Em Algum Lugar do Passado escrita por Pat Black


Capítulo 2
Ela disse... Ele disse...




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/65370/chapter/2

Ela disse... Eles disse...

 

2008

Sam colocou a caixa de ferro na prateleira com cuidado. Aquela tinha sido a última. O cofre anterior onde o pai guardava as pragas e feitiços contidos, bem como armamento e suvenires de suas caçadas e de sua família, já não era mais seguro. Não depois de Bella o ter descoberto e mandado roubar o pé de coelho.

Nossa, não queria nem lembrar a sua má sorte naquela aventura. Quando se lembrava do sufoco que tinha passado, do tiro que Bella lhe dera e que ainda latejava sob o curativo tosco que o irmão tinha feito, sentia-se feliz de ter o Dean ao seu lado.

 

1920

“A Viúva Collins esteve aqui pela amanhã e contou-me sua preocupação com as loucuras do Sr. Lewis.”

“A viúva Collins é uma alcoviteira mamãe.” Respondeu a sua filha mais velha colocando uma cesta de pão sobre a mesa e se afastando apressada para que a mãe, que se aproximava com a terrina de sopa, fizesse o mesmo.

 

 

Dando uma olhada ao redor Sam afastou-se em direção ao irmão que fuçava no conteúdo de uma caixa de madeira.

- O que foi Dean?

- Encontrei alguns livros antigos. Seria legal levar alguns para o Bobby

- Não sei não... São as coisas do papai...

- O papai não iria se importar. – Dean respondeu convicto e em um tom

que não admitia contestação.

 

 

“Rebeca!” – A repreensão da mulher mais velha não escondia o quanto lhe custava manter a voz firme e não rir sempre que a filha fazia um de seus ácidos, diretos e mal educados comentários. “Sempre me pergunto a quem você saiu?”

“Eu também Sra. Taylor... Perco muitas noites de sono tecendo inúmeras possibilidades.” Rebeca acercou-se da mãe, rodeou-a com seus braços e encostando o queixo no ombro roliço continuou. “A mais provável, em minha opinião, é que uma sábia e bondosa fada resolveu lhe pregar uma peça e levou uma filha tola, para lhe presentear com uma esperta, vivaz e inteligentíssima garota... Eu.”

 

 

De repente Dean se ergueu com um livro pequeno nas mãos.

Apesar de velho e empoeirado, o desenho na capa, em tinta dourada formando um lindo intricado arabesco, chamava muito atenção.

Dean o revirou nas mãos por um segundo antes de abrir para constatar que o pequeno encadernado estava coberto por uma linda letra redonda e firme.

- Um diário. - O mais velho descobriu pensando por um momento que poderia ser de sua mãe. Mas a data no topo de uma das folhas lhe arrancou aquela pequena esperança. - 1920.

 

 

Um riso cristalino do outro lado da mesa aqueceu o coração das duas mulheres, além de retirar o Sr. Taylor do alheamento de seu mais novo livro.

“É mais fácil uma bruxa ter deixado você como um castigo.” Disse a jovem que rira, apoiando o queixo sobre as mãos na mesa, os olhos brilhando humorados.

Rebeca mostrou a língua para a jovem de quinze anos, loira e delicada sentada ao lado do pai à mesa e apressada tomou o seu assento, seguida pela mãe.

O Sr. Taylor, calado até aquele momento como era de sua natureza, fez uma pequena prece e logo estavam todos se servindo.

 

 

Sem dar muita atenção aquela descoberta do irmão, Sam abaixou-se e começou a dar uma olhada nos livros da caixa. Bobby poderia ficar com a maioria, mas seria bom acrescentar um ou dois ao acervo particular dos dois.

De repente o riso cristalino do irmão inundou o ambiente e Dean não ria assim há muito tempo. Logo Sam ergueu o rosto atônito para ainda encontrá-lo com o velho diário nas mãos.

 

 

“Como estava contando” continuou a Sra. Taylor “A viúva Collins disse que o Sr. Lewis está agindo muito estranhamente.”

“O Sr. Lewis é apenas um excêntrico mamãe. Essa sua amiga deveria se preocupar mais com a mania que o marido tem de secar toda garrafa que aparece em sua frente e de fazer visitas a cidade de Andover três vezes por semana.” Rebeca falou colocando mais sopa para a irmã que ultimamente não comia muito.

“Rebeca.” O Sr. Taylor suspirou. A filha mais velha soube então ter passado do limite.

“Desculpe papai.” murmurou sem graça.

“O que ele fez dessa vez mamãe?” A mais nova perguntou sorrindo do olhar exasperado de Rebeca.

Como o oposto de sua irmã, Elisabeth adorava ouvir os mexericos da vizinhança e a viúva Collins sempre tinha as melhores histórias para contar.

 

 

- O que foi tão engraçado? – Sam perguntou percebendo os olhos do Dean correndo pelas folhas velhas, amareladas e ressequidas do velho diário.

- Gostaria de ter conhecido essa garota.

- Que garota?

- A dona do diário. – Dean respondeu abrindo outro sorriso, um daqueles verdadeiros que chegavam aos seus olhos iluminando todo o seu rosto e isso fez Sam sorrir também.

 

 

“Para completar a sua lista de esquisitices, hoje Lewis entrou na mercearia do John, tremendo, todo sujo de lama, segurando uma picareta e comprou metade do estoque de sal da loja, bradando a quem quisesse escutar que o mal estava em Lynn”

“E uma nova caça às bruxas vai começar por causa disso?” Rebeca perguntou exasperada com a total falta do que fazer das pessoas daquela cidade.

“Beca, não lembra da Sara Johnson? Ela também ficou louca antes de morrer e vivia falando sobre o mal, espíritos ruins e assombrações.” Beth se arrepiou, fazendo o sinal da cruz.

“O Jeremias sempre foi estranho e a Sara, coitada, quem não ficaria louca após perder a família inteira naquele incêndio?” Rebeca respondeu em um tom ameno para a irmã caçula.

Olhando para a sopa pensou que aquele comportamento não era nenhuma novidade em um lugar como Lynn, tão próximo a Salém. A cidade vizinha ainda possuía má fama. Não era à toa que aquela região havia sido o centro, a pouco mais de um século, de uma das piores loucuras e sandices da história no país.

Lembrando do excêntrico Sr. Lewis, pensou que muitos também lhe consideravam um tantinho louca.

Em seus vinte e três anos, Rebeca já era considerada uma solteirona e não ligava a mínima para isso. Sua vida era alegre, cheia de afazeres, livros, longos passeios e em ensinar a sua irmã. Seu maior sonho seguia sendo abandonar os limites daquela pequena cidade e viver aventuras como as descritas na Odisséia que surrupiara da biblioteca do pai...

 

 

- Escuta só isso. - Dean falou começando a ler o trecho que lhe chamara a atenção – “Elisabeth me perguntou hoje como são feito os bebês... Fiquei indecisa sobre lhe contar a verdade ou inventar uma mentira bonita... No final, vendo seu sorriso angelical e aqueles imensos olhos verdes me encarando inocentes, a verdade me pareceu muito cruel... A levarei ao curral quando a bobinha for mais velha para compreender e não se assustar tanto com essa triste verdade da vida... Afinal, uma imagem diante de uma pergunta como essa, vale mais do que milhares de palavras...

- Sua alma gêmea Dean – Sam respondeu rindo - Me lembro quando lhe fiz a mesma pergunta e você quase me traumatizou com a resposta...

 

 

Mas o sonho que tinha de correr o mundo esbarrava no amor por sua família e em especial por sua irmã... Pena que para Beth a vida parecia se resumir a vestidos novos e a lançar olhares melosos para o jovem Brian toda vez que saíam do culto de domingo... A irmã nunca a acompanharia em suas loucuras... Diferente de Rebeca, a caçula desejava namorar, noivar e casar...

Não que homens não lhe chamassem atenção, mas Rebeca sabia que assim que se deixasse vencer pelos constantes conselhos da mãe em achar um marido, estaria presa a Lynn para o resto de sua vida e isso era tudo que não desejava.

“O Jeremias nunca foi muito certo e desde a morte da esposa mudou muito.” Disse o pai Le arrancando de seus devaneios. “Deixemos as loucuras dele e da viúva Collins de lado e apreciemos esse lindo jantar...”

O pai continuou a falar, porém Rebeca já não conseguiu escutar... Algo estava errado....

 

 

Enquanto falava, Sam viu algo brilhar e deslizar de dentro do livro em direção ao chão. Por reflexo agarrou o objeto. Uma pulseira de prata com vários pingentes.

Assim que Sam fechou sua mão na pulseira prateada sentiu uma tremenda carga elétrica em todo o seu corpo e sua cabeça ricocheteou como se alguém tivesse aberto sem aviso uma porta dentro dela. E aquela sensação perdurou o dia inteiro.

A noite teve febre e sobre os cuidados atentos do irmão delirando sonhou com viúvas, homens com picaretas, além de sacos e sacos de sal.

 

 

Assustada Rebeca largou a colher e levou as mãos à cabeça se erguendo ao sentir a primeira pontada. A princípio pareceu como se alguém tivesse batido em sua testa com a mão fechada... Em seguida com um martelo... Até que a sua cabeça parecia prestes a explodir.

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!