Lovebelt escrita por Nina Antunes


Capítulo 9
Capítulo 9




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Capítulo 9

Ao contrário dos últimos três meses, que passaram em um piscar de olhos, aquela manhã se arrastou por um tempo que pareceu a eternidade. Sesshoumaru voltou para o hotel, tomou um banho, e ainda mal acabava de passar das 7 da manhã. Ele queria sair, queria ir até a casa de Rin, queria buscar Lissy na casa de Kohako. Mas não sabia exatamente como agir. Sua mente fervilhava, depois de tudo que aconteceu. A noite anterior havia sido incrível. Ele tinha se sentido vivo de uma forma que não se sentia há muitos e muitos anos. As memórias da pele quente de Rin contra a sua, as pernas dela em volta do quadril dele, a boca macia dela... ele sentia-se vivo. Mas tudo aquilo foi interrompido pelo som daquela maldita campainha e pelos gritos de Kohako.

O homem, que até então parecia equilibrado e de bom temperamento, ficou transtornado. Também pudera, a situação não podia ser pior: ele descobriu da pior forma que Sesshoumaru dormiu na casa de Rin. Kohako e Rin eram namorados, mas aquilo nem sequer passou pela cabeça de Sesshoumaru antes de ele decidir beijá-la, na noite anterior. E no fim, ela não hesitou em ceder também. Aquele sentimento de vitória teria divertido o velho Sesshoumaru, mas a verdade era que ele se sentia culpado. Ele havia virado a vida de Rin de cabeça pra baixo -- de novo. O preocupava a forma com que Melissa reagiria, depois do que aconteceu. Ela era bastante apegada a Kohako, e talvez o ódio que o rapaz sentia afastasse a menina de alguma forma, o que causaria sofrimento.
Merda, ele pensou. Apesar de a noite anterior ter sido uma das melhores da sua vida, ele começava a se arrepender. Sesshoumaru estava começando a se sentir como uma tempestade, que devastaria a vida de Rin. Ele tinha, sim, tomado uma decisão impulsiva em beijar Rin e passar a noite com ela, mas de uma coisa ele não conseguia se arrepender: finalmente tinha dito a ela o que sentia. Por muito tempo, o fato de ele nunca ter dito pra Rin que a amava verdadeiramente o consumia. Nem quando ele se apaixonou por ela, seis anos atrás, Sesshoumaru foi capaz de dizer o que sentia. Muito para tentar manter distância, mas também porque admitir aquilo pra si mesmo faria com que ele não conseguisse voltar para seu noivado vazio e sem amor. Mas e então? Além do caos completo na própria vida, ele havia desordenado toda a vida de Rin, e aquilo o doía.

Ele pensava o que teria acontecido quando ele foi embora da casa dela, horas atrás. Sesshoumaru esperou que Kohako saísse de lá, para se assegurar que nada de mal aconteceria, e por um instante até pensou em entrar de novo pela porta da frente para conversar com Rin. Sabia que ela estaria arrasada, se consumindo pela culpa e pela raiva de ter cedido às investidas dele. A verdade é que Sesshoumaru relutava em admitir, mas ele não conseguiu voltar pelo medo da rejeição. E se Rin o mandasse embora? E se dissesse que foi tudo um erro, e que o homem que ela ama é Kohako? Sesshoumaru sabia que tudo que eles viveram era forte demais, mas a verdade é que quando ele partiu foi Kohako quem amparou Rin. E em seis anos é possível, sim, construir um sentimento a partir do cuidado que alguém tem com você. Mas que sentimento seria aquele? Ele, mesmo, não poderia dizer que não nutria nada por Rebeca. Respeitava a sua mulher, a admirava em algum grau, mas definitivamente não a amava. Deus sabe quanto Sesshoumaru tentou amar aquela mulher, mas a verdade é que ele não deixou de pensar em Rin em nenhum dia.

Por mais que ele tentasse afogar aqueles pensamentos, seu coração sempre traía sua mente. Quando Rebeca entrou pelo enorme salão, vestida de noiva e de braços dados com Leonard, foi Rin quem Sesshoumaru viu. Embora aquele vestido cravejado de pedras não combinasse nem um pouco com a simplicidade de Rin, foi ela quem Sesshoumaru viu, vindo em direção a ele. Toda vez que ele e Rebeca iam à clinica de fertilização, Sesshoumaru se pegava imaginando como foi a gravidez de Rin. Quão contraditório e absolutamente gracioso seria ver aquela menina, tão delicada e corajosa, gerando uma vida dentro de si. Sabia que não tinha o direito de misturar as coisas daquela forma, mas era inevitável: todo dia ele pensava como teria sido se ele tivesse desistido do rumo que tomou. Mas a certo ponto, ele começou a achar que era tarde demais pra voltar, por causa da mágoa e do dano que ele havia causado na vida de Rin e da filha. E Sesshoumaru tinha que admitir que talvez ele nunca tivesse voltado atrás, se não fosse pela vontade de Rebeca de trazer Melissa para Nova York. Talvez ele tivesse passado a vida toda sendo infeliz, imerso na própria mediocridade. Isso doía, e fazia com que ele se sentisse um completo covarde.

Por outro lado, ele sentia como se tivesse, finalmente, aberto um baú de sentimentos e de memórias na sua mente. Como se tudo que ele sufocou nos últimos anos estivesse, agora, livre. E Sesshoumaru tinha certeza que não conseguiria empurrar tudo pra dentro do baú novamente. Isso resolvia metade do problema: ele estava certo de que precisava dizer a Rebecs que o casamento deles estava acabado. Estava certo que pediria para Leonard para desfazer a sociedade no escritório. Sentia que seu casamento, a cobertura em Nova York e todos os outros aspectos da vida luxuosa que tinha eram parte da vida medíocre que ele levou nos últimos seis anos, e não queria mais nada daquilo. Isso não significava, porém, que ele estivesse desistindo da própria carreira. Sabia que queria continuar sendo um advogado, sabia que queria fazer valer todo o próprio esforço e o esforço da sua mãe para que ele fosse quem é. Mas isso não significava que ele tivesse que viver uma vida de mentira. Isso já estava decidido. Mas faltava a segunda parte, que era a mais importante: como ele lidaria com a mágoa que causou pra Rin? Se ao menos pudesse voltar no tempo... Mas por quê? Se voltasse no tempo, ele não teria tido a oportunidade de descobrir que tudo que o velho Sesshoumaru queria era justamente o que nunca o faria feliz. Ele precisou viver uma mentira pra ter certeza disso.

Aqueles pensamentos estavam prestes a enlouquecê-lo. Sesshoumaru não conseguia mais ficar naquele quarto, esperando friamente. Sabia que aquela decisão não era a mais inteligente agora, mas ele precisava conversar com Rin. Precisava dizer pra ela que a bebida não era culpada de nada que ele havia dito na noite anterior. Que ele realmente estava decidido a nunca mais deixar Melissa. Que realmente estava decidido a ficar do lado dela, se assim Rin permitisse. E era doloroso admitir, mas a condição da segunda parte estava o consumindo.

Ele saiu pelo corredor antigo e vazio do hotel, descendo pela recepção. Pegou o hatch verde, que estava estacionado na porta, e dirigiu até a casa de Rin. A caminhonete vermelha ainda não estava lá, o que o deixava na dúvida sobre se Rin estava lá também. Desceu e tocou a campainha algumas vezes, não tendo resposta. Sesshoumaru seguiu, então, para a confeitaria. A caminhonete também não estava lá, mas ele percebeu que a loja já estava aberta. Desceu e encontrou Sango atrás do balcão. Congelou à porta, sentindo a culpa por ter devastado a vida de Rin batendo novamente. E se Sango estivesse com raiva pelo que ele fez com Kohako? Ainda congelado à porta, ele percebeu que Sango finalmente o olhou. Ao invés de raiva ou desprezo, ela o olhou consternada. Fez um sinal pra que ele entrasse. Com as pernas trêmulas, Sesshoumaru atendeu.

— Eu deixei Lissy na escola, está tudo bem com ela. - Sango logo anunciou, dando a volta no balcão. - Você está bem?

Sesshoumaru não conseguiu esconder a surpresa no semblante. Depois do que aconteceu, Sango estava tendo a decência de perguntar se ele estava bem.

— Sim. - Concordou. Seu peito acelerado e o nervosismo evidente eram inéditos para Sango. - Onde está Rin?

— Ela está na fazenda. - A morena passou a limpar algumas mesas. - Disse que queria pensar.

Sesshoumaru deu as costas, voltando para a saída, mas a voz de Sango fez com que ele parasse antes de colocar a mão na porta de vidro.

— Eu quis que ela soubesse que, haja o que houver, eu estarei ao lado das duas. - A morena se aproximou, segurando o pano entre as mãos. - Ela está tentando não repetir os mesmos erros.

— Eu também estou. - Sesshoumaru olhou por cima dos ombros, ainda sentindo as pernas trêmulas.

— Eu acredito nisso, Sesshoumaru. - Sango deu outro passo à frente, tocando no ombro dele. - Quando eu disse que o arrependimento era um sentimento genuíno, é porque poucas pessoas têm a coragem de tentar reparar o que fizeram ao outro. Mas isso tem consequências.

Sesshoumaru engoliu seco. Entendia o que Sango estava dizendo, e era por isso que a cabeça dele não parava por um único segundo.

— Rin está magoada, acho que hoje não é o melhor dia para vocês conversarem. - Ela aconselhou, vendo-o franzir a testa.

Sesshoumaru já imaginava que Rin provavelmente tinha se arrependido e ficado ressentida pelo que ele fez. Pelo que eles fizeram. Mas jurava que ficaria louco se não dissesse pra ela tudo que pensou naquela manhã -- e, pra dizer a verdade, tudo que ele já vinha pensando há algum tempo. Ele decidiu dar as costas e ignorar o conselho que ouvira. Caminhou até o carro e dirigiu até a fazenda, a alguns quilômetros de Lovebelt. O céu estava azul e sem uma única nuvem, embora a manhã ainda estivesse fria. Os campos que antes estavam cobertos pelo trigo dourado agora estavam completamente despidos. Os canteiros formados indicavam que uma nova safra seria plantada em breve.

Ele estacionou o carro no gramado, em frente à cerca que separava a imensidão verde da casa branca de madeira. A caminhonete vermelha estava ali, e não havia nenhum sinal de máquinas e homens trabalhando no campo. Tudo parecia absolutamente calmo.

Exceto por ele mesmo. As mãos de Sesshoumaru tremiam, ainda segurando o volante descascado de couro. O coração dele estava disparado e ele já sentia as gotas de suor na testa. Decidiu, finalmente, descer. Passou pelo portão, que estava aberto e parou à beira da varanda. Ele nunca havia sentido tamanho nervosismo na vida, mal podia reconhecer a si mesmo. Antes que tomasse coragem para subir as escadas da varanda, Rin apareceu atrás da porta mosqueteiro. Em um primeiro momento, ela o olhou por baixo dos longos cílios, sem dizer nada. Ele olhou pra ela, sentindo o coração acelerar ainda mais. Os lábios dele se entreabriram, mas Sesshoumaru não conseguiu dizer nada. As memórias da noite anterior invadiram a mente dele, e ele sentiu o peito esquentar.

Rin abriu a porta mosqueteiro e saiu pela varanda, fazendo com que o assoalho de madeira rangesse com os passos lentos. O silêncio foi quebrado por ela:

— O que você faz aqui?

Sesshoumaru sentiu a garganta secar. A voz fria dela era completamente diferente da de ontem. O ressentimento estava estampado no rosto de Rin. As mandíbulas travadas, marcando o delicado rosto, e as narinas ligeiramente mais infladas transpareciam também raiva.

— Nós precisamos conversar.

— Nós não temos nada para conversar. - Rin interrompeu, cruzando os braços na altura do peito.

— Sei que agi de forma impulsiva ontem à noite. Mas tudo, absolutamente tudo que eu disse é verdade. - Ele inclinou-se pra frente para colocar o pé no primeiro degrau, e aquele mínimo gesto fez com que Rin recuasse um passo.

— O que aconteceu não vai se repetir nunca mais, e nós vamos seguir nossas vidas como fizemos até agora. - Ela disse, ainda mantendo a mesma voz fria.

— Por quê? - Sesshoumaru murmurou quase imediatamente.

— Por quê? - Ela repetiu, com sarcasmo. - Talvez porque você seja casado. Talvez porque eu não acredite em meia palavra do que você disse.

— Eu não mentiria sobre isso. - Ele, agora sim, subiu os degraus ficando frente a frente com ela. De novo, Rin recuou.

— Ainda que você esteja se enganando, ainda que pense que vai conseguir abdicar da sua vida e do seu trabalho, eu não tenho nada a ver com essa decisão. - Ela passou por ele, descendo os degraus. - A única coisa que nos une agora é a criação de Melissa. Não há mais nada.

Aquelas palavras doeram no peito dele como uma série de adagas. Por que ela estava punindo-o daquela forma?

— Eu também acreditava que tudo havia ficado no passado, mas depois de ontem... - Sesshoumaru começou.

— Tudo ficou no passado. - Ela sobrepôs a voz dele, enfatizando o tempo verbal empregado.

Mais uma vez o peito dele ardeu.

— Sabe o que me intriga? - Rin ainda estava de costas, a respiração acelerada.

Ele ficou calado, vendo-a virar para ele novamente, mas ainda mantendo a mesma distância segura.

— Você passou seis anos longe. A partir do momento que você pegou aquele avião e partiu, eu só soube de você pela porcaria de um advogado. Não bastava eu ter que conviver com a sua partida, não bastava eu ter ficado sozinha, você ainda fez questão de manter-se como um fantasma, que aparecia por meio daquele infeliz advogado a cada mês para depositar um dinheiro que eu nunca quis, dinheiro que eu sempre abominei. Porque esse maldito dinheiro é a razão para tudo que deu errado na minha vida. - A essa altura ela já cuspia as palavras entre os dentes, com um dedo apontado na direção dele.

— Eu só queria que você e Melissa não ficassem desamparadas. - Sesshoumaru sentia-se, agora, acuado.

— Você queria ter algum alívio de consciência, mas não queria descumprir a proibição que a sua mulher te fez. Porque foi isso, não foi? Ela te proibiu de ter qualquer contato com a minha filha. - Embora ainda estivesse fisicamente distante, Rin estava cada vez mais cercando Sesshoumaru.

Ele ficou calado mais uma vez. Não poderia contestar aquilo, porque era a mais pura verdade.

— Então, Sesshoumaru, me intriga o que fez a sua mulher mudar de ideia. Por que é que, depois de seis anos sendo uma sombra na minha vida, ela decidiu que você deveria voltar e fingir arrependimento?

Bingo, ele pensou. A perspicácia de Rin era surpreendente, e ia muito além da capacidade dele de pensar em uma resposta. Obviamente, não podia dizer a verdade. Não podia dizer que havia sido mandado em missão de conquista. Não podia dizer que tudo que Rebeca desejava era tirar Melissa de Rin para suprir a obsessão que tinha de ser mãe. Verdade seja dita, Rebeca queria vingar-se de Rin, e a melhor forma de fazer isso era tirando dela o que havia de mais precioso. Sesshoumaru tinha consciência de tudo aquilo, mas nada mais importava, porque ele havia desistido de voltar para Nova York. Não iria sozinho e muito menos acompanhado de Lissy. Aquele plano estúpido ficaria no passado, assim que seu casamento fosse desfeito.

— Eu voltei porque decidi ser melhor para Melissa do que meu pai foi pra mim. - Ele finalmente disse. Estava contando a ela uma meia verdade.

— E nós já combinamos que eu não te impediria de fazer isso, muito embora eu saiba que você está aqui hoje, mas amanhã pode voltar a ser só uma sombra nas nossas vidas. - Rin estralou os dedos no ar.

— Eu já disse que não vou voltar para a minha vida em Nova York. - Ele repetiu, sentindo a irritação subir à garganta. A desconfiança dela o tirava do sério, embora Sesshoumaru soubesse que ela tinha motivos pra isso.

— As coisas não são simples assim. Achei que você fosse mais racional que isso. - Rin voltou para o tom sarcástico, o que aumentou a irritação de Sesshoumaru. - Você vai simplesmente se esconder aqui? Vai ter coragem de terminar o seu casamento à distância? Vai abrir mão da empresa e do seu patrimônio? Isso não te faz nem um pouco nobre.

Outra ardência na garganta, e a sensação de que a ficha havia caído. Sesshoumaru sabia que ela estava certa, embora não tivesse ainda pensado por esse lado. Gostando ou não, a vida dele estava em Nova York, e ele não podia simplesmente largar tudo lá. Ele teria que enfrentar o divórcio, teria que lidar com a ira do seu sogro, e teria que abrir mão de muita coisa pra simplesmente ter paz. Aquilo não era um processo dispensável. Ele precisava pôr pontos finais em ciclos da sua vida pra pensar com mais clareza.

— Eu já disse que estou disposto a fazer tudo isso, você sabe que eu não sou homem de mentir.

— Você vai abrir mão da sua vida em Nova York e vai fazer o quê? - Ela fingiu estar pensativa por um instante. - Como foi mesmo que você disse? Oh, sim... vai calçar as suas botas e virar um lavrador, Sesshoumaru? - O sarcasmo preenchia cada uma das palavras dela, e um brilho de desafio passou pelos olhos castanhos.

— Se isso for necessário para que eu tenha uma nova chance de fazer as coisas certas, então sim, Rin, eu vou fazer isso. - Ele desceu as escadas da varanda e se aproximou dela. O nariz dele estava a poucos centímetros do rosto dela, e dessa vez Rin não recuou. O peito dela se expandia e voltava com rapidez, evidenciando a respiração nervosa.

— Eu não acredito em nada do que você diz, e por isso não há como existir uma nova chance. - Ela rangeu os dentes, olhando-o fixamente.

— Então diz olhando pra mim que tudo que você sentia ficou no passado. - Sesshoumaru avançou, encostando a ponta do nariz no dela. - Eu quero ouvir de você.

— O tempo e a mágoa feriram o amor que eu senti por você. - Os olhos castanhos começaram a se inundar de lágrimas, mas Rin não permitiu que elas rolassem pelos olhos.

De novo Sesshoumaru sentiu como se estivesse sendo atingido por várias facas no peito. A garganta dele ardeu.

— Eu não quero ser motivo pra nenhuma das suas decisões, porque não há nada mais pra nós dois. - Rin se afastou, ficando de costas pra ele. - Só tenha a decência de contar a verdade pra sua mulher e de agir como o homem adulto que você é.

Ele sentiu a raiva subir pelos braços e se aproximou dela em um ímpeto, segurando os braços dela, colocando as mãos próximas à altura do ombro. De novo, os rostos ficaram próximos.

— Eu já disse que você pode repetir mil vezes que não sente nada por mim, mas o jeito que você age mostra o contrário. - Os olhos dourados estavam fixos nos dela. - Tudo que aconteceu ontem prova o contrário.

— Ontem foi um erro. - Ela repetiu.

— Então diz, olhando pra mim que não sentiu... que não sente mais nada quando eu te toco. - Sesshoumaru aproximou ainda mais o rosto do dela, olhando os olhos castanhos fixamente. Precisou segurar a vontade de beijá-la para não parecer que estava a afrontando.

Dessa vez foi ela quem ficou calada. Seu lado racional gritava para que ela mentisse, para que dissesse que não sentia mais nada, e assim ele a deixaria em paz. Mas Rin não conseguia. As palavras não se formavam na boca dela, e o bolo na sua garganta impediu que ela dissesse qualquer coisa.

— Eu vou voltar pra Nova York. - Sesshoumaru quase sussurrou, falando pausadamente. Rin arregalou os olhos, sem entender. - Eu vou comunicar Rebeca da minha decisão, vou dizer pra ela que foi um erro nos casarmos, e vou resolver o que for necessário. E depois disso, Rin... depois disso eu vou voltar. Eu vou voltar para Lovebelt, de uma vez por todas.

Os lábios entreabertos dela denunciavam quão surpresa Rin havia ficado com aquilo. Sesshoumaru parecia um homem completamente mudado. Nunca, nem em seus sonhos mais otimistas, ela imaginaria que ele seria capaz de dizer aquilo. Mas a surpresa não durou muito, pois o lado racional dela ativou um sentimento de ceticismo naquele momento. Se Sesshoumaru voltasse para Nova York não demoraria para a esposa dissuadi-lo da decisão do divórcio. Não demoraria pra ele perceber que o luxo, o dinheiro e o prestígio eram o que ele verdadeiramente queria. E assim que isso acontecesse, tudo voltaria a ser como era. Ele voltaria a ser uma sombra, e Kohako provaria que estava certo.

Rin livrou-se das mãos de Sesshoumaru e voltou pra dentro da casa, batendo a porta mosqueteiro no caminho.

Ele ficou ofegante, ainda digerindo tudo que havia acontecido. Sentia raiva, sentia-se desafiado pela falta de confiança de Rin. Ele não era, mesmo, um homem de mentir. Tanto que quando decidiu partir, seis anos atrás, ele comunicou a decisão para Rin. Como amaldiçoava-se por não ter desistido daquilo assim que Rin contou que estava grávida. Mas agora era diferente, ele não repetiria o mesmo erro. E agora que já sabia o que fazer, tinha que comprar a passagem de volta pra Nova York. Mas antes tinha algo muito importante a fazer.

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Ele estava recostado ao capô do carro esverdeado, na porta da escola de Ellsworth. As mãos dele suavam -- não sabia se era pelo sol quente ou pelo nervosismo. Sesshoumaru já havia comprado uma passagem de volta para Nova York e embarcaria naquela mesma noite, mas antes tinha que contar isso para Melissa. Não sabia ainda como a menina reagiria, mas faria o possível para demonstrar que a viagem não era permanente, e logo estaria de volta. Mas será que a menina acreditaria? Depois de tudo que ela viu e ouviu, do sofrimento da mãe...

Antes que concluísse aquele pensamento, viu Melissa sair pela porta da escola de mãos dadas com uma assistente. Assim que a jovem reconheceu Sesshoumaru, ela despediu-se de Lissy e soltou a mão dela, para que a menina pudesse correr até o pai. E assim ela fez: os passos se apressaram e Melissa jogou-se nos braços de Sesshoumaru. Ele a amparou no ar e abraçou o corpo diminuto entre os fortes braços. Fechou os olhos, sentindo a sensação de estar completo mais uma vez.

— Papai, que bom que você veio! - Ela exclamou em um tom saudoso, como se não se vissem há muito tempo.

Ele se separou do abraço, mas continuou apoiando-a sobre o antebraço, de forma que ela agora estava a altura do rosto dele.

— Por que eu não viria? - Sesshoumaru perguntou, franzindo a testa.

— Achei que tia Sango me buscaria. - Ela remexeu-se, dando sinais que gostaria de ir para o chão. Ele curvou-se até pousar os pés dela no chão quente da calçada. - Ela já está melhor. Quem não 'tá bem é o tio Kohako. - Melissa comentou despretensiosamente, enquanto dava a volta pela lataria do carro até alcançar a porta do passageiro.

Sesshoumaru resolveu não perguntar, pois sabia bem o motivo da indisposição do rapaz. Entrou pela porta do motorista, voltando a olhar a filha.

— O que você acha de tomarmos café na confeitaria? - Perguntou pra ela, recebendo uma série de acenos com a cabeça como resposta.

Sesshoumaru dirigiu pelo curto percurso entre Ellsworth e Lovebelt, chegando à confeitaria. Percebeu que o carro de Rin não estava lá, então conseguiria conversar com Melissa sem nenhum tipo de contratempo. Entrou com a menina pela porta e percebeu que algumas mesas estavam ocupadas, e o movimento era maior. Deve ser por isso que Rin trabalhava até tarde ontem, ele pensou.

Buscou uma mesa na lateral do espaço, colada no vidro que dava vista para a rua. Sentou-se ali, e percebeu que Sango saiu da cozinha, trazendo mais um bolo inteiro recém-saído do forno. Assim que a morena os viu ela sorriu, mas não se aproximou.

— Nós precisamos conversar, pequenina. - Sesshoumaru começou a falar, sentindo a voz tremular. Nem diante dos piores júris ele sentiu aquele nervosismo.

Lissy fixou os olhos cor de mel nele, inclinando a cabeça para a esquerda, em sinal de curiosidade.

— Eu preciso voltar para Nova York, para resolver algumas coisas de trabalho...

— Por quê? - Ela inquiriu de imediato, franzindo as sobrancelhas. A garganta de Sesshoumaru ardeu, e as palavras faltaram à boca novamente. - Mamãe diz que você não vinha me visitar porque trabalhava muito. Eu odeio esse trabalho boboca. - O aborrecimento da pequena era visível e crescente. As primeiras lágrimas se formaram acima dos cílios dela, e Sesshoumaru sentiu, mais uma vez, o coração encolher.

— O que eu preciso resolver será rápido, apenas alguns dias... - Ele começou. Estendeu uma das mãos até a mão de Melissa, abrigando os dedos pequeninos dentro da palma dele.

— Quantos dias? - A menina rebateu de imediato.

Sesshoumaru engoliu seco. Ela era, realmente, muito parecida com Rin em muitos aspectos. Mas a verdade é que ele não tinha uma resposta para aquela pergunta, e não podia mentir. - Ainda não sei, mas não serão muitos.

— Você não vai voltar, papai? - As lágrimas que estavam presas nos olhos cor de mel agora começavam a escorrer mais livremente, e a voz era chorosa. - Vai esquecer de mim de novo?

A ardência na garganta de Sesshoumaru subiu pelo rosto, e ele sentiu a pele queimar. Ele apertou a mãozinha de Melissa com mais força, tentando aplacar a dor que sentia no peito. Começou a sentir que os olhos estavam ficando turvos. Eram... lágrimas?

— Eu nunca me esqueci de você, e nem nunca vou esquecer. Você é a pessoa mais importante da minha vida. Eu nunca te deixaria. - Ele inclinou-se na mesa para se aproximar mais da filha, que a essa altura já chorava copiosamente.

— Mas você já ficou longe por tanto tempo... - As palavras iam progressivamente sendo tomadas pelo choro, que a última parte soou como um murmúrio.

— É por isso que eu não vou sair de perto de você nunca mais. Escute, eu vou ficar só o tempo necessário em Nova York, e depois volto correndo. - A outra mão de Sesshoumaru avançou pra pegar a mão de Lissy que ainda estava livre. - Eu te prometo.

Ele soltou as mãos dela e tirou do pulso o relógio que usava. Deu a volta na mesa e sentou-se no estofado, ao lado da menina.

— Está vendo esse ponteiro menor? - Perguntou, recebendo um aceno positivo como resposta. - Ele vai dar dez voltas completas, e quando isso acontecer eu estarei de volta. - Sesshoumaru decidiu que cinco dias seriam mais que suficientes pra ele resolver o que era preciso e voltar. - Você pode cuidar dele pra mim até eu voltar?

Lissy secou as lágrimas do rosto com o pulso, voltando a olhá-lo. Ela então olhou o vidro do relógio, enxergando seu reflexo de volta. As pequenas mãos imitaram o movimento dos ponteiros dez vezes, para se certificar que não era tanta coisa assim. Assim que completou a décima volta, a menina segurou o objeto entre os dedos, voltando a olhar o pai.

— Tá bom, papai. Eu vou esperar. - Ela o abraçou, se aninhando no peito largo. Sesshoumaru a envolveu com os dois braços, afagando os cabelos castanho-claro.

Olhar para o relógio o lembrou que ele tinha que ir embora agora, ou não teria tempo de chegar ao aeroporto de Wichita, que ficava a duas horas de carro dali.

— Eu preciso ir, pequenina. - Ele disse, sentindo os bracinhos dela o envolverem ainda com mais força. A esse ponto, as lágrimas já corriam no rosto dele também. - Não se esqueça do que eu disse.

— Dez voltas do ponteiro e você estará de volta. - Melissa repetiu, ainda o apertando o mais forte que podia.

— Isso. - Sesshoumaru confirmou, afastando-a de si. Aquele simples gesto doeu muito mais do que ele imaginava. Segurou-a pela mão e seguiu até o balcão, onde Sango organizava a vitrine de doces.

— Você pode ficar com ela até Rin voltar? - Ele pediu, secando o último traço das lágrimas no ombro da camiseta cinza que vestia.

— Claro. - Sango estendeu a mão para que Lissy desse a volta pela entrada por baixo da bancada. A menina sequer precisou se encolher para passar por baixo da passagem, segurando agora a mão da madrinha.

— Papai vai pra Nova Órqui, mas ele vai voltar, não vai? - Melissa direcionou a primeira parte para Sango, mas depois voltou a olhar Sesshoumaru. Os olhos castanhos da morena se arregalaram, em um gesto de óbvia surpresa.

— Eu te prometo. - Sesshoumaru repetiu, batendo com o indicador no pulso onde ficava o relógio. A menina, então, levantou o objeto metálico no ar, mostrando que estava com ele.

Ele se afastou, ainda sem conseguir dar as costas. Sentia, de novo, a garganta e o rosto ardendo, mas segurou-se para não permitir que as lágrimas aparecessem. Acenou uma última vez, recebendo outro aceno das pequenas mãos de volta.

Saiu pela porta de vidro, ouvindo a sineta soar. Sentia como se seu coração fosse se partir ao meio, mas obrigou-se a entrar no hatch verde, onde suas malas já o esperavam. Assim que deu partida e saiu, colocando o carro na rua, percebeu que a caminhonete vermelha havia dobrado a esquina e vinha no sentido contrário.

Rin o olhou pelo vidro do motorista, e ele a olhou de volta. Aquela troca de olhar pareceu demorar uma eternidade, mas ele obrigou-se a lembrar que se demorasse mais poderia perder o voo. Seguiu seu caminho pela rua principal de Lovebelt, que desembocaria na rodovia. A aquele ponto, ele permitiu que as lágrimas que estavam presas rolassem livremente pelo rosto.

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Já era quase madrugada quando ele desembarcou no aeroporto JFK, em Nova York. A conexão em Chicago havia demorado mais que o esperado por causa do mau tempo. Uma chuva torrente havia caído, fazendo com que os pousos e decolagens fossem interrompidos por uma hora. Assim que pegou a mala na esteira, Sesshoumaru sentiu o peso do cansaço. Aquele dia havia sido interminável -- ele mal conseguia lembrar que tudo havia começado naquela manhã, com a discussão caótica de Kohako e Rin na casa dela. Tudo havia começado na cama dela...

Colocou a mala no chão e se dirigiu ao portão de desembarque. No voo, ele vinha pensando que seria melhor se ele dormisse em um hotel naquela noite. Estava exausto, e não queria simplesmente ir para a cobertura e encontrar Rebeca lá. Precisava, antes, colocar muita coisa em ordem -- não só as próprias ideias, mas suas contas bancárias e todo o restante das coisas que ele propositalmente negligenciou enquanto estava em Lovebelt. Assim que saiu pelo portão que dava acesso à área de check-in do aeroporto, Sesshoumaru congelou no lugar.

Os cabelos longos e loiros contrastando com o casaco preto que ela vestia eram inconfundíveis. Assim que Rebeca o viu, ela sorriu. Mas que infernos ela fazia ali?, ele pensou. Ela começou a caminhar tranquilamente até ele, ainda mantendo o sorriso no rosto.

— Eu já estava ficando preocupada com o atraso do voo. - Rebeca disse. Ela colocou-se na ponta dos pés e depositou um beijo demorado nos lábios de Sesshoumaru, mas ele não retribuiu. Ainda estava em choque.

— Como sabia que eu chegaria? - Ele perguntou, percebendo que ela não havia ficado surpresa e nem aborrecida pela falta de correspondência dele.

— Eu sei de tudo.— Rebeca manteve o sorriso no rosto, e um brilho de desafio passou pelos olhos dela. Sesshoumaru engoliu seco. - Vamos pra casa.

— Ela passou o braço por dentro do dele, caminhando em direção à saída do terminal.

Sesshoumaru ficou calado. Ainda estava digerindo toda a situação, inclusive as últimas palavras dela. Era muito estranho Rebeca agir daquela forma. Ela não o inquiriu, como tinha feito por mensagens, quando eles estavam distantes. Ela não perguntou de Melissa, e nem sobre nenhum outro aspecto dos três meses em que ficaram separados.

Chegaram ao luxuoso SUV preto que ela dirigia, estacionado no bolsão do aeroporto. Ela destravou o carro e virou-se para Sesshoumaru.

— Acredito que você tenha tido um dia muito cansativo. Então eu posso dirigir até a nossa casa. - Disse. Ele balançou os ombros, indiferente, e ela entrou pela porta do motorista.

O silêncio perdurou durante todo o caminho até a cobertura em Tribeca. Sesshoumaru desceu, tirando a mala do espaçoso porta-malas. Subiram pelo elevador ainda em silêncio, mas ele a olhava pelo canto dos olhos. Rebeca parecia estranhamente tranquila, como se estivesse sob efeito de algum remédio. Ou melhor, parecia tranquila como alguém que preparou cuidadosamente a situação a seguir. Sesshoumaru sentia-se muito estranho entrando pela porta da cobertura. Tudo ainda estava como havia deixado, três meses antes. O estômago dele revirou, sentindo o desconforto da situação. Não conseguia mais identificar-se com nada dali.

Rebeca percebeu a hesitação dele ao entrar, mas não disse nada. Fechou a porta atrás de si e tirou os sapatos, entrando pela sala. Sesshoumaru seguiu até o quarto dos dois, e o desconforto ficou pior. Aquele quarto o lembrava da vida de casado que tivera, além de estar repleto de coisas de Rebeca, repleto do cheiro dela. Caminhou até o closet e deixou a mala ali, saindo rapidamente do quarto, sentindo o ar faltar de seus pulmões.

Quando voltou para a sala, encontrou a mulher sentada a uma poltrona próxima do bar. As luzes estavam apagadas, e o silêncio ainda reinava. Embora o corpo dela estivesse mergulhado na penumbra, Sesshoumaru conseguiu perceber que ela mexia um copo com gelo e uma bebida que ele julgou ser vodka.

— E então? Não vai me contar como foram os últimos meses? - Ela finalmente perguntou. A voz era bem mais fria e séria do que antes.

Sesshoumaru engoliu seco outra vez. O desconforto roubava o ar de seus pulmões.

— Nós precisamos conversar. - Ele anunciou.

— Oh, eu imagino que sim. - Rebeca cruzou as pernas, fazendo com que o elegante tecido da calça branca que ela vestia deslizasse. - Você poderia começar me dizendo por que passou tanto tempo naquele fim de mundo... - Ela bebeu um gole do líquido do copo, fazendo o gelo tintilar. - E voltou com as mãos vazias, sem a menina.

— Eu desisti do plano. - Avisou. Embora o coração dele estivesse disparado, a frieza estava estampada no rosto de Sesshoumaru.

— É mesmo? - Rebeca repetiu, levantando-se. - E se você desistiu, então por que não voltou pra cá antes?

— Porque eu me aproximei de Melissa. - Admitiu, acompanhando a movimentação dela pelo escuro. - Me afeiçoei a ela.

— Então você não desistiu do plano. Você só não teve coragem de conclui-lo. - Rebeca foi até o bar e serviu outra dose da bebida. A garrafa era a de vodka, conforme Sesshoumaru supôs.

— Não existe mais plano algum, Rebeca. - Um rosnado fugiu do fundo da garganta dele. O joguinho dela estava começando a irritá-lo. - O lugar de Melissa é em Lovebelt.

A loira aproximou-se a passos lentos de Sesshoumaru. Parecia espreitá-lo, assim como um predador se aproxima da caça. Ela depositou os dedos longos da mão que estava livre no ombro dele, e o toque fez com que Sesshoumaru sentisse um choque, piorando a sensação de desconforto.

— E onde é o seu lugar, Sesshoumaru? - Ela perguntou. A voz rouca estava próxima do ouvido dele, e Rebeca apertou os dedos no ombro largo de Sesshoumaru, massageando o local.

— Eu quero o divórcio. - Ele disse de uma vez. Virou o rosto pelo ombro para tentar vê-la, mas a falta de luz não permitiu que ele enxergasse o semblante de Rebeca. A mão que o massageava congelou no mesmo lugar, e em seguida foi vagarosamente escorregando até desprender-se do ombro dele.

A loira se afastou, e agora as luzes da janela permitiam que Sesshoumaru pudesse vê-la com mais clareza. Rebeca levou uma mão até o rosto, pensativa. Ela parecia atordoada com o que havia ouvido, embora não parecesse surpresa.

— É por causa daquela mulher? - Ouviu-a perguntar.

Sesshoumaru ficou em silêncio. Seu lado racional aconselhava que ele mentisse, para não alimentar a raiva de Rebeca, mas ele não conseguiu.
— Vocês se aproximaram de novo? - Ela insistiu.

— Sim. - Ele finalmente disse, sem tirar os olhos dela. - Não consegui mais ignorar o que eu sinto por Rin.

Rebeca bebeu mais um gole do copo, dessa vez um mais demorado. A tormenta nos olhos dela não passou. O silêncio reinou sobre a sala, embora o coração de Sesshoumaru ainda estivesse acelerado.

— Você pretende trazê-la para Nova York? - Ela rompeu o silêncio, ainda sem olhá-lo.

Sesshoumaru torceu as sobrancelhas. Não sabia se Rebeca se referia à Rin ou à Melissa, e tampouco entendia o propósito daquela pergunta.

— Não.

— Então você pretende voltar para aquele fim de mundo. - Ela supôs, virando-se pra ele. Embora o rosto de Rebeca ficasse menos iluminado naquele ângulo, Sesshoumaru pôde perceber que a expressão atormentada estava passando para raivosa. - Eu não sabia que você tinha jeito pra ser um homem do campo. - Ela debochou.

A irritação arranhou a garganta dele de novo, e Sesshoumaru travou a mandíbula.

— Eu vou continuar a advogar. - Ele corrigiu, embora não quisesse dar satisfação pra ela sobre aquilo.

Rebeca riu, balançando a cabeça negativamente em seguida.

— Você só é quem é por causa do meu pai. Sem ele você voltará a ser quem era quando eu te conheci: um João-ninguém. - A voz dela subiu um tom, e Rebeca avançou alguns passos, aproximando-se de Sesshoumaru.

— Oh, Rebeca. - Um brilho de vingança passou pelos olhos de Sesshoumaru. Aquela tentativa de humilhá-lo havia feito com que ele perdesse a cabeça. - Ao menos eu terei algo que você nunca poderia me dar...

Ela tomou o copo de vodka na mão e o ergueu no ar rapidamente, tentando acertar o rosto de Sesshoumaru com força. Antes que o vidro se quebrasse na pele do rosto, ele colocou o antebraço esquerdo à frente, fazendo com que o objeto se estilhaçasse. Alguns cacos cravaram-se na pele do braço de Sesshoumaru, e ele sentiu o sangue quente misturado à bebida descer pelo braço até o ombro. O contato do álcool com a pele ferida fez com que ele sentisse o braço todo arder.

Ele ficou imóvel, parado no mesmo lugar. Sentia um misto de surpresa, choque e raiva. Rebeca avançou outro passo, ficando frente a frente com ele.

— Eu posso não ser capaz de te dar filhos, mas eu te dei muito mais. - Os olhos claros dela olhavam os dele fixamente. - Te dei prestígio, fiz com que meu pai te transformasse em um advogado renomado. Fui eu quem te alcei à vida de alta sociedade que você sempre sonhou, desde quando era só um menino pobre do Queens. Mas acima de tudo eu te dei a minha juventude. - Rebeca bateu os dedos contra o próprio peito e rangeu os dentes ao pronunciar a última parte.

— Eu não falava de filhos, Rebeca. Eu falava de amor. Porque você nunca vai ser capaz de fazer com que eu me sinta da forma que ela faz. - Ele repetiu a última parte pausadamente, vendo o ódio arder nos olhos da mulher.

— Eu te odeio, Sesshoumaru. - Ela quase gritou, ainda sem tirar os olhos dos dela.

— E eu quero o divórcio. - Sesshoumaru repetiu. Após alguns instantes ainda encarando Rebeca ele deu as costas, seguindo até a porta da sala. Saiu sem ao menos olhar pra trás.

Quando a luz do hall de entrada o alcançou ele percebeu o estrago que o copo havia feito no seu braço. Os estilhaços de vidro seguiam cravados na pele, e o sangue também corria livremente. Merda, pensou. As coisas haviam fugido do controle de forma muito rápida. Nunca havia visto Rebeca tão perturbada, nem quando ele contou que havia se envolvido com Rin, às vésperas do casamento. Naquela época, Rebeca não agiu tão mal porque sabia que Sesshoumaru já havia escolhido se casar e deixar o restante para trás. E porque sabia que tinha absoluto controle sobre ele. Mas não mais, ele pensou. Nunca mais.

Saiu pela rua e tomou um táxi até um flat a poucas quadras. A recepcionista não conseguiu esconder a surpresa por vê-lo ensanguentado daquela forma.

— Senhor, se preferir temos uma enfermar... - Ela começou, sem conseguir tirar os olhos do braço ferido.

— Eu só quero um quarto. - Ele a interrompeu, colocando as notas de dinheiro suficientes para pagar metade da diária sobre o balcão. A atendente assentiu, fazendo um breve check-in e entregando um cartão magnético para Sesshoumaru.

Ele subiu para o quarto e tomou um banho quente demorado. Tirou os cacos de vidro maiores e mais evidentes no banho, mas sentia que ainda havia fragmentos menores ferindo a sua pele. Saiu do chuveiro enrolado na toalha e percebeu que ainda estava sangrando. Apanhou a toalha de rosto que estava pendurada próxima ao box e enrolou no braço esquerdo, tentando estancar o sangue.

Não queria que as coisas tivessem sido daquela forma, mas a tentativa de Rebeca de humilhá-lo o tirou do sério.

Sentou na espaçosa cama e ficou olhando pela janela. Ele havia colocado Rin no meio daquela discussão com a mulher, mas a verdade é que sequer sabia se ela ainda sentia algo por ele. Não fazia a menor ideia se Rin o aceitaria de volta na vida dela. A forma com que ela o tratou na última conversa fez com que uma série de dúvidas surgissem na mente dele. E se ela não o quisesse mais? O que Sesshoumaru faria? Sentia como se a própria vida tivesse entrado em um limbo, e pela primeira vez não sabia o que fazer em seguida. Pela primeira vez não tinha certeza sobre o próprio caminho.

Desde quando era só um garoto pobre do Queens, conforme Rebeca disse, Sesshoumaru sabia que queria ser bem-sucedido. Sabia que queria o conforto e a riqueza que a mãe nunca conseguiu dar para ele e para o meio-irmão. Tão logo começou a crescer, ele decidiu que queria ser advogado. E não só isso: queria estudar na melhor universidade de direito dos Estados Unidos. Dedicou-se até conseguir uma bolsa de atleta na universidade. Depois, além de dedicar-se aos estudos para ser o melhor aluno, ele também se dedicou para ser o melhor nadador da história de Yale. Lembrava-se como seu treinador o incentivava a participar das competições oficiais, mas nunca quis aquilo. Sabia que o que o levaria até o topo seria a carreira de advogado, e não a de atleta. Seu destaque como aluno abriu as portas para uma oportunidade de estágio no melhor escritório de advocacia da costa leste -- escritório comandado pelo renomado jurista Leonard Mc Hale. E uma vez que isso aconteceu, a vida abriu as portas para que ele conhecesse Rebeca. Mas o que ele não sabia era que seu desejo de ser advogado, seu esforço para se tornar sócio do melhor escritório de Nova York, e a confiança de Leonard em seu trabalho o levariam para aquele processo de inventário de um velho fazendeiro do Kansas. E tudo isso o levaria até Rin, a verdadeira mulher da vida dele.

Era engraçado como, pensando agora, essa vida de mentira havia sido responsável pelo destino dele ter cruzado o de Rin. Afinal, se não tivesse se envolvido com Rebeca possivelmente seu sogro não daria a ele a responsabilidade de atuar naquele caso, e ele provavelmente não teria sido mandado para Lovebelt. Só que seis anos atrás Sesshoumaru resolveu contestar o destino, ignorou esses caminhos e voltou para o faz-de-conta de Nova York.

Passou a mão pelos cabelos curtos da nuca. Embora sua mente estivesse a mil, seu corpo implorava por descanso. Olhou para o braço, ainda envolvido na toalha, e percebeu que o sangramento parecia ter dado uma trégua. Recostou-se à cama e deixou que o corpo escorregasse, conforme ia caindo no sono.

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Quando ele acordou, já passava das 10 da manhã. Olhou no relógio do celular, percebendo que havia dormido demais. Olhou para o braço ferido, ainda enrolado na toalha que agora tinha uma quantidade considerável de sangue seco acumulada. Tirou o tecido felpudo e percebeu que a pele ainda estava aberta. Praguejou mentalmente, percebendo que precisaria que alguém tirasse os cacos que haviam restado, e que provavelmente os cortes precisariam de pontos.

Levantou-se e vestiu a mesma roupa ensanguentada do dia anterior, saindo pela porta. Decidiu fazer o check-out naquele flat e voltar para o apartamento para buscar as próprias coisas. Assim poderia instalar-se em outro lugar pelos próximos dias, assim como ir ao hospital para tomar os pontos necessários. Desceu para a recepção e iniciou o processo de check-out. Entregou o cartão de crédito para o rapaz que o atendia.

— A operação foi negada, senhor. - O jovem avisou, com uma voz suave.

Sesshoumaru se mexeu, desconfortável. Tinha digitado a senha correta, então qual era o problema?

— Parece ser um problema com o cartão. Parece que está bloqueado. - Avisou.

Sesshoumaru não conteve um rosnado do fundo da garganta. Mergulhou a mão no bolso da calça e pegou a carteira, tirando dali algumas notas suficientes para pagar o restante da diária.

Enquanto dirigia-se para a porta do hotel, sua mente tentava raciocinar. Como poderia o cartão da sua conta principal estar bloqueado? Ele havia usado aquele cartão ainda ontem, para comprar a passagem... Um estalo soou na cabeça dele. É claro, aquela conta era uma conta conjunta com Rebeca. Foi assim que ela soube que ele estava voltando para Nova York, ela viu a ordem das passagens emitidas na fatura do cartão. Cartão que ela provavelmente havia bloqueado ainda naquela manhã. Ele saiu pela porta de vidro, praguejando. Assim que se colocou para andar, percebeu que uma Mercedes preta estava estacionada ao lado na calçada, e que um senhor com cabelos grisalhos estava no banco de trás, com o vidro aberto. Do lado de fora, o motorista do carro estava recostado à lataria. Ele sabia muito bem quem era aquele homem.

Sesshoumaru caminhou até o carro vagarosamente, olhando Leonard sentado. Ele estava vestido com o tradicional terno e gravata e usava óculos escuros, embora o tempo estivesse nublado.

— Estava mesmo precisando conversar com você. - Sesshoumaru encostou o braço que não estava ferido no teto da Mercedes. - Embora eu saiba que sua presença aqui não é coincidência.

— Você se atrasou. - Leonard olhou para um relógio fino no próprio pulso. Aquilo fez Sesshoumaru lembrar-se da promessa que fez à filha. - Acordar tarde não é um hábito seu. Sempre chega tão cedo ao escritório...

— Eu quero vender a minha parte na sociedade do escritório. - Sesshoumaru o interrompeu, impaciente.

— Que parte? - Leonard torceu as sobrancelhas, fazendo uma expressão confusa. - Acredito que esteja ocorrendo algum engano aqui.

Ele trancou os dentes, irritado com a dissimulação do sogro.

— A parte que eu comprei logo após me casar com Rebeca. - Repetiu, rangendo os dentes.

— Sabe, Sesshoumaru, meu pai veio da Inglaterra para esse país no começo do século. Construiu sua fábrica têxtil do zero. - Ele desviou os olhos do outro, olhando agora para o horizonte. - Lembro que ele queria que eu desse continuidade às fábricas, mas eu sabia que aquela bobagem de confecção não duraria muito... tanto que papai faliu e morreu atolado em dívidas. - Leonard suspirou profundamente, deixando Sesshoumaru mais irritado do que já estava, principalmente porque já havia ouvido aquela história. - Então eu fiz como ele, arregacei minhas mangas e construí o escritório do zero. Foi um trabalho muito duro para chegar onde eu cheguei. - Leonard tirou os óculos escuros, agora olhando diretamente os orbes dourados do genro. - Foi trabalho demais, e tudo seria em vão se eu permitisse que um infeliz como você tirasse proveito do meu suor.

Sesshoumaru abriu um meio sorriso de sarcasmo, vencendo a raiva que o consumia por dentro. - Tenho direito à minha parte do escritório. Não se esqueça do nosso contrato.

— Permita-me lembrá-lo que esse contrato tem uma cláusula que diz que você tem direito de vender sua parte, desde que esteja casado com a minha filha. No caso de divórcio, a sua parte do escritório será distribuída para a lista de bens de Rebeca, para preservar o patrimônio da minha família. - Leonard retribuiu o sorriso de sarcasmo.

— Ainda estamos casados, então a venda continua sendo possível. - Sesshoumaru começou a se sentir, de novo, encurralado.

— Oh, achei que você tivesse dito a ela que queria o divórcio. - O mais velho fingiu surpresa. - Fico feliz em saber que voltou atrás na sua decisão.

— Eu não voltei atrás. Rebeca e eu nos separaremos. - Ele tintilou os dentes, colocando as duas mãos na porta do luxuoso carro. Percebeu pelo canto dos olhos que o motorista havia se movido, colocando uma das mãos dentro do paletó. Não era um motorista, afinal.

— Então não há acordo. - Leonard virou-se, olhando para a frente. - Se me permite, eu estou atrasado... - Colocou os óculos de sol novamente.

— Você está me chantageando? - Sesshoumaru apertou os olhos. Uma linha sombria cortou o rosto dele.

— De forma alguma. - O tom dissimulado continuava presente, e Leonard continuava absolutamente calmo. - Estou tentando te apresentar os fatos como eles são.

— Você sabia que sua filha sequestrou as minhas contas bancárias, obviamente. - Um sorriso de sarcasmo preencheu o rosto de Sesshoumaru, embora ele ainda estivesse muito irritado.

— Acho que você está usando palavras muito fortes. Rebeca apenas impediu que você desapareça com a metade que compete a ela.

— Que parte? O dinheiro é meu. - Um rosnado fugiu do fundo da garganta dele novamente.

— Se bem me lembro, essas contas foram abertas após o casamento. Isso significa que, em caso de divórcio, metade é dela. Isso, claro, depois de todo o processo, já que você parece optar pelo litígio.

— Eu já entendi. Você e sua filha querem tirar tudo que é meu, para que eu desista do divórcio, não é? - Sesshoumaru afastou-se do carro, cruzando os braços na altura do peito.

— Só queremos que você volte ao seu juízo perfeito. - Leonard tirou o smartphone do bolso, abrindo a caixa de e-mails. - Tenho clientes me esperando. Pense sobre o que quer fazer, Sesshoumaru.

— Eu já pensei. - O sorriso de sarcasmo voltou pro rosto de Sesshoumaru, e ele inclinou-se. - Não há dinheiro nenhum no mundo que vá me fazer mudar de ideia. Se Rebeca quiser ficar com minha parte da sociedade, com o saldo das contas ou o que for, ela pode ficar. Porque dinheiro nenhum me pouparia da vida miserável ao lado da sua filha e fazendo o trabalho sujo pra você.

Leonard engoliu seco, deixando o celular de lado. Pela primeira vez a impassividade sumiu do rosto dele e as linhas demonstravam o puro ódio a Sesshoumaru.

— Você ainda vai se arrepender. - O mais velho murmurou essas palavras e fechou o vidro escuro do carro. O motorista entrou pela porta da frente e partiu com o carro, deixando Sesshoumaru parado à calçada.

Assim que a Mercedes partiu, Sesshoumaru olhou para o próprio braço e percebeu que o sangue havia voltado a minar da sua pele. Ao perceber o estado miserável que estava, uma frase veio à sua mente.

Porque esse maldito dinheiro é a razão para tudo que deu errado na minha vida. A voz de Rin ainda parecia viva em seus ouvidos quando ele engoliu seco. Começava a perceber a presença destrutiva do dinheiro na própria vida. Foi por essa riqueza que ele se sujeitou aos caprichos da mulher e às exigências do sogro. O que feria seu orgulho era que ele, sim, havia trabalhado duro por sua parte na sociedade do escritório. Nada havia vindo de mão beijada. A ação que prejudicou o herdeiro mais novo dos Braxton foi só um dos processos ingratos que ele enfrentou (e ganhou) para agradar ao sogro. Começou a perceber como havia sido usado por aquelas pessoas. Enquanto achava que estava ganhando uma vida melhor, conquistando tudo que quis, não conseguiu perceber que o fruto do seu esforço estava ficando nas mãos da mulher e do sogro. E que eles cobrariam o preço da permissão para que Sesshoumaru entrasse naquela vida de alta sociedade. Esse preço estava sendo cobrado agora. Do dia para a noite, deixaram Sesshoumaru sem nada.

Percebeu, então, que teria que deixar aquele maldito dinheiro pra trás, como disse Rin, e começaria tudo do zero. Estranhamente, aquele sentimento não o trazia medo, e sim esperança. Sentia-se um homem novo, e para isso ser verdade teria que deixar o passado para trás.

Mas antes, precisaria procurar o hospital. Tinha apenas o dinheiro da carteira, e por isso achou melhor tomar o metrô até a clínica médica. Caminhou até a estação mais próxima, recebendo olhares assustados. Estava, além de sangrando, com a roupa ensanguentada.

Não sabia dizer qual havia sido a última vez em que andou de metrô -- provavelmente quando estava na faculdade. Assim que chegou à clínica, foi atendido rapidamente. Um enfermeiro retirou os pequenos fragmentos de vidro que estavam presos na pele e costurou os cortes mais profundos. Receitou um analgésico e pediu que Sesshoumaru voltasse em três dias, caso houvesse sinal de infecção. Aquilo o lembrou que ele tinha que estar em Lovebelt em apenas alguns dias.

Assim que saiu da clínica, seu celular tocou. Por um instante seu coração fugiu do ritmo -- e se fosse Rin? A decepção veio assim que ele olhou o visor. Era Rebeca. Teve dúvidas se deveria atender, mas o fato era que, ainda que não precisasse de dinheiro, precisava do passaporte e outros documentos que estavam no apartamento. Suspirou fundo e deslizou a tela para atender.

— Precisamos conversar. - Ela soltou de uma vez. A raiva do dia anterior não estava mais presente, pelo menos não na voz.

— Eu já encontrei Leonard hoje e ele já disse o que deveria ser dito. - Sesshoumaru andava pela rua, fazendo o trajeto de volta até a estação do metrô. - Você pode ficar com o dinheiro das contas, com o apartamento, com a sociedade... não me importa. Eu só quero meus documentos.

— Você precisa ouvir o que eu tenho pra dizer. E então prometo que você poderá pegar suas coisas. – A voz trêmula pediu e ele respirou fundo.

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Rin entrou pelo quarto da filha, encontrando-a dormindo de lado na cama, sobre o edredom. Já fazia muito tempo que Melissa perdera o costume de dormir à tarde -- desde que ela estava saindo da fase de bebê para criança -- mas nos últimos dias esse hábito voltou. A menina andava muito calada, introvertida e sem a mesma animação de sempre. Tudo isso, claro, desde que Sesshoumaru partiu. O peito de Rin se apertou e ela levou a mão ao coração, tentando aplacar aquele sentimento. Ver a filha daquele jeito fazia com que ela se sentisse culpada por ter mandando-o embora. Mas a verdade era que Lissy não era sua única preocupação. Estava angustiada também por não ter mais Sesshoumaru por perto. Seu lado racional não queria admitir isso, mas o fato é que Rin estava arrependida por tê-lo mandado embora daquela forma. Agora que a raiva e o arrependimento de ter cedido ao ímpeto de dormir com ele naquela noite, a consciência sobre a transformação pela qual ele passou a fazia questionar uma série de coisas.

Embora a mágoa ainda doesse no fundo do seu peito, Rin começava a pensar no que faria caso Sesshoumaru estivesse mesmo decidido a começar do zero, ainda que não fosse possível apagar tudo que aconteceu. A questão é que ele estava demonstrando disposição para reparar os erros. Ela se perguntava se seria capaz de permitir que ele curasse a sua alma ferida, mas a angústia que sentia por tê-lo longe a fazia pensar que Sesshoumaru estava certo. Rin ainda sentia algo por ele, sentia algo mágico quando ele a tocava. As memórias dos lábios dele passando pelos ombros dela naquela noite a invadiram e ela fechou os olhos, sentindo um calor no peito.

Melissa se mexeu na cama, revelando o relógio prateado que segurava entre as pequenas mãos. Desde que o pai partiu, a menina não havia deixado o relógio uma única vez, conferindo vez ou outra se os ponteiros andavam mais rápido, para que ele voltasse logo. Os olhos de Rin tornaram-se turvos pelas lágrimas. Sabia que apesar de seus sentimentos terem se acalmado, e novas possibilidades florescerem em seu peito, precisava levar em conta a possibilidade de Sesshoumaru não voltar. Ele estava voltando a ter contato com tudo que fora parte da vida dele nos últimos anos, e podia se arrepender das mudanças que estavam acontecendo. Sabia que a mulher dele faria de tudo para dissuadi-lo, para manter o casamento. Sabia também que o pai dela, sócio de Sesshoumaru, também se esforçaria para manter o relacionamento dos dois – até para não macular a imagem da família na alta sociedade. Aquele pensamento fazia com que o coração de Rin se apertasse.

Sentia como se estivesse passando tudo de novo outra vez. Como se estivesse perdendo Sesshoumaru de novo. Abraçou o próprio corpo, sentindo as primeiras lágrimas rolarem pelo rosto. Deitou na cama de Lissy, aconchegando a menina próxima do seu corpo. As mãos pequenas envolveram o pescoço de Rin, deixando o relógio de lado. Foram as mãos de Rin que pegaram a peça dessa vez, olhando-se pelo reflexo do vidro. Levou o objeto até próximo do rosto, sentindo o perfume de Sesshoumaru na peça. Fechou os olhos, sentindo de novo as lembranças vindo à tona. Dessa vez, eram memórias daquela primavera em que se conheceram e que passaram tardes sentados em meio aos campos dourados de trigo. Quase podia sentir a brisa da tarde quente batendo em seu rosto.

— E então? - Sesshoumaru perguntou.

Rin tinha um ramo de trigo nas mãos, rodando o galho entre os dedos indicadores. Havia perdido seus pensamentos no horizonte por um instante.

— Nunca pensei nisso de forma séria. – Ela admitiu. – Sempre achei que fosse suficiente ficar aqui e ajudar meu pai.

Sesshoumaru respirou fundo, inclinando para sentar-se mais perto dela.

— Você tem uma habilidade com números que nunca vi antes. Tenho certeza que seria brilhante na faculdade. – Ele passou a olhar pra ela, com um dos olhos cerrados pela luminosidade do sol.

Rin deu de ombros, balançando os ombros. – Eu pensei nisso quando me formei no ensino médio, mas aí veio aquela tempestade, que destruiu a fazenda e a plantação. Meu pai estava tentando reconstruir tudo, não tive coragem de pedir isso a ele. E então o tempo passou.

Ele ficou calado, ainda observando-a. O vento quente bateu, fazendo com que uma mecha cobrisse o rosto de Rin. Vacilante, Sesshoumaru levou os dedos à bochecha dela, colocando a mecha atrás da orelha. Foi então que ela o olhou, encontrando aqueles olhos dourados a encarando com profundidade.

— Nunca é tarde, Rin.

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O sol já estava se pondo, pintando o céu de Nova York com tons de laranja e lilás quando Sesshoumaru entrou pela porta do pequeno café no bairro do Soho. A aquela altura já tinha conseguido comprar uma camiseta branca de algodão nova, e os únicos vestígios de sangue estavam nos pingos secos que marcavam sua calça jeans de lavagem média. Assim que entrou ele viu que Rebeca o esperava em uma mesa no fundo, afastada do restante. Caminhou até lá, sentando-se frente a ela. Rebeca estava em um estado deplorável. O cabelo antes bem arrumado estava desalinhado, e a franja presa por uma tiara preta de veludo. O rosto não tinha maquiagem, e as olheiras profundas denunciavam que ela não havia conseguido dormir naquela noite.

— Fico feliz que tenha vindo me encontrar. – Ela disse, esboçando um sorriso. – Como está seu braço?

Sesshoumaru tirou o braço ferido de cima da mesa, apoiando-o sobre a coxa esquerda. – Está bem, foram só alguns pontos.

— Quero te pedir perdão pelo que eu fiz e pelo que eu disse ontem. Estou muito arrependida. – Ela estendeu as mãos sobre a mesa, esperando que houvesse algum contato físico com as mãos dele.

Ele não conseguiu evitar o arquear de sobrancelha. Nunca, em todos esses anos, havia visto Rebeca daquela forma. Nunca havia a ouvido se desculpar por qualquer motivo. A indiferença e frieza marcavam as atitudes dela em relação a tudo na vida, mas agora a esposa parecia um livro aberto.

— Sinto muito pelo que aconteceu. Minha intenção não era te magoar. – Ele admitiu, recolhendo a outra mão de cima da mesa. Não conseguia pensar em tocá-la.

— Fizemos e falamos coisas de cabeça quente. Por isso vim aqui. Vim pedir que você reconsidere. – Ela engoliu seco, percebendo o sinal de recuo dele. Recolheu, também, as mãos para o próprio colo.

— Eu lamento que as coisas tenham tomado esse rumo. – Sesshoumaru suspirou profundamente, esfregando o rosto com a mão direita. – Mas exceto por isso, não há nada a ser reconsiderado. Eu não posso mais continuar casado com você.

— Por quê? - Ela inquiriu. Finas linhas d’água começavam a preencher os olhos claros, o que surpreendeu Sesshoumaru mais uma vez. – É porque eu não posso ter filhos? Eu... eu estou disposta a adotar uma criança, como você já tinha proposto.

— Não é isso. – Ele a interrompeu. – Eu não te amo, Beca.

Os olhos dela tremularam e outro gole seco passou pela garganta da loira. Ela não queria acreditar no que estava ouvindo.

— Nós vivíamos bem, até que... – Ela suspirou. – Maldita hora em que eu te mandei para aquele fim de mundo. – O primeiro sinal de raiva apareceu no rosto dela, conforme as bochechas se avermelhavam.

Ele ficou calado, apenas fitando-a. Era verdade, e Sesshoumaru já havia pensado nisso. Se não tivesse ido para Lovebelt há três meses, a pedido de Rebeca, provavelmente estaria dando sequência à sua vida como antes – um destino infeliz e incompleto.

— Eu não sou feliz aqui, e não sou capaz de te fazer feliz também.

— Mas eu sou feliz. – As mãos de Rebeca avançaram, buscando os braços dele e fazendo com que os dedos dela se entrelaçassem aos de Sesshoumaru em cima da mesa. – Sou feliz com você.

Naquele momento um sentimento de pena invadiu o peito dele. Rebeca havia sido criada no luxo desde criança, mas sempre viveu uma vida de mentira. Perdeu a mãe muito cedo e foi criada pelos moldes de Leonard, embora o pai tivesse sido pouco participativo nos momentos mais importantes. Os amigos ficavam próximos por causa do dinheiro dela, o trabalho como médica não a satisfazia, e o pai sempre a manipulou. Não surpreendia que ela quisesse manter o casamento, mesmo sabendo que Sesshoumaru não a amava. No fundo, ninguém a amava de verdade, e aquilo fazia com que ele se sentisse mal.

— Sei que você pode encontrar um homem que te faça feliz de verdade. Eu não sou esse homem. – Ele apertou as mãos dela uma única vez e então se desvencilhou dos dedos.

— Por favor, não faça isso. – Rebeca suplicou, deixando que as lágrimas escorressem pelo rosto.

— Eu já tomei a decisão. – Sesshoumaru engoliu seco, sentindo o coração disparar no peito.

— Como você pode querer ficar com uma mulher como ela? - A loira aumentou um tom de voz, fazendo com que ele se mexesse de forma desconfortável na cadeira. – Você acha que ela vai se adaptar à sua realidade? Não vê como vocês são diferentes?

— Eu sou como ela, Rebeca. – Ele a interrompeu. – Você sabe bem de onde eu vim.

— Mas é diferente! – Ela exclamou. – Você estudou, teve uma educação...

— Isso não faz diferença, pra mim. – Sesshoumaru cortou as palavras raivosas dela mais uma vez. – Se você acha que conseguiria me dissuadir bloqueando o saldo das minhas contas, ou pedindo que seu pai me chantageasse, nada disso faz diferença mais. Eu estou dando um ponto final a tudo que não faz mais sentido pra mim, e desejo, verdadeiramente, que você faça o mesmo na sua vida.

Ele fez menção de levantar-se e, mais uma vez, ela o segurou pela manga curta da camiseta de algodão.

— Você não pode estar falando sério, Sesshoumaru.

Ele olhou a mão dela presa no tecido da sua camiseta e então os olhos dourados encontraram os azuis dela. Sesshoumaru a fitou intensamente.

— Adeus, Rebeca.

Os dedos dela se soltaram e ele deu as costas, saindo pela porta.

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(Trilha Sonora: Hold me while you wait – Lewis Capaldi)

I'm waitin' up, savin' all my precious time

Losin' light, I'm missin' my same old us

Cinco dias se passaram, e Rin tentava viver uma rotina normal. Melissa ficava cada dia mais ansiosa pela volta de Sesshoumaru, e ela já havia perdido a capacidade de administrar aquela crise. O prazo que ele dera à menina havia vencido no dia anterior, e desde então o desapontamento era visível no rosto de Lissy. Rin havia buscado a pequena na escola e estava, como sempre, dirigindo até a confeitaria no centro de Lovebelt. Observava a filha pelo canto dos olhos, vendo que Melissa observava a paisagem fora da janela empoeirada. A menina não havia entrado no carro e ligado o rádio, como sempre costumava fazer, e estava calada.

Before we learned our truth too late

Resigned to fate, fadin' away

Rin suspirou fundo. Havia desistido de incentivar a filha a dizer qualquer coisa, porque nos últimos dias essas tentativas haviam se mostrado inúteis. Tudo que mais temia estava acontecendo: a ausência de Sesshoumaru criou mágoa no coração de Lissy, e Rin era incapaz de consertar a situação. A culpa em seu peito só aumentava. E se tivesse feito tudo diferente? E se... e se... e se?

So tell me, can you turn around?

I need someone to tear me down

Lissy continuava com o relógio de Sesshoumaru entre os dedos, embora os ponteiros já tivessem avançado além das 10 voltas. Aquilo mostrava que a menina não havia perdido a esperança da volta do pai e estava, como prometido, cuidando da lembrança que ele deixou.

Hold me while you wait

I wish that I was good enough

If only I could wake you up

Pararam à frente da confeitaria e Melissa desceu de uma vez. Sabia que Sango estaria lá e que a madrinha a esperava com um abraço forte para confortar sua mágoa, como estava acontecendo nos últimos dias.

My love, my love, my love, my love

Won't you stay a while?

Rin demorou alguns instantes mais pra descer do carro, e assim que os pés alcançaram as pedras da entrada ela viu que Lissy estava parada na porta de vidro, como se tivesse congelado no tempo. O coração de Rin pulou uma batida.

I wish you cared a little more

I wish you'd told me this before

— Papai! – Lissy gritou, ainda atrás da porta. Ao contrário de parar, como Rin achou que aconteceria, o coração da morena acelerou, disparando dentro do seu peito.

My love, my love, my love, my love

Won't you stay a while?

O tempo pareceu correr em câmera lenta. As mãos de Lissy buscaram a maçaneta metálica da porta de vidro e ela entrou correndo pela confeitaria. Rin aproximou-se da porta a tempo de ver Sesshoumaru sentado em uma das mesas próximas da entrada. Os cabelos prateados estavam ligeiramente mais desalinhados do que a média, e ele vestia uma camiseta azul marinho de algodão, ao contrário das habituais camisas sociais. O braço esquerdo estava envolto em uma faixa fina de curativo.

Ele esboçou um sorriso aberto, como poucas vezes Rin vira, ao escutar o grito da filha. Melissa jogou-se nos braços do pai e ele a acolheu no peito forte, fechando os olhos por um breve momento.

This is you, this is me, this is all we need

Is it true? My faith is shaken, but I still believe

— Eu sabia, eu sabia que você voltaria. – Lissy disse, fechando os olhos também.

Os olhos dourados de Sesshoumaru abriram-se e viram Rin parada à porta da confeitaria. A expressão do rosto dela misturavam surpresa e emoção, e a mão direita estava sobre o centro do peito. O movimento dos ombros indicava que ela respirava de forma intensa, e que o coração estava fora de controle. O que ele não sabia era que o que preenchia o peito de Rin naquele momento era alívio. Alívio por ele estar ao lado delas mais uma vez.

This is you, this is me, this is all we need

So won't you stay a while?


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Notas finais do capítulo

Oi, gente!
Atualização em tempo recorde, hein? Estou tentando fazer a história andar mais rapidamente, para conseguir concluir a fic. Fiquei muito feliz com os comentários. É ótimo saber que vocês não desistiram de mim hehe
Espero que gostem, e tô muito ansiosa pra saber se estão gostando do rumo da história. Então quem puder deixar um comentário, mesmo que pequenininho, já me deixa muito feliz.
É isso. Ótima semana pra todo mundo.
Beijo, e continuem se cuidando!



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