Coração De Seda escrita por Maria Fernanda Beorlegui


Capítulo 82
Capítulo 82


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente. Hoje é um dia especial para mim, aliás, para todos nós. Hoje faz um ano que Coração de Seda teve seu primeiro capítulo publicado hehehe quem diria que teríamos uma segunda temporada, não é? Bom, vamos para mais um capítulo.



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—Homem? Como ele era? —Halima pergunta enquanto me seco. —Ele te fez algum mal?


—Ele me salvou. —Revelo e então Halima se surpreende. —A correnteza quase me levou. Ele arriscou a própria vida para me salvar.


—Eu não sei nem o que pensar. —Halima fala e então se senta ao meu lado. —Não será um estrangeiro? Algum homem de outro reino?


—Não faço a mínima idéia. —Respondo enquanto enxugo meu cabelo. —Mas seja lá quem for, salvou minha vida.


—Você vai voltar com Yaffa para o Egito? —Halima pergunta desconfiada.


—Quer ir comigo? —Pergunto e então Halima abaixa o olhar. —Ainda não esqueceu Djoser, não foi?


—Nem posso esquecer que a prometida dele é Yaffa. —Halima fala desapontada. —Pensei que um dia ele pudesse olhar para mim, mas nem isso tive.


—Se você for, minha mãe vai ficar muito feliz em te ver. —Falo e então Halima passa a sorrir. —Ela gosta muito de você.


—Ela me deu um colar feito pelo seu pai quando fui com Zion até o palácio. —Halima revela. —Mas eu nunca serei nora dela.


—Quem sabe uma esposa secundária. —Sugiro.


—Não quero ser rainha, nem esposa secundária. Eu só quero ser a mulher que Djoser ame sem olhar para outra. —Halima fala antes de me trazer o colar de minha mãe. —Eu pensei "Quando eu me casar com Djoser, e tivermos um filho, darei esse colar para a futura esposa dele. Ou então darei para a nossa filha" mas agora que sei que Djoser e Yaffa vão se casar ao atingirem a maior idade, nada disso faz sentido. —Ela concluí. —Acho que terei o mesmo destino que Miriã. —As palavras de Halima me surpreendem. —Ficarei sozinha porque esse é meu destino.


—Ou não. —Falo ao ter uma idéia. —Halima, você ama Djoser verdadeiramente? —Pergunto olhando bem nos olhos dela.


—Claro que sim. —Halima responde com um belo sorriso no rosto.


—E você faria qualquer coisa para tê-lo? —Minha pergunta assusta ela de súbito.


—Onde quer chegar? —Halima pergunta confusa.


—Você quer Djoser, e eu quero ver Amun sofrer ao ver a filha sendo trocada por você. —Falo meu plano e então Halima passa a sorrir. —Yaffa nunca chegará ao trono. Será fácil manipular meu irmão.


—Mas e sua mãe? Ela pode não querer isso. —Halima fala preocupada.


—Acho que entre você e a filha do assassino do meu pai, minha mãe vai desejar você para ser a mãe dos filhos de Djoser. —Minhas palavras fazem Halima brilhar. —Agora me escute com muita atenção, Halima. Yaffa não vai usar a coroa de minha mãe, você vai.


(...)


—Atrapalho? —Zion pergunta ao entrar na tenda e me ver ao lado de Halima.


—De modo algum. —Respondo risonha. Halima então olha para o irmão e para mim indiscretamente, com isso arruma algum pretexto para sair.


—Eu vou ver como Miriã está. —Halima fala ao sair sorrateiramente.


—Justo Miriã? —Pergunto incrédula fazendo Zion rir.


—Foi a primeira desculpa que me veio em mente para sair da tenda. —Halima fala risonha e então se vai me deixando sozinha com Zion.


—Como você está? —Zion pergunta ao segurar minhas mãos. —Eu ainda não acredito no que aconteceu com seu pai.


—Eu muito menos. —Falo ao abraça-lo forte como a muito tempo não faço. —Eu não quero ir embora e deixar você. Mas minha mãe precisa de mim.


—Anippe. —Zion me chama e então olho nos seus olhos. —Não vou ficar longe de você.


—Não quero que venha comigo. —Falo. —Não quero que seja obrigado a ir comigo.


—Eu irei. —Zion fala me assustando. —Irei com você para o Egito. Mesmo que sua mãe ache uma loucura. —Ele fala antes de unir nossos sábios suavemente. Algo sem pressa e delicado como o sentimento que nos une.


—Posso saber o que está acontecendo aqui? —Bezalel pergunta ao entrar na tenda. Eu rapidamente me afasto de Zion completamente assustada.


—O que faz aqui? —Respondo Bezalel com outra pergunta e me assusto ainda mais ao vê-lo se aproximar de Zion.


—Eu quem deveria perguntar isso para ele. —Ele fala ao se pôr entre mim e Zion. —Eu já desconfiava. Todas as vezes que você sumia, ela também desaparecia. —Bezalel fala nervoso e então eu me vejo sem saída.


—Bezalel, você está fazendo papel de ridículo. —Falo alterada. —Querendo ou não você é meu sobrinho.


—Querendo ou não você é mais nova. Não tem o meu avô nem o meu pai aqui, mas estou aqui e não vou deixar que Zion manche você. —Bezalel fala brando como antes nunca falou. —Saia daqui!


—Bezalel! —Chamo sua atenção.


—Ele está certo, Anippe. —Zion me surpreende com sua calma diante da situação. —Eu falo com você depois.


—Não vai chegar perto dela. —Meu sobrinho fala, me assustando novamente. Zion olha para mim antes de sair da própria tenda e então olho para Bezalel.


—Que belo escândalo. —Falo enojada enquanto Bezalel me olha. —Eu não sou sua irmã, sou sua tia.


—Enquanto Djoser não chegar ou mandar qualquer outra pessoa te buscar, eu vou cuidar de você. —Bezalel fala me fazendo rir.


—Não seja ridículo, por favor. —Peço. Ele então me segura pelo braço e me arrasta para fora da tenda. —Me solta. Todos me olham! —Falo ao ser arrastada por ele. Acabo empurrando meu sobrinho e com isso ele cai no chão.


—Enlouqueceu? —Bezalel pergunta ao pôr sua mão em sua cabeça e ver o seu sangue, o nosso sangue. —Vai sair por aí agredindo as pessoas? Primeiro foi Miriã e agora eu? —Ele pergunta assustado ao ver que feriu sua cabeça com muita força. Me assusto ao ver que o sangue de meu sobrinho não para de jorrar, com isso ponho minha mão no local do ferimento tentando estancar o sangue.


—Que vergonha... —Falo ao ver que todos olham para mim enquanto tento estancar o sangue.


—Vamos sair daqui. —Bezalel pede ao ver que estou envergonhada. Eu então ajudo-o a se pôr de pé. —Não foi nada, vou ficar bem. —Ele fala tentando me acalmar, mas eu posso ver o quanto nervoso ele está.


Seu braço envolve os meus ombros enquanto caminhamos em direção a sua tenda. Seu sangue escorrendo por sua cabeça acaba manchando meu ombro e rapidamente o meu cabelo.


—O que aconteceu? —Leila pergunta assustada ao ver o filho. —Quem fez isso com você? —Sua pergunta faz minha consciência pesar.


—Isso não importa. —Bezalel responde. —Pode ir, eu vou ficar bem. —Ele agradece ao ser carregado pela mãe e me deixar sozinha em frente à tenda.


—Bem que dizem que filho de peixe, peixe é. —Ouço uma voz masculina falar em minha direção. —Mas no caso dela seria neta.


—Não se esqueça que a mãe dela queimou uma mulher viva. —Uma voz feminina fala e então eu possa ver que se trata de Corá e sua esposa. Olho para eles por cima dos meus ombros, onde há o sangue de Bezalel.


—Eu acho que a morte foi alivio para Hur. Quem aguentaria uma mulher que põe fogo em pessoas e uma filha com instinto assassino? —Corá pergunta irônico, mas ao ver que estou escutando tudo, se faz de bom moço e sorri para mim. Meus olhos se tornam plenos de raiva e lágrimas, meu olhar por cima dos ombros para o primo de Moisés se torna assustador.


—Pai! Pai! —Um menino vem chamando por Corá. —Ele acordou. —O menino fala e me deixa confusa.


—Zur... —Corá fala o nome do homem e então corre até sua tenda. Eu fico paralisada tentando lembrar de onde ouvi esse nome.


—Venha. —Zion me surpreende ao aparecer novamente e me segurar firme pela mão.


—É melhor não, Zion. —Falo ao ir até a tenda de Zion novamente. —Veja o que aconteceu agora.


—Você não tem culpa. —Zion tenta me confortar, todavia nego.


—Estou confusa demais, Zion. Eu não sei o que faço... —Falo ainda assustada. —Não sei nem como irei voltar para casa. —Falo angustiada e então Zion me abraça forte. Olho bem para o seu rosto e então o beijo. —Guarde esse beijo consigo, por que será o nosso último.

—Anippe... —Zion fala assustado. O que estou fazendo afinal? Eu mesma pareço apreciar a minha desgraça.


—As pessoas que eu amo estão morrendo e as que não morrem estão infelizes. —Falo ao tocar em seu rosto. —Se quiser mesmo me ter por perto, venha comigo para o Egito. Mas com uma única condição.


—Qualquer condição com tanto que eu esteja perto de você. —Zion fala ao segurar meu rosto com suas mãos.


—Seja meu guardião e lute por mim, e me veja apenas como sua senhora. —Minhas palavras assustam Zion. Estou quase me colocando acima dele como sua senhora. —Mas não me ame. —Minhas palavras o assustam. —Acha que vai conseguir?


—Eu escolho você. —Zion fala sorridente. —Você é meu futuro.


—E eu escolho o poder que me aguarda no Egito. O poder é meu futuro. —Falo ríspida dilacerando os sentimentos de Zion. —Espero que saiba manusear uma espada.


—Sei mais do que você sabe destruir o que mais amo. Você mesma. —Zion rebate mais ríspido ainda antes de me dar as costas. —Com licença, alteza. —Ele pede antes de sair e então permaneço muda. Zion então sai da própria tenda e eu me vejo sem saída.

—Eu não sou como a minha mãe que sabe amar. —Falo ao me sentar e levar a mão até a cabeça tentando achar uma solução para mim mesma. Olho para o sangue de Bezalel que ainda mancha minha pele, quase formam marcas. Porque não me assusto com isso? Qualquer outra pessoa estaria estarrecida...


(...)


Permaneço deitada em minha cama após o ocorrido. Não tenho coragem de me levantar, não para ver Miriã ou Bezalel. Se eu ver Miriã agora posso perder o controle novamente, e se eu puder ver meu sobrinho irei me sentir mal. A verdade é que estou confusa, perturbada demais com tudo isso. Eu não quero voltar para o Egito e me deparar com a minha mãe viúva, não quero e nem posso. —Vejo o fogo arder em uma das lamparinas próximas à minha cama e rapidamente me lembro do que Corá falou sobre minha mãe. Ela teve coragem de matar Yunet queimada em frente à todos. Me nego a acreditar que minha mãe estava louca, ou melhor, está. Agora quem tem essa mesma vontade sou eu.


—Anippe? —Joquebede chama por mim ao entrar. —Não precisa se envergonhar. —Ela fala ao se sentar na cama e afagar sua mão em meus cabelos. —Já passou, menina... —Ela tenta me confortar ao me ver chorar. —Venha, todos esperam por você para jantar.


—Não tenho fome. —Falo enquanto soluço.


—Claro que tem. —Joquebede fala. —Eu sinto muito por seu pai. Mas não quero sentir mais ao te ver fraca nessa cama. —Ela fala um pouco nervosa. —Você chamou Miriã de rabugenta, não foi? —A mulher pergunta com ar de riso.


—Sim. —Afirmo e faço-a rir.


—Você é apenas uma menina que não sabe o que quer, Anippe. Você precisa de sua mãe, não precisa? —Joquebede pergunta e eu afirmo. —Mas não está aqui, mas eu estou.


—A vida é mesmo irônica. Minha mãe tirou Moisés da senhora e...


—Henutmire estava desesperada. —Joquebede fala calma. —Eu também estava. Partilhamos da mesma dor, do mesmo amor de mãe e do mesmo filho. —Ela fala ao segurar minha mão. —Sua mãe deu ao meu filho o que eu não poderia dar: liberdade. E somente Deus sabe o quanto sou grata por isso.


—Não leva nenhum rancor dela? —Indago e então Joquebede nega.


—Me deixe lhe contar algo, Anippe. —Joquebede pede e então me sento ao seu lado. —Uma vez, seu pai me ajudou. Mas para poder me ajudar, ele teria que trair sua mãe.


—Como assim? —Indago confusa.


—Quando seu avô, o faraó Seti prendeu Moisés, Hur me ajudou a entrar no palácio e ver o meu filho. Sendo que assim, eu iria abalar a relação de sua mãe com Moisés. —Joquebede revela. —Mas quando eu cheguei lá sua mãe estava com Moisés e me viu, me reconheceu na hora, e me jurou que me mataria se eu voltasse a me aproximar de Moisés.


—Ela soube que meu pai ajudou a senhora? —Pergunto.


—Nunca soube. —Ela afirma segura. —Porque eu nunca contei. O que eu contei para sua mãe e deixei claro foi a enorme gratidão que tinha por ela. Enfrentar um rei é colocar a vida em risco, mas enfrentar o pai é o mesmo que desobedecer as leis de Deus. E sua mãe fez as duas coisas sem pensar apenas por Moisés. Acha mesmo que eu teria tempo para criar rancor por ela?


—Não.


—Pois então. —Joquebede fala sorridente. —Mesmo que sua mãe tenha me tirado Moisés, mesmo que seu pai tenha dado falsas esperanças para Miriã, eu nunca odiei os dois. Porque eu sei que no coração não se manda. Se sua mãe quis Moisés foi porque ela estava desesperada por um filho.


—E o meu pai? —Pergunto friamente.


—Ah, Anippe... —Joquebede fala ao suspirar. —Não foi fácil ver Miriã tão magoada. Hur amou Henutmire até seu último dia de vida, disso todos tem certeza. Se Hur tentou algo com Miriã foi apenas para esquecer Henutmire.


—E ele falhou. —Falo.


—Eu já disse que não se manda no coração, Anippe. —Joquebede fala ao segurar minha mão e sorrir lara mim. —E sinceramente, acho que Miriã não se sairia boa mãe tendo você como filha.


—Sou tão má assim? —Pergunto.


—Não se trata disso, Anippe. Se trata de vocês duas serem temperamentais em demasia. —Joquebede acaba me fazendo rir. —Vamos jantar agora, antes que a comida esfrie.


—Antes eu preciso conversar com ela. —Arão fala seriamente ao entrar e me ver sentada ao lado de Joquebede.


—Não demore muito. —A mulher fala antes de sair e me deixar sozinha com Arão.


—Você é mesmo uma fera. —Arão fala ao sentar ao meu lado. —Não consegue se controlar.


—Miriã mereceu. —Falo e então Arão começa a rir de mim. —Ela me odeia pelo simples fato de meu pai não ter amado ela e sim ter amado a minha mãe.


—Bobagem. —Arão fala ao segurar minha mão delicadamente como sempre faz. —Você precisa manter a calma, Anippe. Ou acha que vai se tornar uma mulher honrada e respeitada brigando como uma fera selvagem?


—Não me venha com essa conversa...


—Anippe, me ouça bem. —Arão pede carinhoso. —Eu não te vejo como uma filha, ou como uma irmã. Até porque se fosse filha não teria feito o que fez. E se fosse irmã, eu no mínimo teria tirado satisfações com você como tirei com Miriã. —Ele fala me fazendo rir. —Você tem apenas quatorze anos...


—Quinze. —Corrijo bruscamente. —Minha idade não diz nada.


—Claro que não. Já vejo moças da sua idade casadas, esperando o primeiro filho. —Arão fala me fazendo ficar nervosa. —Por isso mesmo me preocupo com você.


—Como?


—Bezalel me falou sobre você e Zion. —Arão revela me assustando. —Hur não está vivo para aprovar nada, nenhum dos seus irmãos está aqui, nem mesmo um de seus tios. E Moisés acha uma imprudência deixar você, que é tão nova, se relacionar com Zion.


—Mas não aconteceu nada. —Falo.


—Sabemos disso. Acontece que Zion é alguns anos mais velho, amadureceu precocemente por criar a irmã mais nova. Enquanto você não sabe o que é ter uma vida de dor. —Fala.


—Mas somos hebreus, da tribo de Judá. —Falo e então Arão me repreende com o seu olhar. —Mas o pai dele morreu escravizado no Egito, na obra do sarcófago que foi feito para minha mãe. E pensar que meu pai está lá...


—Mais um motivo para esse relacionamento não dar certo. —Arão fala ríspido. —Quer um conselho?


—Não.


—Mas vai ter mesmo assim. —Arão fala me deixando envergonhada. —Zion não é o primeiro a te amar, nem vai ser o último. —Ele fala ao acariciar minha mão. Olho bem em seus olhos e tento entender o que ele tenta me dizer apenas com seu olhar.


—Eu me afastei dele, por um tempo. —Minhas palavras confortam Arão. —Zion irá me proteger, ele me prometeu.


—Uma espécie de guardião?—Arão pergunta e eu afirmo que sim. —Não posso manusear armas, mas... —Arão tenta me falar algo que não sei especificar o que é. Ele apenas segura a minha mão e me olha docemente. —Estou aqui para te proteger. —Ele fala, mas eu vejo que não é o bastante. Arão que me falar algo mais, sinto isso. —Mas não como você deseja.


—Sinto muito. —Lamento automaticamente sem saber porque.


—Eu sinto mais por saber que você não se sente bem aqui. —Arão fala e então o olho seriamente. —Principalmente por causa de Miriã.


—Ou eu me defendia, ou Miriã me daria uma surra. Eu sou do sangue de leão que nunca se curva, descendente de Seti, não vou ser rebaixada por Miriã.


—Vejo que em cada um da família real há um pouco de sede por poder. Até mesmo Henutmire que era a mais dócil e humilde de todos, ao se tornar rainha, se tornou uma fiel cópia feminina de Seti. —Arão acaba me surpreendendo com suas palavras. —O poder é enlouquecedor.


—O poder é melhor arma de ataque, mas também é um veneno. Sei muito bem disso. Se caso eu pudesse me tornar rainha como minha mãe se tornou, garanto que nenhum ser que fez mal a minha família ficaria inteiro. —Falo ao ter uma ideia absurdamente insana. —A começar pelos cabelos.


—Cabelos? —Arão pergunta risonho.


—É a maneira mais fácil de enfraquecer uma mulher. —Falo ao me lembrar dos cabelos de Miriã. —Eu preciso voltar para casa e ajudar minha mãe. O que Amun fez foi grave.


—Não pretende sujar suas mãos, pretende? —Arão pergunta assustado. —Deixe que Henutmire e Amun briguem entre si, essa guerra é deles.


—A guerra é deles, mas o meu pai morreu! —Me exalto para sua surpresa.


Não se brinca com um membro da família real egípcia, não se brinca comigo. Desde muito pequena, até mesmo sem experiência nenhuma sobre a vida, eu já sabia o que queria e o que não queria. Não me importava se preciso fosse passar por cima de algo. Se temem tanto a rainha Henutmire, não sabem o que a filha dela é capaz de fazer. Minha mãe pode ser perigosa por ser filha de Seti e ter aprendido com ele todas as artimanhas necessárias para ser severa. Mas minha mãe sempre pensa antes de fazer e se arrepende tempos depois. Eu não faço isso. De maneira alguma! Eu não penso nas consequências que podem haver nos demais, penso apenas em mim mesma. —Podem chamar de egoismo ou narcisismo como falavam sobre Seti. Mas são eles dois que me mantém de pé. —Por algum tempo eu fui paciente e obediente ao ver que errei com meus pais. Mas agora eu posso voltar a ser o que era, desta vez não terei meu pai, nem mesmo minha mãe que está longe. —Esse deserto pode ser imenso para o meu povo. Mas ficará minúsculo para mim. —Eu sou do sangue de Ramsés I, descendente de Seti, nascida de Henutmire, da tribo de Judá. Mas acima de tudo eu sou eu mesma, não posso me gloriar apenas por ser filha e neta de uma rainha e de um rei. Ah, se eu pudesse ser rainha! Mas infelizmente Djoser é o primogênito de minha mãe. —Como gostaria de ter nascido homem para saber o que é poder. Saber o que é manusear uma espada e ter como honra a desculpa de matar. —Só poderia me tornar uma rainha se caso Djoser morresse, mas isso não irá acontecer. O trono do Egito nunca foi meu, nem nunca será. Se Djoser nasceu foi com a missão de se tornar rei graças a morte de Amenhotep.


—Pensando na sua mãe? —Arão pergunta e eu sorrio.


—Pensando em Djoser. —Falo ao me lembrar de um segredo meu e de meu irmão. Imagino que nossos pais nos matariam ao saber de tal coisa.


Flash Back On


—Pare de olhar. —Falo ao ver que Djoser não para de olhar para as dançarinas.


—Você não vai entender. —Meu irmão fala ao se gabar por ser homem.

—Sequer beijou uma mulher. —Falo e então Djoser me repreende com seu olhar.

—Mas você já beijou Chibale as escondidas. —Djoser fala e então seguro firme o seu braço e o puxo para um local mais escondido do jardim.


—Como sabe disso? —Pergunto.


—Uri me contou...


—Eu ainda mato nosso irmão! —Falo furiosa e então Djoser passa a rir.


—Não fique assim. Se já beijou um dos seus irmãos, porque não beijar Chibale? —Djoser pergunta me deixando mais nervosa ainda.

—Fala baixo! —Repreendo Djoser. —Já pensou no que a nossa mãe iria pensar? E o nosso pai? Iria no mínimo nos dar uma surra.


—Você beija bem, Anippe. —Djoser fala isso ao se aproximar. —Podemos tentar novamente? —Ele pergunta me fazendo rir de nervosa. Eu então, por fim, beijo o meu irmão pela segunda vez.


—Anippe? Djoser? —Uri indaga incrédulo ao ver seus irmãos mais novos fazendo tal coisa.


Flash Back Off


Uri ficou incrédulo ao ver Djoser me beijar como uma mulher, sem me ver como irmã. Após isso Djoser convenceu Uri de que aquele beijo não foi nada demais, até porque incesto era permitido na família real. Mas Uri se recusava a aceitar. Em parte ele falava que era errado por nossas origens hebréias. Mas prometeu não contar para meus pais. Imagino que Henutmire e Hur iriam enlouquecer ao saber que o filho amado e a filha protegida celaram os lábios. Mas aquilo foi apenas uma brincadeira fatal, brincadeira que ninguém nunca vai saber. Apenas Uri sabia e agora ele morreu.


—Sente muito a falta de Djoser, não é? —Arão pergunta e então sorrio maliciosa. —Claro que sente, é seu irmão.


—Claro... —Falo e então sorrio ao lembrar do olhar de Djoser. —Como não sentir falta dele? Djoser e eu somos irmãos, crescemos juntos. —Falo nostálgica. —Mas agora ele será rei e eu não serei rainha.


—E você deseja ser rainha como sua mãe é. Pensou na possibilidade de você e Djoser serem soberanos do Egito da mesma forma como sua mãe e Ramsés são? —Arão pergunta. —Quer mesmo se tornar uma rainha?


—Eu não quero ser uma rainha. —Falo ao levar o meu olhar para o nada. —Eu quero ser a Rainha. —Dou ênfase antes de voltar a olhar para Arão. —Não por casamento, por conquista.


—Você merece um palácio, Anippe. —Arão fala ao acariciar o meu rosto com delicadeza. —Mas sabe o quanto isso custa? Teria que abrir mão de muitas coisas.


—Eu abro mão de qualquer coisa para ter o que quero, faço qualquer coisa para alcançar o meu objetivo. —Falo. —Se temiam Seti, devem temer muito mais à mim.


(...)


—Há alguém que possa te ajudar. —Halima fala enquanto costura.


—Não preciso da ajuda de ninguém. —Falo e então Halima revira os olhos. —Não sou uma inválida.


—Não disse isso. —Halima fala ao voltar suas atenções para sua costura.

—Você sabe costurar bem. —Falo ao ver a praticidade de Halima. —Não se cansa?


—Gosto das cores. Principalmente o laranja e o vermelho do estandarte da nossa tribo. —Halima fala e então sorrio. —Você gosta dessas cores, certo?


—Desde criança. —Respondo. —Um leão? —Indago.


—Feroz, corajoso, temível... —Halima fala orgulhosa. —Você e Djoser são dessa tribo.


—Graças ao meu pai. —Falo infeliz. —Mas Ramsés I era chamado de "Sangue de leão", por isso todos o temiam.


—E sua mãe de "Coração de Seda". —Halima fala orgulhosa. —Tão nobre e brilhante como a seda, valiosa e disputada como tal. Nem todos podem ter a seda. —Ela fala. —De fato a rainha Henutmire tem um coração de seda, é tão valioso que pertence a uma só pessoa e nele só há sentimentos bons.


—Uri costumava dizer que eu tinha um coração valente. —Falo nostálgica pelo meu irmão. —Acho que ele estava errado.


—Ele estava correto, Anippe. Mais que isso, falava a maior das verdades. Você é impulsiva, rebelde, mas isso são apenas os galhos da sua personalidade. A sua raiz é a valentia, isso é bem nítido na sua família. —Halima fala me surpreendendo. —Até mesmo Seti que era sanguinário. A carnificina de crianças que Seti promoveu foi consequência de sua valentia.

 


—O temor me teme. —Falo para mim mesma, mas Halima acaba me ouvindo.


—Poder é poder, o temor me teme... —Halima fala ao lembrar da frase favorita de minha mãe e em seguida falar a minha. —Sonhei com esse estandarte, por isso faço-o com tanto carinho. —Ela fala ao atravessar a sua agulha várias vezes no tecido branco enquanto a linha passa pelo desenho do leão.


—Sonho? —Indago curiosa.


—Não sei se posso te contar. —Halima fala temendo minha reação. —É muito estranho, não iria entender.


—Pode contar. —Insisto.


—Sabe essa flor de três pontas bem próximo ao coração do leão? —Halima pergunta ao me mostrar. —Uma flor de lis.


—Já vi muitas desenhadas pelo palácio. —Falo.


—Sonhei com uma mulher, jovem, tão bela quanto o céu, tinha os olhos azuis e os cabelos dourados como o ouro. Ela estava em uma embarcação enorme e nas caravelas haviam este estandarte. —Halima fala ao estender todo o pano. —Era um leão com uma flor de lis no peito, próximo ao coração. Seja lá quem pudesse ser essa mulher, como você mesma disse, o temor a teme dentro e fora dos sonhos. —Ela fala ao olhar para mim. —Depois disso eu vi esse mesmo estandarte no Egito, deve ser saudade.


—No Egito? —Indago.


—Sim. —Halima afirma. —Em frente ao palácio esse estandarte era colocado. E o que mais me chamava a atenção era que a flor de lis próximo ao coração do leão era de seda azul, algo simbolizando que o leão era valente, e que ele era o único poder ali presente. —Halima fala e então sorri para mim. —Seu ungido era como uma canção, uma canção que, como a rainha Henutmire mesma disse várias vezes ao se tornar soberana, poder é poder. Um ungido deixando que o temor quem devia teme-lo.


"Uma dia chegará, distinta na cor, uma nova rainha ainda mais bela e mais jovem que você. O coração dela será valente, não de seda como o seu, não tão nobre, mas capaz de enfrentar o pior dos mares e tempestades. Ela sentará no trono e usará seu nome como uma afronta, tomará tudo o que é teu e nada você poderá fazer. Você verá sua família sem rumo como uma embarcação sem caravela..." —Amun, (Capítulo 69).


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Notas finais do capítulo

Teorias? Sonhos? Desejos? Até a próxima!



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