Recupero a consciência e aos poucos a minha visão vai desembaçando até eu poder enxergar nitidamente.
Como esperado estou preso, dessa vez com o pé acorrentado na pilastra de frente pro Ren.
Não consigo mais olhar pro corpo de Elizabeth e a ver alí. Só consigo enxergar Miya, é como se a Lizi fosse outra pessoa agora.
Ela está parada na frente de Ren, que a encara.
–Está pronto pro nosso jogo?
–Se afasta de mim, sua louca.
Ela chuta o rosto dele, que se encolhe e começa soluçar.
–PRONTO OU NÃO?
–Pronto... Eu estou pronto.
–Ótimo! Nós vamos jogar "o que você prefere?". Só que esse é meio diferente... O que você escolher vai acontecer e se você demorar ou não fizer sua escolha... As duas coisas vão acontecer com o Hiroshi.
–QUÊ? NÃO! Deixa o Hiroshi fora disso.
–Nããão! Eu quero que ele brinque conosco. Vamos começar, Ren, você prefere quebrar um braço ou quebrar uma perna?
–Como assim? 1°... Como irei quebrá-los e...
–SÓ RESPONDA.
–Tá tá...
–O tempo está passando...
–NÃO NÃO! A...A... O braço... É, o braço.
Quando Ren dá a resposta Miya abre um sorriso enorme, se abaixa e eu só escuto os gritos dele. Ela quebrou seu braço numa facilidade assustadora.
–Certo, vamos à próxima pergunta! Pequeno Ren... Você prefere esfaquear ou ser esfaqueado? Lembre-se, não é a mim que você vai esfaquear...
Ela dá um passo pro lado, o que possibilita Ren me encarar, se ele escolher esfaquear, vai ter que ser a mim.
–Ser esfaqueado. -Ele escolhe, Miya dá um sorriso e crava a faca no ombro dele.
Ren dá um grito ensurdecedor e eu tento freneticamente me soltar.
–Ren, você prefere que o Hiroshi perca uma perna ou perca um braço?
–O QUÊ? PARA COM ISSO, DEIXA O HIROSHI EM PAZ!
–Tic tac, tic tac, tic tac. -Miya o apressa. Ren me encara e eu balanço a cabeça positivamente. Certo, eu entendo.
Antes que Ren pudesse fazer a sua escolha só vejo Miya se encolher e começar a gritar.
–Revertere ad locum. In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti. *Volte para o seu lugar. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo* -Escuto Shinji dizer e o procuro com os olhos, ele e Erin entraram no salão e estavam vindo na direção do palco. Shinji segurava um ponte com um líquido incolor e os dois usavam túnicas enormes.
–Revertere ad locum. In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti. -Erin repete e Miya se encolhe mais.
Erin vai na direção de Ren para o ajudar e Shinji se aproxima daquela criatura.
Ele vira o pote em cima dela, Miya começa a gritar e vejo uma fumaça sair dela.
– Disparantur creaturae. *Desaparecer, criatura*
Quando ele diz Miya apenas sai correndo enquanto grita. O que aconteceu aqui?
Não estou entendendo.
–ANDA, ANTES QUE ELA VOLTE. -Shinji grita enquanto corre na minha direção e me ajuda.
Erin ajuda Ren a se levantar e os dois começam a nos guiar.
–Er... Shinji, como vocês...
–Agora não dá pra explicar, fique quieto.

Nós passamos pelo salão e entramos no corredor que leva à biblioteca.
–Hey, porque...
–CALA A BOCA!
Eu me encolho e abaixo a cabeça. Shinji nunca havia gritado comigo desse jeito. Chegamos na biblioteca, ele acende as luzes e posso ver os cacos de vidro ensanguentados.
Meus pés ainda doem mas já acostumei.
Com luz conseguimos desviar bem dos cascos e chegamos na frente de uma estante gigante.
–Porque... estamos aqui? -Ren pergunta com dificuldade.
–Porque atrás dessa estante tem uma capela. -Shinji responde e a empurra.
Podemos ver um pequeno corredor.
Escuto um barulho como se alguém tivesse pisando nos cacos, olho pra trás e vejo Miya vindo devagarzinho.
–ENTRA LOGO! -Grito, saio empurrando todos pra dentro do corredor e puxo a estante.
–NÃO VAI ADIANTAR DE NADA FICARMOS AQUI, ANDA, PRA CAPELA! -Erin grita e sai arrastando Ren. Shinji me envolve com um dos braços e me ajuda a correr pois estou meio manco por causa dos vidros nos pés.
Quando eu e Shinji finalmente passamos Erin faz uma linha de sal.
–Droga Shinji, o sal acabou.
–Estamos ferrados. Andem, deitem o Ren que eu vou cuidar dele.
Ele ordena, nós obedecemos e enquanto isso pega um kit de primeiros socorros.
–Se afastem, Erin pega a água benta, Hiroshi... Procura um livro chamado "Diaboli".
Shinji ordena e eu começo a procurar.
A capela é toda branca, com 8 bancos enfileirados de cada lado, formando um corredor no meio. Também há alguns quadros de cenas bíblicas e uma cruz enorme em uma das paredes.
Olho pra todos os lados e não acho o livro.
–SHINJI! AONDE ESTÁ ESSA MERDA? -Pergunto.
–NO BANCO, CACETE!
Ele grita, eu começo a olhar os bancos e num dos últimos havia um livro preto escrito Diaboli.
Pego o livro e entrego pra ele. Erin volta com um baldinho e se ajoelha próxima a nós.
–Obrigado. -Ele agradece, pega um pouco da água e joga na ferida do Ren.
–Dominus, sanare vulnera. Indiget! Dominus, sanare vulnera. Indiget! *Senhor, cure feridas. Ele precisa*
Após Shinji dizer essas palavras a ferida de Ren começa a se curar muito lentamente.
–Alguém pode me explicar... QUE DIABOS TÁ ACONTECENDO AQUI???
–1, se acalma. 2, vou explicar. -Erin diz abrindo o livro. -Existe o bem e o mal, trevas e escuridão. Anjos, demônios. Sim, é real. Eles estão por aí. Inferno, Céu, Deus e Lucífer são reais.
–EU SEI, CACETE! EU SEI QUE EXISTEM ESSAS PARADAS LOUCAs, LEMBRA DE RYO? UM ESPÍRITO?! ATÉ 6 ANOS ATRÁS EU ERA ATEU. -Grito desesperado.
–E agora você é o que? -Shinji pergunta.
–EU SOU ASSUSTADO! Isso, sim.
–Tá tá, deixa eu terminar... Quando uma alma passa muito tempo no inferno, sua humanidade vai se esvaindo e logo, ela se torna o que Miya se tornou... Um demônio. Ela está buscando vingança contra o Shinji, Ren e contra você também Hiroshi. Acho que ela tem ódio de vocês por achar que a deixaram pra morrer.
–Mas não...
–Nós sabemos, mas ela não sabe. -Shinji diz e eu abaixo a cabeça.
–Como vocês sabem isso tudo?
–Meu avô era um Padre e meu pai é um demonólogo. -Shinji responde.
–Como seu avô era um Padre? -Pergunto.
–Meu pai foi adotado.
–Ah ta, e você Erin?
–Eu já estudei demonologia também. -Erin diz e eu balanço a cabeça positivamente.
–Certo então... O que faremos?
–Bom, mesmo conhecendo bastante sobre esse mundo nós dois não podemos realizar um exorcismo. É algo que exige preparação e permissão do Vaticano porque se não pode dar muito errado, isso significa que... Vamos expulsar o demônio na marra. -Shinji explica.
–Mas como?
–Com grandes porções de sal e muita água benta. Talvez a gente consiga expulsar ela fazendo-a ingerir grandes quantidades de água benta.
–Temos a água e sal, não é?
Erin nega e eu levanto a cabeça.
–O que falta?
–Sal.
–Ahhh, mas podemos achar facilmente na cozinha, não?
–Tem que ser sem iodetos, sal puro. -Erin diz.
–Cacete hein, a cada hora que passa complica mais... Eu vou procurar sal.
–Não! Você não pode sair daqui. -Os dois dizem juntos.
–Mas precisamos achar sal se quisermos ter alguma chance contra ela.
–Eu sei, tá legal?... Droga, eu vou com você. -Shinji diz e se levanta.
–Ok, eu vou cuidar do Ren. -Erin diz e se aproxima mais dele.
Ela tira a túnica e me entrega. Eu a visto, Shinji pega um pouco de água benta e me entrega uma estaca de madeira.
–Isso é conhecido como "Pau-santo"... Já deve saber pro que serve, certo?
–Certo!
–Se ela te atacar, crave isso nela. Demônios tem um fator de cura incrível, portanto armas normais não fazem efeito neles. Mas o pau-santo funciona.
–Ok, cravar nela. Pronto?
–Pronto... Erin, quando sairmos tome cuidado.
–Certo. Agora vão que eu vou ficar aqui com o Ren.
Shinji assente com a cabeça e nós dois vamos em direção a estante.
Sinceramente, é muita coisa na minha cabeça, não consigo lidar direito.
É estranho pensar que a 6 anos atrás tudo isso que eu estou presenciando era loucura, fantasia... Eu não acreditava.
Demônios? Água benta? Sério?
Sério!
É real, e precisamos achar essa merda de sal para termos alguma chance.

Continua...