Anjo das Trevas escrita por Elvish Song


Capítulo 12
Sentimentos conflitantes


Notas iniciais do capítulo

Bem, eu espero não estar recaindo na monotonia, meninas. Mas aqui, Erik abre o jogo com Annika, afinal. E, no capítulo seguinte (depois desse que posto agora), teremos mais Garotos do Beco, assim como Madame Giry e Meg. Espero que gostem!
Agradecimentos especiais a tantas leitoras maravilhosas, que vêm deixando suas reviews e fazendo estrelas e arco-íris pularem de meus olhos. ADORO VOCÊS!



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Erik fechou a porta atrás de si, sentindo-se enregelado até a alma: pretendia ir à Ópera Populaire, mas a nevasca violenta daquele fim de inverno o fizera dar meia-volta. Do andar de cima vinha o som de música, e ele imaginou que se tratasse de Gabrielle treinando; alguns segundos ouvindo, porém, puseram abaixo tal suspeita, pois a partitura tocada – sonata ao luar, de Beethoven – ainda não fazia parte do repertório da menina. Mas seria possível que Annika possuísse tal talento? Como podia tocar daquele modo, se ele nunca a ouvira ensaiar, antes?

Curioso, ele se dirigiu para a escada, mas alguns papeis rabiscados sobre a mesa lhe chamaram a atenção: escritos em alemão, falavam das intenções de Annika quanto a matar seu antigo dono. Relações de hábitos, lugares, horários... E ideias para uma morte rápida e eficaz. Dados que só quem já matara – quem sabia como fazê-lo – saberia relacionar... Como a pessoa que escrevera aquelas linhas podia ser a mesma que tocava a melodia com tamanha beleza?

Com os papeis na mão, o Fantasma subiu para o segundo andar no passo mais silencioso que podia. Sem qualquer ruído, entrou na sala de música, pondo-se a observar: sua criada sentava-se com elegância no banco de ébano, a postura impecável, as mãos dançando com ritmo, harmonia e agilidade pelo teclado, sem perder um único compasso. Os olhos estavam semicerrados, fitando o teclado – ela tocava sem partitura! – e havia em seu belo rosto um misto de êxtase e melancolia, a mesma sensação que transmitia através da música.

Fascinado, o músico se aproximou mais dois passos: ela parecia tão serena, tão concentrada... Os cabelos dourados escapavam da trança única e caíam graciosamente em pequenos cachos junto ao rosto, fazendo o homem ter ensejos de tocar aqueles cachos. Desde dezembro, naquela noite onde haviam salvado a vida um do outro, ele e Annika haviam vivido uma situação estranha, onde tentavam fugir um ao outro, sem muito sucesso, uma vez que Gabrielle não apenas era um vínculo em comum, mas fazia todo o possível para deixa-los juntos. As poucas vezes em que se falavam sem o intermédio da menina eram aquelas em que Erik enviava a jovem com alguma carta para Christine (ele não compreendia o mau-humor que se apossava da dama, nessas ocasiões) ou, mais raramente, quando Madame Giry e Meg vinham ao sobrado. E ele lamentava que fosse assim, pois gostaria de ouvir mais vezes as palavras daquela criada orgulhosa e irreverente, que tanto o fascinava quanto o irritava.

Seus olhos se desviaram para as mãos dela, e o desejo de unir sua música à de Annika surgiu com força irresistível. Incapaz de se afastar, ele se colocou ao lado da moça e levou a mão esquerda ao teclado, reproduzindo as notas em clave de fá, uma oitava abaixo da tocada pela mão esquerda da mulher. Ela se surpreendeu, subitamente tirada de seu transe, e se levantou num susto:

– Patrão! – e olhando dele para o piano – eu... Eu não imaginei que...

– Começo a me perguntar se existe alguma coisa que você não faça. – declarou o Fantasma, com voz gentil – Derruba um homem com chutes e socos para roubá-lo, arremessa facas, toca piano... É fluente em alemão – ele estendeu os papeis para a moça, que os pegou com olhos cheios de receio, por não saber qual seria a reação de Erik. Este, porém, a tranquilizou – Não vou me zangar por estar tocando, Annika. Foi um privilégio ouvir mãos tão bem treinadas e hábeis; fiquei surpreso em ver que não usa partitura.

Constrangida tanto por ter sido pega, quanto com o elogio, a moça cruzou os braços diante do corpo e respondeu:

– Minha mãe me ensinou... Era a música favorita dela, e acabei decorando. Não sabia que ainda me lembrava, até que comecei a tocar, alguns dias atrás. Já fazia tempo... – droga, aquela sala de música devia ter algum feitiço, que fazia com que ela e Erik sempre se encontrassem a sós, ali!

– E ainda assim, você toca melhor do que muitos músicos que treinam todos os dias. – Confuso, ele percebeu que fizera um elogio à jovem. Nunca fizera elogios a ninguém, além de Christine e, nos últimos tempos, Gabrielle. Mas de que mundo saíra aquela mulher, que parecia ser uma infindável caixa de surpresas? – Apenas imagino de onde saiu uma criatura como você. Uma ladra, uma prostituta e, ainda assim, tem formação musical, fala alemão e, pelo que ensinou a sua irmã, possui sólido embasamento cultural. – ele se sentou numa cadeira e cruzou os braços, divertido – mas como?

– Ninguém nasce proscrito, messieur – respondeu ela, pondo em ordem os papeis em suas mãos – minha mãe me ensinou muitas coisas até os doze anos e, depois, quando Gabi e eu fomos para aquele inferno de onde o senhor nos tirou, eu usava os livros para fugir à nossa realidade. Era o único jeito de fazer minha irmã não se resignar... De fazê-la acreditar que havia esperança. Que podíamos ser mais do que éramos... – a voz da moça se embargou levemente, e ela se calou. Não falaria de seus sentimentos! Especialmente a Erik!

Vendo que o assunto parecia difícil para a mulher, o Fantasma se viu tomado por uma sensação completamente nova: vontade de saber mais sobre aquela moça, de ouvir sobre suas dores e... E consolá-la. Como se a raiva, o ressentimento que o haviam movido ao desejo de vingança houvessem se dissipado, deixando em seu lugar algo que ele não podia definir. Era um sentimento assustador, por lhe ser desconhecido, e fazia com que desejasse a raiva e a mágoa de volta porque, pelo menos, sabia lidar com tais emoções. Piedade nunca fora parte de sua personalidade... Por que seria, agora?

A fim de se ver livre desses pensamentos confusos, ele se ergueu e foi até sua criada, encarando os papeis nas mãos dela; pegou-os gentilmente da mão dela e os folheou, lendo com mais atenção. Annika desviou o olhar, constrangida: não imaginara que Erik entendesse alemão. Se soubesse, nunca teria deixado aquilo sobre a mesa. Mas ele não parecia bravo, e sim, surpreso, ao perguntar:

– Está planejando matar Lucian?

– Não me julgue por isso – disse a jovem energicamente, pegando os papeis de volta – Você não sabe as coisas que passei nas mãos daquele homem. E, se ele pensa que pode levar a mim e a minha irmãzinha de volta, está muito enganado.

– Está cometendo uma tolice, Annika. – disse o Fantasma, o que enraiveceu a moça:

– Por quê? Porque assim não vai mais poder me chantagear, ameaçando devolver minha irmã? – ela soou ferina, o que irritou o músico:

– Porque o inverno não é uma boa época para assassinatos, mulher! – respondeu, a voz se alterando – Os telhados são escorregadios demais, o chão revela pegadas, o sangue se acumula na neve, impossível de limpar! Matar alguém, no inverno, deixa rastros demais. – ele se aproximou da moça e, colocando-se atrás dela, falou quase ao seu ouvido – além disso, a morte não é punição. Um breve momento de dor, e então, nada. Acha que isso é suficiente?

– Do que está falando? – perguntou ela, virando-se e o encarando nos olhos, desconfiada.

– De dor, Annika. Sofrimento. Ele não torturou você e sua irmã? Pois devolva o favor: faça com que ele urre e agonize, faça com que implore pela morte, antes de lhe dar o golpe final. – os olhos do homem se enchiam daquele desejo pelo sangue, um brilho meio enlouquecido, como o de um vampiro. Queria o sangue e a dor de Lucian, como há tempos não desejava o tormento de alguém. A moça se assustou, mas não recuou ao responder:

– Eu não tenho amor pelo sangue, messieur. Vou me livrar de meu velho algoz, e me libertar do passado. Isso é tudo. – ela lhe voltou as costas, e ia saindo quando as mãos do Fantasma seguraram as suas, puxando-a de costas contra o peito forte.

– Se não gosta do sangue, é porque ainda não o saboreou corretamente. Sangue é como um bom vinho: precisa prova-lo aos poucos, temperando-o com cada gota refinada de agonia que puder arrancar à vítima. – ele a fitou direto nos olhos, ouro e gelo se encontrando – Uma doce embriaguez. Acha que ele não merece? Que não é direito seu arrancar cada momento de dor daquele que a torturou por tantos anos?

Ela deu uma risada irônica, e respondeu:

– E o senhor acha que vou acreditar? – ela se soltou – agradeço por tudo o que fez, messieur, mas não confio no senhor mais do que em qualquer outra pessoa. Vive me lembrando de que Gabrielle é sua, e que a devolverá se eu o desagradar...

– Você é estúpida, ou apenas finge ser? – perguntou o Fantasma, interrompendo-a.

– Como disse?

– Acha que eu teria feito tudo o que fiz por Gabrielle, se pretendesse devolvê-la? Eu pareço o que, idiota? – como a criada podia realmente crer em suas ameaças, quando ele tratava a pequena senhorita Anjou como trataria a própria irmã, caso tivesse uma?!

Annika se sentiu colar ao chão com aquelas palavras; era como se uma enorme pedra fosse tirada de seus ombros, e a vontade de chorar a assaltou – vontade à qual não cedeu, é bem certo. Ela poderia ter estapeado o Fantasma, naquele momento, mas se obrigou a não fazê-lo; sua voz, porém, estava completamente alterada ao acusar:

– Você não apenas parece: você é um perfeito idiota! – e o empurrou para trás – nos últimos seis meses, atormentou cada segundo de meus dias ameaçando colocar minha irmãzinha de volta naquela vida abominável... Lembrava-me desta possibilidade pelo menos uma vez por dia... E agora pergunta se eu REALMENTE ACREDITAVA?! O que acha?! Como eu podia não acreditar?! Como podia não ter medo a cada instante, temendo o momento em que cometeria um erro mais grave, e você a tiraria de mim?

Erik parou, percebendo como a vida de Annika devia ter sido terrível, naqueles seis meses: é certo que não sofria mais abusos físicos, nem privações, mas... Mas o terror não a deixara. Porque ela ainda era perseguida pelo passado, e ele, Erik, não permitira que este passado ficasse para trás. Ele o mantivera vivo na mente e no coração dela, apavorando-a, encurralando-a contra as próprias lembranças; fora uma tortura planejada, é claro, mas nem de longe ele imaginara a dimensão que alcançaria, a que ponto aquilo podia ferir sua serva. Agora, percebia que alcançara seu objetivo inicial e, na verdade, não sentia com isso qualquer prazer. Via as lágrimas retidas no rosto corado de raiva, e via-se dominado pelo forte ensejo de abraça-la e confortá-la. Ah, não! Devia estar ficando ainda mais louco do que já era!

– Annika... – ele sussurrou e tentou segurar-lhe a mão, mas a moça se afastou com raiva:

– Não me toque! – ela bateu as mãos no tampo da mesa, com notas de desespero na voz – por que você me odeia desse modo? Por que faz isso comigo? – havia tanta mágoa nos olhos dela, que Erik se sentir culpado, sem nem mesmo saber o motivo – Por que não me deixa em paz, simplesmente? Pare de me torturar deste modo! Chega! – descendo as escadas velozmente, gritou para a irmã – Gabrielle, vou sair! Volto logo! – e saiu para a rua, sem se importar com o vento gelado que soprava. Só precisava ficar longe de seu patrão, até acalmar a tempestade dentro de si.

POV Erik

Quando a ouvi bater a porta atrás de si, percebi que, de algum modo, havia passado todos os limites. Eu poderia tê-la torturado fisicamente, que não teria causado o mesmo efeito do terror psicológico oriundo do medo por Gabrielle. E a verdade é que me sentia confuso: eu a comprara e a levara para minha casa exatamente por desejar me vingar. Então, por que as lágrimas retidas em seus olhos me perturbaram tanto, em vez de me alegrar? Eu poderia mentir para mim mesmo, e dizer que era por ela ser irmã de Gabi, mas sabia que não se tratava disso; eu simplesmente não gostei de ter lhe causado dor. Não gostei do sofrimento em seu rosto, da mágoa. E tampouco compreendia suas palavras: “por que faz isso comigo?”. Isso o que? O que eu estava fazendo? Afinal, ela só soubera de minhas mentiras naquele momento... A que outra coisa poderia se referir?

Desci as escadas, preocupado, percebendo que, outra vez, eu machucara alguém que me estava próximo. Porque era isso o que eu fazia: trazia dor e morte a todos ao meu redor. Qualquer um que se aproximasse seria ferido, em algum momento. Não havia outro caminho, pois eu era, realmente, o que sempre haviam dito de mim: monstro. Gárgula repugnante. Demônio. Assassino. Deformado no corpo e na alma, meu rosto não era mais do que a expressão daquilo que carregava dentro de mim!

Ter machucado Annika me torturava de um modo incompreensível; já não havia razão naquilo que sentia, e desisti de encontrar uma explicação para que a dor dela, em vez de satisfação, me houvesse trazido tanto arrependimento. Deixei-me cair no sofá diante da lareira acesa, e fiquei contemplando as chamas até ouvir uma vozinha fraca e gentil:

– Professor? – Tratava-se de Gabrielle, que passara a me chamar daquele modo – mestre?

– Diga, criança. – encorajei, satisfeito que ela estivesse tornando a falar. Ainda não era seu hábito, mas já conseguia pronunciar qualquer palavra, e às vezes conseguia exprimir frases completas, antes de “travar”, como ela mesma se referia ao bloqueio que sumia com sua voz. Puramente emocional, de fato.

– Vocês brigaram. De novo. – ela se ajoelhou no chão, diante de mim, e deitou a cabeça em minha perna, aliviando a dor em meu coração com a confiança que demonstrava. Acariciei seus cabelos soltos e respondi:

– Fiz uma besteira, Gabrielle.

O senhor sempre faz – gesticulou ela para mim. Eu finalmente aprendera sua linguagem de sinais, além da linguagem de sons que ela criara para nos comunicarmos – quando é relacionado a Annie.

– Não queria machuca-la. Pensei que quisesse, mas a dor dela não me traz nenhuma alegria.

– E, ainda assim, faz o que pode para afastá-la. Mas não a deixa ir embora. – Maldição! Até a menina já percebera aquilo?! – Isso a machuca, e desde que chegamos aqui... Mas o senhor quer punir minha irmã, por tê-lo assaltado, ou está castigando a si mesmo, por algo?

– Do que está falando, Gabrielle? – se a menina não estivesse com a cabeça em meu colo, teria me levantado ante suas palavras. Fiquei apreensivo, imaginando a que aquela menina, tão madura para sua idade, poderia se referir; ela me fitou com olhos tão intensos e firmes quanto os a irmã, antes de falar pausadamente:

– O senhor gosta dela. E faz de tudo para afastá-la. A quem quer machucar, de verdade? – sua voz morreu nas últimas palavras, ao fim das quais ela se ergueu e, cumprimentando-me com um aceno de cabeça, voltou para o quarto.

Por um segundo fiquei atônito com as palavras de minha aluna, antes de rejeitar totalmente o que me dissera: eu, gostar de Annika? Tolice! Tolices de uma menina que apenas queria ver unida sua família. É claro que aquilo não tinha a menor chance de acontecer! Mas então... Por que me sentia tão atraído por aquela mulher? Por que a vontade de beijá-la, de tê-la em meus braços? E, ao mesmo tempo, por que aquela necessidade de afastá-la de mim, de lhe dirigir palavras rudes e provocações desnecessárias, toda vez que estávamos em paz?

Não sei por que ainda procurava respostas para minhas perguntas; minha mente sempre fora obscura e confusa, oscilando no perigoso limite entre loucura e sanidade. A verdade é que eu apenas fazia as coisas, na maioria das vezes, sem que tivessem uma motivação, e Annika era apenas uma situação como as demais. Tratei de me levantar e ir buscar conforto na única coisa que realmente amava: música.

Por longas horas, meu violino foi o único som da casa.


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Notas finais do capítulo

Annika reagiu muito bem, na minha opinião. Eu esbofeteava o Erik sem dó. E alguém aí sabe o que ela quis dizer com "por que faz isso comigo?" ? Suspeitas?
Bom, como eu disse, o capítulo seguinte vai nos tirar um pouco de dentro do sobrado, antes que comecemos a mofar. Teremos os amigos de Annie e Gabi, tanto do teatro, quanto das ruas; espero que curtam.
beijos enormes, e até o próximo cap



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