Liars and Killers escrita por A Lovely Lonely Girl


Capítulo 31
Capítulo 27


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal. Muito obrigada a todos que já leram "Liars and Killers", vocês são incríveis, sério. Eu sumi durante muito tempo porque não tinha nenhuma inspiração, então resolvi fazer algo que já não fazia há muito tempo - ler. E foi, sem dúvida alguma, a melhor decisão que já tomei. Consegui terminar um livro que estava empacado, "A Canção da Órfã", em seguida li "Sol da Meia-Noite" (crepusculê) e agora estou terminando o primeiro livro da saga "Trono de Vidro". Estou muito feliz e realizada por conseguir voltar a me apaixonar por leitura, afinal, sem leitura, é extremamente difícil escrever. É como se respirar ficasse mais leve, e agora voltei a me apaixonar por mil histórias diferentes, estou ansiosa para as próximas que virão (quem quiser, tenho a listinha de livros que já li).

Muito obrigada por acompanharem a história. Peço perdões pelo capítulo piegas.



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{Loki, God of Mischief}

 

A pequena criatura encapuzada me encarava, seus grandes olhos dourados pareciam desvendar a minha alma. Engoli em seco, sabendo o quanto aquela criança era poderosa. Suas vestes eram negras com adornos em dourado. Ela tirou o capuz, revelando cabelos ruivos cacheados rebeldes, como se tivesse corrido por um bom tempo até chegar na porta do apartamento. A garotinha abriu um enorme sorriso, e tudo pareceu congelar por um momento. No instante seguinte, o vendaval dentro do apartamento começou.

— Milorde. - A criança fez uma breve reverência, seguida de um riso travesso.

— Pequena Urd. - Sorri de lado, tentando controlar o arrepio desagradável que atravessou o meu corpo. O passado nunca deixaria de me assombrar?

— Você foi muito amado um dia, não é verdade, Loki? - Seus olhos avaliavam meticulosamente minhas feições. - Você foi um bom príncipe, mas um rei breve e egoísta. - A garotinha passou por mim, entrando no apartamento. Eu sabia muito bem que a Norna do Passado poderia ser a mais cruel de todas, se assim desejasse. Ela começou a falar mais alto devido a ventania que acontecia ali dentro. Quando me virei, notei que as mãos de Sigyn começavam a emanar uma clara luz azul, aquela era a aura de sua magia. A deusa estava pronta para lutar. - Seu erro, meu caro Loki... - Urd se virou para mim enquanto andava de costas, suas madeixas ruivas começavam a se emaranhar devido aos pequenos furacões e à ventania. - Foi dar ao povo o que ele queria, não o que ele precisava.

A Norna não parecia se afetar pelo vendaval, seus passos eram firmes e decididos enquanto ela seguia para o hall dos quartos, o centro da catástrofe. Sigyn se aproximou de mim, furiosa.

— LOKI, O QUE VOCÊ FEZ DESTA VEZ? - Observei seriamente a asgardiana.

— Me poupe, falsa bruxa. - Seus olhos claros passaram para um tom anormalmente azul, sua aura estava cada vez mais forte.

— Não me faça demonstrar a força da minha magia, Jotun. - Ela trincou os dentes. Sorri com desdém:

— Finalmente estamos expondo nossas verdadeiras formas, não? - Surgiu uma adaga em cada mão de Sigyn quando ela abaixou suas mãos. Repeti o seu gesto, estava pronto para lutar. Era muito estranho a hostilidade repentina da deusa da fidelidade, porém, eu sabia que a presença da Norna do Passado causava reações diferentes em cada ser que cruzava seu caminho. Não poderia permitir que Sigyn cometesse algum erro irreparável apenas devido à presença de Urd.

A ruiva correu em minha direção com uma lâmina apontada para o meu dorso, o que me fez crer que, de alguma forma, ela não estava usando sua sabedoria em combate. Como se ela não soubesse mais lutar... Foi então que compreendi. A presença de Urd fez com que a deusa voltasse a ser apenas uma Aesir comum, sem suas habilidades como guerreira ou em magia.

Fora antes de Odin e Frigga a terem acolhido em Valhalla, antes de Sigyn ter se tornado a protegida do Pai de Todos. A olhei nos olhos, ciente de que, a cada segundo que Urd permanecia no mesmo cômodo que Sigyn, a asgardiana retornava ao seu estado prévio ao de aprendiz.

— Controle-se, Sigyn. Você está sendo afetada pela presença da Norna do Passado.

Infelizmente, eu compreendia perfeitamente o momento no qual Sigyn parecia estar presa. Afinal, ainda éramos jovens, especialmente ela, quando acreditava que havia se apaixonado por mim.

Uma vez havia muitos séculos, a deusa da fidelidade cria que o que compartilhávamos era amor, ou ao menos uma paixão; porém, eu estava apenas curioso por conhecer um ser tão inocente e fascinantemente bom — e eu, egoísta e traiçoeiro como era, tentara corrompê-la ao tomá-la como minha e logo parti seu coração. Mais uma vez, Sigyn me surpreendera: ela não lamentara a minha perda ou o fato de que a havia enganado; a Aesir me confrontara, demonstrando toda a sua fúria. Aquela fora a primeira vez que sentira algo tão forte a ponto de despertar a magia que havia em seu cerne. A partir daquele dia, ela se tornara aprendiz de Frigga e protegida do Pai de Todos. Eu pensava que a ruiva me odiaria para sempre, mas o que me surpreendera não era o fato de eu ter falhado em corromper seu coração e seu espírito, nem o fato de que ela havia me perdoado num piscar de olhos. O que havia sido genuinamente surpreendente para mim fora quando ela me oferecera sua amizade.

Eu a havia traído, enganado e manipulado, e mesmo assim ela me perdoara rapidamente e se oferecera como amiga. No começo, eu não confiava em Sigyn - ou em qualquer outro ser em todos os outros Universos e Realidades. Porém, com o tempo, compreendi que a ruiva era uma criatura rara, forte, resiliente e segura de si; o suficiente para confiar até no ser mais traiçoeiro que já caminhara pelos Nove Reinos. Ela então se tornou minha única verdadeira e valorosa amiga.

Observei pela minha visão periférica o avanço de Urd até o hall dos quartos, onde o maior redemoinho estava. Sem se abalar, ela entrou no olho do furacão e a perdi de vista. Não tive tempo de correr ao seu encontro e impedir o que quer que a Norna estivesse tramando porque uma aura ameaçadora de magia rodeava o corpo de Sigyn. Engoli em seco, pois estava ciente da catástrofe iminente revelada pelos pensamentos caóticos de Sigyn. Teria que contê-la se fosse necessário, já que, como ela estava retornando ao seu estado prévio ao de aprendiz, ela não se lembrava de como deixar sua magia sob o controle de seus pensamentos. Se eu não a controlasse, ela poderia destruir todas as Américas de uma só vez. Eu teria que manter seu ódio focado em mim para que ela não afetasse Midgard e revelasse nossa localização para as tropas de Asgard. Quando encontrasse a deixa, abriria um portal para Svartalfheim e deixaria que ela destruísse o quanto desejasse do quase deserto Reino dos Elfos Negros.

A aura de sua magia cobriu toda a íris e a córnea de seus olhos, um azul safira tão intenso e brilhante, capaz de causar medo em qualquer ser não dotado de magia. Seu maxilar estava tenso, seus dentes cerrados estavam à mostra, suas feições estavam franzidas de puro ódio. Prendi minha respiração por um segundo, minha mente estava acelerada tentando prever todos os possíveis desfechos que nosso confronto poderia gerar.

De repente, ouvi um grito estridente vindo do quarto de hóspedes.

            - Katherine. – O tom na voz de Sigyn era de uma preocupação genuína. Franzi o cenho quando, sem hesitar, a deusa me deu as costas e correu até a porta do quarto. Olhei para o chão, onde pegadas azuis brilhantes a seguiam. Ergui as sobrancelhas. Cada poro da asgardiana exalava magia pura, vinda diretamente de seu âmago.

            - Sigyn, eu...

            - Katherine é minha responsabilidade, trapaceiro! – Rugiu ela, fazendo com que as adagas em suas mãos desaparecessem. – Fique longe dela!

            Com um pequeno movimento de sua mão, a deusa arrombou a porta e entrou no quarto.

            - Que merda. – Praguejei, cerrando os dentes. Com todo aquele barulho, seríamos descobertos logo. Observei os furacões, não me importando com isso. Afinal, se aquele feitiço fosse realmente feito para ferir, um furacão centralizado no prédio seria o suficiente para acabar com tudo. Era quase como uma demonstração, uma mera exibição. Talvez para indicar que seres mágicos estavam cientes de meu esconderijo ou da localização de Sigyn? Seria aquilo uma mensagem hostil?

            Franzi os lábios, em seguida fiz com que minhas adagas sumissem e me sentei no chão, exatamente onde estava. Cruzei as pernas e deixei minha mente vagar pelos pensamentos de humanos no exterior do apartamento. Respirei fundo ao perceber que alguns já consideravam chamar a polícia devido ao barulho. Coloquei minha mão esquerda sobre o chão, preparando-me para emanar apenas a quantia certa de magia para cobrir o apartamento todo. Virei minha palma direita para cima, logo, o desenho de uma runa verde brilhava em minha mão. Sussurrei o feitiço baixo, sabia que não era nada muito complicado, porém, como seria usado em uma área maior do que estava acostumado, pensei em todas as possíveis consequências de esbanjar demais do que os feiticeiros antigos chamavam de mana – algo definido como “a quantidade de magia necessária para realizar certo feitiço”, apesar de, na prática, magia não poder ser quantificada. Estudiosos mais novos em magia então abandonaram tal conceito, porém, para aqueles que haviam começado a estudar magia havia mais de quinhentos anos atrás, como eu, estávamos acostumados a controlar magia através da dita “quantificação”.

            Respirei fundo. Visualizei em minha mente minha aura se expandindo sobre o chão, seguindo por todas as paredes, entrando por todas as portas e janelas, por trás dos móveis, seguindo até o teto. Cobrindo cada fresta, cada milímetro daquela moradia midgardiana medíocre na qual eu estava confinado até encontrar uma fuga no mínimo razoável dos exércitos de Asgard.

            Sabia que, se usasse muito de minha magia, as consequências poderiam ser desagradáveis. Se qualquer ser vivo fosse atingido pelo feitiço, acabaria sentenciado ao silêncio absoluto até o fim de sua existência. Um deslize apenas e eles – os asgardianos - seriam capazes de seguir o meu rastro. Quando senti que a raiva começava a pulsar em minhas veias, quando senti minha magia se fortalecendo, estiquei a palma da mão direita e bati no chão com força o suficiente para parar um trem em movimento. Em menos de dez segundos, o brilho de minha aura tomou cada canto do apartamento e desapareceu. Aguardei a reação dos humanos fora do apartamento. Vaguei sobre os pensamentos das pessoas mais próximas, as mais incomodadas com o barulho. Alguns se questionavam sobre a parada súbita dos barulhos caóticos vindos do apartamento, outras, apenas ficavam aliviadas com a restauração do silêncio. Me levantei do chão, disposto a hipnotizar qualquer humano intrometido que quisesse bater à porta.

            Suspirei, observando o furacão no qual Urd havia entrado. O que aquela pestinha estava aprontando?

            Os furacões pararam todos de uma vez só.

            Urd estava parada com um enorme sorriso no rosto, seus olhos estavam fixos em uma pedra dourada em sua mão. Seu cabelo estava completamente desgrenhado e sua capa estava ao contrário, mas ela não pareceu se importar com isso.

            Ela olhou para mim, em seguida, com um meio sorriso travesso, arremessou a pedra em minha cabeça. Logicamente, segurei a pedra antes que ela me atingisse. A observei por um momento, no centro da pedra oval havia um símbolo cravado em preto que conhecia muito bem. Arregalei os olhos para a Norna, que sorriu de lado:

            - Os humanos têm uma expressão para isso, sabia? Se Maomé não vai até a montanha...

            - VOCÊ NOS ENTREGOU! – Apertei com força a pedra em minha mão. – Sua... Sua...

            Minha mente parecia se embaralhar ainda mais a cada segundo que tocava aquela pedra, porém, eu sabia bem que, se a soltasse, um sinal atravessaria os céus e poderia ser sentido em Asgard, ele era diretamente direcionado ao Trono de Odin. Uma runa dourada de Odin. Já havia ouvido histórias sobre como era poderosa, capaz de confundir a mente de quem a segurasse, causar uma dor intensa até que a pessoa seja obrigada a soltá-la, assim, revelando sua localização para Asgard. Respirei fundo enquanto sentia começar a suar frio, todas as minhas juntas pareciam arder e meus órgãos internos, se contorcer dentro de mim. Thanos já havia feito coisas piores comigo, então, o que seria uma dor excruciante para mim antes de encontrar o Titã Louco, naquele momento, parecia um mero tapinha de criança.

            Katherine irrompeu pela porta do quarto de hóspedes, parecia cansada e desorientada, como se sua energia tivesse sido sugada.

            - L-Loki... – Ela ergueu a mão para mim, mas ainda estava muito longe, nem sequer havia saído do hall dos quartos. Não aguentei muito mais ficar em pé. Meus joelhos fraquejaram e me obriguei a tentar suportar ao máximo. Já que a runa não me venceria pela dor, ela estava começando a me imobilizar. Minhas mãos pareciam formigar, enfraquecidas. Ela queria que eu a soltasse. Meus joelhos fraquejaram, acabei caindo para frente, me obrigando a ficar o mais ereto possível. O impacto de meus joelhos contra o chão foi desagradável, e acidentalmente trinquei o porcelanato do chão com um baque seco.

            A humana patética se aproximava debilmente, quase se arrastando. Quando percebeu que eu segurava algo, esticou a mão para mim. Neguei com a cabeça. No momento em que ela tocasse a pedra, poderia morrer instantaneamente.

            “Até que não é má ideia”; disparou meu subconsciente. “A humana morta. Resolveria nossos problemas. Pelo menos, parte deles. Ela seria pulverizada, como se nunca houvesse existido. Ninguém se lembraria dela. Os Vingadores não viriam atrás de nós”, continuou ele.

            Sorri. Sim, sim... Eu não deixaria que Katherine atrapalhasse meus planos, nunca mais.

            Vi de soslaio que Sigyn saíra do quarto com Elise ensanguentada em mãos, o sangue cobria as madeixas ruivas da deusa. Elise estava pálida, suas pupilas estavam brancas, o rosto do cadáver da mortal estava paralisado com uma expressão de puro terror. A magia de Sigyn havia causado danos colaterais, afinal. Isso explicaria o porquê de Katherine se dirigir a mim – estava desesperada para salvar a própria progenitora. Os olhos da deusa se arregalaram quando ela me encarou, quando vislumbrou o dourado da pedra que eu estendia para Katherine. Se eu caísse, levaria alguém comigo.

            - KATE, NÃO! – Gritou a ruiva, mas era tarde demais. Os dedos da mortal rodearam a pedra, então, uma intensa luz branca cobriu a todos nós, e a tudo ao nosso redor, quase nos deixando cegos.

 

            {Katherine Adams Kohls}

 

            Fechei os olhos com força, a luz era forte demais para mim. Eu esperava pelo pior. Todos nós havíamos morrido, estávamos em um limbo eterno e tedioso, aguardando que nossas almas fossem separadas para Valhalla ou Hellheim. Respirei fundo.

 Pelo menos, não perderia minha mãe. Depois que um portal azul se abriu no meio do quarto, uma criatura havia saído. Ela tinha cerca de 2 metros de altura, com pernas mais curtas, braços longos com garras e dentes afiados enormes. Não tive tempo de reagir quando ela pulou em cima de mim – e Elise, mesmo horrorizada, se colocou entre mim e o monstro. Aquela coisa a arrastou para o outro lado do quarto enquanto eu segurava o gato, paralisada, assistindo enquanto a criatura arrancava as tripas de Elise com os dentes. Eu vi o exato momento em que tudo ficou vermelho, o sangue jorrava de seu corpo inerte. Ela não gritou – algo naquela coisa a paralisou, com uma expressão aterrorizada. Quando observei o rosto de minha mãe, as córneas, as pupilas... Estavam brancas.

            Eu não havia chorado, e só muito tempo depois – só depois de Loki me arranhar para escapar da criatura que seguia em nossa direção -, um grito estridente conseguiu escapar do fundo da minha garganta. Depois que Sigyn apareceu no cômodo, ela havia enviado a coisa de volta por onde viera, fechara o portal e estava tentando ressuscitar a minha mãe quando eu percebi que o Loki poderia ajudar.

            Entretanto, nada mais importava já que todos nós estávamos mortos.

            - Kate? – Perguntou uma voz melodiosa. Senti braços me rodearem, um abraço não correspondido por minha parte. Quando abri os olhos, vi o apartamento perfeitamente arrumado, tudo havia voltado ao normal. O cabelo comprido de Sigyn parecia uma cortina roçando na ponta do meu nariz.

            - Não sabia que o purgatório é o último lugar que você vê antes de morrer. – Ela me soltou, seus olhos estavam vermelhos, suas bochechas, marcadas com o caminho das lágrimas que caíam sem parar. Me afastei e murmurei. – Se soubesse disso antes, teria morrido num shopping, pelo menos. – Eu sentia que parte do meu cérebro estava desligada, como se eu não conseguisse processar o que via.

            - Não há purgatório nenhum, Katherine. – Sigyn disse, com a voz embargada. Ela limpou suas lágrimas com as palmas das mãos. – Você... Você mudou tudo. Você mudou tudo, Kate! – A voz dela transbordava alívio e felicidade. Ela me abraçou com força novamente, porém me sentia muito confusa, olhando em volta. Me desvencilhei de seus braços violentamente, subitamente sentindo minhas bochechas esquentarem de raiva. Segui até Loki, que estava paralisado, me olhando com olhos perplexos.

            - Quantas vezes você vai tentar me matar? – Minha voz era baixa, contida, enquanto me controlava para não explodir. – O que você quer comigo? – Segurei firme o colarinho de sua camisa. O deus fixou os olhos nos meus, quieto como um túmulo. Minhas mãos tremiam, trinquei os dentes. – O que quer de mim? O que você realmente quer de mim? – Ele engoliu em seco, seu corpo levemente curvado em minha direção pela pressão em minha mão, o puxando para que olhasse diretamente nos meus olhos. Ele franziu o cenho por um instante, olhando fundo nos meus olhos. Ele até inclinou ainda mais a cabeça para mim, nunca desviando o olhar do meu. Em seguida, pareceu ficar mais pálido do que já era. Num segundo, recompôs sua postura fria e distante e cerrou os dentes:

            - Quero que você desapareça. – Soltei seu colarinho, tentando disfarçar o meu choque, mas o deus não se afastou. - Não sei que tipo de aberração você é, e até agora confesso que estava extremamente tentado a descobrir, porém, se tiver que arriscar o meu pescoço para conseguir respostas, prefiro que você simplesmente suma.

            Me controlei, sentindo paralisar, com as bochechas coradas e as mãos tremendo ainda mais. Eu não choraria na frente do deus da mentira, eu não demonstraria fraqueza, eu não deixaria que suas palavras mudassem nada...

            - Que direito você acha que tem de falar com a minha filha assim? – A voz de Elise me fez sobressaltar, e Loki, surpreendentemente, se ergueu e deu alguns passos para trás, se virando para a minha mãe. – A única aberração aqui é você, seu gigantão desengonçado.

            Comprimi os lábios, segurando o riso. “Desengonçado” seria a última palavra que eu usaria para descrever a figura à minha frente. Me virei para Elise, que soltava fogo pelas ventas. Ela estava ali, comigo, viva. Era só isso que importava.

            - Não se preocupe com isso, mãe. – Olhei para Loki. Por sorte, Elise nunca me ouvira pronunciar o verdadeiro nome do trapaceiro. Eu devia agradecê-lo? Ao que me parecia, se ele não tivesse me dado aquela pedra dourada, não estaríamos todos ali. E Elise estaria... Morta. Engoli em seco com esse pensamento, em seguida me virei para a minha mãe. Ela parecia bem, apesar de estar com raiva. – Ele não passa de um mauricinho que não enxerga além do próprio umbigo. – Segui até ela, segurei suas mãos. Eram reais e macias e quentes contra as minhas. Ela estava viva, não era apenas uma ilusão da minha cabeça. Seus olhos não estavam brancos, ela estava perfeita, como antes dos furacões começarem. Franzi o cenho, a observando. – Mãe... Do que você se lembra?

            - Como assim, Katherine? – Ela me observou com um meio sorriso. – Tínhamos acabado de nos entender sobre você ficar em New York. Você concordou em terminar qualquer que seja a sua relação com aquele Vingador... – Sigyn arregalou os olhos para mim, Loki se manteve inexpressivo enquanto eu tentava ver se realmente era verdade o que ela dizia. Elise não estava mentindo. – E íamos tomar um chá e conversar sobre você morar com a Sarah até eu escutar essa criatura indelicada chamar a minha própria filha de aberração. – Ela direcionou um olhar de censura ao Loki.

            O deus parecia alheio às acusações e aos insultos que lhe eram dirigidos. Estava focado em outra coisa, suas írises se moviam rapidamente sobre o ambiente em volta. Isso indicava que ele estava refletindo, e seus pensamentos surgiam e se refutavam rápidos como raios em sua mente. Franzi os lábios. No que ele estava pensando para estar visivelmente perturbado daquela maneira?

             A campainha do apartamento tocou. Loki, Sage e eu prendemos a respiração no mesmo instante, cientes de que aquele fora o momento no qual os furacões começaram – ou, se aquilo fosse uma espécie de looping temporal, os furacões começariam logo. Sigyn me encarou e em seguida fitou o deus da mentira, assentindo firmemente. O brilho firme em seu olhar dizia que ela estava resiliente e pronta para encarar o que quer que fosse. Algo havia mudado – meus instintos me diziam. Senti um calafrio na boca do estômago quando o moreno atendeu à porta.

            - Minha querida Urd. – Sua voz era de um entusiasmo ensaiado.

            - Olá. Thomas. — A voz era de uma criança.

            - Por favor, entre. – Ele deu um passo para trás, e uma garotinha ruiva com cachos cheios surgiu, usava um vestido longo de mangas longas, preto, com flores desenhadas em dourado nas mangas, na cintura e na barra do vestido. Ergui as sobrancelhas. Então aquela era a Norna do Passado. Talvez fosse a ela quem eu deveria agradecer por ter revertido o que aconteceu?

            Urd entrou, caminhando calmamente pelo apartamento. Ela sorriu para Elise, que colocou as mãos na cintura encarando o moreno.

            - Boa tarde, senhora. – Sua voz era doce, ela parecia uma criança adorável. Porém, ao notar a tensão de Loki, fiquei alerta. Para um feiticeiro forte como ele ficar tenso, a Norna teria que ser extremamente poderosa. – Eu sou Urd, uma antiga amiga do Tom e da Sage. – A Norna sorriu para a deusa, que lhe ofereceu um meio sorriso carinhoso. As duas pareciam realmente ter uma relação de intimidade. Seus olhos dourados se voltaram para mim, e seu sorriso se alargou. – E você deve ser a Kate, né? A Sage não parava de falar sobre você quando me visitava. É um prazer te conhecer.

            - Fico feliz em te conhecer também. – Sorri, esperando que a minha mãe não notasse o quanto eu estava tensa. Indiquei Elise à Norna com um gesto de mão. – Essa aqui é minha mãe, Elise.

            - Olá. Muito prazer. – Cumprimentou ela, em seguida se virou para mim. – Filha, nossa conversa ainda não acabou. – Assenti.

            - Vem, mãe. Vamos conversar no meu quarto.

{...}

 

{Amora, The Enchantress}

 

Respirei fundo, em seguida soprei a minha caneca fumegante de café. Quando consultei minhas runas do presente, vi que Loki já havia desvendado o quanto a midgardiana o comprometia. E que ele tomara a sábia decisão de se afastar dela. E Elise... Ah, pobre Elise Bradford. Quando Urd me pedira para demonstrar seus poderes e provar sua identidade de Norna para a garota, nenhuma de nós considerara que a mãe da garota seria morta – o portal provocado pela magia anormalmente instável de Sigyn não era exatamente algo fácil de se prever. Nossa sorte é que Urd conseguira reverter aquilo, a runa dourada de Odin havia saído melhor do que o esperado.

A runa de Odin era originalmente branca, sem nenhum desenho específico, porém, a mensagem na pedra que fora cravada por mim, “Revelação”, acabou funcionando bem. Afinal, Katherine ainda tinha dificuldade em conhecer sua própria força interior, assim como suas verdadeiras habilidades. Levei a caneca à boca, sorvendo o líquido amargo. Meus olhos se fixaram em Henry Wright, e bastou uma olhada em sua mente para compreender o quanto sua história era bem mais complicada que a maioria dos humanos.

Se ao menos ele soubesse o quanto ele será fundamental para o plano...

Ele logo tomou ciência de meu olhar, e, quando ele me dirigiu um meio sorriso, ele considerava duas coisas: eu estaria ali para matá-lo ou eu não passaria de mais uma mulher que o desejava carnalmente? Sorri de volta, ciente da reação que causava nos mortais. Eu poderia enfeitiçá-lo facilmente, porém, eu não devia provocar Katherine daquela forma; pelo menos, ainda não.

A situação da garota era bem mais complicada do que deveria, me surpreendia que a alma dela não tivesse sido feita em pedacinhos. Comprimi os lábios quando me lembrei do que havia ajudado a fazer – colocar uma valquíria umbracinética incontrolável no corpo de uma jovem midgardiana não era exatamente um bom plano para forçá-la a despertar seu verdadeiro eu. Entretanto, Frigga previra tudo, e suas ordens foram bem claras. Ela passara séculos procurando uma forma para que Asgard continuasse prosperando, para que sua família continuasse completa, e, após muitas visões errôneas e tentativas falhas, aquela fora a única forma que a rainha encontrara. Se algo desse errado, seria exaustivo ter que arrumar toda a bagunça, teríamos que tentar tudo de novo.

Coloquei meus dedos nas têmporas, suspirando. Minha cabeça parecia latejar com as possibilidades, com os vislumbres confusos do futuro que as runas me revelavam. O futuro era uma linha tão tênue, tão instável...

Se algo der errado dessa vez, eu juro por Yggdrasil que eu...

— Aproveitando a visita à New York? – Uma voz grossa disse. Ergui a cabeça, observando um homem magro, moreno, de cavanhaque e olhos azuis. Ele usava um terno preto simples e uma gravata vermelha. Suas mãos danificadas estavam cobertas por luvas de couro pretas. Ergui uma sobrancelha.

—  Se há algo com o qual eu não esteja familiarizada, é com o encontro de manipuladores do tempo, Doutor Strange. – O homem se sentou à minha frente, obstinado a desvendar o meu propósito. O Olho de Agamotto pendia em seu pescoço. Minha expressão se tornou séria.

— Você me parece um tanto apreensiva, Encantor. – Observou o homem. Forcei um sorriso.

— Apreensiva? De modo algum. Estou apenas... distraída. – Bebi mais um gole da pequena xícara, que rapidamente se encheu. Lhe dirigi um meio sorriso e ronronei. – Ora, obrigada, Doutor. – Dirigi a xícara aos meus lábios mais uma vez.

— Por que está aqui, feiticeira? – Repousei a xícara no pires e os empurrei para o lado. Suspirei, o observando.

— Sei que devo lhe contar, mas primeiro... – A runa da verdade surgiu na palma de minha mão. – Coloque a mão sobre a minha e prometa-me que não falará com ninguém a respeito do que lhe contarei.

Seus olhos brilhavam, desconfiados. Depois de avaliar discretamente a marca em minha mão, o mago retirou sua luva e colocou a mão sobre a minha.

— Eu prometo. – Nossas mãos se soltaram, e limpei a garganta:

— Por onde começar?... Bem, a rainha de Asgard demorou muito tempo para compor o plano perfeito para salvar o nosso lar sem ter... Muitos sacrifícios, digamos assim. Além do dela próprio, é claro. Se ela estivesse aqui, cuidaria dos detalhes por si mesma; mas, como ela não se encontra mais entre os vivos, me encarregou de dar continuidade a seu plano. Devo protelar o inevitável e doloroso fim de Asgard.

— Então...

— Sim, mago. – O interrompi, prevendo sua pergunta seguinte. – O fim de Asgard, dos deuses, do meu povo... Está próximo. Não perderei tempo lhe explanando a complexidade do fim dos tempos para nós, seria extremamente exaustivo e...

— Eu li sobre o Ragnarök. Compreendo como o ciclo funciona.

— Mas não compreende o quanto é frustrante e confuso, ou como as almas retornam a novos corpos, mas milhões de lembranças são perdidas no processo. E aqueles que não são fortes o suficiente para completar a transcendência...  – Suspirei, exasperada. – Tu não compreendeste, Grande Mago de Midgard. – Ele ergueu uma sobrancelha, um lembrete do disfarce de ambos.

  - Compreendo que, devido às circunstâncias desesperadas em que se encontra, milady... – Ele se recostou na cadeira, recolocando a luva de couro. – Creio que deva deixá-la cumprir o seu destino. Porém, se a Terra estiver em perigo devido a suas interferências no tempo...

— Se vocês me considerarem uma ameaça, me eliminarão. – Cortei-o, dando de ombros. – É simples. Farei o possível para não interferir mais do que o necessário. Me considere, como vocês dizem?... Nos bastidores, por detrás das cortinas. Afinal... – Sorri, observando o músico humano há algumas mesas de distância, ele estava concentrado no próximo show, em como despistaria aqueles que o queriam morto. – ... Já temos atores o suficiente no palco.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Espero que gostem. Muito obrigada, de coração, por lerem a história. Beijos!!



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