A minha frente encontra-se uma das pessoas que mais acompanharam e alegraram a minha infância, meu tio. Sempre foi um homem belo, cabelos loiros e olhos azuis, a mesma tonalidade que os meus, toda a gente que nos conhecia afirmava que eramos parecidos, sai ao lado paterno da família. Agora sua aparência continuava a mesma, exceto o que a passagem dos anos fez no seu rosto, umas simples rugas. Mesmo sendo de noite, o topo do edifício era iluminado pelas luzes da cidade e pelo céu pintado pelas estrelas e pela lua. Meu tio vestia uma camisa verde e umas calças jeans, o seu rosto continha um sorriso, mas não conseguia descobrir o que o seu olhar transmitia.

                 Ficamos segundos a olhar um para o outro, não sabia o que dizer, todo o texto que tinha escrito mentalmente para enfrentar aquela situação desapareceu. O meu corpo queria correr e abraçar a pessoa que estava a minha frente, contar quantas saudades tive e o quanto a minha vida mudou depois de ele ter-se afastado da família, porém a minha mente detinha-me de fazer isso. Ele já não era o mesmo, não é a pessoa que ensinou andar de patins, nem a que me mostrava as constelações que apareciam naquelas noites quentes de verão. Era uma pessoa desconhecida, envolta em segredos e mentiras, que trabalha para uma organização de quais os objetivos não são os melhoras para o mundo. Meu tio começou a caminhar para a lateral do edifício, apoiando-se no muro de proteção, segui-o com o olhar desejando para que fosse ele a começar a conversa.

                - É melhor mantermos uma distância de segurança antes que o agente que está no edifico atrás de mim me alveje na cabeça. Não tenho muita vontade para que isso aconteça – disse meu tio, olhei para ele supressa, não por saber que havia agentes da S.H.I.E.L.D mas sim por saber as suas posições – Não olhe assim para mim Grace, claro que sei que a S.H.I.E.L.D está aqui, como também sei que este prédio está repleto de agentes prontos para avançar e que Nick Fury está a ouvir esta conversa na rua em baixo, dentro de uma carrinha preta estacionada.

                - Mesmo sabendo de tudo isso, que está cercado e dificilmente irá conseguir fugir, o tio veio – falei fingindo que não estava nervosa.

                - Verdade, mas precisava de falar com você, deve ter muitas perguntas. Para além disso, eu senti a sua falta, se lembra de quando você era criança e como adorava olhar para estrelas – disse admirando o céu - Alguns podiam pensar que esse seria o seu futuro, estudar as estrelas mas eu sabia que não seria assim. Você via as estrelas como arte, uma peça a ser admirada – a sua voz, a sua maneira de falar, carinhosa, fazendo me recordar toda a minha infância. Fechei os olhos com força, obrigando-me a acordar de toda aquela nostalgia, as coisas já não eram assim.

                - Sim lembro tio, mas isso foi em outro tempo. Já não reconheço a pessoa que está à minha frente. Porque todas estas mentiras, cartas, perseguições? Você não era assim…- parei respirando fundo, não podia chorar naquele momento – trabalha para a Hidra, está à procura da fórmula do soro do super soldado. Tudo isto para que, tio?

                - Grace há mais história por de trás do que a S.H.I.E.L.D te conta. Nem tudo o que sabe é verdade, todos contam a sua versão da melhor forma para não ficarem mal vistos.

                - Então me conte a verdade! – exclamei – Estou cansada de tudo isto.

                - Eu não posso, ainda – disse meu tio, a sua voz demonstrava tristeza, não compreendia nada daquilo, só queria descobrir a verdade e acabar com todo aquele problema e voltar a minha vida normal.

                - Porquê? – perguntei.

                - Ainda não está na altura. Você não está pronta para a verdade – respondeu, o seu olhar fitava o chão.

                - Mas é verdade que trabalha para a Hidra, certo? Que está à procura da fórmula do soro do super soldado?

                - Sim Grace, estou. Tudo isso é verdade. Mas você e a S.H.I.E.L.D acha que o soro é maior preocupação minha e da Hidra? – agora já não estava encostado ao muro, dando dois passos à frente – O soro é só um meio para atingir um fim, para conquistar tudo o que os seus olhos podem alcançar. Espero que um dia, quando o conquistar você esteja ao meu lado – respondeu.

                 Porém nos segundos a seguir ninguém falou, estava a processar o que meu tio revelou. Neste momento de silêncio percebi que o diretor Fury estava a dar-me instruções há algum tempo, tal como Steve, mas estava demasiado focada na conversa. Aconselhavam para que mantivesse a calma, para não entrar numa discussão acesa, porém era tarde demais, eu precisava desabafar tudo o que sentia e ninguém melhor do que a pessoa responsável por ela para me ouvir.

                - O que aconteceu ao homem bondoso, que se preocupava com o bem-estar das pessoas, que era verdadeiro, que não mentia a sua família e que agora esconde que está a trabalhar em uma organização em que não vê meios para atingir fins? Porque me envolveu nisto tudo? – desabafei, a minha voz num tom mais elevado falhava devido às lágrimas que corriam no rosto. Não era mais necessário escondê-las, queria que ele visse o que as suas mentiras me faziam sentir.

                - Querida…. Você já faz parte de todo o plano, desde o dia que nasceu. Não há forma de voltar atrás – respondeu.

                - Mas porquê? Que ligação eu tenho com os seus planos e problemas? Eu sou simplesmente a sua sobrinha! – exclamei, o meu choro aumento como a minha voz. Meu tio fitava-me com preocupação, queria avançar para me poder reconfortar, mas sabia que não podia.

                - Porque você é a pessoa mais importante da minha vida – respondeu.

                 Não tinha resposta para depois de uma afirmação como esta. Nem tive tempo para pensar em uma pois a porta que dava acesso ao topo do edifício foi aberta com um estrondo, entrando vários agentes da organização com a arma mirada em meu tio. Este agora encontrava-se em cima do muro com um sorriso no rosto. Não me mexi, não sabia o que fazer nem dizer, simplesmente mantive o meu olhar sob meu tio à espera de alguma reação.

                - Voltaremos a encontrar minha querida Grace. Espero que aí possa contar tudo o que ando a esconder há mais de vinte anos – falou.

                 Após isso tudo parecia se mover em camara lenta, atirou-se do prédio em que estávamos, o qual tinha vinte andares. Vi os agentes da S.H.I.E.L.D caminharem-se para o muro. Em passos lentos fiz o mesmo, esperando encontrar meu tio deitado no chão, em ângulos estranhos, com sangue pelo chão e pessoas em volta dele. Porém não foi isso que vi, não estava nada no chão, o ambiente da rua continuava o mesmo. Talvez fosse por estar em uma altura elevada e não conseguir ver bem, mas passado segundos Nick Fury confirmou-me pelo intercomunicador que meu tio fugiu.

                Não conseguia reagir, nem pensar, não sabia o que fazer. A única coisa que queria era ir para casa, deitar-me na minha cama com vários cobertores em cima e adormecer, num sono profundo, sem sonhos, queria descansar, desligar a minha mente de toda a confusão que involuntariamente me tinha metido.

                - Grace! – exclamou Steve entrando pela porta que dava para o topo do edifício abraçando-me de seguida – Você está bem?

                - Não sei Steve – respondi, os meus olhos ardiam devido a ter chorado.

                - Quer ir para casa? – perguntou, a sua voz demonstrava preocupação. Assenti e fomos embora.