Assassin's Creed: Omnis Licitus escrita por Meurtriere


Capítulo 62
Quebrando Alguns Ovos


Notas iniciais do capítulo

Enfim um capítulo ENORME como eu havia prometido. Mas peço desculpas antecipadamente por qualquer erro de digitação, ortográfico etc. Isso porque o Word do meu PC deu pau e eu tive que fazer tudo pelo terrível Wordpad...

Enfim, peço que relevem possíveis falhas de revisão nesse capítulo monstro.

Quero também pedir desculpas pelo palavreado de baixo calão e AVISO que tem cenas impróprias.

Sem mais, espero que gostem. O fim está próximo.



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Não havia um só sinal de aprovação em Delphine quando ouviu seu filho dizer-lhe que estava partindo por alguns dias para caçar um urso. Ela o proibiu de partir, mas Pierre insistia que aquela era uma oportunidade deles conseguirem mais dinheiro antes do inverno chegar. Ela não se despediu de seu filho e Jenny sentia-se péssima por isso, se o garoto morresse ela seria a única culpada e se voltassem com o animal, Delphine teria que aceitar que Pierre estava certo e a Assassina também seria a culpada por isso.

Foi tentando ignorar a discussão entre mãe e filho que os dois seguiram para a estrada do sul. O rapaz trazia um par de cobertas e cordas à suas costas enquanto a Kenway apenas levava sua bolsa tira colo com dinheiro, munição para as pistolas presas em suas calças e bombas que ela pegou de Liam antes de partir.

Tal qual todo jovem, Bellec se sentia pouco confortável em pleno silêncio e por isso ele logo tratou de mudar isso.

— O que houve com a sua família?

A loira estranhou a pergunta e encarou-o brevemente antes de voltar sua atenção para o caminho à frente. O tempo estava fresco, o que era sinal que o verão estava indo embora, mas de qualquer modo uma conversa não os atrapalharia em seu trajeto solitário.

— Minha mãe morreu quando eu era muito pequena. E meu pai... Ele foi morto quase uma década depois.

— Mas e sua outra família? Seu marido e filhos.

Ela ficou em silêncio e Pierre achou melhor não insistir no assunto, mas Jenny veio a lhe responder em seguida.

— Meus filhos e o pai deles morreram há alguns anos, em um ataque noturno.

— Ataque de soldados franceses?

— Portugueses. Isso ocorreu na África. – Houve mais uma pausa silenciosa entre eles, mas a loira podia sentir a ânsia de Bellec em lhe fazer mais perguntas, mas também havia certo receio. – Eles eram negros. Por isso foram mortos.

Um silêncio pesado e estranho reinou entre os dois, sendo quebrado apenas pelo som de seus passos ao longo da estrada. E assim permaneceram por um longo período de tempo, até que o barulho de cavalos lhes denunciou a aproximação de uma carroça pelo sul. Ambos trocaram olhares, mas tão logo o veículo entrou no campo de visão deles, Pierre sorriu e acenou.

— O que está fazendo? – Jenny lhe questionou em baixo tom.

— É um dos comerciantes que conheço, está tudo bem. O nome dele é Antony.

A Kenway viu o homem retribuir o gesto e frear os cavalos enquanto eles se aproximavam. O homem estava sorridente ao jovem, mas logo seus olhos recaíram na Assassina e ele começou a falar, para o desagrado dela estavam a falar em francês. Ela não conseguiu entender boa parte, contudo a conversa não se prolongou por muito tempo e logo a carroça continuou o seu rumo. Jenny e Pierre ficaram observando-a se distanciar.

— O que ele disse? – Ela o questionou, mas sem tirar os olhos da carroça.

— Perguntou se eu estava com problemas e se precisava de ajuda. Disse que não, que é uma amiga da família.

— Acha que ele acreditou?

Bellec deu de ombros e se virou para ela sorrindo. – Acho que sim.

Jenny cruzou os braços e franziu o cenho, seu silêncio atiçou a curiosidade do jovem e ele não demorou a demonstrar isso.

— O que houve?

— Quanto tempo ainda temos até onde os ursos estão?

— Acredito que chagaremos amanhã.

— Seu amigo pode nos encontrar lá?

— Antony? – Ele arqueou a sobrancelha e a olhava confuso demais.

— Sim. Será mais fácil levar um urso em uma carroça e também precisarei voltar à cidade. Vá até ele e faça a proposta do transporte e como pagamento eu irei dar toda a gordura do animal para ele.

— E se ele recusar?

— Então ele fará uma contraproposta. Não posso ceder a pele, apenas lembre-se disso. Agora vá atrás dele antes que se distancie demais, eu esperarei aqui. De três dias para ele nos encontrar.

Pierre anuiu e partiu correndo atrás da carroça, seguindo o rastro das rodas de madeira. O veículo já havia sumido por entre as árvores e o barulho das mercadorias a se chocalharem estava distante, inaudível para quem não prestasse bastante atenção. Ela esperou na estrada por quase uma hora até escutar os típicos passos barulhentos do rapaz pela estrada. A loira o encarou ainda distante e o sorriso desenhado sobre os lábios dele lhe indicavam que tudo havia dado certo.

— E então? – Ela se levantou do chão e tirou a poeira das vestes enquanto ele ainda se aproximava.

— Ele não acreditou que seja capaz de matar um, mas aceitou.

— Ótimo. Vamos em frente então.

A improvável dupla seguiu ainda mais para o sul até determinado ponto pela estrada, sem cruzar com mais ninguém pelo caminho. O tempo manteve-se agradável pelo resto do dia e os dois continuaram sua caminhada moderada com poucos intervalos para descanso. Quando alcançaram alguns montes, Pierre parou e se virou para ela seriamente.

— A partir dessas colinas entraremos em território selvagem. Meu francês não valerá muito mais que o seu inglês.

— Há aldeias por perto?

— Não que eu saiba, mas eles caçam nas redondezas e não costumam ser gentis com intrusos.

— Tudo bem, não iremos demorar. Iremos pernoitar por aqui, venha. Vamos achar um bom local.

Jenny se embrenhou em meio às árvores e Bellec apenas a seguiu, tomando o cuidado de observar se não havia ninguém por perto e realmente não havia. A Assassina não tardou em encontrar uma ravina ampla o suficiente para uma fogueira, em alguns gravetos eles assaram alguns pedaços de carne envolvidos em alfaces e repolhos que trouxeram da última caçada.

Pierre comia avidamente seu pedaço enquanto a loira mantinha sua atenção no morros logo a frente. Eram três e mais ao oeste havia um largo rio com peixes em abundância, mas também uma correnteza impiedosa.

— Então eles se abrigam nas cavernas do outro lado?

— Sim, há alguns casos de ataques, mas geralmente só ocorre se você chega muito perto. Em geral eles não sobem as montanhas.

Ela lhe anuiu sem tirar os olhos das colinas rochosas. - Descanse, Pierre. Eu cuidarei do primeiro turno de vigia. Te acordo a meia noite.

O jovem terminou sua refeição e acomodou-se como pôde sobre a sombra de uma árvore, com suas costas apoiadas no tronco e por sobre o corpo uma coberta pequena. Em poucos instantes um ronco baixo denunciou o sono do rapaz e a Kenway aproveitou para estudar o ambiente. Ela apagou a fogueira e jogou areia por cima das cinzas, impedindo a fumaça de subir. As cordas e cobertas foram escondidas sobre a folhagem da mesma árvore que Pierre escolheu para dormir e assim ela o deixou.

Era arriscado deixá-lo sem a proteção do fogo, mas sendo ursos animais territoriais ela duvidava da presença de lobos pelas proximidades, o que tornava ladrões de estrada o maior dos perigos. Mas mantendo-se silenciosa, ela percorreu por entre as matas um percurso retilíneo até a mais próxima das montanhas. O solo rochoso era deveras inclinado, certamente o principal motivo para os animais não se aventurarem daquele lado. Ainda sim, pela falhas causados pelo passar dos anos nas pedras, ela subiu com cautela até o topo, o céu estava claro e a lua nova proporcionava boa luminosidade para a escalada.

Alcançando por fim seu objetivo, Jenny se permitiu sentir o vento frio lhe sacudir as madeixas loiras e também seu manto cinzento. Havia tamanha paz ao seu redor que a ideia de que uma guerra estava acontecendo em qualquer parte do mundo parecia coisa de outros tempos, coisas do passado. Mas infelizmente essa não era a verdade. Voltando sua atenção para o território logo abaixo, tornou-se claro o motivo dos ursos permanecerem ali. O rio ficava há uma distância de uns trezentos metros, e com pequenas quedas criadas com o acúmulo de pedras, a água tornava-se rasa o suficiente para eles pescarem. Um pequeno e imaculado paraíso.

Seguindo adiante, havia um vale de árvores não muito altas, provavelmente frutíferas e um bonito campo de flores silvestres crescia mais ao sul, próxima a base das montanhas. Um pequeno mal estar e arrependimento lhe tomou a consciência por ter que tirar a paz e a vida de ao menos um daqueles animais. Não era justo. Mas sem o recurso monetário necessário, medidas drásticas precisavam ser tomadas. Ali, observando a lua e as estrelas, ela permaneceu mais algum tempo, desejando poder sentir aquela paz de espírito um dia novamente em sua vida.

Jenny retornou ao acampamento e tudo estava conforme ela havia deixado, Pierre dormia profundamente e lhe partiu o coração ter que acordá-lo. Sendo assim, ela subiu na mesma árvore em que ele dormia, envolveu a corda com suas coxas e galhos juntos e fechou os olhos. Sua Hidden Blade estava presa em seu pulso e no menor dos barulhos ela iria despertar logo acima do rapaz. Na incerteza de qualquer eventual ataque, era sempre bom se manter no território mais alto possível, fossem animais ou ladrões, raramente eles olhavam para cima.

— Jenny?

A Assassina abriu vagarosamente os olhos quando ouviu a movimentação das folhas sobre o chão. Os passos apressados de Bellec devem ter acordado até mesmo os ursos do outro lado da montanha. A respiração dele estava apressada enquanto ele olhava para todos os lados, procurando por entre a vegetação baixa.

— Tenha calma, estou aqui.

Imediatamente ele se virou e com a expressão assustada encarou as matas, ainda sem localizar a mais velha até que esta iniciasse o processo de desfazer os nós da corda.

— Já é de manhã. – Ele disse alarmado ao se aproximar.

— Bem observado.

— Disse-me que acordar-me-ia à meia noite.

— Eu fiz um breve reconhecimento das redondezas e não vi necessidade de te acordar. Ninguém passou pelas estradas e o animal mais perigoso a se aproximar foi uma coruja feia. A não ser que tenha medo de corujas, é claro.

— É claro que não tenho. – O jovem cruzou os braços e emburrou-se com a insinuação.

Ela pendurou-se no galho com as mãos e aterrissou por entre as raízes sem dificuldades, sua expressão mantinha-se serena, mas internamente ela ria com a cara dele.

— Certamente nunca ouviu o conto da coruja e do casal apaixonado.

— Eu não acredito nesses contos para crianças.

— Uma pena, esse é o meu favorito.

— Por que? – A expressão dele passou de carrancuda para curiosa como em um passe de mágica.

— Pensei que não se interessasse. – Jenny sorriu a ele que logo voltou a fazer bico como uma criança contrariada. – Lhe contarei para dormir a noite, agora precisamos cruzar o rio.

— O que iremos fazer do outro lado do rio?

— Observar os ursos e escolher um. Eles ficam menos defensivos na água.

Então um ronco alto e demorado fez a Kenway rir e Pierre corar. Sua barriga exigia em alto e bom tom sua porção matinal de comida.

— Primeiro comeremos algo. Vamos pegar um pouco de água, traga as nossas coisas.

Bellec tratou de recolher as cobertas e tudo mais que lhes pertencesse, amarrando todo o material às costas uma vez mais. Enquanto tinham um desjejum com as frutas encontradas nas árvores locais, a Assassina amarrou uma corda em torno da cintura dela e a outra ponta na cintura do rapaz, este que observava tudo muito curioso.

— O que está fazendo? – Ele a questionou antes de morder uma ameixa escura e suculenta que lhe melecava os dedos.

— Tomando providências. A correnteza do rio é muito forte e eu não sei se você sabe nadar.

— Claro que sei nadar.

Jenny ergueu os olhos da corda e o encarou a pouco centímetros de distância. – Em um lago calmo até mesmo Altair conseguiria nadar.

— Altair? Quem é Altair?

— Um Assassino famoso entre nós. Um dia lhe contarei sobre ele. Já terminou seu café?

— Já sim. – Pierre enfiou o restante da ameixa na boca e balançou a cabeça positivamente.

— Acho que comeste muitas dessas... – A loira se ergueu e testou o nó reforçado dado na corda, o mesmo estava bastante firme. - Venha, temos que seguir para o outro lado.

Bellec se ergueu e a seguia para a margem das águas, cristalinas e geladas. Porém Jenny não parecia se importar com isso e já tinha água acima dos joelhos, ele a acompanhou e teve calafrios por todo o corpo ao sentir as roupas de encharcarem. A travessia não se mostrou fácil e a Kenway observava atentamente antes de dar algum passo, procurando pontos firmes e ao mesmo tempo rasos. No fim os dois estavam molhados até a altura do peito.

— Não podíamos ter simplesmente subido a montanha? – O rapaz tremia e tentava inutilmente aquecer os braços os esfregando.

— Podíamos e então seríamos atacados em um péssimo terreno. – Ela se ergueu e desfez o nó da corda que envolvia sua cintura. – Procure por um pouco de sol e coloque suas roupas para secar, antes que se resfrie. Eu farei o mesmo. Não se afaste muito da margem.

Com isso, ela seguiu por entre as árvores e escolheu uma para escalar e sumir de vista. Pierre aproveitou para despir o tronco, mas manteve as calças e seguiu beirando a margem do rio até encontrar um pedra grande e seca onde o sol reluzia com louvor, do outro lado do rio ele podia ver os ursos pescando e comendo a vontade. O jovem sentou-se de frente para os animais e lá ficou, observando-os com atenção.

Passaram-se um par de horas até que Jenny retornou, sem seu manto cinzento e com as calças ainda colada ás pernas, contudo, ao menos seu blusão estava seco.

— Como conseguiu secar sua roupa tão rápido? – Bellec se levantou e a encarou estupefato.

— Amarrei em um galho alto onde ventava bem. A propósito teremos que nos apressar, irá chover em breve.

— O céu só tem um punhado de nuvens brancas, como pode saber disso?

— Ventos fortes do norte. Mas isso não importa agora. – Ela se virou de frente para margem e visualizou os ursos – Vejo que encontrou um bom local. Diga-me que urso tu escolheria?

— Os menores certamente são mais fracos. – Ele tornou a encarar a cena dos animais metros à sua frente.

— E também mais ágeis. Barcos menores navegam mais rapidamente com velas cheias.

— Então acha os maiores as melhores opções? – Pierre a olhou intrigado, mas a loira não pareceu notar.

— Não necessariamente, mas os velhos sim.

— E como pode saber se um urso é velho não?

— Olhando para o rosto deles, quanto mais velhos, mas marcados são. O mesmo vale para as pessoas. – Desta vez ela se virou e sorriu ao jovem. – Me dê suas roupas, irei colocar ao vento.

Bellec a obedeceu e retirou as vestes de cima das pedras para entregar nas mãos dela. – O que eu faço?

— Observe mais um pouco e encontre o urso mais velho. Ele terá a pelagem mais opaca e irá parecer mais preguiçoso.

Ele lhe anuiu e sentou-se exatamente onde estava anteriormente enquanto a Assassina lhe deu as costas e voltou para às árvores. Tal qual ela havia dito, nuvens cinzentas e pesadas vieram do norte, o que fez os ursos se recolherem antes do previsto. Quando as primeiras e pesadas gotas de chuva começaram a cair, Jenny retornou e chamou Pierre para um improvisado abrigo feito de galhos e folhas.

A Kenway escolheu uma árvore de galhos baixos e sinuosos para usar como base de apoio para os que ela viria a colocar ali e graças a expressiva quantidade de árvores a lhe rodear, ela conseguiu manter o pequeno espaço seco e habitável. Ambos ficaram envolvidos sob o chiar constante da chuva, apenas observando e esperando. Para o jantar daquela noite uma porção de frutas iria ter que bastar.

— Como você pode saber tantas coisas? – Questionou o moreno entre uma mordida e outra. – Como sabia que a chuva chegaria até aqui?

— Eu vi as nuvens ontem a noite quando estava no topo das montanhas. O vento forte as trouxe rapidamente. – Meu pai dizia que quando se vive no mar, entender os céus é tão importante quanto às águas.

— Ele também te ensinou sobre os ursos?

Um sorriso triste e um olhar vago se fizeram presente na expressão dela, até que seus olhos recaíram sobre o anel Irlandês em seu anelar esquerdo. – Não, Liam me ensinou a respeito deles.

— Há ursos na África também?

Jenny retornou de suas doces lembranças com o Assassino ao notar a confusão feita pelo jovem. – Não. Liam não estava na África, ele não era o pai dos meus filhos. Este era o Sexta-feira, um escravo sem donos.

— Pensei que não houvesse escravos na Inglaterra.

— Ele não vivia lá, eu o conheci quando parti com os Assassinos. Sexta-feira e eu nunca nos casamos oficialmente, diante da igreja.

— Então quem é Liam?

— Um Assassino com quem me casei há poucos anos em Nova York.

— E onde ele está?

— Eu não sei...

— Por que não estão juntos?

Jenny suspirou demoradamente e fixou seus olhos no céu negro daquela noite tempestuosa. – Haythan... Eu partir atrás do meu irmão, para proteger meu mentor.

— Ele também é um Assassino, por que não a ajuda?

— Liam me ajudou muito por muito tempo, mas Haythan é responsabilidade minha. O que me faz lembrar que eu lhe prometi uma história sobre a coruja e o casal apaixonado...

A chuva cessou no meio da noite, mas não antes da história chegar ao seu fim e Pierre adormecer. A Kenway se acomodou como conseguiu ao lado do jovem que descansava feito um bebê ao seu lado até ela própria cair em sono profundo. Na manhã seguinte as gotas de orvalho pingavam das folhas verdes e vividas das copas, enquanto os pássaros deixavam seus ninhos com o raiar do sol. Ambos conseguiram se manter secos e aquecidos por toda a noite, todavia, dormir sentada e encostada em um tronco duro de uma árvore resultou em dores nas costas e articulações da mais velha.

Dia após dia o tempo gritava para Jenny que ela estava ficando velha demais para se manter naquela guerra entre Assassinos e Templários. Apesar de sua habilidade em escaladas se manter afiada, sua disposição e força minguava pouco a pouco. E cada vez mais ela precisava recorrer a métodos ardilosos para evitar o uso de força bruta. Tão logo ela despertou e desvinculou-se do rapaz que adormeceu em seu peito, suas pernas doeram com a dormência de horas ao tentar se levantar.

Ela esticou membros superiores e inferiores, estalando ossos por todo o corpo, o que fez Pierre despertar com a movimentação.

— Não iremos achar nada seco para fazer uma fogueira por um bom tempo.

Bellec a encarou ainda com remela nos olhos e deu um longo bocejo. Os cabelos negros estavam bagunçados e o rosto amassado por ter dormido o tempo todo apoiado apenas de um lado. Porém a mente do rapaz ainda parecia distante de despertar. Ele se ergueu, apoiando-se na árvore que lhes serviu de leito e iniciou uma lenta caminhada por entre a vegetação.

— Para onde está indo Pierre? O rio é do outro lado.

— Sei disso, mas preciso me aliviar.

Jenny revirou os olhos enquanto recolhia os pertences de ambos. – É só escolher qualquer árvore e mijar.

— Eu não irei só mijar! – Ele disse em alto tom, já distante o suficiente para sumir da vista dela.

— Eu disse que não deverias ter comido tanto daquelas frutas!

— Quer me deixar me concentrar em paz?!

— Só não demore muito e cuidado com a folha que escolher, algumas são ásperas demais para o....

— Já entendi!

— Te espero no rio!

A Kenway deixou o local aos risos e foi lavar o rosto nas águas frias da correnteza fluvial. Ela subiu na pedra que serviu ao rapaz no dia anterior e observou os ursos saírem lentamente de seu covil rochoso na montanha. Os menores dos quais Bellec havia comentado eram jovens, estavam sempre ao lado de um maior e mais gordo, provavelmente a mãe deles. Antes que ela pudesse tirar mais conclusões, Pierre chegou por entre as árvores.

— Foi uma cagada bem demorada.

— Ótimo, nem cagar em paz eu posso mais.

— Devia me ouvir na próxima vez. Todo mundo fica vulnerável quando caga, reis já morreram enquanto cagavam.

— Então hoje iremos aprender sobre a normas de se cagar... Que maravilha.

— Um bandido inexperiente poderia cortar sua jugular enquanto fica cagando, ou mesmo um animal poderia lhe atacar.

— Já entendi, podemos encerrar esses assunto?

— Apenas se lembre que a merda e a morte sempre andam juntas.

— Guardarei isso no meu coração.

Jenny mantinha-se inexpressiva com todo a sua força de vontade, mas por dentro ela gargalhava avidamente ao reparar na cara do jovem que resmungava baixinho ao seu lado. E para não perder o controle, ela tratou de mudar o assunto.

— Certo, agora diga-me qual o é o urso mais velho.

Pierre se aproximou da margem até o limite máximo de onde a água batia e observou por um tempo até erguer o braço direito e apontar na direção de um dos mamíferos.

— Vê aquele se esfregando no tronco? O pelo dele tem algumas falhas e o rosto já está bastante marcado.

— Sim, estou vendo e pelo comportamento é um macho. Ele é menor que a fêmea e deve ser experiente também.

— E qual é o seu plano afinal? Matar um animal desses não é fácil.

— Irei atravessar o rio enquanto tu permanece aqui e vigias.

— Eles te atacarão na primeira oportunidade.

— Olhe ali. – Jenny se virou para o oeste e indicou para o rio acima. – As águas mais escuras indicam profundeza. Ou seja, posso atravessar parcialmente submersa, sem que eles me vejam.

— Parece muito arriscado confiar nesse rio.

A Kenway se virou e sorriu ao rapaz. – Está tudo bem, estou acostumada. Assobie se ver algum deles se aproximar.

Ele lhe anuiu e a Assassina partiu com a corda enrolada no ombro esquerdo, rio acima. Por um instante ela parou e recolheu do chão um longo pedaço de madeira que tinha por volta de um metro meio de comprimento. De seguida ela retomou a caminhada até se tornar um ponto irreconhecível para Bellec.

Jenny escolheu seu trecho para a travessia e adentrou as águas com o galho quebrado lhe servindo como terceiro apoio. Quando metade de seu corpo estava completamente submerso, cada passada sua era antecedida pelo cajado recém improvisado. Ela o fincava por entre a areia e pedras que compunham o fundo do rio e testava sua resistência antes de avançar mais. E foi com cautela e paciência que ela alcançou a outra margem do curso fluvial.

Mais uma vez Pierre a observava quase abismado pela astúcia da Assassina e começava a pensar que ela teria mais do que condições de derrotar um urso. De longe ele a viu subir em uma árvore de copa alta e desta pular para o galho de outra. Sabiamente a Kenway se aproximou da área ocupada pelos animais sem ser notada e os mamíferos continuavam suas atividades normalmente.

Um caçador comum usaria uma arma de fogo para abater um deles daquela distância, mas Jenny parecia aguardar o momento certo de agir. Ela não poderia ir ao solo ou seria atacada no primeiro instante, então o rapaz pensava e repensava o que ela estaria esperando então? Como ela planejava pegar um deles? De qualquer forma ela estava sentada, dando nós na corda que havia carregado junto a si e parecia despreocupada.

Horas se passaram quando enfim ela se ergueu e mudou de árvore, indo para um carvalho grande e velho. Os ursos já haviam pescado e descansavam a refeição enquanto Bellec só ouvia sua barriga roncar cada vez mais alto. Jenny deu uma volta no tronco da árvore com a corda e sentou novamente, fazendo seu expectador bufar de tédio.

Todavia, não tardou para o urso velho se dirigir para o mesmo carvalho e repetir, como no dia anterior, a prazerosa prática de coçar ás costas no tronco já gasto. Lentamente um laço desceu até a altura do animal e em um ímpeto a loira envolveu o pescoço dele. Sem perder tempo ela segurou na outra ponta da corda e saltou para trás, seu peso forçou o animal a ficar de pé e urrar em fúria. Os outros ursos se alarmaram, mas Jenny aproveitou a brecha do gigante para usar a corda como um cipó e se balançar até às costas dele. Com sua curta lâmina em riste ela cessou o grito do urso.

De novo sobre as quatros patas, o mamífero grunhiu de maneira lamentosa enquanto seu sangue começava a tingir o chão. Suas pernas começaram a perder as forças e ele caiu para seu coração conseguir bater um pouco mais e assim conseguir dar um último suspiro de vida.

A ursa mãe levou seus filhotes para dentro da caverna no primeiro alarde, provavelmente estava confiante que o experiente animal daria conta do que quer que estivesse acontecendo entre as árvores. Jenny se aproveitou disso e iniciou o processo para retirar a pele do gigante. Já toda suja de sangue, ela separou as carnes do urso e os amarrou em porções semelhantes ao longo da corda, partindo esta em dois.

Mesmo que a Assassina dividisse igualmente todo o peso da carne entre ela e Bellec, seria pesado demais para os dois carregarem sozinhos até a carroça de Antony retornar. Sendo assim, ela separou o que julgou ser o suficiente e cruzou o rio ao entardecer, desta vez pela parte mais rasa.

Pierre a recebeu com os pés dentro da água, recolhendo parte da carga para si. – Você conseguiu... Conseguiu mesmo. Matou um urso.

— Acredite garoto, não sinto o menor dos prazeres nisso. – Jenny despejou a espessa pele sobre o chão, aos pés do mais novo. – Vamos embrulhar isso para não chamar atenção.

— Uau! Conseguiremos um punhado de dinheiro com toda essa carne.

— Não se anime tanto. Temos que separar o pagamento de seu amigo,

— Bom, podemos assar pelo menos um pouco para nós? Estou faminto.

A Kenway o encarou e lhe assentiu. – Pegue algo seco para queimar, irei separar bons pedaços para nós dois.

Bellec se apressou em ir atrás de gravetos secos, palha e tudo mais que pudesse queimar em uma fogueira. Ao cair da noite, eles sentaram-se ao redor da pequena fogueira e assaram dois pedaços de carne pura. A loira mantinha sua atenção na montanha que antes era o lar de seu jantar, porém seu companheiro comia arduamente o que já havia assado enquanto ela mal comia.

— Devia aproveitar, afinal foi graças a você que temos esse jantar.

— Não gosto de tirar vidas inocentes.

— Mas era só um urso.

A Kenway deixou a vista da montanha de lado e olhou o reflexo das chamas crepitarem nos olhos negros do rapaz.

— Conheci homens e mulheres que fizeram muito mais do que esse urso e eles continuam vivos. – Ela suspirou e desviou o olhar de volta para o outro lado do rio. – É como dizem, precisamos quebrar alguns ovos para fazer um bom omelete.

Ele não lhe respondeu mais e agora mantinha os olhos fixados na colina ao sul tal qual ela. Aquelas palavras ecoaram por muitos anos ao longo de sua vida e o marcaram muito mais do que podia imaginar.

— Você fica com o primeiro turno de hoje, garoto. – Disse a loira enquanto ajeitava a pelagem marrom perto de si. – Pode comer o meu pedaço se assim o desejar. Acorde-me quando não aguentar mais e mantenha a fogueira acessa.

Jenny deitou-se no chão e usou a grossa pele do animal como um travesseiro improvisado. O jovem continuou a comer a parte dela e partiu para a dela logo em seguida. Dentro de si não somente o alimento era digerido, mas também tudo que a Assassina lhe ensinava pouco a pouco.

Na manhã seguinte, tão logo o céu ganhou cores alaranjadas, a Kenway decidiu-se por levantar o acampamento. O fogo já havia se extinguido quando ela despertou sozinha na madrugada e encontrou o garoto dormindo profundamente adormecido logo a sua frente. Contudo, para a sorte de ambos, nem animais ou bandidos passaram pelo local, visto que tudo estava intocado.

— Pierre, acorde. Temos que atravessar o rio além das montanhas.

Nenhuma resposta. Jenny se levantou se aproximou-se do garoto, ficando de cócoras para lhe balança o tronco. – Pierre, vamos. Acorde.

Novamente o silêncio. Então ela se reergueu e caminhou até o rio. A Assassina esvaziou a bolsa tira colo e a encheu de água, retornando para o garoto uma vez. Sem dó, Jenny despejou toda a água em cima dele que acordou em um pulo. Assustado e molhado, ele se levantou de imediato.

— Mas... O quê? – Os olhos dele encontraram a bolsa na mão dela e depois recaíram sobre as próprias vestes. – Por que fez isso?

— Porque se empanturrou de comida ontem a noite a ponto de dormir feito um porco gordo. Aliás, nem mesmo me acordou antes de adormecer.

— Eu estava olhando as estrelas e adormeci sem perceber. – Sua voz era baixa e seus olhos questionadores logo se desviaram dos dela.

— Bom, devo supor que não estejas com fome e aproveitando já estar de banho tomado, vamos cruzar logo o rio.

Foram alguns minutos até que ambos recolhessem tudo e dividissem a carga de maneira igualitária. Toda corda amarrou pelagem e carne em volta das cobertas agora manchadas de sangue. Delphine certamente não irá gostar de ver suas cobertas imundas daquele jeito. Do outro lado do rio, algumas aves negras deliciavam-se com os restos do urso deixados para trás.

A dupla seguiu para o trecho além das colinas, utilizado dois dias atrás para a travessia da correnteza e instantes antes de retornarem para a ravina ao norte, a loira parou se virou para o mais jovem.

— Não teremos cordas nos segurando desta vez. Achas que consegue?

— Confie em mim.

Visivilmente preocupada, ela assentiu e adentrou as águas geladas uma vez mais, seguida de perto pelo rapaz. Cada um carregava carregava carne amarrada por sobre os ombros, mantendo-a o mais alto possível. Submersos até a altura do peito, eles atravessaram sem grandes problemas e alcançaram o ponto onde pernoitaram ao ar livre pela primeira vez.

— Como essa água pode ser tão fria no verão? - Questionava Bellec ao despejar a carne sobre a grama verde.

— Pirre, vanos trocar de roupa.

A resposta inesperada e intrigante o fez encarar a Assassina e piscar as olhos algumas vezes antes de conseguir formular qualquer coisa para dizer. - O quê?

— Anda logo, antes que seu amigo chegue aqui. - Jenny já desabotoava seu blusão, fazendo o mais novo corar e se virar de costas. - Pare com isso, não irei ficar completamente despida na sua frente. Sou uma mulher casada.

— Por que temos que trocar de roupa?

— Porque não posso chegar na cidade suja de sangue enquanto tu vais direto para sua mãe.

Bellec se virou e ignorou totalmente o fato da loira estar com quase todo o tronco exposto, exceto os seios que permaneciam firmes atrás de uma faixa bem apertada. - Não pode ir à cidade sozinha.

Jenny jogou sua roupa para ele antes de lhe responder. - Aonde irei tu não podes entrar e além disso, diremos ao seu amigo que foi tu quem matou o urso.

— Ele não irá acreditar.

— Ele já não acreditava antes, então não fará diferença. Agora tira logo a sua camisa.

Insatisfeito, ele fez como ela pediu e cedeu para a ela a peça de roupa. Em instantes era o rapaz que estava com as vestes manchadas de sangue enquanto a Assassina soltava os cabelos loiros e os arrumava como podia.

— O que está fazendo? - Ele arqueou a sobrancelha e recolheu sua porção da carga.

— Seu amigo sabe falar inglês?

— Acredito que sim

— Então deixe-me falar com ele desta vez.

— Está bem.

— Preciso que vigie a estrada enquanto cuido da nossa mercadoria.

— Certo. - O moreno já se virava na direção da estrada, mas a voz da Kenway lhe interrompeu o percurso.

— Não. Tentaremos de outra forma. Suba a montanha logo a frente, não até o topo, mas ao menos até a metade e cuidado para não cair. Sinalize quando o ver se aproximando.

Pierre olhou para a montanha e desta para a Jenny até conseguir lhe responder. - É muito inclinada.

— Vá até onde conseguir e talvez eu lhe ensine a escalar.

Ela sorriu levemente e viu o sorriso dele desabrochar como uma flor antes deste correr por entre a vegetação até chegar ao seu desafio. Seus olhos negros encararam a rocha por sua extensão até encontrar pequenos pontos de apoio. Primeiro um pé, depois uma mão, outro pé e de repente ele caiu com o traseiro no chão. Bellec bufou e se levantou para sua segunda tentativa. Após umas três horas, o rapaz conseguiu se elevar por uns doze metros e encontrar um bom local para se sentar e observar a estrada.

Recostada em uma árvore, a Kenway o viu subir os últimos metros e ficou satisfeita com o desempenho dele. Ao menos ele parecia bem, no máximo com mãos e pernas raladas superficialmente. O garoto era inegavelmente determinado e no fundo ele poderia ter algum talento.

Um pouco depois da metade do dia, Pierre acenou com os braços e iniciou sua descida de volta enquanto Jenny cessou seu descansou e jogou sobre as costas toda a carne e pele que conseguiram. Para seu alívio, o moreno lhe alcançou em perfeito estado e bastante animado à beira da estrada. Antony já freava seus cavalos próximo a eles.

— E então? Como fui? - Ele lhe sorria ansioso por uma resposta.

Todavia, a Assassina se limitou d dar de ombros. - Eu não vi toda a escalada, não tive muito o que analisar.

— Como não? Mas... - O jovem estava atordoado. - Mas disse que...

— Disse que talvez lhe ensine, não que iria.

— Isso não é justo.

— Bom, então faça algo para mudar isso.

Foi quando um sorriso brindou o rapaz que permanecia emburrado até Antony lhe cumprimentar em francês e a Kenway o responder em inglês.

— Boa tarde, senhor.

— Uma inglesa? - O mercador se virou para Pierre. - O que faz junto de uma inglesa?

Levemente irritada, a loira se antecipou e respondeu pelo mais novo. - Eu apenas o ajudei a despelar e cortar a carne.

— Pensei que todos os ingleses fossem bem educados.

Os olhos da loira se estreitaram, mas Bellec interviu antes que o desenrolar daquela conversa piorasse. - Está tudo bem Antony. Como eu disse, ela é amiga da minha família. Além disso, temos o que lhe foi prometido.

Um generoso pedaço de carne foi exposto ao comerciante, a camada branca de gordura brilhava com a luz do sol e fez Antony se acalmar em um piscar de olhos. - Como conseguiu isso garoto? Não é qualquer um que enfrenta um urso e sobrevive para contar a história. Você nem ao menos tem armas.

— Meu pai me ensinou algumas coisas. Agora podemos ir?

O mercador indicou a traseira da carroça para a dupla que jogou tudo no espaço vazio de madeira o mais rápido possível antes de se sentarem no assento frontal do veículo. A assassina se atentou em enrolar a pelagem do animal por dentro de seu manto cinzento, fazendo parecer uma reles trouxa de roupas.

De seguida, os cavalos foram encistado e em instantes as colinas ficaram para trás. O silêncio reinou absoluto durante todo os percurso e tão logo as casas, já velhas conhecidas daqueles dois, ficaram a vista a Kenway segurou levemente o braço do condutor.

— Pare, por favor. Pierre irá descer.

Com cara de poucos amigos, o homem fez como solicitado e puxou as rédeas até os cavalos cessarem o caminhar. - E você não vai com ele?

— Preciso ir até o centro.

— Podes ir caminhando daqui. - Ele respondeu de maneira rabugenta.

— Não. Preciso que me passe pelos Assassinos que vigiam as entradas da cidade.

— E por que eu faria isso? Nosso trato foi transporte apenas.

— Até a cidade e eu ainda não estou na cidade.

— Meu trato foi com Pierre e não contigo.

A loira já sem paciência o encarou com os olhos em fúria e depois se virou para Bellec. - Leve toda a carne e vamos embora então.

— Hey! Eu não os trouxe até aqui por caridade.

O rapaz assistia a tudo atentamente, temendo dizer algo, seus olhos alternavam entre o homem e a mulher. Mas ela virou-se, então, para responder ao comerciante.

— Também não estou pedindo que me leve até a cidade por caridade, estou cobrando o trato feito.

Ele bufou e concluiu. - Que seja, mas o que irei dizer para os malditos sangue-sugas?

— Invente qualquer coisa. Diga que me encontrou perdida pelas matas.

— Que mentira de merda.

A Assassina revirou os olhos e voltou-se para o jovem uma vez mais. - Vá para casa. Eu retornarei mais tarde.

Dessa forma ele desceu da carroça com as mãos vazias, visto que não poderia passar pelos Assassinos sem ter que pegar um imposto pela caça. Os cavalos avançaram e deixaram-no para trás, observando a carroça se aproximar da entrada da cidade. Quando os guardas sinalizaram para que parassem, o comerciante os cumprimentou e foi igualmente respondido. Novamente todo o diálogo estava em francês e a loira conseguia entender uma e outra palavra, mas os olhares maliciosos sobre si e os sorrisinhos debochados eram compreensíveis em qualquer lugar do mundo.

A dupla de Assassinos confiscou um dos pedaços de carne enrolado em um pedaço de coberta e ignorou por completo a "muda de roupas" deixada em um dos cantos da carroça. Então eles seguiram para dentro da cidade e alcançaram o centro em poucos minutos.

— Onde fica o bordel?

Antony se virou e a encarou dos pés à cabeça. - E qual é o seu preço? Nunca fodi uma inlgesa antes.

O tilintar da lâmina oculta ressoou na noite e a ponta da mesma encostou levemente na virilha do condutor. - E certamente não será hoje que isso irá mudar não é mesmo?

— Você é um deles?

— Não, mas isso não me torna menos letal. Agora pode responder a minha primeira pergunta?

— Próximo ao cais, mais ao norte.

— Obrigada.

A Hidden Blade foi recolhida e Jenny sacou de volta seu manto cinzento da carroça antes de descer desta e seguir solitária seu caminho até o local indicado. Antony passou a sua frente e parou poucos mais adiante, recolhendo a carne para dentro do que provavelmente era sua loja. Seguindo rua abaixo, ela encontrou ainda a distância o único estabelecimento com música alta e luzes acessas. A construção tinha dois andares acima do térreo e ficava à poucos passos do cais. Com sua trouxa de roupa debaixo do braços esquerdo, ela caminhou até seu destino.

Quanto mais perto, mais alto tornava-se as vozes a cantarolar, homens bêbados que mal conseguiam falar um refrão corretamente. Junto a isso tinha as risadas femininas que somente fingiam contentamento com toda aquela algazarra. Não era a primeira vez de Jenny em um bordel, mas ela esperava que ao menos fosse a última. O som de seus passos subindo os míseros quatros degraus que levavam às portas do prostíbulo não eram audíveis, mas assim que ela transpassou a porta olhares curiosos recaíram sobre si.

Homens e mulheres a analisaram dos pés à cabeça enquanto ela mesma dava uma olhada ao seu redor. Algumas garotas já se encontravam com os seios de fora, recebendo beijos por todo o colo. Outras estavam sentadas em cima de seu clientes, bebendo e expondo pernas para o deleite desses. E sempre havia o bar com aqueles que aguardavam uma garota ficar livre. A Kenway engoliu a seco e seguiu para o local onde as bebidas eram servidas. Rapidamente uma jovem de cabelos vermelhos se aproximou e com um sorriso lhe saudou.

— Mademoiselle

— Boa noite. - Respondeu a loira em seu perfeito inglês.

— Oh! Boa noite. É raro, às vezes que posso conversar em sua língua. O que posso lhe servir?

— Informação, talvez.

— Uma bebida um tanto cara.

Jenny pegou duas moedas da bolsa que carregava junto a si e depositou sobre o balcão de madeira que foram prontamente recolhidas pela jovem. - Há um homem que passa o dia no porto, soube que ele frequenta... - Ela fez uma pausa e pensou um instante antes de prosseguir. - Esse lugar.

— Há muitos desses aqui.

— Ele recebe correspondências dos navios e as envia também.

— Então estamos falando de Morris.

— Ele está aqui hoje?

— É a mulher dele?

— Não, mas gostaria de conversar com ele longe da vista dos demais.

— Ele está lá em cima, com uma amiga.

— Obrigada. - Disse a Assassina já se retirando do local, mas a atendente lhe chamou antes de se afastar. - Se perguntarem, nunca nos vimos antes.

A loira lhe anuiu com um gentil sorriso. - Certo e qual é o quarto deles?

— Procure pelo gemido mais alto, ele gosta disso.

Ela fechou os olhos e repetiu internamente que nunca mais em sua vida entraria em um bordel novamente. Esquivando-se de propostas indecentes e casais libidinosos, Jenny seguiu até o canto da parede ao leste, lá estava a escada para o segundo andar. A música alta e as gargalhadas ainda eram nitidamente audíveis no nível dos quartos, porém, conforme ela adentrou mais ao corredor de porta os gemidos femininos apareceram. Entre eles um se destacava mais que os outros.

Originária da última porta, a Assassina seguiu silenciosamente até lá e para sua sorte encontrou uma porta destrancada. Sua mão girou lentamente a maçaneta e uma nada agradável cena surgiu diante de si. Ele estava de pé, completamente nu no limite cama, enquanto a garota sustentava-se sobre mãos e joelhos acima da cama. E foi com um pigarro que Jenny anunciou sua presença no recinto.

A jovem logo se alarmou e enrolou-se no lençol da cama enquanto seu cliente virava-se para encarar quem atrapalhava seu momento de prazer.

— Peço desculpas por interromper... - Iniciou a Kenway evitando olhar o que não lhe convinha. - Mas tu és Morris?

— Que porra de ideia foi essa de entrar aqui enquanto eu ainda não acabei? Quem é você?

— Meu nome não importa. O que importa é a proposta que tenho para ti.

— Seja o que for, vá ao porto amanhã e deixe-me terminar a minha foda. Paguei por ela. - Ele esbravejava furioso, sem ao menos se preocupar em cobrir o próprio corpo.

— São assuntos urgentes e que preciso tratar com descrição. A senhorita poderia nos dar um minuto?

— Ela não entende a sua língua. - Respondeu ele rispidamente.

— Bom, mas tu não irás querer que ela veja o que trago para ti. - Jenny deu um par de tapas sobre seu manto cinzento, atiçando assim a curiosidade do homem.

Morris direcionou meia dúzia de palavras em Francês para a menina e ela se levantou ainda enrolada em roupa de cama e passou pela Assassina até a porta. - Poderia vestir as suas calças?

— Não e não perca tempo, diga logo quê traz aí.

Em pleno desconforto, a Kenway desenrolou seu manto e retirou a pele de urso para às vistas do homem. Ele deu um passo a frente, fazendo dar um passo atrás ao mesmo tempo. - Não se aproxime de mim nesse estado. Fique aí e me ouça. Sei que recebe e envia a correspondência dos Assassinos dessa cidade. Gostaria de ter acesso à essas cartas.

— Nem pensar. Eles me matariam.

— Apenas se descobrirem, além disso ganhas alguma coisa deles?

— Não.

— Pois eu posso conseguir mais coisas. Carnes e até mesmo outras pelagens. Podes dizer a eles que comprou dos caçadores no porto.

O homem alisou o próprio queixo enquanto encarava desconfiado para pele marrom segurada por aquela mulher misteriosa. - Por que quer ler as cartas deles?

— Assuntos pessoais. Pensei que não queria esperar seu pau amolecer, mas parece ser tarde para isso. Então, irás aceitar ou não? Posso garantir comida por todo o inverno.

— Eu nunca a vi antes, como isso funcionará?

— Há um jovem que vende verduras no porto. Faça cópia das cartas e entregue a ele. Terá essa pelagem assim que eu receber a primeira cópia e nem pense em enganar ou interrompo outra foda sua e te mato.

Novamente sua lâmina fora acionada, chamando a atenção de Morris para o brilho metálico da mesma. Ele engoliu a seco e encarou Jenny novamente. - As cartas deles não são diárias, geralmente chegam de duas em duas semanas, ás vezes mais.

— Quanto tempo até à próxima?

— Diria que uns dez dias.

— Ótimo. Estamos entendidos então.

A loira permaneceu séria todo o tempo e embrulhou a pele do urso abaixo de seu manto antes de virar e partir. No corredor estava a jovem que era notavelmente uns dez anos mais nova que a Kenway. Ela estava ruborizada e com os cabelos completamente bagunçados. Tão logo a Assassina seguiu pelo corredor ela tornou a entrar no quarto e fechar a porta atrás de si. Jenny sentiu pena dela, mas continuou seu caminho mesmo assim.


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Notas finais do capítulo

Esclarecendo... O urso que ela pegou é um urso negro de pelagem marrom (?). Não fui que eu nomeei a espécie, mas é isso mesmo. Em média esse urso pesa uns 350 Kg. É menor do que aquele do O Regresso. Deve ser a raça do Zé Colméia. rs

Há algumas referências de TW que eu imagino que só um pessoa pescou também. rs

E quase tudo nesse capítulo foi altamente baseado em capítulos de Men vs Wild. Sim, eu era muito viciada nesse programa. Discovery Chanel me ajudando a escrever fics ;)

E sim, Jenny gosta muito de sacanear o Pierre. Praticamente já adotou o garoto.

No vemos muito em breve, beijos e agradeço desde já por lerem.



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