Anjo das Trevas escrita por Elvish Song


Capítulo 20
Pedido Inesperado


Notas iniciais do capítulo

Capítulo novo! Tomara que curtam.



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Annika desceu do palco de olhos baixos, desapontada – se Erik estivera lá, não se deixara ver por ela – mas recebeu com forçada alegria os cumprimentos de colegas e amigos admirados com sua performance de uma hora sobre o palco. Para todos, o talento de Annika como pianista era algo indubitável: aquela jovem de vinte e dois anos cativara o público, os administradores do teatro, os outros músicos e a maior parte dos demais membros da Ópera, apenas com suas habilidades musicais, o modo tímido e delicado de agir, e a profunda discrição acerca da própria vida – suas origens levantavam suspeitas, mas ninguém podia afirmar coisa alguma. Além disso, a capacidade da pianista tornava esta questão irrelevante: não houvera já, naquela ópera, mulheres divorciadas, levianas de vários amantes, solteironas e damas? Ali, todos eram bem-vindos, independente de sua história, contanto que tivessem algo a oferecer. O meio do teatro era bem pouco exigente com condutas morais, enfim.

Esquivando-se aos amigos – inclusive a Isabelle – a moça fugiu para seu camarim, acompanhada apenas da irmãzinha, que sabia o motivo da tristeza da mais velha. Entraram juntas no pequeno aposento, e a dama ia se sentar à penteadeira quando reparou em algo que aqueceu seu coração: uma rosa branca e vermelha, atada com fita de cetim negro, no vasinho sobre o móvel. Ah, Deus! Ele viera, e se lembrara! Aquilo trouxe um sorriso ao rosto da moça, que tocou a rosa com enorme carinho, trazendo-a para junto de si... Erik podia não querer vê-la, mas aquela linda flor estivera em suas mãos, perto de seu corpo, e isso já era um consolo para a moça.

– Você o ama mesmo, não é? – perguntou Gabrielle, começando a tirar os enfeites de cabelo da irmã – seus olhos brilham quando recebe as rosas dele...

Com um sorriso conformado, a mais velha abraçou a irmã pela cintura e deitou a cabeça contra a barriga da adolescente, num gesto de carinho.

– Nada passa por você, não é, abelhinha?

– Não quando diz respeito a você, Annie. – respondeu a mocinha, que a cada dia se afastava mais dos ares de menina e se aproximava do de moça.

– Mas também a mim não escapam algumas coisas, querida – disse a pianista, erguendo-se para tirar o espartilho e o vestido de apresentação – Ou acha que não vejo como se porta com as visitas de Renard? – a menina ruborizou às palavras da outra, que se riu e perguntou – gosta dele, não é?

– Sabe a resposta, Annie. Pare com isso. – disse a garota, ajudando a mulher a tirar as roupas pela cabeça. – não sei como você respira dentro disso!

– Por isso sou pianista, e não cantora. – brincou a outra, sentindo-se aliviada em ficar livre das peças apertadas enquanto colocava um vestido simples, de algodão – ah! Posso respirar, enfim!

As duas riram, e outra vez Annika se encantou com a beleza da irmã. Gabrielle era uma versão mais jovem e sensata de si própria, com aqueles grandes e expressivos olhos azuis que pareciam tão jovens e tão antigos ao mesmo tempo. O teatro fizera bem à adolescente, que começara a estudar também violino, e prometia ser excelente musicista; com sua curiosidade e inteligência aguda, dominara algumas técnicas de palco, bem como truques de luz e efeitos sonoros, ao ajudar os técnicos, que a adoravam! Cheia de orgulho, Annika acariciou o rosto da pequena e beijou-lhe a fronte:

– você está tão bonita, abelhinha... Se soubesse o quanto eu te amo, Gabi. – a pequena sorriu e sentou no colo da irmã quando esta se sentou outra vez, abraçando-a.

– Eu também te amo, Annie. – a garota parecia tão mais tranquila e segura naquele lugar, que sequer lembrava a menininha assustada que fora há pouco mais de um ano; crescera bem uns dez centímetros, desde então, e agora aparentava os treze anos completos que tinha. Reservada, prudente e dedicada, atraía o amor dos professores, a amizade das moças e a admiração dos rapazes, embora já estivesse se tornando bem claro que Renard fora o escolhido pela atenção da jovem. E tamanha transformação na pequena só fora possível graças a Erik... Erik, que sofria sozinho em algum canto, sempre lamentando por Christine, sempre perseguido pelo passado, e pela própria deformidade.

– Annie, você precisa parar de pensar nele. Já está se tornando uma obsessão – disse a adolescente, ao ver como o semblante da outra obscurecera. Quando a irmã a fitou, surpresa, continuou – Eu sei que ele não está nada bem... Mas se torturar também não vai ajuda-lo. Ou toma alguma atitude, e não vejo qual poderia ser, ou deixa o tempo passar, e pensa em outras coisas.

– tomar uma atitude... – a moça parou por longos minutos, pensativa, até que seu rosto se iluminasse ante uma ideia – sim! Você é um gênio, Gabi! – levantando-se, a mulher deu um beijo na cabeça da irmã, antes de deixar o camarim. Meneando a cabeça com um sorriso que dizia “que se há de fazer com ela”, a mais nova tomou o caminho do terraço: gostava de ficar lá em cima, vendo o céu, e as estrelas estavam muito bonitas, naquela noite. Com sorte, seu professor estaria ali, assombrado por sua vida e seu passado, tentando esquecer Christine e Annika. Por que aqueles dois não conseguiam se acertar?!

*

– Annika, tem certeza de que quer fazer isso? – perguntou Meg, cavalgando ao lado da amiga – Tem certeza de que é, mesmo, uma boa ideia?

– Eu preciso fazer, Meg.

– Mas Christine o abandonou há cinco anos! E posso ver em seu rosto o quanto está sofrendo, com esse plano maluco!

– Nem tanto quanto ele. – respondeu a mais velha, suspirando – Para o bem ou para o mal, tudo o que ele quer é uma última chance de ver Christine. Eles deixaram coisas pendentes, que não podem ser ditas ou resolvidas por cartas. Ela precisa ir falar com Erik: ela deve isso a ele!

A bailarina deixou pender a cabeça: via as lágrimas retidas nos olhos da amiga, mas esta estava resoluta. Não se importava com a própria dor, contanto que seu amado – a mais jovem não era tola, para não ver o amor nos olhos da outra – pudesse ter ao menos um pouco de felicidade. E agora, a moça Giry se sentia profundamente dividida: aquele plano envolvia seus três melhores amigos, no mundo: Erik, arrasado após a perda de Christine... Annika, que amava o Fantasma e, ao mesmo tempo em que queria vê-lo feliz, sofria por não ser correspondida... E Christine, que tinha uma vida própria, agora, e seria arrastada de volta às loucuras do Fantasma. Aquilo não tinha como terminar bem, e ela já não sabia por que concordara em ajudar! Talvez para amenizar o impacto que os eventos teriam em cada um... Mas o que podia fazer, de fato?

As duas desmontaram diante do palacete dos De Chagny, e um segurança com um cão policial se aproximou do portão, perguntando:

– O que desejam, senhoritas?

– Quero ver a senhora Christine de Chagny; ela espera por mim – disse Meg – Sou Meg Giry. O senhor já me viu aqui, antes; esta é Annika, uma amiga minha.

– Ah, é claro, Mademoiselle Giry! – exclamou o sentinela, abrindo o portão e permitindo que as moças entrassem e puxando também os cavalos para dentro – mandarei a governanta avisar Madame de Chagny de sua vinda. Providenciarei que o cavalariço cuide dos animais.

Com um sorriso agradecido, Meg conduziu Annie consigo até a frente da casa, acompanhadas do guarda, que entrou na casa. Pouco depois, saiu acompanhado de uma senhora de meia-idade, cabelos negros presos num coque baixo, roupas fechadas e escuras; tinha ar severo, e pediu:

– Por favor, senhoritas, entrem. Madame descerá em breve.

– Obrigada, Madame Louise – agradeceu Meg, levando a amiga consigo. A sala de visitas do casal era enorme, grande o bastante para um pequeno baile, e adornada com móveis de madeira escura com forro branco. Amplas janelas de vidro cuidavam para que toda a luz da manhã inundasse o aposento confortavelmente. Tudo ali respirava luxo e conforto, mas pareceu um tanto opressivo à mulher mais velha... Certamente, não era a vida que escolheria para si, e agora entendia porque sua mãe optara por deixar a família nobre em que nascera.

Foram convidadas a se sentar no sofá de forro cor de creme, e uma criada lhes trouxe chá de flores da estação. Enquanto esperavam, Annika segurou a mão da moça mais nova, e sussurrou:

– Obrigada por estar fazendo isso, Meg.

– Não me agradeça antes de terminarmos tudo, Annie. Ainda não sabemos como as coisas se passarão. – ela ia dizer mais alguma coisa, mas Christine surgiu no alto das escadas, com um enorme sorriso no rosto jovem:

– Meg! – ela desceu as escadas rapidamente, indo se atirar nos braços da amiga – Fiquei tão feliz com sua carta! Já faz três meses, querida! Por onde andou?! – só então ela reparou na presença de Annika, e se recompôs – Annika! Ah, bem, não é muito cortês de minha parte... – ela apertou a mão da moça – bem-vinda a meu lar.

– Finalmente nos falamos sem um portão de ferro entre nós, Madame. – comentou a pianista, em voz baixa – obrigada por nos receber.

– Ah, não me agradeça! E não há necessidade de chamar-me Madame. Qualquer amiga de Meg é, também, minha amiga, e “Christine” terá de bastar. – ela indicou o sofá – sentem-se, por favor! – ela própria se acomodou no sofá, de frente para as visitantes – a que devo esta agradável visita?

– Christine... Annika e eu viemos aqui para lhe falar de um assunto pouco agradável... Pode dispensar a criadagem?

Apreensiva e curiosa com o comportamento de sua irmã de criação, a soprano dispensou os criados com um gesto, e dirigiu-se à governanta:

– peça à ama para banhar Philipe, por favor.

Uma vez sozinhas, a viscondessa se voltou para a amiga e a recém-conhecida, parecendo desconfiar do assunto, já; com um suspiro, perguntou:

– É sobre ele?

– Sim, Christine – confirmou Meg – Mas acho que é Annika quem devia lhe falar sobre isso. Ela tem mais acesso a seu mentor do que eu.

– Eu sinto muito, mas... – a viscondessa ia se negar, quando a voz de Annie a interrompeu:

– Ele está sofrendo, Christine. Daria a própria alma torturada para poder vê-la uma última vez. Está preso ao passado, e não consegue se libertar... Precisa vê-la uma última vez.

Com olhos cheios de medo, a mulher morena se levantou e cruzou as mãos sobre o peito, como se sentisse alguma dor. Estava ofegante e empalideceu muito; sua voz mal podia ser ouvida quando falou:

– Não posso vê-lo. Não posso! – e encarando Annika – não tenho forças para isso. Segui com minha vida, e ele precisa fazer o mesmo.

– Mas não vai conseguir, Christine. Não vai conseguir, se não a vir uma última vez. Se não olhar em seus olhos, e resolver tudo o que ficou pendente entre ambos! Não tem piedade desse homem? Ele foi seu mestre, seu mentor...

– Eu sei disso! Tentei ajuda-lo... Mandei-lhe cartas...

– Acha que cartas podem dizer aquilo que precisam conversar? – perguntou a pianista, veemente e ousada como não se lembrava de já ter sido – Com tudo o que viveram, ele precisa vê-la, ouvir de sua boca o que quer que tenha a dizer, e não ler cartas distantes e frias. Ele precisa de sua voz, uma última vez. Sua voz, Christine. E também você precisa ouvi-lo, ou não estaria tão pálida e atemorizada quanto agora. – não era a primeira vez que as moças conversavam sobre o Fantasma, uma vez que haviam trocado muitas palavras através do portão – olhe em meus olhos e diga que minto. Olhe em meus olhos, e diga que não deseja revê-lo, ao menos uma vez, e esclarecer tudo. Que não deseja ouvir a voz de Erik.

Lágrimas afloraram nos olhos da viscondessa, que se sentou outra vez, curvada para frente... Parecia que todo o peso do mundo repousava em suas costas, verdadeiro castigo de Atlas, quando sussurrou, após um longo silêncio:

– Foi por isso que vieram aqui?

– Sim, minha amiga – disse Meg – sinto muito lhe trazer esta perturbação, ainda mais tendo Gustave e Philipe, tão pequenos... Mas eu também vi como Erik está e, acredite em mim, ele precisa de você. – Meg segurou a mão da irmã adotiva – eu sei que ele fez coisas terríveis, mas você não pode lhe negar isso. Deve isso a ele, e sabe que sim.

Pálida e trêmula, a soprano suspirou e fechou os olhos, meditando por longos instantes, antes de afinal declarar:

– Digam a ele que me encontre em dois dias, na Exposição de Arte. Estarei esperando por ele, na entrada da galeria... Ou melhor! – ela pareceu pensar melhor, e foi até uma mesa onde havia pena e papel. Escreveu algo apressadamente, e retornou, entregando o papel a Annika – entregue isso a ele. Vai saber que fui eu quem o chamou, de fato. – ainda pálida, a cantora se levantou – Terão de me desculpar, mas não me sinto nada bem... Preciso voltar a meu quarto.

– Obrigada, Christine. – agradeceu Annika, com olhos tão cheios de gratidão, que a soprano não resistiu a perguntar:

– Você o ama?

Fechando os olhos com a dor que a pergunta lhe causou, a pianista enfim respondeu:

– Não que isso importe, mas sim. Eu o amo. E só desejo a felicidade dele, mesmo que seja longe de mim.

– Não sei se lhe desejo sorte, ou se a aconselho a fugir disso tão rápido quanto puder. Falo como um conselho, de uma mulher para outra: ele vai destruí-la, Annika.

– Fugir ajudou-a a esquecer, Christine? – perguntou a mulher loura, encarando a morena com tanta intensidade, que esta baixou o olhar.

– Ele é parte de quem sou. Mesmo que eu fuja para o mais profundo abismo, ele sempre estará lá, cantando em minha mente... – a moça começou a verter lágrimas, que tentou esconder em vão – perdoem-me, eu realmente preciso subir. Ver-nos-emos depois que tudo se houver passado. – e com essas palavras, ela subiu as escadas novamente.

Enquanto deixavam o palacete e montavam seus cavalos, Annika se voltou para Meg, que parecia tensa e aborrecida:

– Perdoe-me por isso, Meg.

– Você fez o que tinha de fazer. Eu apenas sofro por Christine: Raoul a ama, mas creio que ela não fez a melhor escolha. Ou, pelo menos, não a fez do modo correto, nem pelos motivos certos.

– Eles dois precisam ter essa conversa, e você sabe. A própria Christine precisa disso, para se livrar da culpa pelo modo como abandonou seu Anjo.

– você sempre lê as pessoas tão facilmente, Annie?

– Todas, menos a que mais me interessa ler... – respondeu a dama, pensando em seu amado – obrigada por me ajudar, querida.

– Era o mínimo que eu podia fazer por três amigos. – disse a mais nova, segurando a mão da outra e incitando seu cavalo ao galope. Juntas, retornaram à Ópera Populaire antes que seu desaparecimento lhes causasse problemas.


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Notas finais do capítulo

Caindo de sono, não vou me prolongar, ok? Espero não ter desapontado, e adoraria saber o que acharam de Gabi, da Meg, e da conversa entre Christine e Annika. Por falar nisso, o que estão pensando da Christine?
obrigada por lerem, flores
kisses



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