Anjo das Trevas escrita por Elvish Song


Capítulo 27
O dia seguinte


Notas iniciais do capítulo

Olá, meninas! Meu ritmo de postagem caiu um pouco, porque estou de mudança, mas continuamos a fic. Obrigada por todos os comentários fofíssimos, que me deixaram superfeliz! Nos vemos nas notas finais.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/662451/chapter/27

Annika acordou sentindo os braços de Erik ao seu redor. Com extremo cuidado, para não acordá-lo, virou-se naquele abraço de modo a poder contemplá-lo: estava sem máscara, coberto até a cintura com os lençóis vermelhos, e parecia tão calmo, tão indefeso e vulnerável em seu sono, que ela sorriu ternamente. Ele resmungou ao sentir a jovem mudar de posição, e passou a perna sobre as dela, como se para garantir que ela não sairia dali. Como se a pianista pretendesse fazê-lo!

Sentindo-se aconchegada e protegida como jamais acontecera antes, ela aninhou a cabeça na curva do pescoço de seu amado e fechou os olhos, deliciando-se com a sensação de suas peles se tocando, dos braços dele a apertarem-na pela cintura, protetores e possessivos. A respiração leve fazia cócegas em seu pescoço, e ela não se lembrava de já ter estado tão feliz! Ficou ali, apenas observando-o dormir durante um longo tempo, recordando-se da noite anterior: após uma tarde de amor, haviam se banhado juntos, e ela insistira em que jantassem. Fora para a cozinha usando apenas a camisa de Erik, para provoca-lo enquanto ajeitava o jantar, no que ele a ajudou, prestativo... Mas com tantas carícias e beijos, a refeição acabara bastante atrasada. Após o jantar, subiram para a sala de música, onde Erik lhe mostrou, tímido, a composição que começara. Juntos haviam desfrutado de doces momentos musicais, antes que o apelo do prazer encontrasse outros usos para a espreguiçadeira do aposento... Entre música e amor, haviam permanecido ali até de madrugada, quando então ele a carregara para o quarto e a deitara na cama, juntando-se a ela num abraço gentil. Como o mais perfeito Anjo da Música, cantara suavemente aos seus ouvidos, até que ela adormecera naqueles braços, feliz e protegida.

Perdida em admiração ao rosto de seu Anjo – que para ela nada tinha de horrendo, mas sim, de fascinante... Tal qual os mistérios do monumento que haviam visitado, no dia anterior – abriu um sorriso ao ver os olhos dourados se abrirem e a fitarem profundamente, a princípio com confusão e, depois, com genuína felicidade.

– Diga-me que não é um sonho. – pediu ele, aninhando a mulher ainda mais em seus braços.

– Se for, nós o compartilhamos, e eu nunca mais quero acordar. – devolveu ela, beijando os lábios do Fantasma. Tomado pela mesma felicidade de sua amante, ele correspondeu ao beijo e se colocou sobre ela, sentindo a maciez e o calor do corpo sob o seu, sentindo-se aconchegado, seguro e amado ao perceber as mãos que o abraçavam tão ternamente. Cheio de carinho, fez uma trilha de beijos pelo pescoço da moça, antes de perguntar:

– Feliz? – ele a envolveu pela cintura e virou ambos na cama, deitando-a sobre seu peito enquanto penteava com os dedos as longas ondas douradas. Ele, que aprendera a temer e odiar o toque de outras pessoas, sentia-se no paraíso ao contato daquele anjo encantador, e ansiava por mantê-la junto a si, tanto tempo quanto pudesse! Se dependesse de sua vontade, nunca mais se levantaria daquela cama, mantendo a linda Annika consigo ali, longe do mundo e das outras pessoas.

– Mais do que fui, em qualquer época de minha vida! – respondeu ela, beijando-o com carinho e afagando o rosto marcado com as costas da mão. Não tinha palavras para descrever não apenas o quanto amava aquele homem, mas o quão grata era a ele, por tê-la tirado do inferno e a levado a um lugar que, se não fosse o paraíso, estava bem próximo de lá. – E você?

Erik não respondeu de imediato: apenas sorriu e, tomando-lhe os lábios com paixão, amou-a outra vez, sussurrando ao ouvido da moça o quão maravilhoso era tê-la consigo, o quanto a admirava, como fora tolo em pedir que deixasse a casa, como já não conseguia se manter longe dela... Falou todas as verdades que só a paixão poderia fazê-lo exprimir, palavras que foram apenas parcialmente ouvidas, em meio a gemidos e beijos profundos. Sim, ele estava feliz... Mais feliz do que jamais fora. Provavelmente, muito mais feliz do que merecia.

*

Manhosamente estendida sobre dois travesseiros, Annika abraçou o objeto macio e sorriu para Erik, que acariciava-lhe o dorso com as costas dos dedos. Vendo as longas cicatrizes de açoite que marcavam a pele clara da mulher, tomava cuidado dobrado para que seu toque fosse o mais suave possível. Traçou com os lábios o desenho da maior das marcas, que ia do quadril ao ombro, percebendo o arrepio na pele de sua amante quando o fez, o que lhe arrancou um sorriso. Envolvendo a cintura curvilínea com o braço, sussurrou ao ouvido dela:

– Queria reter este momento pela eternidade, minha Annika.

– Então, somos dois – ela se virou de costas na cama, de modo a encarar o músico. Ele estava tão sereno e feliz, que não parecia ser o mesmo homem com quem tivera brigas tão violentas. Com um beijo no rosto dele, a pianista rolou para a borda da cama e se levantou, sorrindo – não vai se levantar hoje, preguiçoso? – a visão do corpo nu de Erik estendido sobre a cama era um deleite para a jovem, especialmente quando um espreguiçar fingido ressaltou os músculos dos braços e tronco...

– Eu não teria problema algum em ficar nesta cama para sempre – ele se levantou e agarrou a moça pela cintura – desde que a mantivesse comigo.

– Na cama, pela eternidade? – perguntou ela, rindo – deixe de preguiça! – e com alguma dificuldade em se “desvencilhar” de seu amante, a moça conseguiu descer para o piso inferior (vestida apenas com uma camisa do Fantasma) e colocar suas roupas íntimas e combinação. Teria posto o vestido, também, mas ia precisar dele para voltar ao teatro, no dia seguinte... Bom, paciência... Teria de usar só combinação. Não que Erik fosse realmente se opor à ideia, afinal...

Ao chegar à sala, encontrou o Fantasma reclinado na espreguiçadeira, com alguns papeis em mão; estava de máscara, vestindo calça e camisa, e usava um pedaço simples de carvão, tirado do fogão à lenha, para desenhar algo que ela não podia ver. Com um olhar enigmático, ele a fitou por alguns segundos – não um olhar apaixonado ou desejoso, mas como se a medisse de alto a baixo – antes de retornar a atenção ao que fazia. Curiosa, Annika se aproximou e debruçou-se por sobre o ombro do artista; naqueles poucos minutos que passara no quarto, ele fizera um belo desenho: uma mulher, deitada nua num leito de modo que os lençóis só cobrissem suas partes mais íntimas. A luminosidade que parecia cerca-la dava um ar quase angelical às formas em preto e branco. E não obstante devesse ser um desenho sensual, a mulher no desenho – que era ela, a própria Annika! – não emanava sedução, mas sim, uma beleza pura, inocente e despretensiosa. Aquela mulher era bela por ter nascido assim, e expunha-se em inocência que não havia mais nos dias que corriam!

– Erik... – ela começou a falar, mas não teve palavras. Era assim que ele a via, então? Como podia vê-la daquela forma, com todo o seu imundo passado? – O que é isso, meu amor?

– A beleza escondida, minha Annika. – respondeu ele, acariciando a mão da mulher e puxando-a para seu lado, sentando-a consigo – a inocência que você esconde, mas que sua alma transparece. Ártemis e Afrodite, Anjo e Lilith numa só mulher. Esta é você, como surge aos meus olhos.

– É... É absolutamente lindo! – elogiou a jovem, mais do que surpresa em ver o quão depressa ele traçara as mais perfeitas linhas, tornando um simples papel numa obra de arte que poucos poderiam igualar. E pensar que os talentos daquele homem eram ignorados e repudiados, apenas por causa de uma deformidade no rosto... – Não tenho palavras para dizer...

– Não precisa – sussurrou ele, segurando o rosto feminino com ambas as mãos e selando seus lábios num beijo terno. Foi Annie quem finalmente se afastou, dizendo:

– Também tenho algo a lhe mostrar, meu senhor – ela o tomou pela mão e puxou-o para a sala de música, palco de suas brigas mais violentas e momentos mais ternos, e o fez sentar-se na poltrona, enquanto ela própria assumia lugar no banco do piano. Com mãos levemente trêmulas, começou a tocar; era a primeira vez que mostrava a Erik uma composição sua, e temia que ele não a aprovasse... O fato de que criara a música com base em seus sentimentos apenas aumentava a apreensão.

A música já se iniciava com sons intensos, fortes e poderosos, tais como haviam sido as emoções da jovem, ao se conhecerem. Sons intensos, contrastantes, mas nem por isso incompatíveis; remetiam ao misto de amor e ódio que tomara a mulher, e iam se tornando mais suaves, em alguns momentos, passando a um pianíssimo, que em alguns momentos era interrompido por uma sequência de notas altas e graves – memórias das rusgas e discussões perigosas entre ambos. Um alegro encerrava a melodia, com uma última chave longa, cujos sons iam morrendo lentamente, sem declinar a alegria que transmitiam. E quando, enfim, ela ergueu o rosto e fitou seu amado, aliviou-se ao ver o enorme sorriso em seu rosto.

Bravissima! – aplaudiu o Fantasma – onde ouviu tal música?

– Eu a compus. – disse a moça, o que arrancou uma exclamação de surpresa do músico.

– Mas isso é... É incrível, Annika! – ele tomou o rosto dela nas mãos, olhando-a com fascínio, admiração e perplexidade. – Você é a mais preciosa pérola que o mundo já viu. Minha Annika, meu – ele congelou ao perceber que quase a chamara de “meu amor”, e tratou de se corrigir, antes de dizer algo que, sabia, não teria volta – anjo.

Ela sorriu e o beijou apaixonadamente. Ele não dissera que a amava, mas já não se importava: estava feliz com a parte do coração de Erik que ele lhe dedicava. Seria isto o verdadeiro amor, do qual falavam os livros? Amar tanto que só lhe importava a felicidade do outro, e alegrar-se com o que ele pudesse lhe dar em troca? Pois era exatamente assim que se sentia, e já não sabia em que momento passara a amar daquela forma o seu recluso, sisudo e perigoso senhor.

*

– Ali, está vendo? – perguntou a moça, apontando a constelação e fazendo seu desenho com o dedo – é o cisne.

– Os gregos diziam que Zeus o colocou no céu, após usar a forma de um cisne para seduzir a rainha-feiticeira Leda. – contou Erik, sorrindo para a mulher deitada em seu braço. Estavam ambos deitados no telhado (ideia de Annika, é claro, que praticamente arrastara o Fantasma para lá), observando as estrelas. Nos dias que corriam, já não havia tantas no céu, graças à fumaça das fábricas, mas o artista se lembrava de um tempo em que podia fitar o céu e contar inúmeros pontos brancos no firmamento... – Fazia muito tempo que eu não olhava o céu!

– Já tinha feito isso?

– Quando era criança – respondeu ele, dessa vez sem tanto pesar – Só podia abrir as janelas de noite, quando não poderiam me ver, mas era melhor hora que havia. Eu olhava para o céu, e parecia que elas estavam lá, incontáveis, brilhando para mim. Elas me davam esperança, e toda noite eu jurava que, no ano seguinte, seria livre. – ele sorriu com tristeza – mas é como se eu houvesse carregado aquele sótão dentro de mim, por todos esses anos. – ele segurou a mão dela, e lhe afagou a bochecha – Até agora. Obrigado, Annie. Obrigado por ser meu anjo, por ter me trazido de volta à vida.

– Não me agradeça – sussurrou ela, de volta – eu é que sou grata, meu querido, por tudo o que você é, e por tudo o que me tornou. – ela se inclinou para beijá-lo, mas isso quase a fez escorregar – opa! Pensando melhor, vou ficar por aqui, antes que caiamos os dois.

– Como foi que você me convenceu a subir aqui, mesmo? – perguntou o homem, voltando a fitar o céu.

– Eu subi e você veio atrás, para me arrastar lá para baixo... – ela ergueu levemente a cabeça, olhando para a borda do telhado inclinado – só não faço ideia de como vamos descer...

Os dois riram, e continuaram a olhar o céu. Em dado momento, porém, a pianista silenciou, e ficou apenas contemplando o firmamento escuro, salpicado de pontos luminosos. Confuso com o silêncio dela, que até há pouco falava animadamente, Erik perguntou:

– Em que está pensando?

– Em como tudo mudou, desde que te conheci. – ela mordeu os lábios – passei do inferno ao paraíso... Mas quantas pessoas não estão presas no inferno, como nós estivemos, Erik?

– Muitas. Mas não há nada que possamos fazer, Annie. Cada um precisa cuidar de si, e não podemos salvar o mundo.

– Raciocine comigo: se todos pensassem assim, você teria sido executado nas arenas persas, ou morrido no circo. Eu e Gabi ainda estaríamos no bordel. A vida foi boa para você, e você foi bom para nós... Não é papel meu e de Gabrielle passarmos adiante o bem que nos foi feito?

– Talvez ajudem, ou mesmo salvem, uma, duas, ou até dez pessoas... Mas não vão mudar o mundo.

– Vamos mudar o mundo das pessoas que pudermos ajudar.

– Oras, Annika... – o artista se irritou, e teria saído dali, se não pensasse melhor sobre as palavras da jovem. Após alguns segundos de reflexão, desistiu de discutir – e o que, exatamente, pretende fazer?

– Não sei. Mas não consigo me esquecer das palavras de minha mãe: o mundo só será melhor se todos estiverem decididos a serem melhores. Faço a minha parte, e que cada um lide com a própria consciência. Ela também falava que grandes mudanças são feitas por pequenos passos... E tenho pensado muito nisto.

– Pense. – disse o Fantasma. Não concordava com Annika: se o mundo não lhes demonstrara compaixão, por que deviam se preocupar com o destino dos outros? Ainda assim, aquilo parecia importante para ela, e ele não tinha a menor intenção de magoá-la outra vez. Já havia feito isso muitas vezes, e não repetiria o ato. Para evitar a tensão deixada pelo assunto, brincou – e agora, precisamos descobrir um modo de descer daqui. Com essa inclinação, o jeito mais fácil é escorregar até lá em baixo, e esperar não quebrar nenhum osso. Temos de voltar ao teatro, amanhã, e seria difícil cavalgar ou andar com uma coluna quebrada.

Annika riu e, virando-se de bruços, começou a escorregar devagar e com cuidado até o beiral. Subir no telhado, de repente, podia não ter sido uma boa ideia... As ideias que havia contado a Erik não seriam esquecidas, mas certamente podiam esperar até amanhã. Queria que aquele final de semana terminasse tão bem quanto havia estado, até agora.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então? Que tal o "dia seguinte" de Erik e Annika? Deixou a desejar, foi melado demais? Deixem reviews!
Kisses!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Anjo das Trevas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.