Pokémon - A Tale of Kanto escrita por SHNeto


Capítulo 2
Viridiana


Notas iniciais do capítulo

A partir daquele capítulo de começo, eu inseri uma série de outros eventos muito mais corridos que o primeiro visto antes, espero que gostem da forma com que os acontecimentos estão indo e vindo e como Anthony reagirá perante eles.



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O suave chacoalhar dos galhos e das folhas ressonava por sobre a cabeça de Anthony. Caminhava solitário, o sol beirando a metade de seu percurso, erguendo-se todo preguiçoso no céu. Abobado, o rapaz assistia a rotina de uma série de Pokémon que viviam pelo bosque. Um rato roxo de orelhas arredondadas e um par de dentes incisivos absurdamente grandes, o aparelho vermelho dissera um pouco sobre ele: Nomeado como Rattata, aquele pequeno ser era ágil e poderoso, possuidor de um vigor robusto e um olhar afiado para o combate. A sua cauda enrolava por sobre o corpo como a de Meowth, mas era roxa ao invés de marrom e balançava conforme ele corria.

Passados minutos de caminhada, Anthony abanou a mão para desviar um amontoado de folhas verdejantes, abrindo a sua visão em um ângulo retilíneo. Forçara os olhos para não ser afetado pela luz. Transpassou a nuvem verde de vegetação e trombou com o pequeno rato que vinha em seu caminho. Ele deu uma guinada para frente, olhou o garoto e, por fim, foi embora saltitando. Durante o percurso, Anthony liberou Meowth para que ambos pudessem desempenhar algum papel naquele desafio. Com as suas longas unhas, o felino dilacerava galhos, caules e folhas enquanto Anthony o erguia para alcançar lugares que o seu tamanho lhe privava.

– Meowth, arranhar. – Ordenou em um tom calmo e gentil.

O gato assentiu e saltou, as garras se alongaram três centímetros a mais para que pudesse ganhar um poder de corte maior. Dançou por segundos, mascando os alvos sem demora. Os dentes reluziram quando os mostrou furioso por não conseguir destroçar todos os empecilhos, mas era o suficiente para passarem. Anthony observou com cautela mais uma presença entrando em seu campo de visão. Asas bateram no ar e um vulto alçou um voo complicado, rasgando o ar e planando por sobre o solo. Meowth jogou-se para perto de seu dono e visou protege-lo de quaisquer ameaça, mas nada tocou nem ele e nem Anthony.

– É um pássaro? – Anthony perguntou para Meowth que o olhou com certa redundância. Afinal, como ele iria saber disso?

Visualizaram a figura esvoaçando a penugem e subindo no ar até desaparecer. Era pequena, mas bela. Diversas penas de cor bege caíam sobre a dupla. Desistiram de esperar o seu retorno e seguiram seu rumo a frente, dessa vez bem mais atentos do que no minuto anterior. O felino empoleirou-se sobre o ombro do rapaz enquanto exploravam a estrada de terra sob seus pés. Quanto mais rumavam para Viridiana, mais sentiam uma aproximação esquisita. Anthony trocou olhares com o seu recém-recebido parceiro e ele desmontou de seu posto de observação. Espreitando entre as árvores, uma sombra mantinha-se na cola dos dois havia um tempinho, antes mesmo de se depararem com o rato.

– Saia daí. – Pediu Anthony sem erguer olhares. Meowth entrou em posição de combate.

Emergindo de uma cama de folhagens, um ser azulado manipulou seu pequeno corpo diretamente contra o rapaz e seu gato. Em um rápido movimento, Meowth interpôs o seu caminho com garras e presas, disputando forças e apresentando uma vantagem muscular sobre o seu algoz. Deslizando o sensor de sua agenda, Anthony detectou e adquiriu as informações que precisava: Nidoran é um Pokémon que muda de aparência a partir do sexo! As fêmeas são de cores azuladas e dóceis enquanto os machos são de cor roxa e agressivos. Cuidado! O toque brusco nos chifres de um Nidoran causam a penetração do veneno por sob a sua pele.

– Quem é você? Apareça! – Quase rosnou, criando um espaço confortável de toda e qualquer árvore que pudesse servir de esconderijo para uma emboscada.

E ele acertou. De uma árvore gorda cujas raízes ejetavam da terra pela metade retirou-se uma garota de vestes negras. Uma saia descia até os seus joelhos e balançava com a ventania do meio dia. Ela prendera os cabelos ruivos para que não a atrapalhassem no confronto, expondo a sua face lotada de feições finas e delicadas, aparentando ser meiga. Mas por trás de tudo aquilo estava um sorriso confiante e avassalador. Carregando entre os dedos a esfera de sua Nidoran, a menina saltou do esconderijo e ficou de frente para seu alvo.

– O seu nome. – Falou de modo autoritário, um pedido agressivo como um forte vento.

– Eu me chamo Anthony – disse enquanto mantinha as sobrancelhas erguidas. Aquela garota tinha um quê de estranheza, ele pensou.

Ela sorriu.

– Eu me chamo Lisanne. – disse ela. Nidoran prosseguia competindo forças com Meowth, os chifres chegando perto de lanhar os braços do felino, mas não tão perto. – Sou uma treinadora de Viridiana que adora combates.

– Certo... Por que me contou isso? – Perguntou. Viu a surpresa na expressão dela, descobrindo que ninguém havia agido de tal forma com ela diante de um de seus ataques. Por fim, sacudiu a cabeça e retomou o seu verdadeiro objetivo – Pode me deixar passar, por favor?

– Não. – Foi curta e grossa, a expressão imutável era como uma pedra de gelo. – Eu não pretendo deixar treinadores de Pallet passarem por aqui.

Nidoran guinou o corpo e alvejou o rosto de Meowth com as patas traseiras, o enviando para trás e quicando até ser barrado pelo tronco de uma árvore. Lisanne avançou suavemente por entre os galhos e segurou Anthony pela gola da camisa, o puxando para si e depois o rechaçando com um empurrão, o quedando sentado. O felino levantou-se em um pequeno ímpeto de fúria para barrar o segundo golpe de seu oponente, aparando as suas patas em meio ao atrito de suas garras com a dele e depois o marcando com um corte raso sobre um dos chifres menores. Anthony se pôs de pé em um pulo e impediu da sua adversária intervir no combate e apesar dela conhecer muito mais de combates do que ele, não conseguiria vencê-lo no braço, não naquela situação.

– Chega de brincadeiras. – disse o treinador, arfando pouco. – Me diga o quê quer para me deixar passar.

– Você só passará daqui depois de me derrotar, Anthony. – Ela declarou. O primeiro combate de Anthony como treinador seria na floresta mesmo? Sentiu-se desconfortável com aquilo. Imaginava enfrentar alguém bem mais fraco na sua estreia como um lutador. E ela não parecia ser fraca de modo algum, pois os seus olhos brilhavam mais que os das outras pessoas. – Prepare-se.

Nidoran ricocheteou as quatro patas no chão com o intuito de pular, escalando o ar de uma vez só e caindo em meio a um arco por sobre o seu rival felino. Meowth riscou o ar com as suas oito garras afiadíssimas para interromper o trajeto rival, devolvendo o peso das patas de seu oponente com duas garras para cada uma delas. Grunhiu quando o mandou para trás, rolando. Atentou uma espécie de dança assassina contra o ser azulado, mascando um avanço que foi bloqueado pelas duas pernas dianteiras do Nidoran, trocando forças novamente, dessa vez com o felino na vantagem.

– Vamos lá, Meowth! – Rugiu para complementar a ordem e seu Pokémon a aceitou. – Morda-o!

O parceiro de Anthony aceitou a ordem mais uma vez, só que quando abriu a boca, o inimigo ameaçou inserir o seu chifre por entre os seus dentes e finaliza-lo, portanto preveniu-se de cair naquele truque saltando em conjunto com o adversário, o desestabilizando. Desgrudou as garras das dele e apoiou-se no chão com a cauda, mordendo velozmente uma de suas patas. Aventou-o no ar antes de explodir um impacto usando de todo o corpo do Nidoran, esmagando suas costas no gramado.

– Nidoran! – Lisanne gritou, correndo na direção de sua parceira. – Retorne! – Em uma espiral de fumaça fina a Pokémon foi recolhida para o objeto esférico.

Meowth que havia se afastado no momento da retirada estava arfando, alisando as pelagens com medo de ter sido arranhado pelos chifres do oponente. Anthony vestiu a carapuça de rígido e a pegou pelo braço, a impedindo de fugir. Trocaram os olhares por um instante e ele a derrubou sobre as gramíneas. Sem pestanejar, Meowth alojou-se no ombro do rapaz e começou a lamber as patas enlameadas.

– Não tem por onde fugir. – disse por fim de modo com que parecesse inquirir algo. – Eu preciso saber o por que de estar me barrando.

– Não tem necessidade de saber, você me venceu... – Os lábios se contorciam em fúria enquanto ela falava enquanto a voz tremulava e cada palavra saia moída depois de raspar em seus dentes. – Passe.

– Não. – surpreendeu-a mais uma vez. O rosto do garoto era uma mescla vívida de preocupação e incerteza. – Eu preciso saber... Você não está aqui por vontade própria e nem é tem a intenção de me machucar, caso o contrário teria me envenenado ao invés de ir direto ao meu companheiro.

– Está certo. – disse. Apoiou-se sobre os dois braços e se sentou, tendo o peito colado nas coxas. – Eu não estou mesmo aqui por que eu quero, e sim por que me foi mandado.

– Quem te mandou? E por que fazer isso comigo? – indagou enquanto franzia o cenho.

– Não é especificamente você quem eu tenho de impedir a passagem, e sim todos os treinadores que vierem a atravessar essas bandas.

– Entendo... Teve de começar recentemente, não é? – Aquilo provava a sua inexperiência e o fato dele ter sido o primeiro a ser barrado. – E sabe me dizer quem deu a ordem?

– Um dos líderes de ginásio da região, Klaus de Viridiana. Ele solicitou a presença de alguns treinadores para repelir os avanços de Pallet e retirá-los da corrida pela Liga.

Fazia sentido. A corrida era mais ou menos uma competição fora da competição mais importante da região de Kanto. É preciso de muita convicção para derrotar os oito ginásios em onze meses de estrada e no caso, desqualificar treinadores era uma boa pedida para uma jornada tranquila.

– Eu queria muito poder competir, mas eu tenho um vínculo com o Klaus que me impede de sair da cidade até eu ter conseguido impedir vocês por meses.

– Eu vou te ajudar. – Interrompeu-a. – Me solidarizo com a sua causa. – Estendeu a mão para ela.

Os olhos dela se perderam por um momento enquanto ela tentava entender o quê acontecia.

– Vai mesmo? Mas como?

– Eu vou derrotar esse líder de ginásio e te libertar das amarras que a ligam a essa cidade. – Ele fez uma careta. – O problema é que você vai falhar em seu primeiro turno como guardiã.

– Não tem problema. – Ela sorriu, dedilhando a esfera em que Nidoran dormia. – Preciso leva-lo para o Centro Pokémon... Você vem comigo?

– Sim, me guie até lá. – disse com uma estranha certeza de que algo estava bem errado.

A rota não era tão longa quanto ele pensara. Quando no caminho certo, não passariam nem ao menos quinze minutos de viagem até a entrada da cidade de Viridiana. Anthony e Lisanne entraram juntos pela fronte do lugar, atravessando um portão bem mal guardado com um ou outro sentinelas sonolentos. Em um ligeiro movimento, o rapaz cruzou um pequeno e curto corredor de pessoas, entre eles, dois treinadores. Observavam-no desconfiados e mais ainda quando descobriam Meowth. Aquela área era primeira uma longa planície que se estendia por uma longa porção de terra coberta por uma fina camada de um verde latente e salpicada com lagos profundos e plantações minúsculas, praticamente domésticas.

– Esse lugar me é um pouco estranho. – afirmou Anthony enquanto tentava em vão desvencilhar-se dos olhares alheios.

– Um dia você se acostuma. – disse sem virar o rosto para encara-lo.

Rumaram pela esguia estrada de terra que dava ao Centro. Esse estabelecimento, por sua vez, diferente de toda a rusticidade ali espalhada, ostentava uma rara tecnologia por aquelas bandas. Paredes de metal branco, fiação cibernética e portões de vidro os quais se movimentavam a partir da detecção de aproximação gerada por um pequeno sensor em área localizado sob um tapete negro de boas vindas. Janelas fechadas impediam que fosse visto o quê vaga em suas entranhas. Um telhado escarlate destacava-se depois de quatro andares de altura e fileiras de janelas na maioria fechadas, mas naquela distância não importava como estavam, não seria possível enxergar o interior daquele ângulo.

– Eu nunca tinha visto um Centro. É enorme.

– Sério que achou isso? – E riu.

– Qual é a graça? – Perguntou constrangido. As maçãs do rosto coraram.

– É que vocês do interior não estão acostumados com esses pontos de concentração. – Anthony não achou graça, e para ser sincero, mal entendera o quê ela disse, mas ousou responder.

– Eu não vejo muita diferença de lá para cá.

E ela riu um pouco mais em resposta, tentando abafar os seus risos com as duas mãos em frente aos lábios. Uma memória manchada de negritude a fez enrijecer e estar séria novamente. Sombrios, os seus olhos se encontraram com o portão de entrada e ela caminhou sem anuncio na direção dele. Abrindo caminho, as duas placas quase transparentes, tingidas agora de um negro bizarro que se assemelhava a lente de um óculos escuros. O interior era bem majestoso que o exterior. Alas e mais alas por onde transitavam treinadores e cidadãos comuns pareciam ser feito de platina, desde o chão ao teto, incluindo as paredes. Reluzindo como vidro e polida como um espelho, a superfície abaixo de suas solas fazia-o escorregar com o menor de todos os descuidos, mas por defesa a sua honra, manteve atenção total para justamente não escorregar e espatifar as costas e o traseiro no chão.

– O quê houve? – Lisanne perguntou ao ver o seu mais novo amigo limitar os passos.

– Medo de escorregar. – A resposta soou cômica demais, despertando o bom humor de pessoas aleatórias ao redor. – É sempre tão cheio de gente quanto hoje?

Ela assentiu.

– Ultimamente, com a ascensão de Klaus na liderança do ginásio, mais e mais treinadores estão se acidentando misteriosamente ou em confrontos relacionados a viajantes. – Ela disse sem mudar a postura sombria. – O meu irmão é um exemplo deles... – Soou tristonha.

– O seu irmão? – despertado o interesse de Anthony, a pergunta veio como o vento, sorrateiro e repentino.

– Sim, - deu meia volta e ficou de frente para o treinador iniciante. Da escuridão que afetava a sua expressão despontou um leve brilho de suas pupilas. – o meu irmão mais velho, Dali. Ele foi um treinador desde quando tinha a minha idade.

– Entendo... Foi? – Arqueou uma de suas sobrancelhas, incomodado. – Como assim foi?

– Houve um ocorrido com ele que... – As palavras entalaram em sua garganta, Anthony percebeu isso. Uma mistura de angustia e ódio tomou-lhe a mente enquanto a via contorcer os lábios em fúria. – desabilitou as suas duas pernas e o deixou de cadeira de rodas.

Anthony sentiu um estalido em sua consciência. Havia sim vândalos que machucavam, mas aquilo passara dos limites. E pelo visto, ninguém fez nada para ajuda-lo. Meowth notou a enorme aura hostil emanada pelo seu recém-obtido companheiro de viagens, adquirindo empatia com a situação de Lisanne.

– Quero ver esse seu irmão.

– Certo. – Agora quem estava incerta era ela. – Mas não se surpreenda, por favor.

Cruzaram um salão infestado de incapacitados, deitados sobre macas e inchados por causa de hematomas graves. Alguns foram desfigurados e/ou possuíam sequelas que agravavam músculos e ossos, impedindo-os de se reabilitar rapidamente. Quanto mais Anthony assistia aquele cenário dantesco pôde sentir os olhos lacrimejarem. Uma figura mais triste que a outra. Mas não eram as vítimas que lhe chamavam mais a atenção, e sim as suas famílias. Como exemplo, um rapaz que devia ter um pouco mais da idade de Anthony respirava com a ajuda de aparelhos enquanto uma jovem totalmente diferente dele choramingava sentada ao lado de sua maca. Provavelmente era a namorada dele. Pobre casal.

– O quê lhes causou isso?

– Eu acabei de falar. – Sua voz estava completamente tensa. – Eles foram envolvidos em um acidente misterioso.

– Acidente. – Cuspiu a palavra como se tentasse regurgitar um alimento podre.

Ela o olhou de esguelha, preocupada. Fizeram uma curva e esquadrinharam dois corredores até alcançarem a sala que ela procurava. O cômodo de número dezoito. Lisanne retirou um cartão de acesso branco dos bolsos de sua saia. Uma listra puramente negra cortava um quarto do objeto de um só lado. Ela o passou na tranca e aguardou um momento. Ouviram-se trancas sendo destravadas e finalmente um estalo ocasionou o ligeiro e leve arco da porta, dando passagem aos dois. Entraram um depois do outro, primeiro Lisanne. O quarto mal iluminado parecia inóspito, mas um ruído leve de respiração alarmou Anthony, forçado a olhar para uma silhueta no fundo do ambiente, acomodado em uma cadeira de rodas hospitalar e todo enfaixado no topo da cabeça. Ele olhava distraído para o lado de fora, sonhando poder correr mais uma vez.

– Irmão. – ela chamou. Sua voz não atrevia ser mais que um gemido distante.

– Pois não? – O irmão de Lisanne virou levemente a cabeça. Um dos seus olhos espiou de canto o convidado recém-chegado. – Ah... Uma visita? Já faz uns dias que eu não tenho uma visita. – Grunhiu depois de concluir a frase, por que manobrava o seu “veículo” com a força de tração armazenada nos braços magros.

De frente para ele, Anthony só reconheceu o quê um dia fora um saudável treinador. Cabelos desgrenhados de cor purpura, provavelmente tingidos, escorriam sobre uma testa enrugada e sólida como pedra. Olhos pequenos, apertados pelas pálpebras e cheios de olheiras faziam-no parecer um zumbi, mesmo com o brilho amarronzado latejando no centro de seus globos oculares. Tossiu ferozmente, aparentando querer vomitar o pulmão pela garganta, levando consigo as suas próprias costelas. E em seguida se acalmou, forçando o controle de suas vias respiratórias e recostando a parte traseira do corpo no apoio de sua cadeira de rodas de tecido negro.

– Esse é o meu irmão. – disse enfim Lisanne. – O nome dele é Dali. – E migrou olhares para Anthony. – E esse é o garoto que quer nos ajudar, ele se chama Anthony.

Meowth soltou um miado fraco e arqueou a postura, deixando que as garras emergissem de suas patas. O rapaz ergueu o punho e pediu para que ele não atacasse, e ele de fato não se atreveu. Dali piscava lentamente. O peito descarnado dele pulsava indo e vindo como um pêndulo. Os cabelos púrpuros e curtos reluziam diante da luz que incidia da janela.

– É um prazer. – disse Dali. – Você é um treinador, pelo visto.

– Sim. Eu comecei hoje.

– Hoje? – ele soltou uma risada irônica. – Então deve estar descobrindo uma das melhores sensações de todas.

– Qual? – O rapaz franziu o cenho e aproximou-se um passo, apoiando o braço esquerdo na parede.

– A liberdade. – A palavra ecoou na mente de Anthony por instantes. Ele desceu os olhos e viu as pernas destroçadas do rapaz iluminadas pelo sol. Anthony entendeu o quê ele disse do pior jeito possível.

– Nossa... – Engoliu em seco. O estado grotesco de seus membros faziam-no parecer uma criatura no limiar da vida e da morte, um morto vivo.

– O quê veio fazer aqui, Anthony? – ele perguntou. Mesmo tão inapto para se mover livremente, o homem tinha certa aura de imposição. De fato ele não era alguém normal. – Não me diga que veio só me fazer uma visita.

– Não... – disse. – Eu vim até aqui para saber quem fez isso contigo.

Dali sorriu e inclinou o corpo para estender o braço e apanhar um copo cheio de água. Soergueu o recipiente e deleitou-se da água por uns segundos e devolveu um olhar para Anthony.

– Eu fui atacado, obviamente. – disse sem mais assumir o sorriso no rosto. – Pelo mesmo idiota que está tentando erradicar a concorrência por essas bandas.

Era o mais lógico a se pensar. Se você eliminar os novatos, menos concorrentes vão surgir e será mais fácil de subir nas preliminares da Liga. Anthony não sabia o quê devia fazer, mas na hora ele agiu por impulso. Martelou o punho na parede, assustando as duas presenças no cômodo.

– Como alguém pode fazer o quê fez contigo e com os outros lá fora sem ter remorso?

– Alguém que faz isso todos os dias. – a resposta foi fria e dolorosa.

Muito do que ele fez em seguida foi automático. Como uma reação a pior das situações, Anthony saiu do quarto e desceu os corredores, passando pelas fileiras de pessoas hospitalizadas junto de seus Pokémon. Seguido dos chamados de Lisanne, um ruído seco complementou aquele couro de caos. O garoto que ele havia visto antes de se encontrar com Dali fora levado as pressas para a sala de cirurgia. Uma criatura rosada com um ovo em seu abdômen conduziu a maca até uma das enfermeiras de cabelo rosado. Anthony assistiu aquela cena sem soltar um ruído.

– Ei, eu disse para você me esperar. – Lis o alcançou. – O quê aconteceu...? – Ela parou de falar quando fitou os vultos em movimento sumirem na escuridão da sala de cirurgia.

– O mundo é injusto, não acha? – perguntou Anthony.

– Pois é.

– Eu não vou deixar esse cara continuar com isso. – disse.

– Como você acha que pode... – Lisanne percebeu o estranho brilho nos olhos do rapaz. – Você não pode estar falando sério.

– Sim, eu vou enfrenta-lo. – E sem dizer mais uma palavra, atravessou a porta do Centro e rumou com Meowth na direção do edifício de maior proporção, o possível ginásio.

A calmaria da tarde engolia os membros do ginásio de Viridiana. Todos estavam sentados, bebendo e comendo quando um de seus mais novos integrantes entrou correndo pela porta da frente. Era um garoto de por volta dos quinze anos. Cultivava cabelos castanhos lisos e curtos e possuía olhos de mesma cor. Sua chegada alarmou todos os que estavam repousando, causando um alarde tremendo.

– Chamem o líder, rápido! – disse exasperado.

E o fizeram. Klaus foi chamado sem demoras, aparecendo pela primeira vez no dia descendo as escadarias. Ele não sorria, mantinha uma expressão séria que exigia respeito. Cerrou os olhos ao ver seu aprendiz suando frio no centro do ginásio, cercado por curiosos e medrosos. A passo firme, o grande líder andou na direção do rapaz. E quando chegou perto da multidão desesperada ele bufou impaciente.

– Me digam o quê é tão grave a ponto de terem de me acordar. – Klaus bocejou sonolento.

– Senhor. – chamou o aprendiz de Klaus, Mark. – Estão falando que um treinador de Pallet passou pela fronteira.

– Como? – a notícia lhe chamou mais que a atenção. Descarregou o stress com um golpe na amurada da escada. – Então quer dizer que derrotaram a Lisa... Isso é mal.

– Mas não é só isso. – ele arfava muito enquanto relatava os acontecimentos, provavelmente por ter vindo correndo. – Viram-no sair do Centro faz alguns minutos e... – Puxou o ar para continuar. – Ele está vindo para cá.

– Não tem problema.

– Então nós precisamos... Hã? – Olhou para o seu líder com certa surpresa. – Como não?

– Eu vou lidar com esse rapaz. – disse.

E a conversa acabou ali mesmo. Ninguém abriu mais a boca depois daquilo. Klaus permaneceu naquele andar, trazendo um a um os seus Pokémon para perto de si e os retornando para as esferas.

Apressado, Anthony caminhou pela rua central, sendo observado por dezenas de cidadãos. Lisanne tentava acompanha-lo para poder trocar palavras com ele, mas naquela altura, nada que ela disse poderia mudar o quê ele pensava. A raiva só se ampliava em seu subconsciente, Meowth era quem mais sentia aquilo. Conforme pisava no chão, mais ofegava. E então avistou o prédio do ginásio e o seu coração acelerou. Estava nervoso, mas o ódio anulava qualquer vontade de ceder à tentação. Rilhou os dentes e pediu para que seu parceiro felino saltasse do seu ombro e seguisse ao seu lado, o quê foi atendido com precisão e durou até o momento em que atingiram a entrada do lugar.

Dois treinadores, sendo um deles apenas um garoto um pouco mais novo que Anthony, os barrou antes mesmo de conseguirem ver quantas pessoas estavam lá dentro. Meowth desembainhou as suas garras tão finas quanto agulhas e afiadas como facas de suas patas, pressionava tanto os dentes que emitia um ruído bisonho. Lisanne chegou um pouco depois, sem a Nidoran que fora deixada para ser tratado no Centro Pokémon.

– Não faça loucuras. – Ela pediu.

Sem responder, Anthony deu um passo a mais e trombou no garoto mais novo.

– Ei, ei! – disse – Acalme-se! O nosso líder pediu para que escoltássemos você até lá dentro.

O rapaz encarou Mark que vacilava temeroso. O outro, cujos músculos eram um pouco maiores que os do mais novo, peitou Anthony, fazendo-o recuar. Muitos treinadores atacariam caso fossem ameaçados, mas Anthony havia de adquirir traços malévolos para mandar seu parceiro ferir um oponente desarmado. Entreolharam-se por um momento e o de quinze anos empurrou seu colega para o lado.

– Venha. – prosseguiu ressentido, mas sem mudar a postura de boas vindas. – Klaus pediu para que eu trouxesse você o mais rápido possível, ele tem pressa.

Queria poder falar mal daquele cara, mas foi impedido por Lisanne. Meowth permaneceu imóvel até o momento em que os quatro entraram no edifício. Procederam pelo corredor escuro do ginásio. Anthony estava colado em seus amigos por algum tempo... Antes de chegar à arena do local. Uma vez que mergulhou de corpo inteiro na área do inimigo lhe foi arrancado sua única companhia humana, Lisanne.

Os dois guardas a arrastaram aos limites de um grande salão de paredes amarelas com arquibancadas e o chão foi delimitado com linhas brancas, formando um retângulo cujo interior de terra fresca possuía rochedos espalhados por ele. Viu sua nova amiga ser colocado longe dele. Imediatamente, Meowth saltou na direção dos homens que a levaram. Só que ele precisou tocar o piso para se impulsionar e rasgar os seus adversários e de repente um projétil arredondado esmigalhar seu peito e o projetar contra a arena.

– Meowth! – Rugiu. Vendo seu parceiro cair das alturas e colidir com o pé de uma rocha. – Maldição!

– Imprudente. – uma voz gélida o fez virar a face. Era um homem alto de cabelos muito negros e olhos tão negros quanto, quase uma escuridão envolvente. – Você não deveria existir, sabia? Caso o contrário, não sofreria o quê vai ter de sofrer, moleque. – As feições extremamente robustas faziam-no aparentar ser um guerreiro, mas o corpo era magricela quando comparado ao de um brutamonte como os seus melhores guardas.

– Seu... – Tentou dar uma ordem para Meowth, mas o som de solo se partindo surgiu abaixo do felino e uma pancada ascendente explodiu em seu ombro e o lançou para cima com o intuito de fazê-lo se esparramar no chão.

– O quê?! – Viu um ser parecido com um dedo emergir do chão.

A Pokédex apitou: Diglett, um Pokémon terrestre encontrado nos arredores de algumas cidades de Kanto. Há apenas uma característica que o diferencia de uma pedra redonda, essa é o seu nariz vermelho e circular onde dois dentes se localizam. O motivo para se preocupar com essa criatura é ocasionar uma enorme teia de túneis ou criar um buraco para capturar as suas presas. Cuidado: Ele sente a aproximação de seus oponentes com o toque do solo.

– Diglett! – Gritou Anthony. – Um inimigo que se move pelo solo?

– É meio óbvio, não acha? Afinal esse ginásio é composto por Pokémon terrestres. – Ele entrou na área delimitada. – Venha para que eu possa lutar contigo sem limitações.

– Não caía na ladainha dele, Anthony! – pediu Lisanne, mas foi interrompida pelo golpe de um dos guardas.

Meowth ergueu-se subitamente, sentindo a enorme energia negativa que seu dono emanava. Envolto por ódio, o felino rasgou o ar e manobrou o corpo para que as garras fossem de encontro com o Diglett. Mas tão rápido quanto o voraz Meowth veio o Sandshrew de Klaus, usando de suas escamas costeiras para defender seu parceiro. Em formato esférico, o tatu tornou-se ainda mais resistente que antes e agora estava colado com o corpo do gato, segurando as suas patas para que mantivesse o oponente preso. Diglett adentrou no solo e emergiu como uma mola contraída e expandida, mandando o projétil amarelado diretamente contra o rosto de Meowth.

Pokédex: Sandshrew é um Pokémon terrestre que pode se incorporar em um formato esférico e tem uma pele escamosa e ao mesmo tempo seca muito resistente. Cuidado: São ágeis e poderosos quando esféricos.

E sem que pudesse reagir, o gato caiu no chão mais uma vez, alvejado pelo mesmo rachar do piso e o surgimento do terrestre pela segunda vez, lançando-o para cima. O seu corpo aventou-se no processo e ele veio a tocar o chão com as quatro patas. Aguçou os seus sentidos para antecipar o ataque do tatu e ir para a esquerda, onde foi emboscado pelo Diglett, recebendo uma pancada leve em uma das patas traseiras. Grunhiu sem muito a fazer e usou a cauda para se apoiar, mostrando os dentes afiados. Klaus aproveitou o estardalhaço para sacar sua terceira e última esfera para deliberar um rinoceronte pedregoso sobre o chão.

Pokédex: Rhyhorn é um Pokémon pedregoso cujas partes servem como uma rija armadura que dizem ser impenetrável. São geralmente agressivos apenas com os invasores de seus lares e emitem uma espécie de impressão amigável com aqueles que lhes mostram respeito. Cuidado: Sua força é tanta que ele é o responsável pelo desmoronamento de cavernas e também por bloquear passagens subterrâneas e soterrar andares do subsolo.

– Três contra um? – perguntou Anthony.

– Pois é. – disse Klaus, inescrupuloso. – Rock Blast! – ordenou.

Meowth cambiava golpes entre o Diglett e o Sandshrew no ar, ricocheteando as garras em seus pontos fracos. O tatu entrou em sua forma de combate e caiu sobre o felino e foi segurado com alguma dificuldade, sem poder girar por ter vindo de cima. Diglett lesionou a outra pata do adversário quando ele menos esperava. Enquanto isso, o rinoceronte foi aumentando uma pequena pedra entre seus lábios rugosos. O projétil reluziu e começou a aumentar até ser maior que dois punhos juntos e condensados. Alterou a sua movimentação, voltando todo o peso sobre a cauda e apunhando a parte desprotegida do Sandshrew. O Diglett até que tentou fugir, mas não conseguiu diante de uma das patas lesionadas do felino. Trocaram golpes em vão e permaneceu colado em seus dois adversários sem poder afastar-se. O tatu grunhiu com a dor do ataque anterior.

– Saia daí, Meowth! – Gritou Anthony. A tensão tomou todos os seus músculos e ele pensou em correr, mas não podia abandonar o seu mais novo companheiro daquele modo.

A esfera rasgou o ar e explodiu no peito do gato para criar uma explosão que engoliu os dois oponentes e o próprio Anthony. Por um segundo, o rapaz achou que pudesse alcançar o seu parceiro. Meowth achou o mesmo. Resquícios sólidos da estrutura esférica carimbaram sua perna e seu ombro esquerdos, fazendo-lhe rugir em agonia e estacar. Finalmente, a luz esvaiu-se dos olhos do garoto e ele apagou.


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Notas finais do capítulo

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