiev. Um lugar frio e solitário, bem – bem – longe de Moscou ( e dele ). Ela está silenciosa, olhando-o com um misto de curiosidade e carinho e medo e tantas outras coisas mais; séculos de experiências e afeto condensados em seu olhar.

Ele sempre interpretou seu silêncio como consentimento.

Sua mão então escorrega daquele braço pálido, uma marca avermelhada já começava a surgir como um fantasma, um lembrete. Haveria segurado com muita força? Não sabe dizer quando tudo o que passa pela sua mente é o alívio de deixar algo seu para trás na pele dela, como em tantos anos atrás. Ivan é lento ao deixar sua mão escorregar até a dela, entrelaçando seus dedos como os laços e fitas que antes enfeitavam o seu cabelo dourado.

Yekaterina suspira, e ele percebe que ela já está tão cansada quanto ele.

– Vanya. – Ela começa, voz trêmula como as folhas no inverno, o olhar sempre tão mareado. – O que está fazendo agora?

E Ivan apenas sorri, leva a mão quente de Katya até seus lábios. Beija cada dedo e cada junta, sussurra em segredo marcando a pele pálida.

( eu sinto sua falta. )

Uma lágrima ameaça cair, é incrível como ele sempre foi bom em fazê-la chorar. Ela respira como se estivesse sentindo dor, pulmões enchendo e esvaziando com seus soluços e palavras que entalavam em sua garganta. Katya então aproxima sua outra mão do rosto dele, dedos se ocupando em colocar uma mecha de cabelo prateado atrás de sua orelha.

E ele sabe que ela também sente falta dele.

– Me perdoe. – Ela fala com olhos mareados e um sorriso que é como vidro. Frágil, quebrado, brilhante, corta fundo o seu coração e deixa um rastro avermelhado. Aquele sorriso é dele, só dele. Ele o tornou assim. – Não posso, não agora.

Yekaterina vai embora como em tantas outras vezes, mas Ivan é paciente.

No fim, ela sempre volta.

( querendo ou não; querendo ou não. )


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Notas finais do capítulo

Meio mehh, mas foi o que saiu. Meu beta ( Sr. Shaka, muita boa sorte e boas vibes pra você! ) está prestando concursos e ocupado com a tese, então já que é curtinho não quis incomodá-lo. Pode ser que seja corrigido depois, mas até lá peço perdão pelos erros que podem ( com certeza ) ter passado.

Agora quanto as notas da história:

Quanto aos nomes, vou ficar com Ucrânia – Yekaterina Ioannyivna Chernenko e Rússia – Ivan Ioannovich Braginsky. Adicionei o patronímico que é algo tradicional para o povo eslavo. "Chernenko" é um possível sobrenome que o autor listou para a Ucrânia, e soa bem mais ucraniano já que tem o sufixo que é mais comum lá.

A fic só tem incesto se você quiser ler nas entrelinhas. Pelo menos por enquanto. Vou atualizar quando der na telha. O título desse primeiro capítulo é uma frase do livro "Sputnik Sweetheart" do Haruki Murakami.