Beyond Two Powers escrita por Annie


Capítulo 7
A Fuga


Notas iniciais do capítulo

Esperamos que todos gostem. Boa leitura!



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ADELAIDE - Início da tarde

Adelaide não conhecia a cidade de Cecília, ainda que ela fosse considerada a principal de seu Reino e seu nome fosse uma homenagem à sua família. Havia visitado poucos locais que não estivessem envoltos pelas terras do Palácio em sua vida, e nem mesmo podia se lembrar deles.

Tudo parecia infinitamente mais calmo que o Palácio. Por mais que tumultuadas, as ruas de pedras repletas de plebeus esbanjavam uma sensação agradável e casual. Barracas de alimentos e roupas com decorações simples e vendedores animados estavam espalhadas por todos os lugares. Ela não era a única que utilizar um manto e um capuz; diversos civis estavam vestidos da mesma forma.

Por um momento, Adelaide permitiu a si mesma esquecer de tudo que havia no Palácio. O acordo com Maxine, o noivado com Nicholas, todos os problemas nobres e as questões da realeza ou da magia. Olhou em volta e tudo o que viu foi calmaria, e aquilo fez com que ela pudesse relaxar seus ombros pela primeira vez em um mês.

— Por aqui, por favor! — exclamou um rapaz, parado em uma das ruas, gesticulando com as mãos para que as pessoas se aproximassem. Não devia ter mais de dezenove anos e seu ânimo era inevitavelmente sublime. Seu cabelo era loiro e beirava os ombros — mínimos centímetros acima deles. Os olhos brilhavam em um tom de azul escuro único. — Todos aqueles que precisarem de alguém para guiá-los pela cidade, por aqui! Turistas, eu os vejo. Venham cá!

Adelaide ponderou ao notar o acumulo de pessoas passando a surgir em torno do jovem. Àquela altura, no castelo, as coisas deveriam ter começado a sair da ordem devido ao seu desaparecimento, e ela se sentiu mal por pensar naquilo. Por alguns instantes, teve vontade de dar meia volta e retornar ao Palácio, e estava prestes a fazê-lo quando ouviu a voz do rapaz de cabelos loiros em sua direção.

— E quanto à senhorita? — chamou ele, e Adelaide se virou devagar, medindo cada movimento seu. O rapaz continha um sorriso no rosto e alguns dos plebeus seguiram o olhar do mesmo. — Não irá se juntar a nós para o passeio?

Certamente, era um trabalho dele chamar por pessoas nas ruas e incentivá-las a segui-lo; no entanto, a escolha inoportuna de falar com Adelaide não lhe deu escola. Era óbvio que ela não era dali e que estava perdida. Sem sombra de dúvidas, diversas suspeitas cairiam sobre si caso a mesma se recusasse.

— Absolutamente. — disse Adelaide, em um tom ameno e completamente concentrado, evitando ao máximo que alguém reconhecesse seu tom. Levou as mãos à borda do manto, cobrindo completamente a testa com o capuz, e o rapaz assentiu, tornando a chamar por pessoas para o tour.

Assim que ele encerrou suas chamadas e começou a caminhar, tratou de virar-se para seu novo grupo de seguidores e fazer uma reverência exagerada.

— Para todos aqueles que estão curiosos — e tenho certeza de que são muitos, não se preocupem —, eu me chamo Arlen Thomas, porém eu agradeceria muito caso vocês esquecessem meu sobrenome. É sempre um arrependimento dizê-lo aos turistas. — comentou ele, em um tom divertido e bem-humorado. Adelaide sorriu ligeiramente, assim como todos os outros no grupo. — Tenho vinte anos, para aqueles que estão se perguntando, então não, não sou um pivete realizando um trabalho adulto. Muito obrigado.

Adelaide o observou meticulosamente, indagando a si mesma como um plebeu era capaz de arrancar tantas risadas em apenas alguns momentos, mesmo considerando que aquela não era sua função. Um nobre jamais o faria; não de forma tão espontânea.

Após alguns segundo silenciosos de caminhada onde não havia nada para apresentar, o grupo chegou a uma praça de aspecto alegre e completamente refrescante. Era comprida e continha um chafariz alto e bem decorado em seu centro. Os bancos de madeira pintada por tinta branca fresca eram bem colocados, logo à frente de árvores cujas folhagens haviam sido completamente moldadas em forma de objetos que representassem a realeza. A mais majestosa das árvores continha a exata forma de uma coroa.

— Esta aqui é Extraordinária, a Praça Principal de Cecília — apresentou-lhes Arlen, com entusiasmo. Não era difícil notar sua fascinação pela própria cidade. — Muitos dizem que é tão bela que chega ao nível do jardim da Rainha Melissa. Todos sabemos que é mentira, mas um pouco de ilusão não faz mal a ninguém.

A princesa sorriu ao olhar em volta. Era claro que não havia nada em Extraordinária que chegasse aos pés do jardim de Melissa na visão de um nobre qualquer; porém, para Adelaide, tudo era surpreendentemente melhor. No Palácio, tudo havia sido feito para agradar aos olhos da rainha. Em Extraordinária, no entanto, era como se tudo houvesse sido pelo povo para o povo.

O resto da caminhada durou cerca de quinze minutos, e foi suficiente para que todos os melhores pontos turísticos fossem mostrados. Então Arlen indicou a todos eles um restaurante — que, na sua "humilde opinião", era o melhor da região. Algumas das pessoas partiram imediatamente. Outras, cujo humor parecia melhor, aceitaram a sugestão e seguiram Arlen até o estabelecimento.

Adelaide estava entre elas.

O restaurante indicado era muito provavelmente o mais simples estabelecimento que Adelaide já vira. Não passava de uma cabana larga, cujas telhas do teto formaram um triângulo sobre as paredes feitas de colunas de madeira, com cerca de dez mesas que continham quatro cadeiras cada. Os atendentes moviam-se rapidamente, considerando as seis mesas ocupadas.

— Mitchell! — exclamou Arlen ao adentrar, atraindo a atenção de um dos atendentes, que tinha cerca de quarenta anos, cabelos curtos e um olhar cansado. — Como vai?

— Olá, Arlen — disse o velho, cumprimentando-o com um aceno de cabeça. — Eu estou muito bem. Vejo que trouxe mais um grupo. Ainda estamos tentando retribuir a gentileza.

Arlen abriu um sorriso tão natural e brilhante que surpreendeu Adelaide. Após tanto tempo, ela não se lembrava de ter visto pessoas sorrirem daquela forma. Entretanto, parecia que plebeus tinham aquele costume, pois o idoso retribuiu com o mesmo tipo de sorriso.

Todos sentaram-se rapidamente, ocupando as quatro mesas restante.

Curiosamente, Adelaide conseguiu sentar-se sozinha em uma delas, mantendo a cabeça baixa mesmo ao fazer o pedido. Observou o cardápio com estranheza no início, optando por apenas água após alguns momentos.
Em certo momento, pensou em erguer o olhar e analisar as mesas, considerando que poucas pessoas notariam seu movimento. Entretanto, teve de se interromper quando Arlen puxou uma cadeira à sua frente e se sentou.

— Oi, senhorita. — disse ele, com um timbre simpático. — Está tudo bem? Quero dizer, estão todos interagindo e você está... bem, um pouco afastada.
Se Arlen fosse um nobre, Adelaide teria de, sem dúvidas, enfrentá-lo. Diria que não era de sua conta, que cuidasse dos próprios assuntos, que não a importunasse. Entretanto, aquele era um plebeu com quem ela não fazia ideia de como lidar.

— Eu estou bem, obrigada por perguntar. — comentou ela, e Arlen semicerrou os olhos.

— Eu conheço você? — indagou Arlen, e ela congelou. — Sua voz é estranhamente familiar.

Adelaide prendeu a respiração. Era claro que um guia a reconheceria; afinal, eram pessoas como ele que juntavam grupos grandes o suficiente para rechear o Salão do Palácio de plebeus. A princesa olhou para a porta, indagando a si mesma quanto tempo levaria para sair dali correndo.
Foi quando ela notou três guardas na porta. Provavelmente, fazendo seu trabalho diário e patrulhando. Porém, havia algo no modo como eles olharam para os clientes que fez com que Adelaide estivesse certa de que desconfiavam de algo.

Sua próxima decisão foi a mais imprudente de sua vida.

— Arlen — disse ela, hesitando ao dizer o primeiro nome do mesmo. — O quanto o senhor é confiável?

— O suficiente para que você não tenha de se referir a mim como "senhor" — brincou ele, e sorriu. — Por quê? Você precisa de ajuda em algo?

Adelaide se levantou, sem esperar pela água, e preparou um feitiço para apagar as memórias daquele plebeu no mínimo sinal de traição. Ainda assim, ela não conseguiria sair sem ajuda e não ser levada de volta ao castelo, então optou pela pessoa que lhe parecia mais confiável.

Uma vez que ambos estavam fora do estabelecimento e ele parecia prestes a perguntar algo, Adelaide se certificou de que mais ninguém estava olhando e abaixou o capuz.

Arlen conteve uma exclamação de surpresa.

— Cale-se, rapaz. — exigiu Adelaide, trincando os dentes. — Eu preciso da sua ajuda. Você pode me ajudar?

— Você... — disse ele, e imediatamente corrigiu-se. — A senhorita precisa da minha ajuda? Mas... em que, Alteza?

— Eu fugi do Palácio. — contou-lhe ela, e Arlen arregalou os olhos. — Não permanentemente. Eu queria um dia... Um dia de folga. Então vim até aqui, porém eles estarão procurando por mim em breve, e eu prefiro retornar ao castelo sozinha, então preciso me esconder.

Arlen precisou de alguns momentos para digerir a ideia. Quando finalmente conseguiu, uma trombeta soou, e ele semicerrou os olhos.

— O que é isto? — indagou Adelaide, com urgência.

— Significa que estamos convocados a ir até Extraordinária. Normalmente significa um comunicado da rainha — assumiu ele, respirando fundo e sorrindo.

— Eu posso ajudá-la, princesa. Mas temo que precisamos ir até Extraordinária primeiro.

— Irão me reconhecer.

— Cubra-se. — sugeriu Arlen, apertando os lábios. — Eles procuram nas ruas por pessoas que não ouvem os comunicados reais.

Adelaide ponderou, assentindo.

— Muito bem. Eu irei até lá.


. . .

Havia um enorme acumulo de pessoas em Extraordinária. Arlen ainda parecia estar tentando acreditar que estava ajudando uma princesa, e Adelaide cobria o rosto ao máximo que podia. Foi um guarda quem abrigou um pergaminho, pronunciando-se.

— Atenção, todos! — disse o guarda, com um tom de voz autoritário e extremamente severo. Arlen cruzou os braços ao vê-lo, colocando-se ligeiramente à frente de Adelaide. Ela procurou não demonstrar surpresa com o gesto protetor. — A Rainha Melissa Miranda Cecília acaba de anunciar o desaparecimento da Princesa Adelaide! Qualquer pessoa que a encontrar será recompensada com o máximo de ouro que conseguir colocar em sua bagagem!

Arlen olhou para Adelaide por cima do ombro, um sorriso brincalhão cruzando seu rosto.

— Estou pensando seriamente em entregá-la agora — zombou ele, e Adelaide congelou. — Relaxe, eu estou brincando. Venha, é melhor sairmos daqui antes que desconfiem de você.

— Então você irá me ajudar?

— É claro. — disse Arlen, bem-humorado. — Basta me seguir.

Ela assentiu, seguindo-o assim que Arlen espreitou-se para longe de Extraordinária. Murmúrios percorriam todas as pessoas, que dispararam em todas as direções em busca da princesa desaparecida — ou, mais especificamente, de sua bagagem cheia de ouro. Arlen manteve-se ao lado de Adelaide, servindo como uma barreira para todos que ousassem direcionar um olhar desconfiado a ela.

— Não há nenhum lugar exatamente seguro para escondê-la agora. — confessou Arlen, falando baixinho e tomando cuidado para que ninguém além de Adelaide o ouvisse. — Entretanto, eu imagino que eles levarão cerca de meio dia para tomar a decisão de invadir as casas, então o máximo que posso fazer é deixá-la na minha casa.

— Sua família irá me ver. — apontou ela.

— Minha mãe e minha irmã trabalham até o fim da tarde, ou seja, não chegarão tão breve. — analisou ele, semicerrando os olhos para o nada. — Meu irmão, por outro lado, está em casa. Ainda assim, ele tem dez anos, então não a reconheceria.

— Seu irmão está sozinho em casa? E ele tem dez anos? — indagou Adelaide, juntando as sobrancelhas de forma exasperada. Quando tinha dez anos, a única vez em que ficara sozinha a levara até Badlands.

Arlen sorriu.

— Não temos dinheiro suficiente para contratar alguém para cuidar dele e não podemos levá-lo conosco quando saímos para trabalhar — comentou ele, com um timbre tão natural que fez com que Adelaide fraquejasse. — Então nós o ensinamos a não fazer nenhuma besteira enquanto não chegamos. Bom, exceto pela manhã, quando ele está na escola.

Adelaide se sentiu a pessoa mais egocêntrica e cheia de si do mundo. Ali estava ela, sentindo-se exausta e sem saída, fugindo de seu próprio Palácio e imaginando que o mundo estava se voltando contra ela, mesmo considerando que era a princesa e poderia ter tudo que quisesse na palma de suas mãos, enquanto um plebeu com problemas financeiros como Arlen tinha de deixar o próprio irmãozinho em casa durante o dia por não ter dinheiro suficiente para contratar alguém que cuidasse dele, e ainda assim era capaz de sorrir para todos no seu grupo durante o dia.

Após mais alguns minutos de caminhada, Arlen parou em frente a um casebre bem conservado, porém evidentemente simples, e tirou uma chave do bolso, abrindo a porta, que produziu um ruído alto.

— Seja bem-vinda à minha não-tão-humilde-porém-extremamente-humilde-comparada-ao-seu-castelo casa. — apresentou-lhe Arlen, com um sorriso brilhante. Uma pequena risada escapou dos lábios de Adelaide, e em seguida ela adentrou.

De fato, a casa era extremamente humilde comparada ao castelo. Adelaide procurou não demorar o olhar em nenhuma das partes da mesma, evitando ao máximo que sua riqueza e seus costumes como princesa ofendessem ou magoassem Arlen.

A entrada do casebre continha um corredor consideravelmente largo, iluminado por uma luz fraca, e era conectado à sala, que era o centro da casa. Haviam outras três portas na sala: conforme Arlen explicou, uma delas levava ao seu quarto; a outra, ao quarto de sua mãe, e a terceira, ao quarto de seus irmãos. O banheiro localizava-se atrás de uma quarta porta, a qual ela ainda não havia notado, por ser extremamente pequena.

— E quanto ao seu pai? — indagou Adelaide, rapidamente demais para retirar a própria pergunta. Imediatamente, ela se lembrou da própria situação, e desejou com todas as suas forças que Arlen não se entristecesse ou tivesse uma história trágica para contar a ela.

— Ele nos deixou quando meu irmão nasceu. — comentou Arlen, com um tom tranquilo e um leve dar de ombros. — Naturalmente, a falta de um serviço a mais faz falta, porém está tudo bem. Ah, oi, Anthony!

Na porta de um dos quartos estava um garotinho. Tinha cabelos loiros no mesmo tom de Arlen, porém curtos, e os olhos azuis escuros eram quase tão brilhantes quanto os do rapaz.

— Quem é ela? — questionou o pequeno Anthony, apontando para Adelaide. Seu timbre era sonolento e Adelaide presumiu que ele tivesse acabado de acordar. Arlen olhou rapidamente para Adelaide, como se para checar se estava tudo bem.

— Ela é uma amiga — respondeu-lhe Arlen, caminhando na direção do irmão e abaixando-se em frente a ele. Adelaide franziu o cenho diante do termo utilizado. — E nós já conversamos sobre a educação com as visitas, certo, Anthony?

Não havia resquícios de dureza ou exigência em sua voz. Diante daquilo, Anthony assentiu, levantando o olhar para Adelaide e sorrindo.

— Oi. — disse ele, animadamente. — Eu sou Anthony.

— Oi, Anthony. — respondeu-lhe ela, sorrindo. — É um prazer conhecê-lo.

E foi nesse momento que ela ouviu as batidas na porta, de forma brusca, e Arlen levantou-se imediatamente, movendo-se para ficar à frente de Adelaide e semicerrando os olhos para a porta.

E ela ouviu uma voz extremamente familiar.

— Cavalaria de Honra do Reino da Prata — exclamou Jay, e Adelaide trocou um olhar assustado com Arlen. — Abra, ou nós iremos invadir!

— Eu sinto muito — começou Adelaide, baixinho, sentindo suas mãos tremerem, conforme Arlen voltou-se para ela. — Eu não imaginei que eles... Arlen, eu realmente sinto muito.

— Acalme-se. Está tudo bem. Venha — disse ele, colocando cuidadosamente as mãos nas costas dela e conduzindo-a até o quarto de Anthony, que olhou para ambos com confusão em seus olhos. — Espere só um minutinho, amigão. Eu vou precisar da sua janela um momento.

Arlen abriu a janela com facilidade, mesmo ao considerar o material prestes a ceder da qual a mesma era feita, e ergueu um olhar para garantir que o cavaleiro ainda não havia adentrado. Então ajudou Adelaide a passar pela janela, segurando rapidamente a mão da mesma.

— Se ele invadir — garantiu-lhe Adelaide, uma vez que estava do lado de fora, com pressa. — Eu me responsabilizarei pelos danos.

Ele riu.

— Não se preocupe com isso.

— Muito obrigada, Arlen.

E, antes que ele pudesse responder, lembrou-se do chamado de Jay. Arlen correu para o lado de dentro e Adelaide disparou para longe da casa, correndo com toda a velocidade que tinha.

Adelaide considerava que merecia ser elogiada. Afinal, foi capaz de correr diversas quadras até que finalmente parasse, tropeçando ao ver alguém adentrar em seu caminho e impedi-la de prosseguir. Não era difícil discernir a classe social da pessoa simplesmente ao ver suas roupas. Ainda assim, Adelaide ergueu os olhos e o encarou.

— Bonjour, princesse — disse Nicholas, com um sotaque francês profissional e um sorriso convencido em seu rosto. — Indo a algum lugar?

MAXINE - DUAS HORAS ANTES

Na manhã seguinte, a feiticeira se sentia renovada. As boas horas de conversa com Lance lhe fizeram tão bem quanto um feitiço de cura.

Assim como o maravilhoso beijo.

Certamente estava segura, ninguém a vira nos Jardins e a mesma fizera questão de esconder seu caráter mágico. A loira permaneceu sentada em sua cama, observando o quarto de hóspedes que lhe fora fornecido. As paredes brancas tinham um quadro a cada dez centímetros, todos de nobres importantes para o Reino do Ouro. Maxine engoliu seu nojo.

Apesar de morar a um mês naquele lugar, ainda lhe era repulsivo viver no meio de toda aquela riqueza enquanto milhares de pessoas além dos limites do castelo passavam fome e frio. Ela sabia o que o povo passava, pois ela era o povo.

Ela se levantou, usando o lençol para cobrir o corpo despido, e pela primeira vez em trinta dias que hospedava aquele quarto, resolveu abrir o armário. De fato, quase todas as roupas ali não eram seu estilo, mas um simples vestido chamou-lhe a atenção. Este era verde e sem mangas, com um decote médio e um laço não muito grande logo abaixo de seus seios. Ele era comprido e cobria seus pés, o tecido era fino e leve como uma brisa do amanhecer. Ela sorriu e o vestiu, sentindo-se bonita pela primeira vez.

De repente, batidas fortes em sua porta irromperam o silêncio da manhã, fazendo-a tirar o sorriso do rosto e rapidamente colocar a coroa em sua cabeça. Ela abriu as travas, encontrando com Jay a sua frente. A expressão era de grande preocupação e sua testa suava, os olhos tentando não se arregalarem.

— O que foi, soldado? - Maxine perguntou, colocando as mãos em seus antebraços - Estás pálido. Viu um fantasma?

— Adelaide. - ele a encarou ainda mais preocupado.

— O que tem a donzela? - ela perguntou novamente, irônica.

— Ela desapareceu do castelo.

O salão estava em total frenesi. Nobres, guardas e empregados andavam de um lado para o outro, perdidos e desesperados. Sentada em seu trono, Melissa também tinha os nervos a flor da pele, o rosto encharcado pelo suor, apesar da expressão calma e canalizadora em sua face. Maxine suspirou, como ela poderia aparentar tranquilidade enquanto sua irmã estava desaparecida? O Príncipe Seth atravessou o salão, parando ao lado da feiticeira. Dentro daquele um mês, os dois já se conheciam como ninguém, treinavam juntos, comiam juntos e basicamente gastavam seu tempo na companhia um do outro. O loiro lhe dizia sobre seu casamento e o quão "empolgado" ele estava, e Maxine lhe dizia sobre suas terras e culturas diferentes. Era claro como a nascente de um rio que Chase e Singh eram bons melhores amigos.

— O que está acontecendo? - ele perguntou a feiticeira.

— Adelaide desapareceu. - ela o respondeu - Melissa está organizando grupos de buscas, acho. Olhe, ela vai falar.

A Rainha ergueu-se do trono e pediu silêncio. Deu um sorriso forçado e arrumou discretamente seu coque para cima. Ela estava muito nervosa, era óbvio.

— Meus caros, temo em informar-lhes que minha adorada irmã, a Princesa Adelaide, desapareceu. - mais caos nasceu entre os presentes - Quero os melhores cavaleiros nas ruas a sua procura. Não descansem enquanto trouxerem a Princesa para o castelo.

— Com sua licença, Majestade, - Maxine interrompeu, caminhando até sua frente - gostaria de ajudar nas buscas.

— É muita gentileza sua, Duquesa Maxine. Escolha uma frota.

Ela encarou bem os soldados a sua disposição. Jay a encarou de volta, suplicante. A loira o escolheu, e logo em seguida apontou com certo descaso para Perry, que lhe direcionou um sorriso irônico por debaixo de seu elmo prateado. Seth ofereceu-se para participar da frota, dando um sorriso a feiticeira. Ela pediu um momento e correu até seu quarto, trancando a porta e tirando com delicadeza o maravilhoso vestido. Colocou em cima da cama e estalou os dedos; sua habitual roupa de esgrima surgiu em seu corpo. A calça e a blusa eram deveras mais confortável para caminhar do que o vestido. Calçou um par de botas que ali estavam e retornou ao salão, onde Melissa lhe admirou com um sorriso no rosto.

— O Reino do Ouro cria uma dívida com você, Duquesa Maxine.

— Não se preocupe. - a loira sorriu - Sou a melhor rastreadora de meu reino.

A frota saiu, os nobres lhes desejando boa sorte. Não haviam montarias suficientes, então a feiticeira deveria dividir o cavalo com alguém. Perry virou o rosto na tentativa falha de escapar da mulher. Ela sorriu e montou logo atrás dele, fazendo questão de segurar sua cintura com firmeza. Rapidamente, a equipe começou a cavalgar em direção à cidade de Cecília.

— Por que não foi com Seth? - o guarda perguntou, olhando fixo para o horizonte, onde a silhueta da cidade se erguia.

— Não vejo necessidade. Você estava tão livre quanto ele. - ela sorriu - Por que, Arqueiro? Algum problema?

Perry manteve-se em silêncio. Não queria revelar a ela que estava incomodado com a proximidade dos dois. Não era da sua conta e ele certamente sabia disso, mas não conseguia suportar o fato de que a dama logo atrás de si preferia a companhia de um nobre - ser este que ela odiava - a dele. Maxine colou seus lábios ao ouvido do moreno, e claramente os mesmos estavam curvados em um sorriso.

— Não se preocupe, Cavaleiro. Não é Seth aquele que tenho interesse.

Quando as primeiras casas apareceram a sua frente, a frota diminuiu a velocidade. Sem paciência para qualquer outro conflito, Maxine pediu a Jay que lhe acompanhasse em sua busca, enquanto Perry e Seth seguiam para o outro lado. Os dois feiticeiros começaram a procurar nas áreas mais pobres, e um sentimento ruim apoderou-se do estômago da loira. Já havia passado por aquilo; vivera a fome e o frio, a doença e a tristeza. Segurou um suspiro triste ao ver uma pequena garotinha ali, sentada no chão, chorando perdida. Ela sacudiu a cabeça e seguiu para o outro lado, com Jay em seu encalço.

— Posso lhe perguntar uma coisa? - o rapaz interveio enquanto passavam por becos mais escuros.

— Claro, Jaime. - ela asquieceu, olhando ao redor.

— Se você ainda está irritada com Adelaide, por que veio procurá-la?

Ela suspirou e virou-se para o rapaz. Jay encolheu seus ombros, mas os olhos bruxuleantes da moça não lhe causavam medo. Ele tinha respeito por ela. Era impossível ninguém conhecer a história sofrida e conturbada da Dama de Badlands.

— Jay, isto é complicado. Estou sim, furiosa com aquela moça. Mas olhe, eu estou visando nosso acordo. Não posso deixar meu povo continuar a morrer desta forma. - ela pousou a mão na bochecha do rapaz - Não quero que nossos irmãos desapareçam. Agora, você sabe por que ela fugiu?

— Bem, Adelaide está sobrecarregada. - ele asquieceu, continuando a caminhar atrás da loira - Seu acordo, os problemas políticos e seu casamento estão deixando-a mais do que cansada. Por isso, quero te pedir que tenha paciência. A Princesa nunca usou verdadeiramente a magia em sua vida, sabe apenas lidar com tudo de forma nobre.

Maxine sentiu-se culpada. Assim como Adelaide não sabia de sua vida, ela não sabia da vida da Princesa. Bufou irritada consigo mesmo. Talvez a pior decisão que tomou fora ter aceitado aquela proposta. Deu um sorriso sem dentes para Jay e continuou caminhando. De repente, parou em frente a uma casa. Olhou para o moreno, que assentiu e bateu com força na porta.

— Cavalaria de Honra do Reino da Prata. Abra, ou nós iremos invadir!

Passaram-se dois minutos de silêncio até um jovem abrir a porta. Tinha os olhos azuis escuros e cabelos um pouco compridos, rente aos ombros. Maxine avançou pela casa enquanto Jay segurava o rapaz, que reclamava dizendo ser inocente. A loira permaneceu de pé no meio da casa, de olhos fechados. Já não sentia mais a aura mágica de Adelaide. Bufou irritada e virou-se para o rapaz, encarando-o tão profundamente que parecia penetrar sua alma.

— Onde ela está?

— Capitã, não há ninguém a mais nesta casa do que um pobre guia turístico.

— Solte-o, Jay. Já perdemos tempo demais. - Maxine bufou - Ela fugiu novamente.

— Não vão revistar minha casa? - o plebeu perguntou, irônico. A loira deu um sorriso ácido.

— Se você insiste.

Rapidamente a loira começou a caminhar pela pequena casa. Notou uma escada que ia para um possível segundo andar, e rapidamente subiu as mesmas, encontrando duas portas fechadas. Enquanto examinava o corredor, uma delas se abriu, revelando um garotinho. Tinha cabelos loiros no mesmo tom do jovem no andar de baixo, porém curtos, e os olhos azuis escuros eram quase tão brilhantes quanto os do rapaz. Maxine agachou-se, abrindo um sorriso, e perguntou qual era seu nome.

— Eu sou Anthony.

— Muito prazer, Anthony. Eu sou Maxine. Escute, você viu uma moça de cabelos pretos e olhos escuros por aqui?

O menino pensou por alguns segundos. Max esperou pacientemente, não querendo assustá-lo. A lembrança de seu irmão invadiu sua mente, e lágrimas brilharam em seus olhos azuis, não conseguindo mantê-las dentro de sua alma. O loiro olhou para ela confuso, e tocou sua mão com leveza, sacudindo-a enquanto ela limpava as gotas de seu rosto e o olhava.

— Por que você está chorando?

— Nada, nada. Desculpe. - ela deu um falso sorriso - Então, você viu a moça?

— Não. Meu irmão estava me ajudando a fazer o dever de casa.

Ela apenas assentiu e desceu novamente as escadas, onde o rapaz estava sentado de frente para Jay, de modo desleixado, revirando os olhos a cada dois segundos. A loira não segurou a risada, o que fez os dois rapazes franzirem o cenho.

— Você não tem o jeito durão, rapaz. Chega a ser divertido.

— Esse, - ele sorriu, zombeteiro - é o meu trabalho, madame.

— Não temos tempo a desperdiçar, Duquesa. - Jay parecia irritado - Qual seu nome?

— Arlen Thomas, não que precisem saber meu sobrenome. Preferiria que fosse Nightstorm. Muito mais elegante, não acham?

Jaime bufou, respirando fundo de olhos fechados. Talvez interrogatórios não fossem sua especialidade.

— Diga-nos onde a Princesa Adelaide foi, ou a Corte não será tão piedosa quanto eu estou sendo.

— Olhe, senhor, se isso é piedade, prefiro ficar em silêncio, obrigado.

— Desista, cavaleiro. - Maxine riu - Este rapaz não vai dizer nada. Mas ela não está aqui. Não podemos perder tempo. Olhe Arlen, por que não vai ajudar seu irmão com o dever de casa?

E então, os dois saíram da casa, enquanto o plebeu soltava um suspiro aliviado. Maxine seguiu rua abaixo com Jay ao seu encalço. Precisou segurar uma risada quando ouviu o guarda bufar, irritadiço.

— Jay, querido, vamos lá. Não foi tão ruim.

— Eu sou um desastre como cavalaria. - o rapaz balançou a cabeça.

— Olhe, você foi ótimo. Arlen não cooperou, a culpa não é sua. - ela sorriu, encorajadora - Espere. Ela parou. Não está em movimento.

— Ali!

O rapaz apontou para a frente, onde Adelaide estava parada, e Príncipe Nicholas sorria presunçosamente na direção dos dois. Maxine sentiu o ódio subir por suas veias. Um ódio que claramente não era seu. Ela olhou para o garoto ao seu lado, e o sorriso que ele deu era claramente quebrado. Ela segurou o pulso de Jay e o arrastou até o beco escuro e vazio, estalando seus dedos e teletransportando-os para os primeiros níveis de Badlands, próximo aos Jardins do Castelo. Ele saiu a passos velozes da floresta enquanto a feiticeira suspirava, derrotada.

Corações haviam sido quebrados.


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Notas finais do capítulo

Esperamos que todos tenham gostado.



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