Três Formas de Amar escrita por Mi Freire


Capítulo 11
Coisas estranhas acontecem.




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Kevin e eu fizemos as pazes. Não sei porque, mas eu sempre amolecia perto dele. Na verdade, eu sabia exatamente porque. Eu gostava dele de verdade. Coisa que o Lucas duvidava que eu fosse capaz. Mas no fundo eu sabia que poderia algum dia ama-lo tanto quanto já amei no passado.

Não tinha nada para fazer naquela sexta-feira à noite e decidi que iria assistir mais um show da banda dele.

Iria aparecer de surpresa.

Fiquei no fundo, bebendo sozinha e esperando o show começar. A casa estava lotada como sempre. O povo muito animado. Especialmente um grupo de garotas não muito longe de mim. As mesmas da primeira noite em que nos reencontramos naquele bar e que estavam lá na frente, gritando, chorando, segurando cartazes enormes.

Acho que elas faziam parte de algum fã-clube.

− Ai meu Deus! – Uma delas olhou na direção e arregalou os olhos. – Você não é namorada do Kevin, o guitarrista?

Como elas sabiam disso? Simples. Um pouco antes de Kevin e eu fazermos as pazes, ele tinha postado uma foto nossa em seu Instagram com uma declaração para mim.

− É, sou eu. – Digo, constrangida.

Bebo mais um gole da minha cerveja.

− E você não é blogueira? Eu acompanho seu canal! – Disse uma outra, se aproximando ainda mais de mim.

− É, essa também sou eu. – Solto um risinho.

Elas pulam de alegria.

− Você é fofa. Ele é fofo. E vocês são fofos!

Como elas conseguiam ser tão animadas?

De repente eu tinha um bocado de distração antes do show começar. Elas não pararam de fazer perguntas. Queria saber tudo. Sobre o meu namoro com o Kevin e o canal.

Sem nem perceber eu já tinha bebido umas sete cervejas. E elas me acompanharam. Pois praticamente me imploraram para pedir bebidas para elas, pois eram menores e não podiam comprar. Sei que foi errado da minha parte, mas elas eram bastante persuasivas.

Quando dei por mim estávamos lá na frente do palco. O show ia começar em minutos. Nós riamos alto, gritávamos, tirávamos fotos, agitávamos a galera. Eu estava irreconhecível. Tinha deixado a timidez toda de lado com a empolgação delas e quantidade de álcool ingerido.

Kevin me viu um pouco depois que o show começou e parecia não ter acreditado que eu estava ali. Com meu celular tirei uma foto dele tocando e postei no meu próprio Instagram para retribuir o carinho. Em segundos meus leitores começaram a comentar em baixo da foto.

Alguns dizíamos que éramos lindos juntos e davam parabéns ao casal. Outros não gostaram muito e disseram que o Kevin era estranho e que preferiam o Lucas, porque ele era muito mais fofo e pareciam combinar mais comigo.

O problema de ser uma pessoa pública é que as pessoas opinam muito na sua vida. Mas cabe a você levar isso tão a sério ou não. No meu caso, eu estava muito bêbada e feliz para me importar com aquilo agora.

Kevin cuidou de mim depois do show. Me levou para seu flat e quando me dei conta que finalmente estávamos sozinhos, eu subi em cima dele e comecei a beija-lo.

Ele ofegou.

− Você é tão maravilhosa! – Ele enterrou os dedos no meu cabeço, com a boca colada a minha. – Eu te amo muito.

Mesmo bêbada eu ainda era incapaz de dizer o mesmo. Mas Kevin nem se importou. Porque eu só queria beija-lo.

No sábado, pela primeira vez, eu participei de um ensaio da banda e vi que era muito mais divertido do que eu poderia esperar. Os garotos eram engraçados. Pediram lanches, cerveja e refrigerante. Foi agradável me sentir parte deles.

A noite fui ao cinema com a Helena.

Tínhamos combinado de ir dias atrás.

− Quer gravar um vídeo comigo amanhã? – Perguntei mais tarde. Estávamos saindo da sessão.

− Um vídeo? Que legal! E seria sobre o quê?

− Não sei. Eu poderia te maquiar. Ou podíamos pedir sugestões da galera no Twitter. Eles são muito criativos!

− Eu topo qualquer coisa. – Disse ela empolgada.

Lucas também tinha saído aquela noite com amigos da faculdade. Ele mal parava em casa ultimamente. E ele não era muito de farra. Acho que estava me evitando, porque ainda não tínhamos feito as pazes.

Estava assistindo um reality show sobre tatuagens quando acabei adormecendo ali mesmo. Mas quando acordei no outro dia estava na minha casa. Isso só poderia ser coisa do Lucas.

Tomei meu café da manhã tranquilamente e esperei a Helena aparecer para a gente gravar. Mas ela estava demorando tanto que eu resolvi subir para chama-la.

Yuri foi quem abriu a porta. Sem camiseta, usando apenas calções de dormir. Tentei não olhar para o corpo escultural dele. Isso era tão constrangedor!

− Gostou do que viu? – Disse o babaca com um sorriso torto no rosto.

− Vai se foder. – Digo, erguendo os olhos em sua direção. Meu Deus, porque ele é tão alto? − Cadê a Lena?

− Não tá aqui.

− Como não?

− Como é que eu vou saber, Japonesa?

− Você ao menos saber onde ela foi?

− Correr, talvez.

− Beleza. Diz para ela que passei aqui.

− Você que manda.

Ele fechou a porta e eu desci de volta para casa.

As horas passaram lentamente. Eu estava quase cochilando tamanho tédio que eu sentia, quando ouvi um barulho na porta e som de risadas. Lucas e Helena entraram ao mesmo tempo. Analisei-os. Ambos estavam suados e vestindo roupas de corrida.

− Helena, você demorou.

− Desculpa, Manu. – Ela sentou-se ao meu lado e colocou os pés sobre a mesinha. – Uau, estou exausta. Lucas e eu corremos praticamente o bairro inteiro.

− Vocês saíram para correr? – Alternei o olhar entre eles, intrigada.

Desde quando eles são tão amiguinhos?

− Pois é. Parece que nos tornamos amigos de corrida. – Ela sorriu para ele e ele sorriu de volta para ela.

Mas que porra é essa?

− Desde quando você corre, Lucas? – Eu queria saber.

− Desde que ando muito estressado com certas coisas. – Bastou ele olhar para mim para eu entender o recado.

Então o problema ainda sou eu.

Ótimo.

− E aí, vamos gravar ou não?

− Quer saber? Não. – Me virei para Helena. – Eu já gravei alguns vídeos hoje. Mesmo assim obrigada por aceitar o convite.

Me levantei.

− Vou para o meu quarto.

Ninguém se importou se vocês querem saber.

Eu era insignificante agora.

Helena e Lucas eram os novos melhores amigos do pedaço.

E não é que eu estava certa?

Observei-os atentamente nos dias seguintes. E eles estavam mais próximos do que eu imaginei que seria possível. Mais próximos do que Helena e eu éramos. E eu não conseguia entender quando foi que aquilo tinha acontecido.

Helena não queria nem mais saber de mim. Parece que desde o começo foi interesse para se aproximar do Lucas e eu me sentia tão traída por ter sido tão ingênua e boba.

Nós não éramos amigas. Nunca fomos.

De noite eles se encontraram para correr ou para ficar de bobeira no sofá de casa rindo dos programas mais absurdos que já conheci e comendo coisas saudáveis as quais o Lucas nunca se interessou. As vezes quando eu estava saindo do treino de boxe e passava por ela na recepção ela nem olhava para mim. Estava grudada no celular e eu tinha certeza de que ela estava trocando mensagens de texto com o Lucas.

Eu estava muito magoada quando numa tarde resolvi colocar isso para fora de um jeito ou de outro. Sem nem pensar direito postei no Twitter a seguinte frase: “Não vou correr atrás de você, e muito menos correr de você. To aqui, no mesmo lugar, você sabe o caminho. ” Trecho de uma música da banda Soulstripper. Era uma indireta. Foi ridículo da minha parte.

− O que você quer dizer com isso? – Lucas entrou no meu quarto aquela noite como um foguete.

Ele praticamente esfregou o celular na minha cara.

− É uma frase. Qual é o problema?

− Foi para mim, não foi? Você queria me atingir e deu certo.

Dei uma risada diabólica.

− Pelo amor de Deus, Lucas. Nem tudo gira em torno de você, sabia?

Ele me olhou feio e saiu do meu quarto.

Pelo visto a mentira foi convincente.

− Ei, Manu. Não vai embora! – Helena correu atrás de mim quando eu estava prestes a sair da academia. – Precisamos conversar.

− Sobre o quê? – Fiz a ingênua.

− Lucas me disse que você está chateada e com ciúmes da nossa amizade. Olha...

− Ele disse o quê? – Interrompi-a. – Que imbecil! Eu não estou chateada e muito menos com ciúmes de vocês.

− Tem certeza? – Ela perguntou com a voz mansa.

− Olha, é o seguinte. Não estou com ciúmes. Apenas intrigada. Como foi que vocês ficaram tão próximos?

Ela deu uma risadinha e corou.

Merda! Ela gosta dele, não gosta?

− É difícil explicar, mas aconteceu.

− Então você se aproveitou de mim desde o começo. – Digo, furiosa. Sem tirar os olhos raivosos dela. – Você não queria ser minha amiga. Queria ser amiga dele!

− Não é verdade, Manu! – Ela parecia bem ofendida com as minhas acusações. – É como eu disse: aconteceu.

− Você gosta dele? – Nem sei porque perguntei isso, eu tinha tanto medo da resposta.

− Acho que gosto. Não sei. – Disse ela sem me olhar nos olhos. – O Lucas é diferente, Manu. Diferente de qualquer um.

Disso eu já sabia!

− Você não serve para ele! – Disparei e ela me olhou assustada, sem acreditar. – O Lucas não gosta de mulheres como você.

A verdade é que eu nem sabia qual era o tipo do Lucas, mas disse isso por raiva, por desespero.

− O que você quer dizer com isso, Manu? – Sua voz tinha um pingo de aborrecimento.

− O Lucas gosta de garotas inteligentes, intelectuais. Garotas que se vestem de forma sofisticada, que se importam com a própria aparência. Esse tipo de coisa, sabe?

Ela assentiu, com a cabeça baixa.

− Então me ajude! – Seus olhos praticamente me imploravam. – Me ajude a ser o melhor pra ele.

Não prometi nada, mas disse que iria ver o que eu podia fazer por ela.

Naquela noite, antes de dormir, eu me senti péssima. Nunca tinha sido tão cruel com uma pessoa. Me senti muito mal. Quase arrependida. Mas eu precisava cuidar do Lucas assim como ele cuidava de mim e ainda não sabia dizer se a Helena era uma garota de confiança.

Pelo menos todas as coisas que eu disse a Helena serviram para uma coisa: afasta-la. Desde então eu nunca mais a encontrei lá em casa de bobeira com o Lucas.

− Você não para nunca de falar sobre o Lucas e essa tal Helena? – Kevin me interrompeu. Nós estávamos almoçando juntos aquela tarde. Ele foi me buscar na faculdade.

− Eu pensei que pudesse me abrir com você. O meu namorado! Mas pelo visto estou enganada.

− É claro que você pode conversar comigo, Manu. – Ele pegou a minha mão. – Mas é chato, sabe. Se eles se gostam qual é o problema de ficarem juntos? Você não acha que seu irmão merece ser feliz assim como nós dois somos?

Parei para pensar sobre aquilo. Kevin tinha razão. Lucas merecia ser feliz também. Mas justamente com a Helena? Minha amiga Helena? Não, não e não.

− Manuela, você é idiota ou o que?

Eu estava tranquila. Tinha passado o dia todo na bancada da cozinha fazendo meus trabalhos da faculdade. Até que o Lucas chegou e o clima ficou pesado.

− O que foi dessa vez, Lucas?

Vire-me bem séria para ele assim que larguei a caneta.

− Helena está estranha ultimamente. E eu tenho certeza que isso tem dedo seu. Porque eu nunca a vi tão compenetrada para ser uma pessoa que ela não é.

− E o que eu tenho a ver com isso?

− As roupas dela, a maquiagem, o cabelo... E eu sei que ela tinha pedido sua ajuda um tempo atrás com essas coisas.

− Mas isso faz tempo! Você já parou para pensar que ela talvez esteja se esforçando para te agradar?

− Ela não precisa mudar para eu gostar dela! Desde o começo eu gosto dela exatamente do jeito que ela é. Então, por favor, não se meta mais. Não tente muda-la ou concerta-la. Eu gosto dela assim, do jeitinho que ela é.

Engoli em seco.

− Ótimo! Então diz essa merda a ela e não a mim!

Não era meu dia de treino na academia, mas eu resolvi aparecer por lá mesmo assim porque não tinha mais pra onde ir.

A sala onde normalmente temos treino estava vazia. Melhor ainda para mim. Coloquei minhas luvas e comecei a socar o saco de pancadas sem parar, com muita força.

Em segundos eu suava da cabeça aos pés.

− Uau! Vejo que alguém está muito sobrecarregada.

− Me deixa em paz, Yuri. Por favor. Não tô legal hoje.

− Você nunca está. – Ele ri e se aproxima. – Mas tudo bem. Continue socando com o máximo de força que conseguir.

Foi exatamente o que fiz. Agora também chutando o saco de pancadas com forças.

Quando eu já não tinha mais forças para continuar, eu me joguei no chão exausta. Respirei fundo. Era como se eu estivesse deitada no chão da minha própria sala.

− O que aconteceu? Quer conversar? – Yuri estava agora deitado ao meu lado. Éramos só nós dois.

Tive vontade de virar a cabeça, olhar para ele e dizer que eu nunca iria dizer nada a ele. Não éramos amigos. E eu não confiava nele e tinha quase certeza que ele ia rir de mim.

Mas não foi o que aconteceu. Eu comecei a falar sem parar. Nem sabia ao certo como e porquê. Yuri ficou ali ao lado, apenas escutando e me olhando com atenção.

− Já entendi. Você está com ciúmes do seu irmão.

− Não é só isso! Você não entende.

− É, eu não entendo. Mas sei do que você precisa.

Ele levantou-se com um pulo e me estendeu a mão para me ajudar a levantar também.

− Vamos sair daqui.

Não sei o que deu em mim, mas eu estava o acompanhando. Quando chegamos em frente ao nosso prédio eu disse a ele que não queria ir para casa agora. Não queria discutir com o Lucas de novo e nem ver a Helena.

− Não vamos para sua casa e sim para a minha casa.

Subimos então.

Assim que ele abriu a porta tomei um susto. Um cachorro enorme da raça doberman pulou em cima de mim e eu cai com tudo no chão e bati a bunda com força. O monstro continuou em cima de mim, lambendo meu rosto inteiro.

− Ei, Scott, eu sei que ela é muito bonita, amigão. Mas controle-se ou vai assusta-la. – Disse Yuri tirando o monstro de cima de mim que deveria ter a minha altura ou mais.

− De quem é esse monstro?

− Ele não é um monstro. Olha só para ele. Parece assustador, mas é um doce. – Yuri passou a mão na cabeça do cachorro que tinha a língua para fora. – É da Helena.

− E ela não está aqui? – Entrei pela primeira vez, olhando em volta com atenção. Aquilo ali era uma bagunça.

Brinquedos de cachorro por todos os lados e um pedaço do sofá rasgado.

− Não. Provavelmente deve ter saído com seu irmãozinho. – Senti um nó na garganta. – Senta.

Sentei-me e Scott deitou-se aos meus pés.

Yuri desapareceu por um segundo e voltou com um copo de água para mim.

Agradeci.

− Olha, ao contrário do que você imagina, Helena não é má. Ela não faria algo assim só para te agir. Ela deve gostar de verdade do seu irmão. Faz tempo que ela não namora ou conhece um cara descente.

− Porque? O que aconteceu?

− O último namorado dela traiu ela com sua melhor amiga por dois anos. Ex-melhor amiga. E aí, nunca mais ela deu bola para nenhum cara por medo de ferir o coração de novo.

− Como você sabe tanto? Como a conheceu?

− Não faz muito tempo que nos conhecemos. – Ele sentou-se perto de mim. – Mas você sabe como ela é. Fala até pelos cotovelos e me contou toda sua história. Rapidamente nos tornamos próximos.

− E como vocês resolveram morar juntos?

− Eu a conheci na academia. Eu malhava lá. E Helena já trabalhava lá e foi depois que nos conhecemos que ela falou sobre a vaga de professor de boxe. Depois de um tempo descobri que ela, assim como eu, precisava de um lugar para morar. Mais perto do trabalho e da faculdade. Então encontramos esse apartamento e fim de história. – Ele sorriu, satisfeito.

− E vocês nunca...?

− Transamos? Ficamos? Namoramos? Não. Nenhuma dessas opções. Somos só amigos mesmo. Desde o princípio. Admirei Helena como mulher desde o primeiro momento em que nos conhecemos e ela puxou conversa. Mas nunca foi além disso. Eu a respeito e ela me respeita. Simples assim.

Fiquei um tempo em silêncio, absorvendo tudo.

− Agora me conta você. Como foi que seu pai conheceu a mãe do Lucas? E como vocês dois se aceitaram?

Eu nunca tinha compartilhado aquela história com ninguém. Era a primeira vez que acontecia e eu me senti completamente à vontade. Yuri não era só um troglodita provocador. Naquele momento reconheci que ele também tinha seu lado amigo, companheiro e sensível.


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Notas finais do capítulo

Parece que a relação entre a Manu e o Yuri está mudando. Vocês aprovam?