Assassin's Creed: Omnis Licitus escrita por Meurtriere


Capítulo 32
A Viagem do Ashai


Notas iniciais do capítulo

Que saudades! Juro, eu estava morrendo de saudades de postar ♥ Infelizmente eu não posso mais garantir capítulo toda semana nesse final de ano devido a natureza do meu trabalho. E também entramos hoje em um parte muito delicada dessa fic... Por isso pelo desculpas pelo atraso e espero não desanimar ninguém.

Espero não assustar ninguém que a revelações a seguir e para quem estava com saudades de Sexta-feira... Bem, um cap quase inteirinho dele sz

O cap está um pouco parado, mas espero que apreciem ♥



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Quando um homem perde o contato com outros homens ele quase se torna um animal sem pelos. Perdendo a sanidade até se esquecer como se vive em meio à civilização. A primeira coisa que perdemos são as palavras, pois ou você começa a conversar sozinho e fica um pouco mais louco a cada dia ou você se cala e abre os ouvidos. Por sorte do destino eu podia entender Crusoé e afim de não perder a preciosa habilidade de se comunicar ele me ensinou a ler e escrever.  Com longas tiras de couro, retiradas dos animais que caçávamos para comer, e seiva vermelha de Pau Brasil eu aprendi as vogais e consoantes do inglês. Aprendi a ler e escrever não como um nobre, mas o suficiente para manter registros feitos pelas minhas próprias mãos.

É certo que poucos se interessariam em ler as lembranças de um escravo letrado, mas como a prática traz a perfeição, insisti em manter o hábito mesmo após o resgate de Adewalé. Porém, desde a noite em que conheci Jenny Kenway, bom, encontrei outras atividades melhores para praticar. Em Tulum, Ah Tabai me cedia papel e tinta, mas apenas quando estudávamos sobre a história da irmandade é que eu realmente praticava. E só agora, a bordo do Ashai é que tenho novamente uma pena e papel sobre os dedos.

Adewalé ofereceu a todos os sobreviventes da tempestade um espaço em seu barco, mas os marinheiros temeram embarcar ao perceberem que navegariam com escravos fugidos ou ex-escravos e por isso apenas eu, Jenny e os poucos que sobreviveram do Gralha embarcaram. Mas suspeito que muitos simplesmente não “podiam” aceitar ordens de um negro. De qualquer modo, logo outro navio encontraria aquele Man o’ War a deriva.

A bordo do Ashai, eu e Jenny fomos tratados como membros da tripulação, ficando em redes junto ao outros homens que ali viviam. Assim que o navio se pôs em movimento, eu me rendi ao mais profundo sono e cansaço, frutos de noites sem dormir. A verdade é que eu poderia muito bem dormir por um dia inteiro, mas ela despertou no dia seguinte.

— Sexta-feira... - Eu dormia na rede ao lado dela e ouvi sua voz distante. - Sexta-feira...Sexta-feira...

— Jenny?

Meus olhos ainda estavam embaçados quando a vi do meu lado com a pele pálida e um sorriso tímido nos lábios. Saltei da rede e me aproximei dela.

— Me sinto dura feita uma pedra.

— Esteve dormindo pelos últimos dois dias, mal consegui te alimentar.

— Estamos velejando... - Sua voz era fraca, quase como um sussurro saído de uma garganta seca e áspera. – Bonny está bem?

Seus olhos esperançosos aguardavam minha resposta e eu quase desmoronei quando percebi que seria eu a lhe por a par de tudo o que ocorrera.

— Não se lembra do que aconteceu?

Ela olhou ao redor e encontrou outras redes vazias balançando no ritmo das ondas abaixo de nós. O dormitório de navios em geral não são muito diferentes entre si, mas após passar dias e noites ali aprendemos a reparar em detalhes únicos e foi assim que Jenny descobriu não estar no Gralha.

— O Gralha... Anne? - As lágrimas começaram a cair por seus olhos, apertando cada vez mais o meu coração, ela se lembrava, pude concluir. – Ela se foi?

Eu apenas assenti e foi o suficiente para ela cair em prantos. Meu instinto de protegê-la me fez aproximar-se dela, tentando envolve-la em um abraço, mas para minha grande surpresa ela me afastou sem ao menos olhar para mim.

— Deixe-me sozinha, Sexta-feira.

Parti tão desolado quanto ela, mas sem desistir por completo, retornei um pouco depois com um prato de caldo quente. Enquanto ela comia, narrei tudo o que aconteceu desde que assumi o timão do Man o’ War. A tempestade, as perdas e a chegada do Adewale. Mas apenas minha voz ressoava pelo local juntamente com o tilintar da colher no prato, mais parecíamos estar em um navio fantasma.

— Ele vai me levar de volta a Tulum?

Se eu não estivesse frente a frente com ela, poderia dizer que aquela voz não pertencia à Jenny que conheço, pois era nítido que não pertencia à menina de Londres teimosa e cheia de energia que conhecia há alguns anos. Não, eu estava diante de uma mulher quebrada e remontada, cheia de rachaduras que exibiam para todos seus defeitos e sua história.

— Não. Acredito que sua punição seja seu banimento da irmandade do Caribe.

— Então para onde Adewalé está nos levando?

— Ele tem assuntos para tratar na África e é para lá que estamos indo. Acredito que ele seguirá para Nova York depois.

Um silêncio sufocante pairava no ar e ela mantinha-se distante, não olhava para mim e não expressava qualquer vontade de conversar, então eu a deixei. Dei a ela o espaço que pediu.

Os donos de escravos costumam incitar nosso trabalho no dizendo que mente vazia é moradia do diabo e por muito tempo fiquei sem saber quem era o diabo. Mas hoje sei que o diabo pode ser muitas coisas e que eles tinham razão. Braços trabalhando mantinham os problemas distantes. Não foi difícil se aproximar dos outros negros embarcados, visto que a maioria tinha histórias muito parecidas.

Era louvável como todos acreditavam e se empenhavam na nobre causa de Adewalé, que poderia ser resumida em quebrar o comércio de escravos. Provavelmente é a luta mais árdua batalhada por todos os mares e terras. Todos os tripulantes eram mais do que marujos, eram guerreiros de muitas tribos diferentes e alguns foram vendidos por outros negros.

Em minha terra há tanto sangue quanto em qualquer outra. Dividida por muitos povos distintos, ouvimos desde que somos crianças histórias de lutas entre tribos, massacres, vitórias e derrotas. Cada povo possui seus deuses e seus rituais e a minha não estava nos moldes adotados pelos europeus. Nem de longe poderia estar.

Algumas tribos mantêm prisioneiros de batalha, levando os vencidos para lhe servirem assim como os portugueses e espanhóis fazem com todos os negros. Essas tribos passaram a vender seus prisioneiros em troca de ouro, porcelana, linho, vinho e tantas outras coisas que os europeus podem oferecer.

Não é o caso da minha tribo a qual Crusoé classificou como “canibal”. Mas ao contrário do que ocorre com os brancos que chegam a nossa terra, homens que nasceram na terra mãe não se espantam em saber que estão junto de um “canibal”. Não posso ter certeza se quando criança cheguei a comer restos de outo homem, mas não me surpreenderia em descobrir que sim.

Meu povo acredita que todos os seres possuem uma essência. Leões possuem essência do poder e força, por exemplo. Hienas possuem essência ardilosa e nós, do meu povo, acreditamos que podemos absorver tais características quando comemos. Além disso, não vejo mal em comer quem já está morto.

De qualquer modo há tradições tão estranhas em outras tribos como na minha. Existem tribos que arrancam os lábios entre as pernas de suas mulheres quando elas sangram. Mas é claro que assim como para os brancos seus costumes são os corretos, para cada tribo seus costumes são os corretos.

Não creio que haja vivo sobre a terra mãe qualquer negro que saiba falar todas as línguas de todas as tribos. Por isso, aqueles que não sabiam inglês ou qualquer língua comum aos brancos esforçavam-se em aprender e com gestos nos comunicávamos. Foi quando descobri que era um bom professor, ou assim eles diziam.

Jenny não demorou a sair do convés inferior e no dia seguinte do seu despertar, ela surgiu pela escotilha tão branca quanto os antigos donos desses homens e é claro que eles me perguntaram o motivo de uma menina branca estar junto comigo. Tudo o que podia responder era que se tratava de uma amiga minha e filha do antigo capitão de Adewalé.

Ela, por outro lado, parecia pouca interessada em mim ou em qualquer pessoa pra ser sincero. Tão logo ela surgiu à vista, Adewalé a chamou e ficaram por um tempo conversando junto ao timão. Mais tarde, durante o almoço daquele dia, descobri que a Kenway fora encarregada de ser ajudante de cozinha. O que era terrível, já que ela mal sabia cozinhar um ovo.

Para piorar a situação, o cozinheiro era um dos que não sabia falar inglês, mas tinha boa mão para temperos e devo dizer que os primeiros dias dos dois juntos foram no mínimo desastrosos. Jenny salgava demais, às vezes deixava sem sal, um dia ela serviu arroz duro e no outro comida queimada.

Por sorte a fome sempre é o melhor tempero e devo dizer que com paciência e prática o bom homem de Papa Guiné conseguiu ensinar algumas coisas da maravilhosa arte de cozinhar. Com os ferimentos já completamente cicatrizados, Jenny passou também a ser encarregada de limpar o convés, o mais baixo serviço dentro de um navio.

Questionei Adewalé sobre tal decisão, pois era claro que estava sendo uma punição pelos erros dela.

— Espero que isso também esteja claro para ela. – Ele afirmou com seu semblante sério e os braços cruzados.

— Ela ainda chora a noite. Ela mal tem falado comigo ou com cozinheiro, não acha que ela já está sofrendo o suficiente?

— Não. Acho que você está se deixando levar pelos sentimentos que nutre por ela, assim como Bonny fez e veja só o que aconteceu. Jenny não é a capitã desse navio e como todo novato deve começar por baixo.

É claro que ele estava furioso, mas a verdade era que eu temia ser muito mais pelo desastre em Lisboa do que por Bonny. Adewalé estava se perdendo em águas confusas e deixando o credo se sobrepor sobre seus amigos. Deixei-o sem lhe dar alguma resposta e passei a ajudar Jenny na limpeza noturna do convés. Foi assim que aos poucos voltamos a falar um com o outro e deixar para trás o Gralha e suas lembranças já distantes.

Em poucos dias o Ashai estava se preparando para aportar na costa Africana, mas essa seria apenas nossa primeira parada. Como em todo navio, a tripulação sempre se alegra em pisar em terra firme, ainda mais depois de passar tanto tempo comendo a comida de Jenny. Com o tempo os homens se acostumaram a ela, mas comer iguarias frescas, como carne de boi, era sempre um prazer sem proporções.

Não desembarcamos em porto e sim na costa crua, o que significa dizer que a nossa âncora era tudo o que mantinha o Ashai no lugar. Jenny insistiu em permanecer e manter a guarda enquanto eu, bom... Seria mentira dizer que não estava feliz em estar na África de novo. Ainda não era Luanda e nem o meu povo, mas era sem dúvida melhor do que estar em meio à um cidade de pessoas brancas.

Comi comidas deliciosas, ouvi músicas e vi danças diferentes. Os negros se alegravam em ver homens que partiram como escravos e retornavam não apenas como homens livres, mas também como homens que lutam contra os donos de escravos. Porém, toda a noite eu retornava para a melancolia de Jenny que se mantinha tão fechada quanto uma concha. Eu sinceramente já não sabia mais o que fazer ou o que pensar.

Após Adewalé conseguir provisões e seus homens descansarem e se divertirem por dois dias seguidos, partimos para mais ao sul. Toda a tripulação parecia mais alegre e continuavam a cantar não as músicas que Bonny e Jenny cantavam, músicas de piratas, mas sim músicas regionais e alguns até trouxeram instrumentos, como tambores, a bordo do brigue. Eu vi muitas festas dos Europeus, mas ainda hoje não conheci branco tão alegre com os homens da minha terra natal.

Os dias se passaram e chegamos à parada seguinte, onde a mesma história da primeira se repetiu. Vez e outra, algum homem deixava a tripulação ao reencontrar a família e Adewalé parecia aceitar isso tranquilamente. É verdade que algumas famílias recebiam a triste notícia da morte de seus entes queridos, mas a tripulação do Ashai lhes dava a mínima esperança que eles não morreriam em vão e que havia pessoa pelos mares a combaterem os mercadores.

Na terceira parada eu descobri que Adewalé não estava só atrás de comida e madeira, mas também de informações sobre um negreiro que estava reunindo homens e mulheres ao longo da costa e seguia para a colônia inglesa ao sul do continente, provavelmente para vendê-los. E enquanto meu coração ansiava cada dia mais a retornar enfim para meu povo e talvez encontrar velhos rostos, Jenny envolvia-se de indiferença e renegava-me completamente. Talvez Adewalé tenha razão e o que tivemos não tenha passado de um romance jovial, quente e curto como o verão.


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Notas finais do capítulo

Que climão está entre Jenny e Sextinha né? Sei não hein... O que será de Jenny se ela perder também o único amigo que ela ainda tem?

E devo dizer que estou tão animada quando ele pra chegar à Luanda! rs

De Adewalé... já está sendo contaminado por Achilles #papoerradototal

Vamos aos esclarecimentos. Sim o Sextinha já disse ao Crusoé que a tribo dele praticava canibalismo e me lembro do Crusoé ter ficado cheio de receio disso haha, mas ele aceitou né. Fazer o que?

E sim, existe até hoje a terrível prática de arrancar os grandes lábios e os clitóris quando as meninas de certas culturas atingem a jovialidade. Inclusive a irmã do Obama (sim, o presidente) faz fortes campanhas sobre essa prática e ajuda instituições que acolhe meninas que fogem de casa para evitar tal mutilação. O motivo? Bem, na cultura desse povo as mulheres são proibida de sentirem prazer, sendo algo exclusivo dos homens. Pois é, o machismo não é algo só presente entre Europeus, Asiáticos etc... Pelo contrário os Africanos são tanto quanto e devido ao pouco investimento e desenvolvimento nos países africanos até hoje, muitas dessas barbaridades existem até hoje. O que é muito triste mesmo.

Também existe tribo canibal até hoje. No Congo, se não me engano. Sobre os animais... Acredito que existisse, mas não sei se na tribo natal do Sextinha, isso foi acréscimo meu mesmo.

De novo, não garanto capítulo semana que vem, mas prometo que não estou abandonando a fic, é apenas um período complicado. Tentarei ao máximo não passar do intervalo de 15 dias de postagem ok?

No vemos no próximo cap... Luana nos aguarda!



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