No capítulo anterior: 

A mãe de Jamie morreu. Que peso na consciência do nosso selecionado. Será que isso afetará seu desempenho na Seleção? 

Lia agora é a Ajudante de Jack. Isso não estava no roteiro, ou estava o tempo inteiro e Jack não sabia? Ele não sabe se pode confiar nela. 

A carta da irmã chegou, pelo visto tudo anda indo bem em casa, Jack acha. 

O box é um lugar para se tomar banho, Jack, não para fazer nevar. Espera aí! Neve?!

Ah, além disso tudo, Hans beijou Elsa. 

E isso foi o que você leu, aqui em A Seleção de Arendelle!

***

O frio atinge-me em cheio. Mas não estou tremendo. Na verdade, até gosto.

Encaro o mundo lá fora, deve ser por volta das quatro da manhã. A neblina cobre boa parte das casas e os morros ficam salpicados de uma neve fina, que posso ver graças à lua, a única que não foi coberta pela névoa ainda. O inverno está chegando. Sei disso. As coisas costumavam mudar no inverno, quando eu ainda estava em casa. Meu pai ficava pior, pois não havia tempo bom para a caça. Em compensação, eu ficava melhor. Não sei dizer em que sentido, mas algo dentro de mim sempre mudava no inverno. Enquanto meus amigos e familiares morriam de frio, eu saía para encontrar Finch e trazer lenha para casa.

Ele também gostava do inverno. Mais do que as outras estações. E morreu no inverno, que grande ironia.

Há quanto tempo estou aqui? Já faz mais de dois meses?

Levanto-me da cama, colocando uma camisa e um moletom por cima, a calça de banho que eles dão é até bastante confortável. Não calço meus sapatos, não tenho problema com o frio.

Caminho pelos corredores, há guardas de prontidão em cada esquina, eles não me encaram, mas sei que estão observando cada passo meu com suas visões periféricas. Eles não são autorizados a começar nenhuma conversa, nem entre si nem com os participantes. Muito menos com a família real. Eles estão ali apenas para lutar quando precisar. Eles só falam quando necessário.

Abro o portão que dá para a piscina e o salão de jogos, fechando-o logo em seguida. Não há problema algum eu estar aqui. Não é proibido. Tudo bem que está fora do horário de abertura, mas...

Há algumas luzes acesas, ao longe. A lua ilumina a piscina e a neblina não chegou aqui.

Sento-me, colocando os pés dentro da água gelada. Milhões de flashbacks aparecem na minha frente, mas estão todos borrados, errados. São apenas fragmentos. Não consigo me lembrar com clareza de muita coisa que aconteceu na minha vida. Minha irmã sempre disse que eu tinha uma memória péssima, já minha imaginação...

—Jack? – Sua voz faz-me tomar um susto tão grande que quase caio na piscina.

Alerta. Perigo. Princesa. Anna. Dentro. Da. Piscina.

Meu coração para completamente, esqueci como se respira. Ela me olha curiosa e vem para a beirada da piscina, ficando mais perto de mim.

—O que está fazendo aqui? – Mal pisca ao falar. Seu cabelo molhado dança na água e alguns fios estão grudados em seu rosto.

—Não consegui mais dormir, Alteza. – Respondo, sentindo minha garganta secar.

—Eu também não. – Ela diz, depois de alguns segundos. – Você vai entrar?

—Não. – Minto. Não vou mais. Não posso. Não quero. Vê-la me faz pensar no que aconteceu no jardim. Ela sabe quase todas as regras que quebro.

—Então porque você está de calça de banho? – Fui pego.

—Eu ia entrar, mas...

—Mas eu estou aqui dentro. – Completa. – Sabe, eu odeio dizer isso, mas, na verdade, é proibido estar aqui fora do horário marcado... a não ser que eu tenha feito um convite, e, para eu fazer um convite, você teria que entrar. Ou eu posso falar para o rei que, infelizmente, você quebrou outra regra. Eu não te defenderia dessa vez.

Ela sorri ao ver meu rosto de total descrença.

—Você não faria isso.

—Teste-me.

Acho estranho isso que ela tem comigo. E não sei o que quero dizer com o “isso” que acabei de citar. Só sei que há algo rolando, algo que vai muito além de uma busca pela coroa.

Eu hesito um pouco antes de entrar, devagar, sentindo a água subir pelo meu corpo. Afundo de vez e logo subo à superfície. Ela está me observando.

—Sabia que você é a pessoa mais manipuladora que conheço? – Digo.

—Já ouvi falar. – Ela ri.

—Você ouve muito as pessoas, não é? Eu estive pensando...

—Indagar algo à princesa não é inteligente de sua parte. – Ela me corta. – Mas eu não sou minha irmã, então pode continuar.

—Eu estive pensando no que você falou no jardim, sobre já ter ouvido aquilo antes.

—Não entrarei nesse assunto, Jack. – Sua expressão atinge-me na cara. Ela fica triste. Confusa. Uma mistura de receio e autodefesa.

—Tudo bem. Eu só fiquei curioso.

—Eu sei. Entendo. Eu também sou bastante curiosa na maioria das vezes, principalmente quando essa curiosidade envolve minha irmã. – Seu tom de voz indica que essa indireta foi para mim.

—O que quer? – Pergunto, quase que na defensiva.

—Quero saber o que você sente pela princesa Elsa. – Meu coração escapa uma batida. – E quero que seja sincero na resposta.

—Eu...

—É amor verdadeiro? – Seus olhos parecem brilhar por um momento.

—Sinceramente, não sei. Desculpe-me, Alteza.

Ela parece desapontada.

—Sabe, eu amo minha irmã, e faria qualquer coisa para vê-la feliz. Qualquer coisa. Avise-me quando souber o que sente de verdade, mas nesse meio tempo, por favor, não finja.

—Eu não finjo.

Ela respira fundo, sorrindo um sorriso único. Ela é muito mais sorridente que a irmã.

—Eu acredito em você.

Anna vai até a escada e começa a subir, tento não encarar seu corpo, muito mais despido do que costumo ver pelos corredores e nas horas das refeições. Quando já está completamente do lado de fora da piscina, enrola-se na toalha e me encara.

—Você é muito melhor que a maioria daqueles selecionados. – Seu rosto demonstra tranquilidade agora, está sendo sincera. – Não me faça pensar o contrário.

Dá um pequeno sorriso no final e, juro, parece que estou observando-a por anos antes de ela se virar e ir embora, levando um pedaço de mim consigo.

Levando, mesmo que inconscientemente, meus pensamentos.

***

Hiccup parece estar voando, pensando em qualquer outra coisa, por isso paro de falar com ele e deixo-o devanear, ele logo levanta-se e pede licença, indo para não sei onde. Lembro o que Astrid disse. Sei que ela voltará, e quero muito que seja logo.

Precisamos conversar, querendo ou não. Não é que eu não goste da Lia, é só que é diferente o relacionamento de amizade que eu tinha com a Astrid. Era melhor e eu sinto falta das nossas risadas.

Há poucos selecionados reunidos aqui, a maioria está na academia essa hora. Ou no salão de jogos. Ou na piscina.

A piscina. As palavras da Anna não saem da minha cabeça. É amor verdadeiro? Como posso responder tal pergunta? Eu nunca cheguei a amar de verdade alguém que não fosse da família. Eu amava Finch, porém era um amor diferente, um amor de irmão.

Mas Elsa?

O amor que eu sentiria por ela, caso eu soubesse que é realmente amor, seria um muito mais poderoso e doloroso que todos os outros que já senti.

E isso me assusta para caramba.

De repente, North entra pelo portão, seu semblante é preocupado e ele logo começa a conversar com quem vem atrás. Jamie. Ele parece distante, pensativo. Sei o motivo. Porém, parece que algo mais aconteceu. Ambos observam os selecionados enquanto guiam-se até onde estou.

—Jack. – North me cumprimenta, sentando-se ao meu lado. Jamie permanece em pé e se limita apenas a acenar com a cabeça. Lembro do que prometi à princesa, eu falaria com ele em alguma outra hora.

—North. Jamie. – Cumprimento de volta. – Aconteceu alguma coisa?

—É o Sandy. Acabamos de ver ele no corredor, rodeado de guardas. Logo depois de ter dito que ia sair com a Elsa.  

—Guardas? Por que?

—Não sabemos. – Jamie fala dessa vez, tomando fôlego. – Ele não parava de repetir o nome da princesa. Mas de uma forma apavorada. E também algo sobre a neve. Foi meio distorcido.

—Foi feio de assistir. – North complementa.

—Neve? – Meu cérebro trabalha a mil. Muitas coisas relacionadas a neve vêm me assombrando ultimamente. – Mas será que a princesa Elsa está bem? Será que ele não estava tentando avisar que ela está, não sei, machucada ou algo do tipo?

—Essa é a parte mais estranha. – North vira-se para o portão, observando-o como se pudesse se abrir a qualquer momento. – A princesa estava logo atrás dele, protegida por mais guardas, e mandou-nos entrar.

—Estranho.

—Mais do que estranho. – Jamie conclui.

Bem mais do que estranho. Suspeito, no mínimo. Há diversas possibilidades para o que pode ter acontecido, certo? Não. Não há tantas assim.

Algo ruim aconteceu. Algo relacionado a neve.

Algo muito errado.

E eu irei descobrir o que é.

***