Três Formas de Amar escrita por Mi Freire


Capítulo 3
Os novos vizinhos.




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− Você não vai trabalhar hoje? – Perguntei, surpresa.

Voltávamos para casa depois de mais uma manhã de aula.

− Hoje não. Ganhei um dia de folga. – Disse ele, parecia muito animado.

Em casa, enquanto eu dava uma geral no meu quarto, Lucas estava na cozinha preparando o almoço. O cheiro estava maravilhoso e eu estava faminta, apenas aguardando tudo ficar pronto.

Meu quarto não é muito grande. Mas é ideal para mim.

As paredes são claras, assim como os móveis. Apenas a parede da minha escrivaninha é forrada por um papel de parede muito delicado cheio de florezinhas. A minha cama king size fica no meio do cômodo e na parede acima da cama estão meus quadrinhos coloridos. Ao lado um criado-mudo e minha luminária. Em frente meu guarda-roupa, que é todo aberto e está explodindo de roupas. Se nós tivéssemos espaço, com certeza eu já teria feito um closet para mim.

Na parede da janela, do lado esquerdo da cama, fica a minha penteadeira, também explodindo de produtos de maquiagem e beleza tanto quanto para a pele quanto para o cabelo. E na parede oposta, a parede da porta, do lado direita da cama, a minha escrivaninha. Minha área de trabalho.

E isso é tudo. Sem contar os objetos pessoais e de decoração, espalhados por toda parte. Já não tem espaço para mais nada, mesmo assim eu sempre dou um jeito.

− Quer fazer uma faxina no meu quarto também?

Olho para trás e lá está o Lucas, com seu avental.

− Você diz isso como se precisasse. Seu quarto está sempre impecável!

Não estou mentindo, podem acreditar.

O quarto do Lucas é do mesmo tamanho que o meu. Mas é muito mais organizado e espaçoso. As paredes são escuras, em tom de azul-marinho, sua cor preferida. Os moveis são brancos, assim como os meus. Há apenas uma cama de casal no meio, um guarda-roupa do lado, perto da porta, uma prancheta para ele desenhar e fazer seus trabalhos perto da janela, prateleira de livros e vários desenhos colados nas paredes que ele mesmo fez e grudou ali.

Sem contar a organização de tudo, a limpeza, o perfume. Nunca tem roupas espalhadas pelo chão ou pela cama. Os sapatos estão sempre no mesmo lugar. A roupa suja no cesto de lavar roupa na área de serviço. O Lucas é mais organizado do que qualquer pessoa que já conheci. E ele é assim desde que o conheci. Sete anos atrás. Quando ele era só um garotinho que vivia organizando seus carrinhos nas prateleiras.

− É, você tem razão. Eu não preciso de uma faxina. Não por agora. Mas e você... Quer uma ajudinha aí?

Eu, é claro, aceitei e nós terminamos muito mais rápido trabalhando em equipe. Depois tomei um banho e nós finalmente fomos almoçar, pois já estava muito tarde.

− E agora, o que vamos fazer do resto do dia? – Perguntei, quando já terminava de lavar a louça.

Lucas secava e guardava.

− Pensei que você tivesse trabalho para fazer.

− Eu tenho! Mas vou gravar só de noite.

− Então nós poderíamos ir ao mercado fazer algumas comprinhas, o que você acha? - Ele sugeriu.

Se tem uma coisa que eu gosto de fazer é ir fazer compras. Principalmente agora que eu posso colocar no carrinho tudo que eu quiser comer.

Não que eu seja morta de fome. Mas sim, eu gosto de comer bastante. O que me ajuda muito é genética. Mamãe era magrinha o meu pai não é gordinho. E eu sou um palito. Como dizem por aí: nada de frente, nada atrás.

Além de dividirmos o aluguel do apartamento, nós também dividimos o carro. Nossos pais nos deram de presente um tempo depois que eu me mudei para cá.

No mercado, compramos tudo que estava faltando em casa e mais um pouco. A pior parte de tudo isso é a quantidade de sacolas que temos que subir pelas escadas. Já que o prédio é antigo o bastante para não ter elevador. Por sorte moramos no terceiro andar.

Depois de guardamos tudo nos armários, Lucas e eu nos jogamos no sofá com um saco grande de Doritos e assistimos um filme que um de seus tantos amigos tinha recomendando.

− Bom, eu preciso trabalhar agora. - Levantei-me do sofá e alonguei as costas doloridas.

− E eu vou sair com o pessoal. Você não se importa de ficar sozinha, ou se importa?

− É claro que não! Vai lá se divertir. Afinal, é sexta-feira à noite. Aproveita. Mas não abusa, hein.

− Pode deixar. – Ele pisca e antes de seguir para o quarto e trocar de roupas, ele me dá um beijinho na testa.

No meu quarto, preparo a câmera no melhor ângulo. Posiciono as luzes e o microfone. Fecho a janela para não entrar ruídos vindo da rua. E antes de começar a gravar faço uma maquiagem mais elaborada.

Quando termino de me arrumar, ligo a câmera e começo a gravar. Hoje eu resolvi dar dicas de cuidados com a pele.

Estava indo tudo bem. Na minha cabeça, o vídeo seria curto e prático. Na hora da edição eu cortaria muitas coisas desnecessárias. Mas então algo muito desagradável aconteceu. Algum vizinho, sabe-se lá qual, resolveu ligar o som a essa hora da noite em um volume estrondoso.

Qual é o problema dessas pessoas, afinal? Não sabem que aqui no prédio é proibido fazer muito barulho para não atrapalhar os demais moradores? Afinal, as paredes daqui são finíssimas. Um espirro já dá para ouvir do outro lado da rua.

Resolvi pausar a gravação e esperar pacientemente o vizinho se tocar e desligar a porcaria do som. Mas isso não aconteceu. E eu esperei por vinte minutos e nada.

Eu não ia ficar parada ali esperando ele terminar de arruinar o resto da minha noite. Eu tinha coisas para fazer. Vídeos para gravar. Posts para preparar. Com àquela altura de som não dava nem pra raciocinar direito.

Calcei meus chinelos e sai de casa. O som não vinha do vizinho da frente. Nem do de baixo. Vinha do andar de cima. Subi as escadas pisando forte, fervendo de raiva.

Lá em cima encontrei umas quatro pessoas se agarrando pelas paredes e pela escada com copos de bebida. O barulho vinha da porta da frente. Então eles estavam dando uma festinha particular? Eu deveria informar isso ao zelador. Mas eu já sabia que não iria adiantar. Aquele velho nunca faz o seu trabalho direito. Além de ser surdo.

Dei um passo em frente ignorando o pessoal e bati na porta com o máximo de força possível. Aguardei por cinco minutos, mas ninguém veio me atender. Ou ninguém me escutou com todo aquele barulho ou estavam me ignorando.

Será que eu era a única no prédio incomodada com isso? Não era possível que ninguém tivesse feito algo até agora!

Só bater na porta não estava funcionando, então resolvi entrar de vez. Isso mesmo. Eu ia entrar e acabar com aquela palhaçada de uma vez por todas, já que ninguém mais era capaz disso. Se ao menos o Lucas estivesse aqui...

No momento que criei corajosa para levar a mão até a maçaneta da porta, a mesma se abriu.

− Posso ajudar, Japonesa?

Um homem alto como uma muralha estava parado na minha frente segurando a porta. Ele deveria ter o quê? Quase dois metros de altura? E eu só tinha um metro e sessenta! Parecia um ratinho diante dele.

Além do mais ele era muito forte. Dava para perceber que mesmo por de baixo da camiseta branca seus braços eram musculosos e definidos, assim como todo o resto do corpo.

Então de cara supus que ele era aquele tipo de cara que passa horas e horas na academia trabalhando o corpo.

− Será que você poderia, por favor, abaixar o som?

Olha, eu até que fui bem-educada. Não fui?

Ele riu, debochado.

− O que você disse? Acho que não entendi direito.

− Você pode, por favor, abaixar o som? – Tentei dizer tudo muito pausadamente para ver se dessa vez ele me ouvia.

− Continuo sem entender, Japonesa.

Respirei fundo, controlando-me ao máximo.

− Caralho! Você é surdo por acaso?

Ele riu de novo.

Então quer dizer que ele me ouvia perfeitamente e só estava tirando uma com a minha cara?

− Não precisa ficar nervosa, Japonesa. Eu só estava brincando!

Ele continuou rindo, mas eu não achei um pingo de graça.

− Você vai abaixar a porra do volume do som ou não?

É, eu estava um pouquinho nervosa demais. Não sou muito de falar palavrão. A não ser que eu esteja muito brava.

− Porque você não entra e vem curtir com a gente, Japonesa? Não precisa ficar tão brava assim! – Ele estava sorrindo. O cínico continuava debochando de mim. − Apesar que você fica uma gracinha brava.

Quem esse imbecil pensa que é?

− Escuta aqui, eu tenho um nome. E se não for pedir demais, não me chame outra vez de Japonesa.

Coisa chata de todo mundo pensar que pode ficar chamando pessoas orientais como esses rótulos.

Não é todo mundo que gosta!

Eu, particularmente, detesto. Meu nome é Manuela e ponto. No máximo você pode chamar de Manu. Sem contar que eu não sou japonesa. Eu nasci aqui, no Brasil, em São Paulo. E meus avós eram coreanos. Não japoneses ou chineses.

− E não, eu não quero entrar nessa sua festinha. Se você não sabe, é proibido festas nesse prédio em respeito aos demais moradores. Assim como é proibido ouvir som nessa altura. Por acaso você não tem noção das coisas?

Pela cara de imbecil dele ele não ficou nenhum pouco ofendido com tudo que acabei dizer. Muito pelo contrário. Ele olhava para mim como se estivesse impressionado e se divertindo com a minha raiva e as minhas frustrações.

− Nossa, Japonesa, você precisa se divertir um pouquinho!

Pelo visto ele não entendeu nada de tudo que eu disse até agora. Nem mesmo a parte de que eu tenho um nome.

− Ei, qual é o problema?

Para piorar, de repente, apareceu uma mulher alta, cheia de curvas, usando um vestidinho preto colado e saltos muito altos e os cabelos dourados presos num rabo de cavalo.

− Quem é ela? – Ela perguntou ao troglodita. Passando os braços em volta dos ombros dele como se quisesse insinuar alguma coisa para mim. – Uma de suas convidadas?

− Não, ela é só...

Antes que ele dissesse alguma besteira resolvi agir.

− Ah, oi. Meu nome é Manuela. Eu moro no andar de baixo. E queria muito, por favor, que vocês abaixem um pouco o volume do som para eu poder trabalhar.

− Trabalhar? Em uma sexta-feira à noite? Oh, coitadinha! Me desculpe. Eu vou abaixar o som agora mesmo.

Ela correu lá para dentro e realmente abaixou o volume do som. O resto do pessoal que estava se divertindo lá dentro protestou. Pude ouvir as queixas mesmo dali de fora.

− Bom, obrigada. – Eu disse assim que ela voltou.

E ela sorriu simpaticamente para mim.

Ao contrário do cara, ela realmente parecia legal.

Olhei uma última vez para o troglodita com um olhar bem ameaçador, virei de costas e saí.

Eu ainda estava um pouquinho nervosa quando entrei em casa. Não conseguia parar de pensar na forma como ele tinha rido de mim como se eu fosse uma palhaça e tivesse dito bobagens.

Mesmo agora que quase não dava para se ouvir nada além do pessoal subindo e descendo as escadas, eu não consegui voltar a gravar.

Lucas chegou em casa um pouco antes da meia-noite. Estava corado e sorridente. Como se algo muito especial tivesse acontecido em sua noite. Ao contrário da minha, que foi um fracasso total.

− Ei, o que aconteceu? – Preocupado, ele se aproximou de mim no sofá.

− Tive o infeliz prazer de conhecer nossos novos vizinhos.

− Sério? E o que eles fizeram? Porque você está com essa carinha?

Contei toda a história para ele, com todos os detalhes. Era fácil conversar com o Lucas. Ele sempre fazia eu me sentir muito à vontade por mais boba que fosse a minha história.

− Amanhã eu vou falar com o zelador. E que isso não volte a se repetir. Que cara sem noção!

Ele realmente parecia bravo.

− Não acredito que ele te tratou desse jeito. Se isso acontecer de novo você me conta, ta bom? Que eu mesmo vou falar com ele de homem para homem.

− Lucas...

Lucas não era de brigar. Ele me defendia muito bem. Mas nunca brigou com ninguém. E eu não queria que isso acontecesse pela primeira vez por minha causa.

− Não, Manu. Não precisa dizer nada. Nem se preocupar comigo. O que importa aqui é você. – ele segurou meu rosto com as duas mãos, olhando-me fixamente. – E eu nunca vou permitir que nenhum babaca te trate dessa maneira.

Eu o abracei forte.

− Vamos esquecer essa história. Já passou! Senta aqui agora. – Puxei-o para o sofá. – Me conta como foi sua noite.


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Notas finais do capítulo

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