Lovebelt escrita por Nina Antunes


Capítulo 16
Capítulo 16




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Quanto mais a data do casamento se aproximava, mais o tempo parecia voar. Rin havia marcado a prova do vestido de noiva naquela tarde, após muita insistência de Sango. Ela havia concordado em visitar a loja exuberante de vestidos em Salina, mas já havia se conformado com a ideia de que não haveria nada ali que agradasse ao seu gosto e que coubesse em seu bolso – não necessariamente nessa ordem.

Aquela era uma época do ano em que as coisas ficavam difíceis, financeiramente falando. Depois de vender todo o trigo da safra anterior, Rin havia reinvestido boa parte do valor na safra seguinte, que já havia sido plantada. Outra parte do lucro ia para a confeitaria. Todo ano o ciclo era o mesmo. Sem conseguir colher por alguns meses, o fluxo de caixa da fazenda ficava zerado até o verão seguinte. Nesse período, a única renda era o pequeno lucro da safra anterior e as vendas da confeitaria. Mas como Sango trabalhava de forma mais intensa no negócio, a maior parte dos rendimentos ficava com ela – embora Rin nunca tivesse deixado aquilo claro para a amiga, pois sabia que ela discordaria prontamente. Em suma, eram meses de orçamento apertado.

Sesshoumaru estava pegando cada vez mais projetos e clientes no escritório de Miroku, mas as despesas também haviam aumentado. Além do plano de saúde que ele havia contratado para Rin e Melissa, havia, ainda, a despesa com a casa de repouso de Izayoi – fato recém-descoberto por Rin. As despesas com o casamento começavam a aparecer, e havia, ainda, a viagem para a Filadélfia no final de semana seguinte. As três passagens de avião, compradas em cima da hora, acabaram ficando mais caras do que o imaginado.

Mas Rin estava contente com a vida como estava. Não podia queixar-se de nada, já que nunca havia sido tão feliz quanto agora.

Ela, Sango e Melissa entraram pela porta de maçanetas cor de cobre da luxuosa loja. A menina encarava maravilhada a vitrine repleta de vestidos de noiva – vestidos de todas as formas e tecidos. Observar o quanto a menina havia se entusiasmado com o casamento fazia Rin imaginar-se, um dia, vendo a filha se casando. Também não podia evitar o pensamento do filho tirando Melissa para a valsa dos irmãos. Nos últimos dias, ela havia se convencido de que o bebê que esperava era um menino, embora não soubesse bem o porquê. Ela balançou a cabeça, tentando tirar aquele pensamento da sua mente.

Logo uma vendedora veio atendê-las e começou a bombardear Rin de perguntas. Queria saber quando seria o casamento, em qual espaço a cerimônia aconteceria, quais as cores da decoração, e mais uma infinitude de detalhes que a deixavam tonta. Tudo que Rin conseguiu enfatizar foi o pequeno orçamento disponível.

Ela esperou (im)pacientemente em uma sala, enquanto a vendedora buscava algumas opções e enquanto Melissa e Sango rondavam o salão, buscando vestidos que elas achavam ser perfeitos para a ocasião. A vendedora chegou com uma pilha de vestidos embalados perfeitamente em capas plásticas. Ela escolheu as poucas peças prontas e no tamanho de Rin, pois, como explicou anteriormente, não haveria tempo hábil de confeccionar um vestido até o casamento. Trinta e cinco dias era tempo de menos para planejar um casamento – que o dirá para costurar um vestido de noiva do zero.

Rin vestiu as primeiras peças, sentindo-se muito estranha. Eram vestidos em formato de bolo – alguns no modelo tomara que caia, outros com pequenas alças, mas todos volumosos. Era uma peça muito bonita, sem dúvida, mas não tinha nada a ver com o que ela imaginou para si ou para a cerimônia. Para piorar, a marca de sol adquirida na viagem para o lago Wilson continuava evidente em seus braços.

Enquanto ela estava se livrando das inúmeras camadas de tecido da saia da terceira peça, Sango e Lissy voltaram com suas próprias pilhas de vestido. Melissa sequer aparecia por baixo de tantas embalagens plásticas – o único sinal de que ela estava por baixo daquilo tudo eram as pequenas mãos presas na lateral da pilha. Assim que viu as duas se aproximando, a vendedora fez uma expressão de sofrimento.

— Vocês se atentaram ao preço? -- A senhora de meia idade perguntou, fazendo Sango e Lissy sorrirem amarelo.

— Experimenta esse! – Melissa pediu, entregando um de seus vestidos para a mãe, enquanto Sango pendurava o restante na mesma arara em que os vestidos sem graça da vendedora estavam.

Rin pegou o pacote e viu se tratar de um vestido em formato A, com a cintura ajustada. O tecido principal era uma seda creponada macia e esvoaçante, de cor marfim bem suave. O vestido tinha alças que cobriam os ombros e o decote era em formato V, embora não fosse tão profundo. Bordados delicados preenchiam os ombros e o busto justo – e apenas essa área, já que o restante do vestido havia sido confeccionado com a seda macia e lisa. Rin sentiu o coração pular uma batida, imaginando que aquele era um caso de paixão à primeira vista.

Tirou o vestido da capa plástica e viu que a parte de trás era ainda mais bonita. O mesmo bordado do busto preenchia o tecido das costas, e servia como uma moldura em formato V nas costas. Logo abaixo da ponta do V havia a faixa bordada que circulava a cintura, e abaixo da faixa havia uma cauda fluída do mesmo tecido macio da frente do vestido.

— Veste, veste! – A menina deu pulinhos, batendo palmas.

— Você não gostaria de ver a mamãe em um vestido de princesa, então? -- A vendedora tentou adivinhar, ajudando Rin a vestir a peça.

Melissa fez uma careta, balançando a cabeça negativamente. – Esses vestidos que parecem um bolo não têm nada a ver com a mamãe. Ela vai parecer uma princesa com este vestido aí. – A menina apontou para Rin.

Quando a vendedora fechou o zíper, Rin mal pôde acreditar. O vestido havia servido, ficando talvez apenas meio dedo largo nas costas. A vendedora colocou uma espécie de “pinça” na peça, ajustando a pequena folga. Assim que Rin se virou, Sango e Melissa ficaram boquiabertas.

— O que foi? -- Ela quis saber, nervosa pela expressão embasbacada das duas.

— É esse! – Sango juntou as mãos frente ao rosto, examinando cada pedaço do vestido.

Rin subiu na plataforma e virou-se para o trio de espelhos à sua frente, percebendo que cada um deles mostrava um ângulo diferente do vestido. Era simplesmente maravilhoso. O tecido leve marcava sutilmente suas formas, e os bordados davam ênfase à curva da cintura. Ela virou-se de lado, olhando a bela cascata formada pela cauda fluída da saia. Quanto mais olhava para si naquele vestido, mais gostava. Conseguia ver-se claramente andando até Sesshoumaru, no altar.

— Mamãe, você está ma-ra-vi-lho-sa. – Melissa deu uma volta completa pela plataforma onde Rin estava. A forma com que a menina separou as sílabas da palavra fez as três mulheres da sala rirem.

— Nós podemos fazer esse ajuste, para tirar a folga. – A vendedora puxou a pinça do tecido, fazendo com que a seda se acomodasse ainda mais belamente ao corpo de Rin.

— Não. – Ela negou, balançando o rosto. – Não vai ser preciso.

— Nunca vi uma noiva planejando engordar até o casamento. – A vendedora comentou de forma descontraída.

Rin soltou um riso pelo nariz, pensando que planejar definitivamente não era uma das coisas que ela tinha feito. Sabia que em 30 dias provavelmente ganharia alguma medida, embora a gravidez ainda fosse recente. Pensar nisso havia feito Rin ficar nervosa nos últimos dias, mas agora que sabia que aquele vestido tinha uma pequena folga, seu coração parecia ter se acalmado. Era como se ele tivesse sido feito especialmente para ela.

Ela estava tão maravilhada com o vestido, que sequer notou a vendedora puxando a etiqueta para conferir o preço. Assim que alcançou os números, os olhos verdes da mulher pareciam querer saltar da órbita.

— Oh, oh... – Ela fez o típico som que costuma preceder notícias ruins. Rin suou frio.

— O que foi? -- A urgência na voz dela era evidente.

— Ele está um pouco acima do orçamento. – A mulher tirou os óculos de grau do rosto e usou a haste para coçar a nuca, de forma desconsertada. – Um pouco bastante, na verdade.

Rin achou que aquele tipo de coisa só acontecia naqueles realities shows de noivas que passavam na TV a cabo durante os finais de semana, mas a vida real podia ser tão cruel quanto isso. Ela havia se apaixonado por um vestido caro demais, e agora teria que procurar algo novo. Sabia, no entanto, que nada superaria a imagem que viu no espelho.

— Quanto? -- Ela quis saber, com urgência.

— Seis mil e duzentos dólares... – A vendedora murmurou, e Rin sentiu que ia desmaiar.

Seu orçamento era de mil dólares – no máximo mil e quinhentos, e ainda assim precisaria fazer contas para saber se seria possível pagar. Um vestido de seis mil dólares estava totalmente fora de cogitação.

Ela suspirou pesadamente e desceu da plataforma, descalçando o par de sapatos altos que havia escolhido para provar o vestido. Começou descer o zíper lateral de forma impaciente, sendo ajudada pela vendedora. Sentia que precisava tirar aquele vestido o mais rápido possível, antes que se apegasse mais a ele.

— Você não vai ficar com esse? -- Melissa perguntou, estampando a decepção no seu rosto.

— É muito caro, Lissy. – Rin sibilou enquanto seus dedos se atrapalhavam para desencaixar os botões dos colchetes.

— Mas é tão bonito! – A menina fez um biquinho. – Eu posso ajudar a pagar. Posso quebrar meu cofrinho. – O rosto de Melissa se iluminou, como se ela tivesse arranjado a solução de todos os problemas.

Rin sentiu o coração apertar, e ela abriu um sorriso triste no rosto. – É muita gentileza sua, meu anjo. Mas ainda não daria para pagar.

— Espera. – Sango levantou-se de uma vez, abrindo os braços no ar, como se estivesse brincando de estátua. – Por que você não usa parte do dinheiro da poupança que Sesshoumaru fez para Lissy?

— Não. – Ela negou de prontidão, balançando o rosto. Sentia-se desconfortável de debater aquilo na frente da vendedora, mas continuou. – Combinamos que esse dinheiro é para pagar os estudos dela.

— É um empréstimo. – A morena argumentou, batendo o torso da mão contra a palma aberta. – Depois você pode repor, aos poucos. Não é como se Lissy estivesse indo para a faculdade amanhã.

— Está maluca? Sabe quanto tempo levaria para eu juntar seis mil dólares de novo? -- Ela terminou de passar o vestido pelo quadril, buscando o roupão para cobrir seu corpo.

— Não são seis mil dólares. Você veio disposta a pagar mil, eu posso dar mais mil, e Lissy completa com os duzentos dólares do cofrinho. – Sango deu uma piscadela para a menina, que pareceu encher-se de esperança.

— Eu jamais permitiria que você fizesse isso. E, mesmo que permitisse, faltariam ainda quatro mil dólares. – Rin falou, vendo a vendedora embalar novamente o vestido na capa e sentindo que seu sonho estava sendo despedaçado frente aos seus olhos.

— A próxima safra vai ser boa, você vai conseguir repor esse dinheiro. – A outra morena mordeu o lábio inferior, tentando partir para argumentos mais racionais.

— Eu não vou gastar parte do dinheiro da venda do trigo que mal começou a crescer no campo. Ainda temos todo o inverno e as tempestades pela frente. – Rin desabou sobre uma cadeira, evidenciando sua derrota.

Ela encarou a fileira de vestidos pendurados no cabide e, de repente, todos pareciam muito sem graça. Sentiu o desânimo crescer dentro de si.

— Podemos ir embora agora? Acho que prefiro voltar em outro dia. – Ela levantou os olhos para encontrar os da vendedora. – Me desculpe.

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Rin estava arrumando as roupas de Melissa dentro da pequena mala de viagem. Tentava ordenar as peças da melhor forma possível, mas havia algo que não estava encaixando bem. Seria o casaco pesado que ela havia incluído, para garantir que a menina ficasse bem agasalhada se o tempo esfriasse demais? Talvez fosse a capa impermeável de chuva, dobrada de uma forma estranha?

Ou o que tanto a incomodava era o vestido de noiva que não cabia em seu bolso? Desde a visita à loja chique de Salina, Rin não conseguiu deixar de pensar naquela porcaria de vestido caro. Havia tentado de todas as formas sufocar aquela frustração, mas quanto mais ela tentava, pior ficava, sssim como a mala de Melissa, que não fechava o zíper de forma alguma. Rin deixou a mala de lado, sentindo a irritação subir ao seu rosto.

Ela virou-se e deu de cara com Sesshoumaru parado à porta do quarto. Seu coração pulou uma batida e seu corpo saltou. Rin levou uma das mãos ao centro do peito, fechando os olhos.

— Desculpe, não queria te assustar. – Ele mergulhou a mão no bolso da calça social preta. Se Rin não estivesse tão visivelmente irritada, ele teria feito piada da situação. Mas achou melhor não abusar da própria sorte.

— Não te ouvi chegando. – Ela apoiou-se na pequena mala amarela, tentando recompor a respiração. Assim que o coração voltou ao ritmo normal, Rin virou-se, voltando à tarefa de tentar fazer tudo caber dentro da bagagem. Seria mais fácil jogar “tetris”, ela pensou.

— Melissa me falou sobre o vestido. – Sesshoumaru comentou, indo direto ao assunto. Rin continuou a fazer a mala, como se não tivesse ouvido o que ele havia dito. – Ela não quis me contar como ele é. Disse que vai estragar a surpresa.

Ela deu os ombros. – Na verdade, eu não vou comprá-lo.

— Você não gostou?

— Sim, mas... – Ela suspirou, tentando controlar o ímpeto de despejar nele a frustração que sentia só de falar naquele assunto. – É caro demais para um vestido.

— Quanto? -- Ele quis saber, se aproximando.

— Caro demais. – Rin rebateu, esperando que ele fosse se contentar com aquela resposta. Mas obviamente não foi o que aconteceu.

— Quanto? -- Insistiu, tocando o cotovelo dela. Queria que ela parasse por um instante, deixando aquela tarefa de lado, antes que o pobre zíper da mala fosse arrancado fora.

— Faz diferença? -- Massageou a área entre os olhos, sentindo a dor de cabeça voltar. – Eu não sei se quero falar nisso.

— Rin. – Sesshoumaru chamou, virando-a para si. Segurou gentilmente os antebraços dela, encarando os olhos castanhos fixamente. – Por que não me contou? Podemos arranjar uma solução...

— Nem pensar. – Balançou o rosto repetidamente, torcendo as sobrancelhas. – É dinheiro demais para pagar em um vestido. Seis mil dólares podem ser úteis para uma infinidade de coisas.

Então era isso, ele pensou. Não era tanto dinheiro assim, mas definitivamente era um dinheiro que ele não dispunha, naquele momento. Meses atrás, seis mil dólares eram gastos de forma banal por Sesshoumaru – e ele não se orgulhava disso agora. Pelo que podia lembrar, o vestido de noiva de Rebeca, uma peça toda cravejada de cristais, tinha custado múltiplas vezes mais do que aquilo. Era frustrante pensar que ele pôde dar aquilo a Rebeca, a quem não amava, mas não poderia dar o mesmo a Rin, a mulher da sua vida. Era ainda mais frustrante saber que ela que estava deixando de lado as coisas que queria.

Sesshoumaru sabia o quanto Rin desejava uma bonita cerimônia, ainda que não fizesse questão de nenhum tipo de luxo. Talvez o vestido fosse a única oportunidade de ela poder escolher algo só para ela, da forma que só ela desejava.

— É o seu vestido de casamento. Eu quero que você tenha tudo que sonhou. – Ele mergulhou a mão por trás da nuca de Rin, fazendo a dor de cabeça dela aliviar por um instante.

— Nós não temos esse dinheiro. – Ela sussurrou. – E eu vou encontrar outro vestido bonito, que não custe um absurdo. – Embora tivesse se esforçado para soar firme, Rin não tinha tanta certeza de que encontraria mesmo um vestido que gostasse tanto quanto havia gostado daquele. Mas, no final das contas, aquilo não era o fim do mundo. Ela já era uma mulher crescida e já havia aceitado muitas vezes situações na vida em que não pôde ter o que queria. Em pouco mais de um mês ela iria se casar com o homem da sua vida, e isso era tudo que importava.

— Eu gosto da solução proposta por Sango. Parte do dinheiro que está na conta de Melissa é da indenização do seguro do carro, e foi você quem pagou por isso. – Sesshoumaru passou gentilmente o polegar pela bochecha de Rin.

— Até você? -- Ela suspirou, afastando a mão de Sesshoumaru de seu rosto. Virou-se, abrindo a pequena mala sobre a cama e começando a tirar algumas peças dali. – Eu não vou usar o dinheiro para isso.

— O dinheiro pertence a Melissa, esse sempre foi nosso acordo. Se ela tivesse idade suficiente para escolher, certamente iria usá-lo para comprar o seu vestido. – Ele sentou-se na cama, ao lado da mala, e mergulhou as mãos nos bolsos.

— Mas ela não tem idade suficiente. – Rin ralhou entre os dentes. – E sendo responsável por ela, eu digo que não, não vamos gastar a única reserva de emergência da nossa filha para comprar meu vestido de noiva. – A voz dela havia subido um tom, parecendo bem mais irritada.

Ela fechou a mala com raiva, fazendo um estampido soar pelo quarto. Não sabia exatamente o motivo, mas aquele assunto a tirava de seu normal. Podiam ser os hormônios da gravidez começando a atuar, ou talvez a própria frustração por não conseguir esquecer aquele maldito vestido. Pensar em usar o dinheiro da poupança de Melissa para algo tão banal fazia Rin se sentir mal. Pior ainda era pensar que a maior parte daquele dinheiro havia sido depositada por Sesshoumaru, quando ele ainda era advogado em Nova York e quando ainda dividia o teto e as contas com sua ex-mulher. Rin não sabia se era por orgulho ou por medo de esse passado contaminar a felicidade deles, mas ela não queria absolutamente nada que viesse do velho Sesshoumaru. Não queria construir seu casamento em cima de frutos do passado dele.

Por outro lado, Rin sabia também que ele não podia ser culpado por aquilo. Ela estava fazendo o que não gostaria de ter feito: descontando sua frustração em Sesshoumaru. Olhou-o, percebendo que ele tinha as duas sobrancelhas erguidas, surpreso com o acesso de raiva dela. Mas ele não parecia igualmente irritado, nem magoado.

— Desculpe. – Ela sussurrou, encarando o chão de forma envergonhada. – Isso tem me aborrecido.

— Eu notei. – A voz suave fez Rin sentir-se acolhida outra vez. Ele buscou a mão dela, puxando-a para perto. – Nós não precisamos mexer na poupança de Melissa. – Ele segurou as duas laterais da cintura dela, mantendo o rosto erguido para encará-la. – Mas eu quero que você compre o vestido mesmo assim. Nós vamos dar um jeito de pagar, confie em mim.

Um contra-argumento surgiu na boca de Rin, mas ela desistiu de falar. Estava cansada, diante de todas as coisas que estavam acontecendo, e não queria mais se indispor com Sesshoumaru por aquele motivo. Ela ficou em silêncio, encaixando-se entre os joelhos dele. Ainda de pé, ela afagou os cabelos prateados, depositando um beijo no meio da testa do futuro marido. Ele envolveu a cintura dela com os dois braços e descansou o rosto contra a parte alta do ventre de Rin. Fechou os olhos, imaginando que em breve poderia aninhar-se ali para sentir o bebê chutando. Esse pensamento o fez sorrir.

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O dia da viagem para a Filadélfia havia finalmente chegado. Fazia frio em Lovebelt, embora o sol tivesse aparecido entre as nuvens. A caminho do pequeno aeroporto de Salina, Melissa dividia-se entre a empolgação de viajar de avião pela primeira vez e entre o medo que aquela novidade trazia.

— Eu vou sentir frio na barriga? -- A menina perguntou ao pai.

— Vai. E um pouco de pressão nos ouvidos também. – Sesshoumaru dedicou-se a responder a filha, já que Rin parecia um pouco alheia. De qualquer forma, como a morena nunca havia viajado de avião, ela pouco poderia opinar naquele assunto. – Mas é só mascar chiclete que passa.

— A vovó estará nos esperando no aeroporto? -- Ela perguntou, com a capacidade de mudar de assunto que só as crianças tinham.

Sesshoumaru ficou em silêncio por um instante e Rin finalmente pareceu despertar de seu transe. Encontrou um olhar vazio no rosto dele e soube imediatamente que ele estava lidando com a culpa que aquela pergunta trazia.

— A vovó não consegue ir ao aeroporto sozinha. – Ela explicou pacientemente. – Lembra do que conversamos?

A menina acenou, abraçando-se ao seu fiel ursinho de pelúcia. Na noite anterior, Rin e Sesshoumaru haviam tentado preparar Melissa para lidar com o esquecimento e a confusão de Izayoi, mas ele tinha certeza que não havia palavras capazes de descrever o quão difícil seria aquela situação. Tinha medo de a mãe não conseguir se conectar com Melissa, por não reconhecer Sesshoumaru. Como ela poderia se apegar a uma neta que ela sequer poderia imaginar que tem?

Ele se perguntava se InuYasha havia tido filhos, e, se sim, como seria a relação deles com a avó. Perguntava-se se Izayoi seria capaz de amá-los mais do que a Melissa, por ser capaz de lembrar de InuYasha. Aquele pensamento fez um gosto amargo surgir na boca de Sesshoumaru. Ele poderia tolerar toda rejeição do mundo, mas ver a filha sofrendo seria doloroso demais, ainda mais depois da morte de Kenichi.

Embarcaram em um pequeno jato da Bombardier pontualmente às 7 da manhã. Por mais incrível que fosse, Salina tinha voos diretos para a Filadélfia, que duravam quase 5 horas no total. A ansiedade de Melissa transformou-se em empolgação assim que a aeronave saiu do chão, fazendo toda a cabine chacoalhar. Ela deu um gritinho de emoção, levantando as mãos para o alto, como se estivesse em uma montanha russa. Já Rin permaneceu com as duas mãos agarradas aos braços da poltrona e os olhos bem fechados, sentindo frio na barriga. O enjoo a fazia sentir também em uma montanha russa. Sesshoumaru aliviou a pressão dos dedos dela contra o plástico da poltrona entrelaçando a mão com a dela, e aquele simples gesto trouxe alívio para Rin.

Depois de alguns minutos de tagarelices de Melissa, o cansaço bateu sobre a menina. Ela havia acordado bem cedo para chegar ao aeroporto naquele dia, e precisava dormir um pouco mais. A menina esgueirou-se sobre o colo de Rin, deitando-se sobre as pernas da mãe. A morena acariciou os cabelos da filha até que o sono também a alcançou. Apesar de ter as duas ressonando suavemente ao seu lado, Sesshoumaru não conseguiu descansar. Sua mente fervilhava, pensando em como a mãe reagiria ao vê-lo depois de tanto tempo. Seria ela capaz de reagir raivosamente pelo tempo em que ele esteve longe, ou seria somente uma postura confusa, de quem não é capaz de reconhecê-lo? Era difícil admitir, mas Sesshoumaru tinha mais medo da segunda opção.

Pensava, também, em como seria chocante ver a mãe. Ela provavelmente teria uma aparência mais envelhecida e debilitada. Os cabelos, antes perfeitamente negros, estariam completamente tomados de fios brancos? As rugas em volta dos olhos estariam mais profundas? As mãos estariam ainda mais vacilantes do que antes? Sentia seu peito doer ao pensar naquela imagem frágil.

As quatro horas do voo passaram rápido, conforme Sesshoumaru remoía a culpa dos eventos dos últimos anos. Antes que pudesse notar, o comandante da aeronave estava anunciando que pousariam no Aeroporto Internacional da Filadélfia. Agora era ele quem estava sentindo frio na barriga.

Quando a aeronave pousou, fazendo a cabine chacoalhar outra vez, Rin e Melissa despertaram. Pegaram sua bagagem no compartimento da cabine e saíram pelo aeroporto, já que não haviam despachado nenhuma outra mala. Embarcaram em um táxi frente ao aeroporto, que os levou até o hotel em que passariam aquela noite.

— Vamos logo, eu quero encontrar a vovó! – Melissa exclamou antes mesmo que Rin passasse o cartão magnético pela porta do quarto. A morena sorriu, mas Sesshoumaru não conseguiu se alegrar ao ver a ansiedade da filha.

Quanto mais o momento do reencontro se aproximava, mais ele questionava se aquela havia sido uma boa ideia. Talvez ele devesse ter enfrentado aquela parte do seu passado sozinho, antes de envolver Melissa e Rin. A culpa que sentia seria multiplicada se as duas fossem magoadas de alguma forma.

Por outro lado, Sesshoumaru compreendia que, cedo ou tarde, ele teria que enfrentar as consequências daquela escolha. Se quisesse, mesmo, começar uma vida do zero com Rin, precisava fazer as pazes com as decisões tomadas pelo velho Sesshoumaru. Não podia esperar sua mãe falecer para se arrepender por tê-la deixado de lado. Se assim fosse, a culpa e o ressentimento seriam ainda maiores.

Os três tomaram banho, trocaram de roupa e fizeram uma refeição rápida no hotel. Eram pouco mais de duas da tarde quando tomaram um táxi até o lar de idosos que ficava na parte oeste da cidade, em uma região bastante arborizada. Seguiram por uma rua repleta de casas de dois ou três andares, com grandes quintais. Perto do final da rua estava a casa estilo vitoriana, com fachada branca e janelas amplas. Quando desembarcaram no meio-fio, eles puderam ver mais de perto a placa que indicava que aquele era um lar de idosos. Mas nem precisava: o som dos pássaros quebrando o completo silêncio já dava pistas que aquele era um local de repouso.

Sesshoumaru sentia as mãos suarem. Seus dedos começavam a ficar escorregadios, o que dificultava a tarefa de segurar a mão de Melissa. Sentindo o nervosismo do pai, a menina apertou a pequena mão contra a dele, tentando encorajá-lo de alguma forma. Os olhos dourados se abaixaram para olhar a filha e encontraram um sorriso genuíno. Sentiu o coração se aquecer.

Entraram pela porta dupla de madeira branca e encontraram um balcão de mármore, onde ficava a recepção. Uma mulher de meia idade e cabelos castanho-acinzentado estava sentada atrás da mesa.

— Boa tarde. – Seshoumaru cumprimentou. – Vim visitar Izayoi Taisho.

A mulher torceu as sobrancelhas, claramente tentando reconhecê-lo. Ela olhou para Rin e Melissa, que estavam um pouco atrás dele, e a confusão ficou ainda mais evidente.

— Meu nome é Sesshoumaru. Sou filho dela. – Ele explicou.

A confusão imediatamente se desfez, no rosto da mulher. – Sesshoumaru, claro. Nunca havíamos nos encontrado pessoalmente. – Ela levantou-se, fazendo a cadeira recuar. Estendeu a mão para ele. – Meu nome é Stella, sou a responsável do lugar.

— Muito prazer. – Ele apertou a mão dela gentilmente.

— Preciso confessar que achei que você fosse seu irmão, por um instante. – A mulher pegou o par de óculos de grau que estava pendurado no pescoço e encaixou no rosto, procurando em uma lista de papéis. – Vocês são muito parecidos.

— As pessoas costumam dizer isso... – As mãos apoiadas contra o mármore frio tamborilavam de forma nervosa, um gesto atípico para ele.

Rin notava como Sesshoumaru parecia cada vez mais nervoso. Por tudo que ele havia contado, sabia que aquele reencontro seria difícil e potencialmente doloroso. Enfrentar o passado com ela e Melissa já havia sido uma tarefa e tanto, mas ele havia feito isso de forma firme. Agora, com a mãe, parecia um pouco mais delicado. A doença dela, a falta de memórias e a distância fizeram com que parte do relacionamento dos dois tivesse se perdido, como se fosse um tecido fragmentado.

— Izayoi está tomando um pouco de sol, no jardim. Querem me acompanhar até lá? -- A mulher saiu pela recepção, indicando o longo corredor, repleto de janelas, logo à direita.

Melissa foi a primeira a soltar a mão da mãe para segui-la, e Sesshoumaru ficou congelado no mesmo lugar. Rin aproximou-se, colocando as mãos sobre os ombros dele. Murmurou que tudo ficaria bem, tentando encorajá-lo.

— Vamos, papai. – Melissa chamou, acenando no ar para que ele a acompanhasse.

As pernas de Sesshoumaru estavam pesadas, como se ele levasse bolas de metal em cada um de seus calcanhares. Ele obrigou-se a se mexer, indo em direção a Melissa, que tinha a pequena mão estendida para ele. Seguiram juntos pelo enorme corredor, vendo pelas janelas o jardim perfeitamente bem cuidado do lado de fora. Assim que chegaram ao fim do corredor, havia uma escada do lado esquerdo e uma porta de correr dupla do lado direito. Stella, a senhora de meia idade, abriu a porta, revelando um amplo gramado verde, com alguns canteiros de flores – rosas, margaridas, girassóis e outras espécies belíssimas. Espalhadas pelo gramado estavam também mesas redondas de madeira, abrigadas por guarda-sóis brancos e acompanhadas de cadeiras.

Em uma dessas mesas, perto do fundo do jardim, Sesshoumaru reconheceu os cabelos negros de Izayoi. Ela estava de costas para a porta, sentada sob um dos enormes guarda-sóis. O cabelo escuro estava estendido como uma cortina sobre o encosto da cadeira, e a franja, que tinha bem mais cabelos brancos que Sesshoumaru se lembrava, estava presa em um arranjo de pedras azuis. Melissa apertou a mão do pai, com os olhos transbordando em expectativa. Já ele engoliu seco, com o coração batendo na boca.

(Trilha sonora: Can’t help falling in love – Edith Whiskers)

Começaram a andar pela grama, deixando Rin e Stella para trás. A morena apertou a mão frente ao peito, fazendo uma pequena oração silenciosa para que tudo desse certo.

Assim que Izayoi ouviu o som da grama estralando sob os pés de Sesshoumaru e Melissa, ela virou-se, fazendo a cortina de cabelos se mover sobre as costas. Os olhos negros estavam moldados por mais rugas, os cabelos que partiam das têmporas e do centro da cabeça haviam se tornado brancos, mas Izayoi parecia bem mais jovem do que Sesshoumaru esperava. O coração dele pareceu parar quando a mãe passou a examiná-lo dos pés à cabeça.

— Mãe. – A voz dele, antes firme e serena, vacilou em sair da garganta. Os olhos trêmulos de Izayoi voltaram a fixar-se no rosto de Sesshoumaru e a confusão apareceu no rosto dela. Ele sentiu um gosto amargo subir à boca, notando que ela continuava a não reconhecê-lo. Seu pesadelo parecia se materializar à sua frente, e Sesshoumaru já pensava em formas de poupar Melissa da situação constrangedora que viria em seguida. Mas antes que tivesse chance de agir, a menina falou.

— Oi, vovó. – Melissa cumprimentou, sem conseguir soltar a mão dele. A menina colou o corpo nas pernas do pai, olhando a avó de forma apreensiva. Os olhos cor de mel, no entanto, ainda tinham um brilho de expectativa.

Izayoi repousou os olhos sobre Melissa, examinando-a. Aos poucos, a confusão parecia se dissipar da expressão da mulher mais velha. As linhas duras entre as sobrancelhas se transformaram em um olhar doce, e as mãos, antes vacilantes, foram erguidas para tocar os próprios lábios enrugados.

— Meu Deus, como você parece seu pai quando ele era criança. – Izayoi murmurou.

Melissa sentiu as bochechas corarem, sorrindo de forma tímida. Um sentimento de incredulidade tomou os sentidos de Sesshoumaru. Parecia que aquele encontro desajeitado e repleto de sentimentos sufocados havia se encaixado perfeitamente em apenas um instante. Ao ver Melissa, Izayoi não só reconheceu o filho, como reconheceu a neta. Era como um reencontro de almas, mesmo que as duas nunca tivessem ouvido falar uma da outra.

Lissy soltou a mão do pai e aproximou-se da avó, estendendo a palma na direção dela. Os dedos curvos e enrugados tocaram a mão da menina, e a outra mão de Izayoi repousou sobre a lateral do rosto da neta.

— Você é tão bonita. – Ela murmurou.

A menina entendeu aquele gesto como um convite e abraçou a avó, aninhando-se no peito dela. Sesshoumaru tinha os dentes cerrados com força, tentando conter o turbilhão de emoções que nublavam seus sentimentos. A ardência na garganta e os olhos ficando turvos transpareciam uma emoção contida.

— Mãe, esta é Melissa. – Ele agachou-se sobre os calcanhares para ficar na altura das duas. – Sua neta.

— Eu não via a hora de te conhecer, vovó. – A voz de Melissa saiu abafada entre o abraço. Izayoi fechou os olhos, com as duas mãos afagando os cabelos lisos dela.

— Oh, Melissa. – Ela abriu os olhos, revelando lágrimas presas nos cílios naturalmente curvados. – Você não sabe como eu estou feliz por você ter vindo.

A menina sorriu, separando-se do abraço. Ela recuou um passo, colocando as duas mãos juntas atrás das costas, de forma tímida. – Mamãe e papai me trouxeram. A propósito, aquela é a mamãe. – Melissa apontou para Rin, que estava ainda encostada ao batente da porta dupla.

Assim que percebeu que os três a olhavam, Rin sentiu as bochechas arderem. Àquela altura, os olhos dela já transbordavam lágrimas, não conseguindo resistir à cena de afeto entre Melissa e a avó. Ela sentiu-se envergonhada por todos perceberem que ela chorava, mas acenou de longe para Izayoi. Rin começou a aproximar-se, cruzando o gramado. Aproveitou para tentar secar as lágrimas com o verso das mãos.

— Mamãe e papai vão se casar. – A menina falou de forma orgulhosa e sonhadora.

A confusão voltou para o rosto de Izayoi e ela virou-se para o filho. – Mas você já se casou. InuYasha me contou sobre seu casamento.

— Não, eu... – Ele engoliu seco antes de começar, mas foi interrompido por Rin.

— Na verdade, vamos renovar os votos. – Ela pousou a mão esquerda sobre o ombro de Sesshoumaru, trocando um rápido olhar cúmplice com ele. – É um prazer conhecê-la, senhora Taisho. – Ela sorriu e estendeu a mão direita de forma gentil em direção à mulher mais velha.

— Por favor, me chame de Izayoi. – A mão vacilante aceitou o cumprimento de Rin, e ela sorriu de volta. – Te vendo assim, de perto, já começo a achar que me enganei. Melissa é mais parecida com você.

Sesshoumaru riu, soltando o ar pelo nariz. – Ainda bem.

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Os quatro passaram a tarde sentados sob a brisa fria do jardim, tentando conectar um passado distante a um novo futuro. Izayoi dedicou-se a ouvir Melissa: suas brincadeiras preferidas, seus amigos da escola, a vida no campo, e cada detalhe sobre a menina que claramente a fascinava. Quando mais a menina tagarelava, mais os olhos negros pareciam encher-se de alegria.

Depois, quando Melissa pareceu cansar-se de tanto falar, Izayoi começou a contar sobre a infância de Sesshoumaru. Os olhos atentos de Melissa acompanhavam cada detalhe e os ouvidos estavam interessados em saber mais sobre o próprio pai. Todas as memórias, no entanto, tratavam de um passado distante, de mais de vinte anos atrás. Não havia nada sobre a adolescência dele, nem sobre os últimos anos. Sesshoumaru não sabia se a mãe havia propositalmente deixado de fora os eventos tristes dos anos em que ele se afastou, ou se sua memória não havia guardado nada desse período. De qualquer forma, era como se ela pudesse recontar, em minuciosos detalhes, fatos distantes, mas não pudesse se lembrar do dia anterior.

— Então quando Sesshoumaru descobriu que InuYasha estava apanhando de um valentão, na segunda série, ele defendeu o irmão. Levou três dias de suspensão por envolver-se em uma briga. – Izayoi riu, levando a xícara de chá aos lábios enrugados. – Imagine, bom aluno e perfeccionista como sempre foi, aquele foi o pior castigo que poderiam dar a ele.

Sesshoumaru abriu um meio sorriso, sentindo aquelas lembranças voltando à sua mente. Mas não demorou para que o olhar, perdido na grama, ganhasse um brilho de dor. Não conseguia saber em qual momento aquela criança havia se transformado em um adulto frio, capaz de despejar seu único irmão. Rin repousou a mão sobre a dele, percebendo a angústia que aquela lembrança o trazia.

— Eu também vou defender meu irmão. – Melissa falou, de forma orgulhosa.

Aquele comentário despertou Rin e Sesshoumaru, que a olharam imediatamente e, em seguida, trocaram um olhar confuso. Eles não haviam falado sobre o bebê com Melissa e tinham se certificado de que ela havia sido blindada de qualquer pista que denunciasse a gravidez de Rin. Então, como? De onde havia vindo aquele comentário?

— Tenho certeza que sim. – Izayoi sorriu. – Esse é o papel dos irmãos mais velhos.

— Quando eu tiver um irmão, eu vou ser a melhor irmã mais velha do mundo. – A menina completou, fazendo um alívio preencher o peito de Rin. Melissa não havia adivinhado que teria um irmão, mas não parecia desgostar da ideia.

O som dos pássaros cantando, no cair de tarde, preencheu o silêncio que pairou no ambiente. Izayoi deixou a xícara de chá de lado, encolhendo-se no xale azul marinho que envolvia seus ombros.

— Mãe, é hora de irmos. – Sesshoumaru encarou os ponteiros do próprio relógio, que indicava que já passava das cinco da tarde. – A senhora também deve se recolher. Está frio.

— Está bem. – Ela acenou. – Mas vocês vão voltar, não vão? -- O olhar ansioso buscou o rosto de Sesshoumaru.

— Sim, amanhã nós vamos voltar. – Ele aproximou-se dela, vacilando ao segurar as mãos enrugadas. – Eu quero que a senhora vá ao meu casamento. Acha que poderia fazer isso?

Izayoi desviou o olhar, parecendo subitamente ansiosa. Pensar em deixar o a casa de repouso, que havia sido seu lar por tanto tempo, parecia aflitivo, mesmo que fosse por apenas alguns dias. – Eu não sei, estou velha demais para viajar para tão longe...

— Por favor, vovó. – Melissa intercedeu, saltando da cadeira onde estava. – A senhora pode dormir no meu quarto.

— Eu venho buscá-la, para que viajemos juntos. – Ele explicou, de forma suave. – É importante para mim.

— Sabe... – Izayoi suspirou, soltando as mãos do filho. Esfregou de forma nervosa as palmas contra o tecido da calça clara que usava. – Você deveria falar com seu irmão. Talvez ele e Kagome possam me acompanhar na viagem.

Sesshoumaru sentiu aquelas palavras como um golpe. Era claro que a mãe havia disfarçado a conveniência da viagem em um pedido para que os filhos se reconciliassem. Ele não podia saber quanto a mãe lembrava do seu desentendimento com InuYasha, nem se tinha consciência da ausência e a própria distância que mostrava que ele e o irmão tinham perdido contato.

— Ele está morando perto daqui?

— Não, ele mora na Califórnia e... – Izayoi começou a contar de forma animada, mas subitamente parou. O olhar ficou perdido, como se estivesse tentando lembrar de algo. – Será que ele já voltou da viagem para a América do Sul? Eu não sei... você tem falado com ele? -- As sobrancelhas acinzentadas se uniram, e ela voltou a olhá-lo.

— Eu vou falar com ele, não se preocupe. – Sesshoumaru sentia a garganta arder, percebendo que, depois de tantos momentos de lucidez, Izayoi havia ficado confusa outra vez.

Ele sabia que InuYasha estava morando na Filadélfia, mas nunca havia perguntado onde ele se instalou, depois que brigaram. Pelo que os funcionários da casa de repouso disseram, o irmão havia se casado e vivia na cidade. Ele visitava Izayoi com bastante frequência, pelo que Sesshoumaru soube, o que talvez indicasse que sua casa não era tão longe da casa de repouso.

Os três se despediram de Izayoi, vendo a ansiedade surgir no rosto da mulher. Ela perguntou repetidas vezes se eles voltariam no dia seguinte, demonstrando não querer que eles partissem. Era quase como uma criança ansiosa pelo retorno dos pais para casa, e pensar naquilo fez o coração de Rin doer. O curso natural da vida já tornava os idosos vulneráveis, como se progressivamente voltassem aos comportamentos erráticos da infância. O Alzheimer potencializava esse ciclo em muitas vezes. Por não conseguir estabelecer um pensamento linear, Izayoi apegava-se desesperadamente aos acontecimentos e sentimentos do agora. Era como se ela soubesse que precisava aproveitar ao máximo o presente, pois ele seria apagado de sua memória assim que se tornasse passado.

Antes de sair pela recepção, Sesshoumaru consultou a ficha de Izayoi e conseguiu o endereço do irmão. Tirou uma foto das indicações da rua e o número, e guardou o celular no bolso.

No caminho de volta para casa, Melissa dedicou-se a fazer mais perguntas sobre o passado de Sesshoumaru. As histórias de Izayoi haviam aguçado a curiosidade da menina para saber mais sobre o pai.

— E quanto ao seu pai? -- Melissa quis saber, com os olhos atentos ao rosto de Sesshoumaru. – Eu também vou conhecer o vovô?

Ele sentiu o ar faltar no peito, e o velho sentimento de raiva de InuTaisho preencheu sua mente. Revisitar sua infância por meio das histórias da mãe já havia sido difícil, e ele tinha tentado manter distância das más lembranças relacionadas ao pai – ou da falta de lembranças, já que InuTaisho havia passado a maior parte do tempo ausente. Sesshoumaru nunca havia se interessado em saber qual havia sido o desfecho de seu pai. Não sabia se ele estava vivo, se havia desaparecido pelo mundo, ou se havia morrido de tanto beber. Quando era mais novo, aquela incerteza havia consumido Sesshoumaru e o transformado em uma pessoa fria. Agora, talvez, ele se sentisse melhor por não saber.

Ele balançou a cabeça negativamente. – Não tenho contato com seu avô desde que era criança.

— Então ele morreu? -- Ela torceu as sobrancelhas, parecendo confusa.

— Não sei dizer. – Sesshoumaru balançou os ombros.

— Eu queria conhecê-lo. – O desapontamento surgiu no rosto de Melissa, e Sesshoumaru sentiu-se culpado.

Levou tempo para que ele, quando menino, deixasse de se sentir culpado pelas idas e vindas do pai. Pensava se havia algo que pudesse fazer para que ele finalmente ficasse mais do que alguns dias. Tornou-se o melhor aluno da escola, dedicou-se à disciplina e transformou-se em um filho perfeito. Mas não havia comportamento que incitasse em InuTaisho a vontade de deixar o trabalho nas plataformas de petróleo, deixar a bebida de lado e estabelecer uma família, finalmente. Conforme crescia, Sesshoumaru parecia entender que nenhum esforço poderia mudar seu pai, e aquilo o enraiveceu. Libertou-se da culpa pela raiva, o que nunca era uma boa coisa de se fazer, porque em momentos como aquele a frustração voltava duplicada.

Assim que o táxi parou em frente à fachada envidraçada do hotel, eles perceberam o quão exaustos estavam. A pedido de Melissa, os três entraram em uma lanchonete, do outro lado da rua, e comeram uma pizza. A menina passou o jantar falando animadamente sobre as brincadeiras que pretendia propor à avó no dia seguinte, mas Sesshoumaru não conseguia se concentrar.

As memórias do pai, a briga com o irmão e o afastamento da mãe eram remoídos de forma constante na mente de Sesshoumaru. Ele encarava o aplicativo de celular que mostrava a rota de alguns poucos quilômetros até a casa de InuYasha, em um bairro vizinho. Ponderava repetidas vezes se conseguiria bater à porta do irmão. O que diria, no final das contas? Como passaria por cima de todo orgulho e ressentimento para desculpar-se? Como poderia reparar tantos erros e os caminhos tortuosos que os separaram? Sua mente insistia para que ele deixasse aquele encontro doloroso para o dia seguinte, mas o voo de volta para casa estava marcado para o meio da tarde. Não conseguiria visitar a mãe e encontrar o irmão em tão poucas horas, o que indicava que ele teria que enfrentar aquilo agora. Ou talvez nunca mais.

Os três saíram pela porta da lanchonete. O celular preso entre os dedos nervosos de Sesshoumaru não o deixava esquecer da curta distância até a casa do irmão.

— Sesshoumaru. – Rin chamou, percebendo que Melissa havia se adiantado alguns passos à frente, vislumbrada com as vitrines decoradas para o halloween. – Vá encontrá-lo, não é tarde demais.

Ele engoliu seco, sentindo a garganta arranhar. Olhou para a tela do celular outra vez, hesitante. – InuYasha é cabeça quente. Ele vai me receber mal, não vai ser como minha mãe. Ela não consegue se lembrar do que eu fiz, mas ele sim.

— Você precisa tentar. – Ela tombou o rosto, passando os braços em volta das costelas dele. – Além disso, você não é mais a mesma pessoa de antes. Talvez ele também não seja.

Sesshoumaru a abraçou, buscando conforto para a aflição de seu peito. Ficaram abraçados por um longo período, sentindo a brisa fria bater contra os corpos unidos e ouvindo apenas o som dos carros, das pessoas e da cidade.

Quando se sentiu encorajado o suficiente, ele se despediu de Rin e de Melissa. Acenou para um táxi, ainda na calçada, e partiu em direção à casa do irmão.

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Já eram mais de oito da noite quando o sedã de cor bege, decorado com uma faixa com o nome da empresa de táxi, parou na calçada da casa de InuYasha. O sobrado de dois andares ficava em uma vizinhança tranquila, bem parecida com a da casa de repouso onde Izayoi vivia. Sesshoumaru encarou a fachada cinza, percebendo que as luzes do andar de baixo e de cima estavam acesas. Seu coração batia fora de controle no peito.

Subiu as escadas de pedra adornadas por arbustos verdes até alcançar a porta. A mão vacilante tocou a campainha uma vez e aguardou, em uma espera torturante. Levou alguns instantes até que uma mulher abrisse a porta. Ela tinha os cabelos negros e lisos, que contrastavam com a pele clara. Os olhos escuros se arregalaram assim que enxergaram Sesshoumaru e a boca se entreabriu, em clara surpresa.

Só então Sesshoumaru notou que ela tinha nos braços um menino que parecia ter pouco menos de dois anos. Os cabelos prateados, assim como os dele, não deixavam dúvidas de que aquele era seu sobrinho. Ao ver a surpresa estampada no rosto da mãe, o menino resmungou e se mexeu de forma impaciente.

— Procuro por InuYasha. – Ele sibilou, sentindo dificuldade para respirar.

— InuYasha. – Kagome chamou, chocada demais para tirar os olhos de Sesshoumaru. – Seu irmão está aqui.

Embora nunca tivesse visto Sesshoumaru pessoalmente, e embora InuYasha falasse pouco do irmão, Kagome soube imediatamente quem aquele homem era. Sesshoumaru era mais alto e mais corpulento que o irmão, mas a cor dos cabelos e dos olhos não deixava dúvida alguma. Para completar, o olhar ansioso de quem tinha assuntos mal resolvidos de longa data para tratar também denunciavam o cunhado.

— Por que você não entra e espera? Está frio aí fora. – Kagome convidou, abrindo espaço para que ele passasse pela porta.

Antes que Sesshoumaru colocasse o primeiro pé para dentro da soleira da porta, InuYasha apareceu no topo das escadas.

— Não. – InuYasha negou. A voz soou como um trovão no átrio das escadas, espalhando-se por todo andar inferior.

Ele pulou os últimos degraus, alcançando a porta como um raio. Murmurou para que Kagome os deixasse a sós e fechou a porta atrás de si, deixando a mulher perplexa prostrada do lado de dentro. Sesshoumaru recuou um passo para tomar distância, descendo um dos degraus da entrada. Sentia-se acuado e arrependido de estar ali.

— O que você está fazendo aqui? -- InuYasha questionou. Os olhos dourados eram duros como pedra.

Sesshoumaru engoliu seco, fazendo a linha da mandíbula se tornar mais evidente. Havia ensaiado tantas coisas para dizer, mas nada vinha à sua mente. Não sabia o que falar. A raiva, a culpa e o ressentimento se misturavam em seu peito, tirando sua capacidade de reagir à postura agressiva do irmão.

— Eu vim ver Izayoi. – A voz serena ganhou traços de frieza que remetiam ao velho Sesshoumaru.

— Você o quê? -- InuYasha cerrou os olhos, cruzando os braços na altura do peito. – Com qual direito?

— Ela também é minha mãe. – Ele reagiu, estreitando os olhos.

— Assinar um cheque todo mês para pagar o asilo não te faz filho dela. – InuYasha fechou os punhos com força, desfazendo o gesto frente ao peito.

A frase veio como um soco no estômago para Sesshoumaru. Lembrou-se de quando Rin havia dito algo parecido sobre Melissa, logo quando ele reapareceu em Lovebelt. Era doloroso, mas era verdade. O dinheiro não servia para formar um vínculo válido com ninguém, muito menos com sua mãe, ou com sua filha. Por muito tempo, achou que as cifras podiam compensar sua ausência na vida das duas, mas agora percebia o estrago que havia cometido.

— Eu queria que minha filha a conhecesse. – Sesshoumaru sibilou.

Pela primeira vez desde que havia visto o irmão, InuYasha pareceu vacilar. Obviamente não poderia imaginar que o irmão havia tido uma filha, e tampouco sabia sobre toda a história com Rin.

— Sua esposa esnobe deixou a cobertura de Manhattan para vir até aqui, ou só mandou você para se retratar pelo que fez? -- A trégua durou menos do que instantes, antes que InuYasha se lembrasse de todo o episódio lamentável do casamento. – Achei que ela tivesse vergonha demais para permitir que a filha conhecesse a avó doente.

Sesshoumaru suspirou profundamente. – Não estou mais casado com Rebeca. E Melissa não é filha dela.

InuYasha torceu as grossas sobrancelhas, sem conseguir compreender. Não podia imaginar o motivo para o irmão aparecer na sua porta sem aviso, em uma noite fria, tampouco podia adivinhar as razões para que ele se explicasse daquela forma. No final das contas, não importava.

— Quer saber? Não faz diferença. – Ele rangeu os dentes, demonstrando irritação. – O que você quer? Resolveu torturar minha mãe para aliviar sua culpa?

Outra sensação de soco no estômago. Não sabia bem os motivos que o haviam levado a pensar em reparar os erros com sua família – talvez fosse o casamento, ou o fato de Rin estar esperando outra criança. A verdade é que Sesshoumaru não teve esse mesmo remorso quando se casou pela primeira vez e nem quando soube que Rin esperava Melissa. Ao contrário: esses dois fatores só o fizeram se afastar mais das pessoas que amava. Então por que tudo havia mudado agora? Estaria ele tentando aliviar a própria culpa reaparecendo como um fantasma na vida da mãe e do irmão?

— Eu quero dar a Melissa a chance de tê-la por perto. – A voz rouca vacilou, demonstrando o quanto aquilo o perturbava.

— Você deu à minha mãe a chance de estar por perto? -- InuYasha riu com sarcasmo. – Ou será que estava ocupado demais tentando escondê-la da merda da sua nova família rica? Envergonhado demais por ela ter Alzheimer e estar fora de órbita? Tentando escondê-la por ela ser só uma professora aposentada do subúrbio?

Sesshoumaru travou os dentes, tentando conter a vontade de reagir de forma raivosa. InuYasha estava escancarando todos os erros que ele cometeu, e o ressentimento acumulado fazia com que o irmão adotasse o método mais cruel possível para fazer isso. Em outros tempos, Sesshoumaru já teria dado as costas, deixando o irmão proferindo impropérios para o nada. Mas ele sabia que merecia ouvir tudo aquilo.

— As coisas são diferentes agora. – Ele murmurou. – Estou tentando reparar as más decisões que cometi.

— Ah, pelo amor de Deus... – InuYasha passou as mãos pelos cabelos da nuca de forma nervosa, dando uma volta completa pela área avarandada da frente da casa. Conhecendo o gênio do irmão, Sesshoumaru estava surpreso por não ter recebido um soco ainda. – Você fez merda, Sesshoumaru. Uma merda atrás da outra, até que tudo estivesse tão ferrado a ponto de não ter reparo.

— Você quer que eu me rasteje? -- Sesshoumaru comprimiu os olhos dourados, sentindo a raiva ganhar espaço. – Quer que eu implore o seu perdão?

— Agora sim eu estou vendo você. Eu sabia que essa máscara de cão arrependido não iria durar muito. – As palavras amargas continuavam cortando Sesshoumaru.

Ele subiu o degrau mais uma vez, aproximando-se do irmão. InuYasha aumentou a força nos punhos cerrados, fazendo com que as veias aparecessem ainda mais sob a pele.

— Você não me conhece. – Ele falou, entre os dentes. – Não sabe pelo que eu e Izayoi passamos. Você era novo demais para se lembrar.

— E daí? O fato de nosso pai ser um babaca não te dá o direito de ser pior do que ele. – InuYasha aumentou o tom de voz, avançando alguns centímetros até que eles se encarassem frente a frente. – Eu era pequeno, mas eu me lembro das bebedeiras dele. Lembro das vezes em que ele aparecia, limpava cada centavo de Izayoi e depois sumia, sem avisar. Por lembrar disso, eu quis proteger a mamãe. Também quis ser um pai diferente para o meu filho. Eu não virei um imbecil, como você.

— Eu acreditava que ganhando dinheiro e sendo bem-sucedido eu me diferenciaria de InuTaisho. Achei que o problema dele era esse: o dinheiro. Mas aquele infeliz poderia ter ganhado na loteria, e mesmo assim não voltaria para a família dele.

— Você fez o mesmo, Sesshoumaru. – InuYasha acusou, levantando as mãos de forma exasperada. – Você encheu o bolso de dinheiro, com aquele casamento de fachada e com toda a puxação de saco do seu sogro rico. Só que no momento em que conseguiu seu bilhete de loteria, você decidiu que ia dar um pé na bunda de todo mundo que se importava minimamente com você.

As palavras, jogadas como flechas na direção dele, fizeram Sesshoumaru recuar. Ele deu um passo atrás, como se estivesse sendo massacrado aos poucos pela verdade dita da forma mais dura por InuYasha.

— Vendo você aqui, eu me pergunto pra onde foi tudo isso. A alta sociedade de Nova York te mastigou e cuspiu fora, é? Sua família rica descobriu que você era só um zé-ninguém tentando se misturar?

— Já chega, InuYasha. – Kagome abriu a porta de uma vez, denunciando que estava ouvindo toda a conversa. A figura franzina se agigantou frente aos dois, com uma postura firme. – Ele é seu irmão.

O silêncio imperou. A tensão do ambiente era palpável, como se pudesse ser cortada com uma tesoura. Sesshoumaru começou a se sentir envergonhado por estar ali tentando reparar o que aconteceu. As palavras de InuYasha deixavam claro que não havia, mesmo, como voltar atrás. A mágoa do irmão não seria remediada por um pedido de desculpas ou por uma promessa sincera de mudança. Sendo assim, ele deu as costas, descendo os degraus frios.

— Sesshoumaru. – Kagome chamou. Assim que ele se virou, viu o pequeno menino andando de forma cambaleante até a mãe. Ela o pegou no colo, abrindo a porta completamente. – Entre, venha tomar um café.

— De jeito nenhum. – InuYasha colocou-se entre Sesshoumaru e a porta, ocupando o espaço que havia sido aberto pela mulher.

— Por Deus, InuYasha, pare de se comportar como uma criança. – Ela o repreendeu como se estivesse mesmo dando uma bronca em uma criança.

— Agradeço o convite, mas eu não vim ficar. – Ele firmou os pés na calçada, olhando Kagome brevemente. – Eu vim aqui porque vou me casar em um mês. Quero que nossa mãe esteja lá. E... – Sesshoumaru sentia como se tivesse um bolo na garganta. Forçou-se a engolir aquele incômodo. – Gostaria que você e sua família estivessem lá.

— Nem morto. – InuYasha ralhou, cruzando os braços.

— InuYasha! – Kagome o repreendeu. Se pudesse afundar a cabeça do marido na calçada, ela o faria. – É muito gentil da sua parte, Sesshoumaru. Obrigada.

Ele olhou o irmão pela última vez, recebendo um olhar de desprezo em retorno. InuYasha ergueu o queixo, olhando-o por baixo dos cílios.

Sesshoumaru acenou brevemente para Kagome e deu as costas, andando pela calçada. Mergulhou os punhos cerrados nos bolsos do casaco, sentindo-se derrotado. Achava que o encontro com o irmão seria ruim, mas aquilo havia sido pior do que qualquer cenário imaginado. InuYasha pregou a última estaca no peito de Sesshoumaru, comprovando aquilo que ele se recusava a admitir: havia se tornado um homem pior que o próprio pai, pessoa a quem ele sempre atribuiu a culpa pela frieza, distância e apatia da sua personalidade.

No fim das contas, precisava admitir que havia tomado todas as decisões que tomou por conta própria. Seu pai, afinal, era um homem alcóolatra, que não conseguia colocar qualquer necessidade antes do próprio vício. Apesar de não ser capaz de perdoá-lo, Sesshoumaru sabia que talvez InuTaisho não tivesse plena consciência das consequências de seus erros. Já Sesshoumaru sabia. Ele havia optado por seguir no caminho que o assemelhava ao seu pai, mesmo sabendo o estrago que aquele comportamento poderia fazer na vida das pessoas próximas.

Sesshoumaru entrou pelo quarto de hotel como uma sombra, encontrando o ambiente iluminado somente pela luz que vinha da rua. Melissa dormia em uma cama de solteiro, no canto do quarto, abraçada com seu fiel urso de pelúcia. Já Rin sentou-se na cama assim que ele entrou. Apesar de estar exausta, ela não havia conseguido dormir, imaginando como havia sido o encontro entre Sesshoumaru e o irmão.

Ele tirou o casaco e a blusa de lã que vestia, expondo o torso nu. Sentou-se na beirada da cama de forma pesada, tirando os sapatos. Apesar de o quarto estar escuro, Rin conseguia enxergar o semblante ressentido dele. Ela abraçou-o pelas costas, apoiando o rosto na curva do pescoço de Sesshoumaru. Ele segurou as mãos dela, espalmadas sobre seu peito, e respirou fundo. Estar ali com Rin fazia a aflição em seu coração diminuir, mas não era capaz de remediar as feridas causadas pelas palavras do irmão.

— E então? -- Ela sussurrou, sabendo que a resposta não seria boa.

— Foi pior que eu esperava. – Ele admitiu, desvencilhando-se do abraço de Rin. Pegou uma calça de moletom na mala e uma camiseta de algodão.

O coração de Rin pareceu diminuir, sentindo pesar por vê-lo tão magoado. Ela recuou, dando espaço para que ele se deitasse na cama, e assim Sesshoumaru o fez.

— Talvez seja necessário um pouco mais de tempo para que vocês possam conversar sem ressentimento. – Ela apoiou o rosto sobre o peito dele, sentindo os dedos gentis afagando seu cabelo.

— Duvido muito. – Sesshoumaru suspirou. – Ele foi bastante... enfático.

— Você tentou se aproximar. Tempos atrás, você sequer teria tentado. – Os dedos dela passavam pelas costelas de Sesshoumaru em um movimento de vai-e-vem.

— Não foi suficiente. InuYasha acha que eu continuo sendo a mesma pessoa de antes. – Ele levou o outro antebraço até a parte de trás da cabeça, encarando a escuridão que cobria o teto do quarto. – E ele tem razão.

— O quê? -- Rin levantou o rosto, apoiando-se sobre os cotovelos. – Isso não é verdade.

— Eu posso ter me divorciado, deixado a vida de antes para trás, e até ter voltado a ter contato com minha mãe. Mas nada disso vai apagar o que aconteceu. – O tom de voz amargurado e frio voltou a tomar Sesshoumaru, e ela sentiu o coração encolher ainda mais.

— Eu sei disso. – Rin olhou-o de forma direta, fazendo com que ele engolisse seco. Era claro que ela sabia. Rin foi uma das pessoas afetadas pelos erros e pela ausência de Sesshoumaru. Obviamente, ela, melhor que ninguém, sabia que não dava para voltar o tempo, consertando todos os rumos errados e apagando todo o sofrimento. Nada que ele fizesse também mudaria os primeiros quase seis anos de vida de Melissa. Mas ela havia visto Sesshoumaru mudar, e confiava que ele poderia construir pontes com seu passado. – Você abdicou das coisas que fizeram você se afastar das pessoas que te amavam. Agora é hora de tentar se reaproximar.

— E se as pessoas não quiserem? Ninguém é obrigado a perdoar. Nem todos conseguem passar por cima do ressentimento acumulado em anos.

— Não se esqueça que InuYasha é sangue do seu sangue. É muito difícil ignorar completamente o pedido de perdão de alguém da família. Ele pode ser cabeça-quente, mas não vai virar as costas para você.

— Espero que você esteja certa. – Ele fez sinal para que ela voltasse para perto dele, e assim Rin o fez.

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Na manhã seguinte, Melissa saltou da cama logo quando os primeiros raios de sol apareceram. Exausta depois de tantos acontecimentos, a menina havia dormido cedo na noite anterior, mas agora parecia ter recarregado completamente as baterias. Ela enfiou-se entre o cobertor dos pais, insistindo para que eles acordassem.

Depois de tentativas de convencer Melissa a dormir até um horário minimamente normal, Rin e Sesshoumaru foram derrotados. Levantaram-se da cama, começando a rotina de arrumação antes de visitar Izayoi. Deixaram as malas prontas, para que pudessem partir direto da casa de repouso para o aeroporto, e assim ganhar mais tempo na visita. Tomaram café ouvindo as tagarelices de Melissa, que alternava entre a empolgação com o encontro com a avó e a ansiedade com o casamento dos pais.

Rin havia acordado indisposta, com o estômago dando voltas. Tentou esconder seu mal-estar ao máximo, mas sua completa falta de vontade de tocar qualquer coisa do bufê de café da manhã a denunciou.

Sesshoumaru esperou Melissa levantar-se para pegar mais um pedaço de bolo de cenoura para dirigir-se a Rin. – Não se sente bem?

— Estou bem. – Ela mentiu, encostando o verso dos dedos suavemente sobre os lábios. – Não tenho fome.

— Está enjoada? -- Sesshoumaru insistiu, segurando a mão dela por cima da mesa

Rin acenou positivamente. – Mas está tudo bem, não se preocupe.

Assim que Melissa voltou, serelepe demais por ter conseguido adicionar calda de chocolate à sua fatia de bolo, Sesshoumaru levantou-se e buscou um chá para Rin. Entregou a xícara fumegante para ela, que agradeceu de forma gentil.

Terminaram de comer e embarcaram em outro táxi, fazendo o mesmo caminho para a casa de repouso. Ao contrário do dia anterior, aquela manhã estava nublada, e as nuvens pesadas indicavam que a chuva viria logo. Chegaram ao destino perto das oito da manhã, encontrando o mesmo ambiente de completa paz. Na recepção, ao invés de encontrarem Stella, eles se depararam com uma moça mais jovem, de vinte e poucos anos, com cabelos ruivos. Ela avisou que Izayoi ainda estava tomando café, mas que depois se juntaria a eles no salão de visitas. Eles esperaram por alguns minutos, tentando administrar a ansiedade de Melissa.

Izayoi apareceu na porta, acompanhada de uma cuidadora. Ela usava uma bengala com quatro pequenos apoios, que pareciam dar mais firmeza para seu andar. Assim que a viu, Melissa sorriu e correu para abraçá-la.

— Devagar, devagar. – Rin recomendou, temendo que a filha derrubasse a avó em meio a tanta euforia.

A menina desacelerou antes que se chocasse com Izayoi e abraçou-a gentilmente, sendo envolvida pelos braços franzinos da avó. A mulher sorriu, cumprimentando Melissa com um demorado beijo na bochecha.

Ao ver a cena, Sesshoumaru ficou aliviado. Temia que a mãe não se lembrasse de Melissa, que não correspondesse o abraço da menina por não reconhecê-la. Mas de forma surpreendente, não só ela havia lembrado de Melissa, como começou a conversar de forma animada, dando continuidade a assuntos do dia anterior.

As duas passearam pelo jardim da casa de repouso. Melissa acompanhava os passos curtos da avó, estendendo a mão diante de qualquer degrau ou pequeno obstáculo que tivesse que ser vencido. Quando o meio-dia se aproximou, Rin chamou a filha.

— Por que você não me mostra o canteiro de rosas? -- Ela perguntou, ajeitando o cachecol verde-água que Melissa usava.

— Mas eu quero aproveitar o tempo com a vovó. – Melissa protestou, encarando o chão.

— O papai precisa ficar um tempo a sós com a vovó, para conversarem. – Rin explicou de forma paciente, vendo a filha concordar, ainda que de forma contrariada.

Assim que elas saíram, Sesshoumaru ofereceu o braço para que a mãe se apoiasse. Ela envolveu a curva do antebraço dele com os dedos trêmulos, olhando-o fixamente. Aquele era um sinal de que ela também havia se lembrado do filho. Ao olhá-lo sob aquela ótica, Izayoi não evitou a lembrança de InuTaisho.

— Você é tão parecido com seu pai... – Ela comentou, sem imaginar o quanto aquelas palavras eram capazes de feri-lo.

Ele engoliu seco, permanecendo em silêncio. Sabia que seus traços eram muito parecidos com os do pai, assim como os de InuYasha. É como se a genética tivesse pregado uma peça nos dois irmãos, como se a aparência deles no espelho fizesse questão de lembrá-los para o resto da vida da presença do pai em suas vidas.

— Você fez um ótimo trabalho com Melissa. – Izayoi mudou de assunto, parecendo finalmente notar quanto a comparação havia incomodado. – Ela é uma doce menina.

Sesshoumaru pensou em contar para a mãe que ele não tinha participação alguma na ótima criação de Lissy. Pensou em contar que havia cometido o mesmo erro do pai, deixando a própria filha de lado por anos. Pensou em contar que estava tentando reparar aquilo, e que tinha tido muita sorte por Melissa tê-lo aceitado em sua vida – coisa que ele, Sesshoumaru, provavelmente não seria capaz de fazer por InuTaisho. Mas percebeu que aqueles fatos provavelmente magoariam a mãe, trazendo de volta lembranças dolorosas. Izayoi havia vivido a mesma dor de Rin: a de ser abandonada e ter que assumir completamente a responsabilidade materna.

— Rin está esperando outro filho. – Ele comentou, parando para observar a paisagem por uma das enormes janelas.

— Que ótima notícia! – Izayoi exclamou, reunindo as mãos frente ao peito. – É como dizem: irmãos são os nossos primeiros e mais duradouros amigos. Fico feliz por Melissa não ficar só.

Sesshoumaru sentiu um gosto amargo na boca, lembrando-se da noite anterior. Ficou em silêncio outra vez.

— InuYasha reagiu mal quando você o procurou, não foi? -- Ela perguntou, fazendo com que os olhos de Sesshoumaru deixassem a paisagem para olhá-la. Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso. Não sabia exatamente como, mas a mãe parecia ter recuperado uma clareza que ele não via há muitos anos. – Cabeça quente como é, deve ter te falado meia dúzia de palavrões. – Izayoi balançou a cabeça negativamente, condenando a postura do filho mais novo.

— Se ele não quiser ir ao casamento, eu virei buscá-la. – Sesshoumaru colocou a mão sobre os dedos de Izayoi repousados em seu braço. – Não se preocupe.

— Oh, você quem não deve se preocupar. – Ela sorriu, evidenciando ainda mais as rugas em volta dos olhos. – Seu irmão vai resistir, vai xingar e vai brigar. Mas no final das contas, ele vai ceder. Você o conhece. – Deu de ombros.

Ela repetiu as mesmas palavras que Rin havia dito na noite anterior, mas Sesshoumaru estava cético. Não conseguia imaginar seu irmão passando por cima do orgulho e atravessando metade do país para ir ao seu casamento. Aquilo era um pouco demais.

Sesshoumaru passou mais um tempo conversando com a mãe sobre a vida no Kansas, sobre a família de Rin e sobre o seu novo trabalho com Miroku. Contou, ainda, que Melissa não sabia da gravidez de Rin e pediu que a mãe guardasse segredo – muito embora seu lado racional imaginasse que a mãe se esqueceria daquilo, de qualquer forma. O assunto mudou de curso assim que Melissa juntou-se à conversa. A menina contou mais detalhes sobre a fazenda, sobre como o trigo crescia, e sobre todas as coisas que seu avô, Takao, a havia ensinado.

O horário do voo de volta se aproximava, e Rin precisou lembrá-los de que era hora de partir. Melissa despediu-se tristemente da avó, sentindo os olhos ficando repletos de lágrimas. Izayoi também não conseguiu conter o choro, abraçando a menina de forma demorada. Rin apertou a mão de Sesshoumaru, vendo-o sofrer com a cena.

— Eu vou voltar, ok? -- Ele agachou-se frente à mãe, segurando as duas mãos dela – Nós vamos nos encontrar. Nós todos.

— Está bem, meu filho. – Izayoi inclinou-se para beijar a testa de Sesshoumaru, depositando, em seguida, um longo beijo em seu rosto. – Eu estarei esperando. – Ela secou as lágrimas com a parte alta do pulso, molhando a borda da manga da blusa de lã preta que usava.

Ele beijou as costas de cada uma das mãos dela e levantou-se, segurando a mão de Melissa, que continuava a transbordar em lágrimas. Acenaram uma última vez, seguindo na direção da porta do salão. Melissa olhava por cima dos ombros, sem conseguir desligar-se da avó.

— Sesshoumaru? -- Izayoi chamou, apoiando-se na bengala para ficar de pé. Ele parou de andar, olhando-a. – Eu tenho muito orgulho de você. Não se esqueça disso.

Espero que você não se esqueça disso, mãe, ele pensou. Abriu uma linha de sorriso no rosto, acenando com o rosto uma última vez. Melissa deu outro tchau, balançando os dedos no ar, e continuou a andar com o pai até a porta. Assim que passaram pela recepção da casa de repouso e que colocaram as malas no carro, Sesshoumaru sentiu como se tivesse feito mais uma ponte com seu passado.

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Oi, gente! Como vcs estão?

O que acharam deste capítulo? Eu, particularmente, estou orgulhosa de Sesshoumaru. Ele realmente está tentando construir pontes com o passado, mas nem sempre é fácil, né? O InuYasha não deu moleza pra ele...

Nosso esperado casamento está chegando, e Rin continua sem seu vestido de noiva. Pra quem quiser ver o vestido que descrevi neste capítulo, ele está aqui. Contem-me o que acharam do vestido, também :)

Eu calculo que faltam 3 ou 4 capítulos para o fim da história. Terei algumas folgas nas próximas semanas e pretendo tentar terminá-la. Provavelmente teremos um novo capítulo antes do fim do ano.

Sugestões sobre a história e comentários são muito bem-vindos e, claro, são um baita incentivo. Agradeço quem puder gastar um minutinho pra compartilhar as impressões comigo.

É isso. Feliz Natal a todos e até breve :)


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