Heróis de Cristal - Cidade em Chamas escrita por Ricardo Oliveira


Capítulo 11
Preço




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— Ei. – Oliver acenou, um pouco sem graça. A mesa redonda de Mortimer tinha alguns rostos conhecidos e outros nem tanto. Sua irmã, é claro, estava lá, sentada ao lado de Kylie, que fez uma expressão curiosa ao vê-lo.


Kylie sempre fora fascinante. Assim como Oliver, dificilmente falava tudo o que pensava, se resumindo em ironias pouco reveladoras. Os olhos faiscantes eram ligeiramente atraentes e muito misteriosos. Ainda assim, ele a conhecia bem demais e não ignorava quão atenciosa e leal a amiga era por trás daquela máscara que ostentava.


A empolgação de Mortimer em tê-lo ali transbordava tanto que ele não precisava de seus sentidos para sentir ao seu lado. Infelizmente, Oliver podia notar que uma pessoa na mesa divergia daquela opinião. Assim como com Mortimer, aquilo estava tão estampado na cara dela que ele notaria de qualquer maneira.


— Oliver! – Kylie cortou o que ameaçava ser um longo período de silêncio, notando a reação da amiga tão bem quanto Oliver. – Luna estava falando sobre você.


Mortimer se agitou, entendendo a deixa e decidido a manter o clima entusiasmado: - Antony, Mariah, esse é o Oliver. Oliver, esses são… Bom, Antony e Mariah.


Os dois acenaram para ele, murmurando um breve “olá” tímido. Ele notou que já tinham ouvido falar muito dele, só não era capaz de dizer se os rumores eram bons ou ruins. Imaginou sobre o que falavam em sua ausência. Estranhamente, a ideia de que seus amigos tivessem novos amigos bons o suficiente para dividir um cantinho especial o deixava com ciúmes.


— Belo… vestido. – Oliver arriscou, na direção de Molly, que decididamente evitava olhar diretamente para ele. A expressão fechada dela o assustava mais do que doze vulcões, mas ainda assim, ele sentiu que precisava fazer alguma coisa.


— Belo vestido?! – Ela esbravejou em fúria, esquecendo que tentava ignorá-lo. Algumas cabeças ao redor do salão se viraram para eles, pressentindo uma confusão.


— Você não precisa gritar… - Recuou, arrependendo-se instantaneamente. Não podia culpar ninguém além de si mesmo. Molly nunca tinha se reprimido quanto ao que sentia, falava o que precisava e quem não gostasse que se danasse. Ele não tinha nada contra aquele traço de personalidade, exceto quando era a vítima.


— Eu não estou gritando!! – Tornou a gritar, atraindo mais olhares pelo salão. Então respirou fundo antes de se levantar e anunciar. – Eu preciso de ar, com licença.


Luna fingiu que não estava vendo ou ouvindo nada e bebericou sua bebida. Kylie e os outros seguiram o exemplo fielmente enquanto Mortimer murchava de desânimo ao seu lado mais uma vez. Oliver apenas ficou parado em pé ao lado do amigo enquanto ela passava por eles sem dizer uma palavra, apenas queimando de raiva.


— O que aconteceu entre eles? – Antony sussurrou para Kylie.


— Molly já contou histórias sobre o ex-namorado insano que sumiu sem dar explicações? – Ela sussurrou de volta.


— Algumas vezes… - Ele respondeu, se recordando levemente para então se sobressaltar. – É ele?


— O próprio. – Murmurou com certo gosto, se voltando para Oliver: – Olá.


— Kylie. – Cumprimentou, sentando-se em uma cadeira próxima. Mortimer também se sentou, ainda parecendo que tinha sido atingido por uma frigideira quente no rosto de tanta decepção. – Quanto tempo.


— É. Com você desaparecido e tudo. – Ele quase podia sentir intensas faíscas saindo do olhar da amiga. Aquela atitude era quase pior do que alguém gritando diretamente para ele, mas ela superou a mágoa na voz rapidamente. – Como você pode ver, não estamos exatamente bem por aqui.


— Eu notei. – Confirmou brevemente, se mexendo desconfortável na cadeira. O que menos queria no momento era mais militância do #SalvePerth. Não que não os apoiasse, mas cartazes e doações não iam derrotar Chaos. Ele mal esperava que socos fossem.


— Se você quer ir atrás dela, vá. – Luna aconselhou, subitamente. – Explicar as coisas, sabe.


— Nah. – Simulou um bocejo, tentando parecer relaxado, enquanto se concentrava em ouvir os passos de Molly à distância. Um andar, dois andares, ela seguia subindo. Seguia se afastando. – Ela não quer me ver. Ou ouvir. Ou ouvir falar de mim.


— Tente. – Ela sorriu, encorajando-o. Como ele poderia recusar? Vindo de Luna, qualquer convite parecia atraente. Uma aventura que valia a pena ser vivida. Mortimer concordou vigorosamente com a cabeça até ele, por fim, aceitar.


— Ok, eu vou. – Anunciou, se levantando. – Se ela me matar, meu PlayStation 2 é seu, irmã.


— Se ela não matá-lo, eu provavelmente vou. – Kylie decretou, em um tom pretensamente gentil, tomando mais um gole de sua bebida. – Afinal, você também me deve algumas explicações.


Oliver precisou subir uma quantidade considerável de andares até encontrá-la, no topo do Brookfield. Mesmo odiando aquele arranha-céu, podia entender o que levava alguém até ali. Por trás da via expressa Kwinana e da rota de ônibus, ele via o Kings Park. Antes disso, o Teatro Riverside. Esplanade, a estação de trem. Bancos. Hotéis. Restaurantes. Prédios. Todos brilhando à sua maneira. Tudo dali de cima.


E ali estava ela. Encostada em uma viga de ferro que sustentava o outdoor do prédio, os braços cruzados. Imersa na paisagem enquanto o vento levava seus cabelos de um lado para o outro. Ele conhecia o sentimento. Amar a cidade como se fosse uma coisa viva que o entendesse e vice-versa. Dali, a cidade parecia sorrir de volta para eles. Mas, diferente dela, ele nunca seria totalmente parte de Perth. Não tinha mais um lar para chamar de seu.


— Ei. – Falou com a voz baixa, sem se aproximar muito dela.


— “Eu preciso de ar” significa que eu não quero falar com ninguém. – Ela se virou, irritada. – Principalmente você.


— É, eu sei. Eu sei. – Concordou com a voz cansada. – Eu só… eu te devo desculpas.


— Pelo quê, exatamente? Por ir embora? Por não me contar? Por não ligar e dizer que mandaria cartas? Cartas! Que eu tenho certeza de que não foram escritas por você.


— Por tudo isso. – Admitiu, reconhecendo a longa lista de coisas que tinha feito errado. Quão imaturo ele era.


Molly andou na sua direção, ficando a menos de dois passos de distância dele. Seus olhos se encontraram diretamente pela primeira vez em muito tempo. Ele percebeu o tempo que tinha se passado escrito no rosto dela e sabia que aquele tempo não voltaria.


— Você se lembra da última coisa que me disse? – Perguntou com a voz baixa pela primeira vez.


— É, eu lembro. – “Como eu poderia esquecer?”, pensou consigo.


— Caso não se lembre, você disse que me amava. – Relembrou, quase que protestando. – E então você some. Por anos. Anos, Oliver.


Ele se voltou para a beirada do topo do Brookfield. O céu estava lindo, mas em algumas horas seria dia novamente e aquelas poucas estrelas sumiriam. Por que todas as coisas que valiam a pena duravam tão pouco?


— Eu te chamei para dançar. – Comentou, recordando a noite da formatura. A sua última noite em Perth. E a melhor de sua vida. – Você disse que não sabia dançar e eu disse…


— “Ninguém sabe, por isso é divertido”. – Completaram ao mesmo tempo, ele sorriu levemente.


— Eu gostava de como nós éramos. – Confessou, mais para si mesmo.


— Mas você partiu! E por que, por não achar que eu--?


Então ele despertou da pilha de sons inúteis que normalmente o cobria. Algo tinha mudado, além das buzinas e pneus sendo queimados na rua, metros abaixo, além das conversas pelo prédio e pelos insetos voando ou se arrastando. Ele ouviu o barulho de um gatilho.


— Você ouviu isso? – Interrompeu, alarmado.


Molly se sobressaltou: - Ouvi o quê?


Alguns andares abaixo…


— O que é isso? Quem são vocês? – Mortimer perguntou, com uma dose repentina de coragem.


Vinte homens armados e mascarados cercavam o salão do evento. Outros tomavam de assalto o resto do prédio. Quanto mais Oliver se esforçava em escutá-los, mais deles conseguia detectar. Cem, duzentos, um verdadeiro exército que nem ele poderia estimar com precisão.


Um homem de máscara preta, aparentemente o líder, pela maneira que os outros se agrupavam ao redor dele, se aproximou de Mortimer, Oliver podia ouvir seus lábios se contraindo em um sorriso por trás da máscara que tocava sua pele. A língua do homem que passava pelos próprios lábios antes da sentença final:


— Eu sou o Pensador, é óbvio. E, a partir de agora, esse prédio e suas vidas… são meus.


Oliver trincou os dentes tão forte que sentia como se estivesse afundando-os. Ele ouvia Molly ao seu lado perguntando o que estava errado, mas a voz dela parecia mais distante do que o salão de festa andares abaixo. Ele podia ouvir cada um dos corações ali embaixo batendo como grandes tambores. Adrenalina, medo. E ele quase os sentia deixando um gosto amargo na própria boca. Chaos tinha feito o seu movimento e, diferente dele, o vilão não jogava xadrez. Ele apenas dizimava tudo que o incomodava, em um estalar de dedos.


— Matem-nos. – O falso Pensador ordenou, rindo, enquanto Oliver percebia que tinha perdido. E agora apenas pagava o preço.


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