A prometida do rei escrita por Vindalf


Capítulo 11
Capítulo 11




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Verbena bateu à porta indicada por Lady Dís e esperou. Não houve resposta. Ela até achou que aquela pudesse ser a porta errada, pois não havia marca na porta.

Com um profundo sentido de impropriedade, Bena abriu a porta e entrou. Ela não sabia o que esperar de aposentos reais, mas certamente não era um quarto mal iluminado e pouco mobiliado, não muito diferente daquele que ela ocupava na ala de convidados, exceto pela escrivaninha cheia de papéis e rolos de pergaminho. A escrivaninha era a única certeza de que aquele era o lugar certo.

Mas não havia ninguém.

Bena olhou em volta mais uma vez. Seus olhos localizaram uma espada curva da qual escorria um líquido escuro até o chão de pedra. O estômago de Bena revirou quando ela se deu conta que aquele líquido era sangue.

Alarmes soaram em sua cabeça. Talvez o rei tivesse mesmo ido à enfermaria. Talvez os ferimentos dele fossem mais graves do que Fíli descreverá. Ela sentia o estômago se revirando cada vez mais com a perspectiva de que o Rei Thorin estivesse sangrando em profusão.

Será que era a hora de entrar em pânico?

Bena já estava se virando para correr até a enfermaria quando uma porta lateral se abriu. Uma lufada de vapor precedeu a figura imponente do rei de Erebor, que entrou no quarto sem camisa, casualmente enxugando seus ombros largos, majestoso cabelo cascateando de maneira desordenada. Ele não tinha tanta sujeira quanto Fíli, mas estava longe de ser considerado limpo.

Ele parou ao ver Bena, cujos olhos estavam vidrados no peito do rei. A moça vira Rei Thorin sem camisa antes, durante o treino. Mas ela estava longe demais para reparar que seu peito estava coalhado de cicatrizes: algumas pequenas, outras nem tão pequenas. Por um momento fugaz, ela imaginou como ele teria conseguido todas elas...

A voz profunda dele a trouxe de volta à realidade.

— Srta. Verbena? Está perdida?

Ela corou, pensando consigo mesma que um único olhar daquele homem era capaz de fazê-la perder a compostura. Tentando não tremer a voz (era difícil), ela explicou:

— Não, Majestade, eu... er... Hum, Fíli nos disse que estava ferido. — Ela ergueu o olhar e viu sangue seco misturado com sangue fresco que vertia de algum lugar na cabeça. — Achei que precisasse de ajuda.

Ele a olhou por alguns segundos, e Bena não conseguiu ler sua expressão. Depois ele disse:

— Isso é só um arranhão.

Com cuidado, ela insistiu:

— De qualquer modo, precisa ser limpo. Importa-se se…?

O rei a encarou por alguns segundos, com aquela expressão estranha em seus olhos. A moça temeu ter se metido em uma encrenca.

Mas ele apenas assentiu, e Bena se apressou a pegar uma bacia com água e um pano limpo para limpar o sangue. O anão pegou uma poltrona, para que a pequena hobbit pudesse alcançar o ferimento. Ela começou a limpá-lo, com todo cuidado. Rei Thorin quis saber:

— Já tratou de ferimentos de batalha?

Bena respondeu, enquanto limpava gentilmente o machucado de aspecto repugnante:

— Bom, não eram ferimentos de verdade, e certamente jamais ferimentos de batalha. Lá no Shire, sempre que uma criança ralava o joelho ou caía de uma árvore, eles vinham ver Tio Bilbo — assim seus pais não descobririam sobre suas travessuras e peraltices. Comecei a ajudar titio, especialmente quando meus primos menores roubavam frutas do Fazendeiro Maggot. Oh, aqueles quatro pestinhas!... Às vezes Kíli e Fíli me fazem lembrar deles.

O rei sorriu com um ar cansado. Bena observou:

— Deveria tentar dormir um pouco, Majestade.

Ele suspirou:

— Irei, não se preocupe…

Depois de um momento, ela indagou:

— O que aconteceu, se posso perguntar? Digo, como se machucou assim?

— Um orc imundo veio por trás tentando atingir Fíli — ele respondeu. — Fui ajudar, matei o agressor, mas um outro veio por trás de mim, muito rápido. Reagi, mas sua clava conseguiu me atingir. Caí e ele ia acabar comigo, mas Dwalin... interveio.

Bena tentou não demonstrar como seu coração se apertou ao ouvir o perigo que ele enfrentara, mas ao mesmo tempo ela estava aterrorizada por ouvi-lo falar disso como se fosse nada. Então ela decidiu que a melhor resposta era ficar em silêncio e pensar em outra coisa.

Mas não durou muito. Ela sentiu sangue seco em uma das tranças laterais. Ela admirou o trançado duplo, feito magnificamente dos lados. O fim da trança era preso por uma conta de prata com desenhos intrincados.

— Tem sangue no seu cabelo — disse ela.

— Não é meu — garantiu o rei. — Espero que também não seja de Dwalin.

Bena indagou:

— Posso desfazer sua trança para limpar?

Ele assentiu, e reclinou a cabeça, apoiando-a no espaldar da cadeira. Bena ouviu um suspiro profundo, e o rei fechou os olhos azuis.

O silêncio caiu como um manto no quarto, quebrado apenas pelos sons da água na bacia e pelos movimentos suaves de Bena. A moça abriu a presilha, guardou-a no bolso e começou a desfazer a trança antes de limpar o sangue. Ela imaginava com frequência como seria passar o cabelo dele por seus dedos... Seria macio ou áspero, ou sedoso como o dela. A resposta foi nenhuma das alternativas. Era sedoso, mesmo com o sangue pegajoso sujando. Era fácil de ser desfeito, e a textura suave deu arrepios a Bena.

As coisas de repente tinham se acelerado, percebeu Bena. Ela estava limpando o rei, o objeto de seu afeto, e ela tinha até permissão dele para tal!... Ela nunca estivera tão próxima a ele. Exceto, talvez, no parapeito, mas ela tentou não pensar nisso. E tinha sido uma boa coisa que o medo da queda explicara seu coração acelerado naquela ocasião.

Agora, porém, a situação era completamente diferente. Estando tão perto do rei, Bena imaginava que seu coração estaria disparado. Não era o caso. Enquanto limpava o sangue, ela tocava o cabelo dele como um carinho suave. A tarefa a acalmava, deixava-a mais centrada.

Bena tentou se convencer de como tudo saíra bem. O amor de sua vida estava ali, a seu lado, seguro, inteiro, incólume, ainda que tivesse alguns machucados e pontos roxos. Naquele momento, ele parecia prestes a cochilar, então era uma chance de ouro para observá-lo sem ter momentos constrangedores.

Porém, muito embora Bena pudesse mirar seu amado até se fartar, havia algo em seu estômago que a impedia de sentir satisfação em contemplar os belos traços do rei. Talvez fosse o formato horrível do ferimento na testa, talvez fosse a cor da água da bacia: amarronzado, cheia de sujeira e medo e guerra. Ela sentia estar limpando mais do que sangue, mas isso não a confortava.

Lady Dís tinha razão: não era fácil amar um guerreiro.

Por estar tão distraída, Bena deixou algumas gotas d'água escorrerem pelo peito nu do rei. Ele estremeceu.

— Desculpe. — Ela se sentiu constrangida. — Sou tão desastrada.

— Não é nada.

Bena retornou sua tarefa, agora tentando tomar mais cuidado. O rei devia estar com frio, ela imaginou. A noite estava gelada, e a manhã ainda não rompera.

Graças à diligência dela, nenhuma água foi derramada e o cabelo do rei estava limpo. Ao menos, estava tão limpo quanto podia sem um banho de verdade. Bena afastou a bacia.

Rei Thorin tremeu de novo. Ela indagou:

— Está com frio? Quer que eu peça mais lenha para o fogo?

Ele teve um impulso e agarrou o braço dela antes que ela se levantasse.

— Não. Por favor... Fique comigo.

Foi o que ela fez, a mão do rei ainda em seu braço, os olhos fechados como se estivesse quase adormecido. Embora Bena tentasse não se concentrar no homem à sua frente, era difícil não pensar nele, pelo fato de ela estar ociosa e um pouco ansiosa.

As palavras do rei assombravam Bena: orcs vindos por detrás dele. Ela podia imaginar imagens da batalha e aquilo a apavorava. E se Dwalin não tivesse socorrido? Ou se Dwalin tivesse chegado tarde demais? Bena quase conseguia enxergar o corpo sem vida do rei caído no chão em plena batalha, o desespero de Fíli, sangue em tudo quanto era lado...

As imagens em sua mente eram apavorantes. Não só isso. Ela começou a se dar conta de como havia chegado perto de nunca mais ver os lindos olhos impossivelmente azuis. Ou ouvir aquela voz profunda e vibrante, capaz de ressoar dentro de seu corpo tão forte que enfraquecia seus joelhos.

Bena o teria perdido.

Ela observou os traços tao tranquilos na fraca luz do fogo. Talvez ele já estivesse adormecido, pensou. Ela viu o nariz majestoso que a fascinava, as sobrancelhas que a atraíam, os lábios finos que tanto a atiçavam...

Por um momento fugaz, Bena enlouqueceu. Devia ser isso, porque ela simplesmente se inclinou sobre ele e pressionou seus lábios contra os do rei.

Os olhos de Thorin se abriram ao toque, mas Bena não viu. Ela tinha seus próprios olhos ferozmente fechados, para que não visse a loucura de sua atitude irresponsável.

Sentir aqueles lábios macios e quentes era o céu na terra. Bena mexeu a língua para provar o gosto deles também, um tiquinho metálico e amadeirado que ela iria associar eternamente ao anão soberano de Erebor.

Bena concentrou-se nas sensações, e foi por esse motivo que elas se tornaram tão agudas para ela. Esse também foi a principal razão pela qual Bena sentiu a mão dele a agarrar o braço dela com mais força, e mais força, até ele estar apertando, e Bena achar que seus ossos iam se quebrar.

Num impulso, Bena se afastou dele, chocada, olhos arregalados. Ela viu o rosto do rei, igualmente chocado, os olhos azuis escurecidos.

Então ela se deu conta de que o Rei Thorin poderia também estar horrorizado e enojado, talvez até assustado pelo ataque, como uma traição feita por alguém de quem ele jamais esperou.

Bena sussurrou, tão chocada que mal podia respirar:

— Eu sinto muito...

Ela se soltou dele e repetiu, com sinceridade:

— Eu sinto muito, muito mesmo...!

Então ela arregimentou toda força que conseguiu, virou-se e fugiu. Ela saiu correndo sem olhar para trás, sem parar, nem mesmo quando o rei chamou seu nome e pediu que voltasse.

Bena correu o mais rápido que pôde, ignorando os foliões desgarrados que ainda celebravam a vitória sobre os orcs. Ela correu diretamente até seus aposentos e fechou a porta de seu quarto. De lá, ela literalmente pulou na cama. Levou muito, muito tempo até que ela conseguisse qualquer tipo de sossego, pois uma única pergunta a assombrava interminavelmente.

O que foi que eu fui fazer?

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Nas semanas que se seguiram ao que Bena chamou de "o acidente mais catastrófico de todas as asneiras de toda a Terra Média" (ao menos na sua cabeça, porque ela não ousava contar a uma alma viva), ela sumiu das vistas de todos. O principal objetivo dela era evitar encontrar-se com Rei Thorin a todo custo.

Ela tentou esconder-se na biblioteca com Ori, e funcionou por um tempo, depois ela foi para as cozinhas, com Bombur. O jeito brincalhão de seu primo Bofur ajudou a levantar os ânimos combalidos da moça.

Para alívio imenso da moça, não vieram novos convites do rei para quaisquer eventos sociais. Lobélia parecia nem notar, agora que sua amizade com Kíli e Fíli se aprofundava. Tio Bilbo, por sua vez, começava a se preocupar com Bena.

— O que há com você, menina? — indagou o hobbit de meia idade. — Eu quase não a vejo esses dias...

Bena deu de ombros:

— Não tenho sentido vontade de ver muita gente nos últimos dias, tio. Acho que sinto saudades do Shire...

— Sinto muito, minha criança, não há nada que posso fazer. Até as estradas ficarem desimpedidas, temos que ficar em Erebor.

— Tudo bem, tio.

Ele tentou animá-la:

— Podemos ao menos ter esperança de uma primavera precoce.

Bena sorriu e comentou:

— Olha que coisa boa de se esperar: uma primavera precoce.

“E então, talvez, eu possa me esconder para sempre e tentar esquecer a coisa mais estúpida que eu já fiz em toda minha vida”, Bena pensou amargamente.

Levou dias até Bena perceber que ela não era a única a se fazer de difícil. A rede de fofocas de Erebor estava cheia de especulações sobre o rei e seu sumiço do público. Não apenas tinha sumido: ele estava preso com conselheiros em intermináveis reuniões e extensa correspondência. Primeiro Bena pensou ser apenas fofoca, mas até Tio Bilbo disse que o Rei Thorin estava ocupado demais para vê-lo. Balin também não foi de qualquer ajuda.

Oh, querida Yavanna, seria essa a consequência dos atos irresponsáveis de Bena? Estaria o Rei Thorin repensando a corte? Estaria ele temeroso de ser molestado pela prima desmiolada de sua noiva?

Não apenas Bena começou a se sentir culpada, mas também inquieta. A agitação cresceu quando Bilbo recebeu uma mensagem do Thain, indagando como ia a corte e se poderiam esperar em breve um anúncio oficial de um casamento real.

A verdade era que Bena estava ficando desesperada. De fato, ela estava desesperada o bastante para fazer um outro ato irresponsável.

E foi justamente o que ela fez.

— Bena?

— Desculpe por perturbá-la, milady. Posso entrar?

Lady Dís recebeu-a em seus aposentos.

— É claro, minha criança. Por favor, entre.

Bena obedeceu, aflita. Esperou até a dama fechar a porta para dizer:

— Desculpe-me por vir assim, mas meu tio começa a ficar um tiquinho inquieto sobre a corte de Lobélia. O rei não a chamou mais, e começamos a imaginar o que se passa na cabeça dele.

Dís suspirou:

— Vocês e eu também. Meu irmão se fechou em si mesmo e não tem confidenciado em ninguém.

— Não pode falar com ele? Apenas para sugerir uma saída breve a fim de silenciar os rumores.

— Então você ouviu os rumores.

— Bem... Não ouvi os rumores, mas ouvi falar sobre os rumores. Por favor, milady: também é uma mulher. Sabe o que esse tipo de rumor pode causar a uma mulher. Preocupo-me com Lobélia.

Dís quis saber:

— Ela está também preocupada assim?

— Temo que ela não esteja tão preocupada quanto deveria. Mas se essa situação perdurar, as coisas podem ficar piores.

— Sim, podem mesmo.

— Se o rei ama Lobélia tanto, não pode avisá-lo sobre o dano à reputação dela? Ou do sofrimento dela por sua indiferença? Talvez ele a ouça se sua amada estiver em jogo.

Dís a encarou com atenção, avaliando:

— Você o ama de verdade, não é?

A moça hobbit corou e deu de ombros, dizendo:

— Eu só quero que ele seja feliz. E se Lobélia o faz feliz, vou lutar por esse amor, porque eu o amo e ficarei feliz pelos dois.

A dama balançou a cabeça, suspirando:

— Se meu irmão tivesse ideia...

Bena pediu:

— Por favor, esqueça tudo sobre mim ou meus sentimentos, pois eles não são importantes. Minha situação não tem saída, mas o Rei Thorin tem uma oportunidade de amor e felicidade. Não permita que ele desperdice uma dádiva tão preciosa dos deuses.

Dís percebeu que a moça falava sério. Comprometeu-se:

— Tentarei falar com meu irmão. E se isso não for suficiente, pedirei a Balin que interfira. Ele sempre escuta Balin. Direi que Bilbo está preocupado. Thorin tem grande respeito por seu tio.

Em um impulso, Bena abraçou-a:

— Oh, obrigada, muito obrigada, milady! Ouso ter esperança de que isso abra os olhos do rei!

Resumo da história: aquilo não abriu os olhos do rei. Bilbo ficava cada vez mais inquieto, a ponto de afetar até mesmo Lobélia. Na realidade, a situação ficou tão grave quanto as fofocas.

E então, um dia, do nada, o rei mandou chamar Bilbo, Lobélia e Verbena para uma reunião no salão de audiências.

A moça entrou em pânico. Bena imediatamente deduziu que o rei revelaria tudinho e anunciaria o fim da corte, por temer ser novamente molestado e assediado pela menina hobbit louca. Ou talvez ele fosse censurá-la e decretar sua prisão ou pior: bani-la do reino de Erebor para sempre, para nunca mais voltar.

Em qualquer cenário, o resultado seria catastrófico para Bena. Ela teria que encarar a decepção do tio na frente do amor de sua vida. Bilbo amava Thorin como um irmão: aquilo arrasaria seu tio.

Se o noivado fosse desfeito, Lobélia jamais a perdoaria. Não havia muitas chances de um hobbit virar realeza, o que era o sonho da vida de Lobélia.

Bena estava totalmente desanimada. Aquele beijo estúpido iria magoar todas as pessoas que ela amava e aniquilar qualquer chance de ser feliz na vida. Tinha sido uma asneira espetacular.

Então, não, Bena não estava ansiosa para o encontro com o Rei Thorin.

"Chegou a hora", pensou Bena. "Este é o momento do meu fracasso."


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Notas finais do capítulo


A SEGUIR: A hora da verdade



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