Aika

–Viemos em paz – anuncia Kori com as mãos pra cima.

–Por que eu deveria acreditar num humano? – pergunta ela.

Percebo que ela quer matá-lo e antes de qualquer coisa acontecer, puxo Kori para trás, a flecha atravessa a escuridão passando de raspão por sua cabeça.

–Vocês... – rosna a garota preparando outra flecha.

Desta vez, Kori age rápido, pega sua espada e a desarma com o objeto.

–Verme!

Ela atira algo em nós que não conseguimos ver, pois uma nuvem de fumaça cobre nossa visão, deve ser isso que ela fez.

Kori me empurra para o lado por algum motivo que não entendo, então a fumaça acaba.

Consigo ver Kori caído no chão com um ferimento grave no estômago, ele se levanta e recebe um soco no rosto por causa daquela garota. Ele tenta feri-la com a espada, mas ela se defende com duas adagas e o chuta para trás, fincando uma das facas numa árvore, por pouco não foi no rosto de Kori.

Percebo que estamos em outro lugar, um tipo de floresta coberta por uma espessa névoa. O que houve com a caverna subterrânea?

Kori continua lutando contra a garota, mas parece mais disposto a fugir dela do que lutar, ela é rápida e não o deixa machucá-la. Quase não consigo vê-los na neblina, mas sei que Kori precisa de ajuda.

De repente, a lembrança de Sora me dá socos na cara. A dor de vê-lo partir sem poder fazer nada.

Não quero lutar... Não quero ver ninguém mais morrer... Estou com medo...

Kori é derrubado, arregalo os olhos ao vê-lo sendo espancado. Felizmente ele chuta a garota de cima de si e se defende do próximo golpe.

Eu deveria ajudá-lo, deveria fazer alguma coisa, mas não me movo.

“O que você quer Aika? Pra ser no futuro?” lembro da dolorosa pergunta de Sora quando éramos apenas crianças sonhadoras.

“Eu quero ajudar as pessoas, ser uma heroína!” palavras tão infantis, eu era ingênua demais, sou covarde demais.

A garota desarma Kori que fica encurralado esperando o suspiro final, sinto-me um fantasma, ninguém olha pra mim ou nota minhas lágrimas inúteis.

É sempre assim, não é? Não mereço sua atenção.

“O que você quer Aika?”... “Aonde você vai?”... “O que você vai fazer?”...

–Ah! – solto um berro que surpreende a todos – Sora! Sora!

Desabo no chão chorando um rio de lágrimas.

–Quem é essa? – indaga nossa inimiga confusa.

Kori geme caindo no chão de joelhos, o ferimento sangra muito.

–Eu quero morrer! – grito para o céu sem prestar atenção aos outros – Sora, eu preciso de você! Por quê? Por quê? Você prometeu...

Ouço o som de lâminas caindo no chão, mas mantenho os olhos fechados. Não quero vê-los, não quero ver mais nada, quero desaparecer.

Por que o chão não me engole ou minha alma se dissolve nessa névoa?

Braços frios me envolvem me deixando chocada. Mas quem diabos está me abraçando?!

É a garota, nossa inimiga me abraça com lágrimas nos olhos.

–Por quê? – questiono perplexa – Você não ia nos matar?

–Tenho certeza de que uma pessoa como você não está pensando em fazer mal algum pra mim – diz ela – Não chore, tenho certeza de que encontrará alguém melhor que esse Sora que te deixou.

–S-Sora não me deixou – falo me afastando – Mas isso não importa agora.

Enxugo minhas lágrimas tentando parecer melhor.

–A-Aika – geme Kori sentado com as costas numa árvore se contorcendo de dor.

–O que eu faço? – me pergunto impotente.

–Deixa, eu posso curá-lo – a garota se oferece – Mas ele vai ser apenas um inútil nessa viagem pra onde você quer ir.

Ela cura mesmo o ferimento dele.

–Meu nome é Sapphire – ela se apresenta depois – E vocês?

–Eu sou Kori, ela é Aika – diz ele.

–Não fale por ela! – Sapphire parece não gostar nada dele – E pra onde vocês estão indo? Por que estão aqui?

–Há uma catástrofe acontecendo na Terra... – fala Kori, mas ela o silencia.

–Fale, Aika – pede.

–Ah, ah...Eh... E tto... A culpa é de Kami – digo gaguejando – Precisamos pará-la antes que destrua o mundo.

–Parece interessante – comenta Sapphire – Mas o que isso tem a ver com o Inferno?

–Precisamos da chave... – ela silencia Kori de novo.

–Aika.

–T-tem uma chave pra nos levar até Kami – respondo envergonhada – Viemos pegá-la.

–Vou com vocês – decide ela.

–O quê?! - exclama Kori indignado.

–Calado! – Sapphire lança um olhar de ódio pra ele.

–Ei! Qual o seu problema comigo?! – reclama ele.

–Você é um idiota, assim como toda sua espécie de homens da Terra – diz ela.

–Quê? Não me compare com todo mundo! – protesta Kori.

–Você é igual a eles! Com certeza é! – concorda.

–Ah! Cale essa boca! – ordena ele.

–Um verme como você não tem palavra em meu território!

–Sua...

–Kori – o repreendo – Vamos logo. Os outros devem estar preocupados conosco.

–Há outros? – pergunta Sapphire enquanto adentramos a neblina.

–Sim – afirmo – Hikari e Chiyo.

–Outro inútil – comenta ela – Mas em compensação, uma garota. Ela é bonita?

–Muito – respondo.

–Isso soa yuri – percebe Kori.

–Eu sou yuri. Algum problema? – conta Sapphire.

–Ah, entendi – Kori olha pra mim de olhos arregalados.

Minhas mãos suam, fico nervosa. Sei o que ele está pensando.

–Onde estão esses outros? – indaga Sapphire sorridente.

–Não sabemos – responde ele.

–Não perguntei a você!

–Ui, égua! – provoca ele.

–Quer morrer? – ameaça ela – Posso fazer isso rapidinho.

–Sapphire – chamo preocupada.

Kori é tão prepotente que nem tem medo, mas deveria, ela quase o matou antes. Desvio do assunto:

–Aqui é o Inferno? Onde estão os mortos e os gritos?

–Aqui é minha casa, não gosto de ser perturbada – responde ela – Por isso, fiz uma barreira.

Ela bate no ar e ele se mexe como água envolvendo toda a floresta, uma barreira.

Atravessamos a barreira e me encolho de repulsa. O que aconteceu com a floresta silenciosa e apaziguadora?

Gritos de agonia quase fazem meus ouvidos explodirem, fecho os olhos pra não ver todo aquele sangue, aquelas pessoas sofrendo eternamente neste lugar horrível. Corpos apodrecidos ou em carne viva, os olhos saltados, implorando por um fim. Não posso aguentar ver isso, é repugnante demais, sinto pena, e não posso fazer nada.

Será que um dia depois da morte não estarei no meio deles sofrendo assim também?

–Não se preocupe – Sapphire segura minha mão – Não vou deixar nada te acontecer.

Fico corada. No que ela está pensando? Eu não...

Vejo que Kori está com as sobrancelhas arqueadas pra mim.

–O que você está olhando?! – Sapphire também percebe e se altera.

–N-nada, é que isso é muito yuri – comenta ele.

–E o que um verme como você tem a ver com isso?! – questiona ela num rosnado.

–Você é que é uma...cadela!

Ele me puxa pra perto dele, Sapphire ferve de ódio.

–Verme!

Acabo dando um passo para trás por medo e tomo um susto quando algo se enrosca em minha perna e me puxa. Agarro o casaco de Kori e peço ajuda.

–Aika! – os dois percebem tarde demais, sou engolida pela escuridão levando o casado de Kori comigo para algum lugar desconhecido no Inferno.

O que me espera no meio dessa escuridão monocromática?