Aika

–Acha que ela está bem? – ouço entorpecida pela luz nos olhos.

–Como é que ela vai estar bem? Foi violentada pelo monstrinho ali!

–A peituda chegou bem na hora! Não fiz nada!

–Mas... Hein? – tento me sentar nos lençóis rasgados, mas estou fraca demais, meu corpo todo treme de fraqueza e caio de volta na cama.

–Oh, ela acordou!

Estou d casa, o Inferno se foi. Tudo aquilo foi um sonho, apenas um pesadelo.

–O q-que aconteceu? – minha voz está horrível, rouca e fraca, tremula e quase inaudível.

–Nós conseguimos! – exclama Sapphire que aparece do nada.

–O que você está fazendo aqui? – indago surpresa.

–Ah, sabe como é, no Inferno não tem tanta gente bonita... – ela abraça Tsumi à força.

–Quem te autorizou a me agarrar assim?! – Tsumi lhe dá um chute e se afasta.

Ah, loucos e despreocupados como sempre. Mas até que é legal, posso sorrir sem pensar no que me espera. Sora falou comigo, não é? Mesmo que tenha sido apenas um sonho, já sei o que fazer com Kami.

–O Inferno... – lembro.

–Depois de você quase matar o Kori, o chibi ali tava te estuprando! – anuncia Gekkou apontando para um garotinho que parece que tem uns doze anos, com uma roupa vitoriana.

–Eu não fiz nada! – protesta ele – E não sou um chibi! Meu nome é Johann! Herr Johann!

–Hikari disse que encontrou a Aika quase morta sendo...

–O quê?! – não consigo evitar me sentar com um grito.

Só pode ser mentira, ele é só um garotinho! Não posso suportar a ideia de... Argh! Que coisa horrível!

–Pois é, apesar de chibi é bem pervertido – comenta Tsumi rindo.

–Um verme – diz Sapphire – Tadinha da Aika-chan!

–Por que vocês me chamam de chibi?! Tenho mil setecentos e cinquenta e um anos! – fala Johann - E não precisa ficar preocupada, eles estão exagerando, não fiz nada com você.

–Mas ia fazer – completa Gekkou.

Alguém abre a porta do quarto bruscamente cortando a discussão pela metade. É Hikari que entra no quarto arfando afobada. O que aconteceu?

–Hum, já terminaram? – questiona Tsumi com uma expressão estranho no rosto, um sorriso bem suspeito.

O rosto de Hikari fica totalmente vermelho e ela fica paralisada na porta. Sem entender nada, pergunto:

–O que houve?

–N-nada! – gagueja ela suspeitosamente.

–Ou seja: tudo – diz Tsumi ainda rindo.

Hikari não consegue nem sequer protestar. O que aconteceu afinal?

Kori entra no quarto com uma cara entorpecida ajeitando o casaco e pergunta vendo nossas expressões confusas:

–Que foi? Até parece que nunca viram duas pessoas que se gostam!

Silêncio.

Ninguém diz nada. Milhões de pensamentos confusos passam por minha cabeça. Uma vibração e minha alma escarlate me inquieta. Ele disse isso mesmo que eu ouvi?

“Mate-a”

Num milésimo de segundo estou em cima de Hikari, tomada pelo ciúme e pela ira. Quero matá-la.

–Aika! – Kori segura firme meu braço e me joga com as costelas na parede.

Tudo em mim lateja como se o mundo estivesse sob meus ombros, solto um gemido de dor.

Kori me encara irritadiço. Então é isso, eu sabia, sempre soube.

Neste momento pouco me importa a dor de cabeça latejante ou as batidas na porta que ninguém ouve, nem Kami poderia me deixar com mais ódio. É egoísta, mas quero tudo pra mim porque é injusto. Bem, não é injusto, mas eu quero e se quero vou ter!

“Mate-a” a voz me dá ignição. Quem se importa com a felicidade que não conheço e jamais conhecerei? Ela roubou um tesouro meu e pagará por isso. Preciso de...

–... Vermelho – sussurro antes de atacar.

Solto-me de Sapphire e pego Hikari desprevenida, Kori não vai poder fazer nada, vou matá-la.

Atingimos a parede com a colisão, consigo quebrá-la e caímos nos escombros. Dane-se a dor, preciso matá-la.

Hikari quase me acerta com sua espada (não sei como ela a pegou), desvio e dou-lhe um soco no estômago. Ela fica desnorteada e me preparo para atacar novamente.

–Pare com isso Aika! – grita Kori se metendo.

O golpeio, mas ele bloqueia e me empurra para trás.

Sinto raiva. Por que ele está fazendo isso? Por que ele a protege? Por que ele existe?!

Minha lâmina dupla de alguma forma aparece em minhas mãos, minha alma arde em chamas escarlates, todos aqui são meus inimigos, matarei todos então!

Salto no meio dos escombros, os olhos vermelhos brilhando, o coração entorpecido pela insanidade.

Estou prestes a cortar a cabeça de Kori, ele está desarmado, Hikari está fraca demais pra lutar e grita enquanto Sapphire a segura assistindo a cena sadicamente. Nada pode me impedir, nem mesmo as pessoas desconhecidas que adentram a casa sem avisar.

Porém, no instante em que vou matar Kori sem remorso, uma esfagsvahgsv se mete na frente, bloqueando o golpe mortal.

–Pare – a voz manda solenemente.

Johann me joga pra trás com uma força inacreditável. Como ele se atreve?

Me impulsiono para atacar de novo enquanto uma garota geme “Hitasura-kun”, Johann defende o golpe e me dá um chute no tronco. Rolo no chão, fraca, Droga! Qual é a desse moleque?!

Levanto-me fora de controle, seu olhar penetrante pousa em mim e acabo paralisando. Tudo está parado.

–Quê? – falo confusa.

–Pare – ordena ele novamente – Você não conseguirá nada com isso.

–Seu... – cerro os dentes tentando me mover, mas não consigo – Por que está fazendo isso?

Johann caminha lentamente até mim. O que esse pirralho pervertido quer?

–Eu sei – diz ele de repente.

–Sabe o quê? – questiono impaciente.

–Seu destino, um triste karma – responde.

–Há – rio em deboche – Diga alguma coisa que eu já não saiba, minha vida inteira foi um triste karma.

–Desculpe, mas... Eu... – sua expressão facial se suaviza, ele parece que vai chorar - ... Nunca pensei que encontraria...novamente...

–O que foi? – indago irritada. Que criança irritante! Do que está falando?

Johann acaricia meu rosto suavemente deixando-me com calafrios. O que ele pensa que está fazendo?

–Estive com saudades – fala se aproximando mais, perto demais, perto e quente demais – Nee-chan.

Arregalo os olhos. Ele me chamou de “irmã”? De onde tirou essa bobagem?

Sem poder me mover no tempo congelado, não consigo evitar seu beijo frio como o da Morte. Milhões de pensamentos sem sentido passam por minha mente, mas não consigo compreendê-los.

Essa criança estranha diz ser meu irmão, mas nenhum irmão faria isso.

Ele é apenas uma criança, mas com esse corpo infantil consegue me deixar tão atordoada que não consigo pensar em nada. Nem em Kori, ou Hikari, nem mesmo em Sora.

Quem é esse garoto?

Ah, quem se importa?