Três Formas de Amar escrita por Mi Freire


Capítulo 36
Mais uma grande perda.




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Yuri parecia de fato estar morando em casa. Ele não saia mais de lá. Já tinha até trazido suas escovas de dentes e colocado ao lado da minha. Sei que isso é assustador e aconteceu rápido demais, mas não era como se eu tivesse ligando muito para isso ultimamente. Pois não podia suportar a ideia de ficar sozinha naquele apartamento.

Tudo ainda me fazia lembrar do Lucas por ali. Principalmente a cozinha e o seu quarto intocado desde que ele foi embora. O resto de suas coisas continuavam lá e eu torcia secretamente para que ele viesse busca-las logo e assim eu poderia vê-lo e saber se ele estava bem.

Já tinham se passado duas semanas e eu aproveite esse tempo para correr com os desenhos da coleção e os terminei em tempo recorde. Esse era um dos únicos passatempos que me mantinha longe de tudo por um tempo. Isso e gravar vídeos para o canal, respeitando sempre a privacidade do Yuri.

Às vezes eu tinha esperança que ele mudasse de opinião quando começasse a se acostumar com meu trabalho e então ele apareceria nos meus vídeos e criaria uma conta em cada rede social para ficarmos mais "conectados" de alguma forma.

Mas por enquanto ele ainda se mantinha afastado de tudo isso, me apoiando apenas na coleção de roupas.

Eu tinha acabado de enviar os últimos desenhos para a marca quando Yuri entrou em casa e veio até mim com uma expressão preocupante que eu não gostei nadinha.

O que será que aconteceu agora?

Chega de problemas!

− O que foi? - Perguntei.

− Minha ex voltou a me ligar.

− Eu pensei que ela tivesse parado depois que eu mandei um recadinho especial a ela.

− E ela parou, mas parece que resolveu voltar a insistir de novo.

− Sabe o que eu acho? Você deveria atender e saber o que essa mulher quer de uma vez por todas. Porque não é possível que ela ainda não tenha superado!

− É, você tem razão. Eu vou atender da próxima vez. – Ele me deu um beijo na testa. – Mas agora eu preciso de um banho.

Seu celular começou a tocar quando ele já estava no banheiro, cantarolando a horas em baixo do chuveiro.

Pensei seriamente em atender para ver se era ela, mas não foi o que eu fiz. Eu peguei o aparelho e fui atrás dele.

− Yuri! É ela!

Ele saiu do banheiro desesperado só de cueca, mas não era como se eu já não tivesse acostumada a essa bela visão.

E que visão!

− Oi, alô. Pamela?

Pela expressão dele era ela mesmo.

Yuri se trancou no meu quarto para ter mais privacidade com ela. E apesar de isso me incomodar um pouco, eu respeitei. Mas, afinal porque é que eu não podia ouvir a conversa? 

Se passou trinta minutos e ele ainda não tinha saído de lá de dentro e eu estava começando a ficar nervosa.

Que merda estava rolando?

Levantei-me do sofá e fui em direção ao meu quarto, mas quando eu estava prestes a abrir a porta, Yuri me aparece.

− Não faz essa cara. Me conta logo o que ela disse!

Nós nos sentamos em minha cama e eu esperei por alguns minutos até ele estar preparado para desembuchar.

− Isso vai ser muito difícil, Manu.

− Porra! Fala logo, Yuri. Ou eu vou ter um troço!

− Nem eu mesmo consigo acreditar em tudo que acabei de ouvir...

− O quê? Meu Deus! O que você ouviu?

− Ela está gravida, Japonesa. Quero dizer, ela acabou de ter um filho. E ela tem certeza de que esse filho é meu.

Isso só podia ser sacanagem.

− Ela está mentindo! É obvio que ela está mentindo só para fazer você voltar correndo para os braços dela.

− Não, Manuela. Você não entende. Ela não estava esperando por isso. Lembra-se que eu disse que ela era infértil e nós tentamos muitas vezes? Acontece que desde que descobrimos os probleminhas dela, nós não usamos proteção nenhuma vez e ela não tomava remédio nem nada. Mas como é que poderíamos saber que algo assim poderia ser possível?

− Mas e se esse filho por de outro cara?

− Foi o que eu pensei e questionei. Mas pelos cálculos... O filho parece ser meu e ele acabou de nascer! Não tem como ter dado tempo de ela dormir com outro cara.

− Mas e se ela te traia antes?

Eu não queria acreditar que isso poderia ser real.

Não podia ser!

− Eu confio nela, Manuela. Eu sempre confiei nela. Nós só nos divorciamos por causa das brigas! Mas eu pedi um teste de paternidade de qualquer forma. Vou precisar ir lá nessa sexta-feira. Não tem problema para você ou tem?

− Não. Não. Tudo bem. Você tem que ir ou nunca saberemos se ela está dizendo a verdade ou não e eu não sei se sou capaz de lidar com essa dúvida. Seria torturante!

Yuri passou o resto do dia ao meu lado, tentando de todas as formas me convencer de que daria tudo certo, independentemente de qual fosse o resultado do exame.

Segundo ele, nós continuaríamos juntos até o fim. Mas eu não tinha tanta certeza disso, por isso estava tão distante e calada. Eu sabia que o sonho dele era ser pai e eu não poderia dar isso a ele tão cedo. Ser mãe tão jovem não fazia parte dos meus planos.

A sexta-feira chegou voando. Yuri teve que faltar ao trabalho na academia para se levantar cedo e partir para a cidade onde ele morava antes com a ex-mulher para fazer os exames de paternidade.

Ele até me convidou para ir junto e eu tinha o tempo livre para acompanha-lo. Mas eu não quis. Por medo e muitas outras coisas. Preferi ficar em casa sendo torturada pela insegurança de ele reencontrar a ex-mulher e o suposto filho.

Yuri ficou em um hotel e só voltou para casa no sábado de manhã, depois de vinte quatro horas, quando saísse o resultado do exame de DNA.

Optei por não ligar para ele. Não queria ter essa conversa por telefone, mas sim cara a cara.

Quando ele chegou parecia exausto, mas ao mesmo tempo diferente.

− Oi. Você chegou! – Fui correndo abraça-lo, para o meu alivio ele me abraçou de volta.

Levei-o até o sofá.

− E aí? Como foi?

− Eu o vi. É um menino e ele é lindo. Se parece muito comigo. Mesmo assim eu fiz o teste e..... Deu positivo. Eu realmente sou o pai dessa criança. Ele se chama Daniel.

Impressão minha ou ele estava emocionado?

E porque não estaria?

Esse tinha acabado de descobrir que seu maior sonho tinha enfim se tornado real.

− Olha só a foto que eu tirei dele! – Ele me mostrou o celular e realmente, o garotinho era a cara dele e tinha os mesmos olhos verdes e a pele dourada.

− E agora? – Foi inevitável não fazer essa pergunta. Era a que mais me atormentava. – O que vai ser da gente?

− Nada mudou, Japonesa. – Yuri segurou minhas mãos carinhosamente. – Eu ainda pertenço a você e você a mim.

− Mas e o seu filho?!         

− Ele está bem. Ele está com a mãe e pelo pouco que eu pude ver ela parece amar muito ele. Sei que está em boas mãos e eu me comprometi a ajudar no que for preciso.

− Mas isso não será o bastante, Yuri. Toda criança precisa de um pai. De uma figura paterna. E eu tenho certeza que você seria um grande pai.

− Eu sei. Mas o que eu posso fazer? As coisas acontecerem de repente. Eu não posso simplesmente voltar e para falar a verdade eu estou um pouquinho nervoso. Eu sempre quis ser pai, mas não sei como ser um bom pai.

Naquela noite, Yuri dormia tranquilamente ao meu lado. Mas eu só conseguia pensar em uma coisa: naquela criança que tinha acabado de nascer e viveria sem um pai.

Eu não queria me sentir culpada por isso.

Eu sempre amei muito o meu pai. Ele foi tudo para mim depois da morte da minha mãe. Mas se eu pudesse ter tido escolha vocês acham que eu não teria escolhido ter a minha mãe ao meu lado também? A Sara é ótima! Só que ter a mãe de verdade ao seu lado é completamente diferente.

Deve ser muito mais completo, sem contar que não teria sofrimento pela perda dela. Pois eu a teria ao meu lado nesse exato momento.

E essa criança mal tinha nascido e já ia crescer sem seu pai de verdade? Sendo que ele estava vivo e estava aqui ao meu lado nesse minuto? Não, isso não pode acontecer. Não se eu tenho o poder em minhas mãos.

− Yuri! – Comecei a chacoalha-lo depois que liguei o abajur para clarear o quarto escuro. – Yuri, você precisa ir.

Ele se sentou, assustado.

− Agora? No meio da noite? Mas eu posso ir para a casa amanhã quando eu acordar. Eu juro que vou. Agora me deixe dormir, por favor, Japonesa. Eu estou tão cansado!

− Não, Yuri. Eu não estou falando disso. O que eu quero dizer é que você precisa ir ficar perto do seu filho.

Ele me olhou com o cenho franzido.

− Do que diabos você está falando?

− Do seu filho. Ele precisa de você!

− Mas agora?

− É! Agora e sempre.

− Você não está querendo dizer o que eu acho que está querendo dizer ou está?

Ele esfregou os olhos, parecendo bem mais acordado agora.

Eram três da manhã.

− Sim, eu estou. Quero que você vá ficar perto do seu filho. Ele merece isso. Ele precisa de você.

− Mas então...

− Eu sei, eu sei. Você teria que partir e tudo bem para mim. Sério! Desde que você estivesse com ele.

− Então.... Você está abrindo mão de mim? De nós?

− Sim, estou. – Abaixei a cabeça. – Se isso fizer aquele garotinho feliz nada mais importa para mim.

Posso ser imatura na maior parte do tempo. Afinal, eu ainda tenho dezenove anos e estou descobrindo muita coisa ao mesmo tempo. Mas desde a partida do Lucas tenho parado para refletir sobre muitas coisas. E acho que chegou a hora de mudar. Tentar mudar. Parar de ser um pouquinho egoísta. Parar de pensar somente em mim mesma e nos meus sentimentos e nos meus valores. Está na hora de agir como uma adulta. Não só por mim. Como também pelo bem das pessoas que vivem ao meu redor.

E eu quero começar isso agora mesmo.

Yuri ergueu meu rosto com o dedo.

− Esse é um gesto muito nobre, sabia? Nunca ninguém fez nada parecido por mim.

− Mas é o seu sonho! É a vida de uma criança! E eu não quero me sentir culpada por ter arruinado isso.

Yuri apagou o abajur e nós voltamos a nos deitar, agora abraçado. E apesar de não consegui vê-lo, eu sabia que assim como eu, ele estava pensando em muitas coisas naquele momento.

Yuri precisou de pelo menos três dias para acertas as coisas antes de partir: conversar com Helena por ter que deixar o apartamento, arrumar suas tantas coisas, pedir novamente transferência na faculdade e pedir demissão do emprego que ele tanto amava.

− É uma pena, mas vou perder o melhor professor de boxe de todos.

Ele enxugou uma única lagrimas que escapou do meu olho.

− E eu vou perder a melhor aluna que eu já tive e a mulher mais incrível que eu já conheci.

Ele me beijou.

− Eu nunca vou esquecer o que está fazendo por mim, Manuela. E vou fazer questão de contar isso ao meu filho quando ele crescer e se capaz de compreender.

Eu sorri e tentei a todo custo não chorar para não tornar aquele momento ainda mais doloroso.

Em menos de um mês eu perdi duas pessoas muito importantes na minha vida. 

A verdade é que eu merecia isso. Eu não merecia ficar com nenhum dos dois. Tudo que eu merecia agora era ficar sozinha, crescer e amadurecer. 

− Eu te amo, nunca se esqueça disso. – Dei um último abraço nele.

− Eu te amo, Japonesa. – Disse ele um pouco antes de entrar no ônibus que já estava de partida.

− E não esqueça de me mandar notícias! – Gritei assim que ele entrou e sentou-se na janela para poder me ver.

− Pode deixar. – Ele deu uma piscadinha quando o ônibus se moveu para leva-lo de vez para longe de mim.

− Adeus, Yuri. – Digo mesmo sabendo que ele talvez possa não ouvir.

− Adeus, Japonesa. – Diz ele de volta acenando enquanto o ônibus se distancia cada vez mais.

Quando voltei para casa aquela noite, olhei em volta e me deparei com aquele imenso vazio eu chorei. Não chorei tanto quanto chorei quando o Lucas se foi. Ainda assim eu chorei.

Mas chorei pouco, porque sabia que tinha feito a escolha certa.

Eu não poderia ter feito diferente.

 


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Notas finais do capítulo

Bom final de semana pra vocês e aproveitem o feriadão. Beeeeijos!