Eu olhei para o garoto de novo.Ele não tinha cara de orfão, parecia muito bem tratado e feliz.Me perguntei o que ele estaria fazendo aqui.
- Ele perdeu os pais recentemente e como já vai fazer 17 anos, não vai ficar aqui por muito tempo - disse Amber num tom nada convincente.Eu sempre sabia quando alguém estava mentindo.
- Hã, ok então - eu disse hesitante
- Katie, o que você acha de levá-lo para um passeio pela propriedade?É uma boa maneira de se adaptar mais rápido ao novo ambiente - perguntou o diretor Johnson.
- Claro, tudo bem - eu disse procurando parecer animada.Então me dirigi ao garoto - Vamos Percy?
- Vamos - ele disse um tanto sem jeito
- Até mais - eu me despedi dos dois e sai pela porta, seguida de perto pelo Percy
Eu já estava acostumada a mostrar o orfanato para os calouros, já que eu era a adolescente mais civilizada do lugar, e o diretor sempre estava ocupado tentando dar um jeito nos criadores de caso.Quando eu fechei a porta eu me lembrei do motivo de ter ido parar ali.Será que eu devia ter dito alguma coisa ao diretor? Não, claro que não, pensei logo em seguida.Tinha quase certeza de que o inspetor Miles não iria se lembrar também, então não haveria problema.Eu acho.
- Ei!!Você está aí ainda?
- Hã? - eu perguntei totalmente distraída.Então eu me lembrei do que eu estava fazendo - Ahh, desculpa!!Me distraí
- É, eu percebi.Então, vamos?
Eu era assim mesmo: meu cérebro se distraía e esquecia das coisas facilmente.
- Ah sim, é claro - eu disse finalmente e começamos o passeio
Aquele era o orfanato mais completo da cidade de Nova Jersey, graças ao diretor Johnson.Primeiro mostrei a ele o prédio principal, onde nós tínhamos as aulas.Depois mostrei o prédio "comum", onde ficava os dormitórios, o refeitório e a salas de jogo, que não era lá essas coisas. Andamos até o jardim dos fundos e nos sentamos em um banco, ficando de frente para a minúscula pista de atletismo.Foi aí que eu percebi que só sabia o nome dele.
- Então, de onde você é? - eu perguntei para ele
- De Nova York.Você é daqui mesmo?
- Sim, sempre morei em NJ
Com certeza havia vários orfanatos em Nova York, por que ele tinha vindo justamente para cá?
- Você deve estar se perguntando o porque eu estou aqui não é? - ele observou
- É, eu estou sim - e então eu decidi abrir o jogo - O que voce veio fazer aqui?Você não é orfão, tenho quase certeza.
- Como você pode ter certeza disso? - rebateu Percy
Se ele queria respostas, então eu ia dar uma bem caprichada
- Bem, pra começar, você está bem tranquilo, e normalmente os novatos morrem de medo nos primeiros dias.Depois, você me parece estar bem feliz, o que é estranho para quem acabou de perder os pais. - eu disse animadamente. Se tinha um coisa de que eu me orgulhava era a minha capacidade de saber quase tudo sobre uma pessoa só de olhar para ela.
Percy ficou me encarando por um tempo, provavelmente pensando em alguma boa resposta, quando eu me lembrei:
- Percy, que horas são?
- 11:30, porque? - ele perguntou intrigado
- Tá na hora do almoço, vamos comer
 
Normalmente o diretor dava os seus avisos durante as refeições, até porque ninguém por aqui se daria ao trabalho de ler avisos nos murais espalhados pelas paredes. E foi o que ele fez hoje quando todos já estavam sentados devorando o almoço:
- Bom dia crianças!! Tenho uma ótima notícia para dar a vocês!!!

Olhei para ele desanimada.Com certeza ele já marcou um dia de passeio, e isso era tudo o que eu menos queria nesse momento.Não que eu não goste de sair por aí, muito pelo contrário.Eu sentia uma necessidade absurda de ficar vagando sem rumo pelas ruas, só que sozinha e de preferência à noite.Era mais fácil fugir de problemas(leia-se monstros bizarros) sem um grupão de adolescentes fazendo zona ao seu lado e vários professores e um diretor espertos de olho em você.

- Amanhã vamos fazer uma visita à Estátua da Liberdade!!! - continou o diretor Johnson quase dando pulinhos de euforia.

Naquele momento eu me senti como se os Estados Unidos tivessem acabado de ganhar a Copa do Mundo.Um ronco ensurdecedor de "EHHHHHH", "VIVAAA" e "UHULLLL" tomou conta do refeitório e eu era a única retardada com cara de enterro que não estava comemorando.Bem, a única não. Percy olhava para o pessoal aos gritos com uma cara de riso, talvez porque ele já tenha ido lá várias vezes.Foi aí que ele disse:

- Legal, nunca fui na Estátua!! - ele disse enquanto eu olhava para ele perplexa

Depois de um almoço eufórico para todos, menos para mim, resolvemos voltar para o jardim, dessa vez o da entrada.Estava decidida a saber o que raios ele estava fazendo aqui, e a melhor maneira de descobrir era conversar com ele. Resolvi começar pegando pesado:

- Humm, o que houve com os seus pais? - eu perguntei enquanto andávamos até o jardim

Ele me olhou tentando fazer uma cara chocada e triste

- Eles morreram...num acidente de carro - ele disse por fim

- Há quanto tempo?

- Por que você está me perguntando essas coisas?

- Porque sua história não me convenceu e eu sei que você não está falando a verdade - Percy ia começar a falar alguma coisa mas eu cortei - Custa dizer alguma coisa que seja verdadeira?

Eu já estava ficando irritada com tanto mistério. Minha vida já era cercada de coisas sem explicação, não precisava de mais uma dose disso.

Percy parou de andar, se virou para mim e respirou fundo:

- Ok, eu... 

- Olha só, mais um calouro!!Hoje é o meu dia de sorte!!! - disse uma voz arrogante atrás de nós

Olhei para trás e vi nada menos que Matt e sua turminha.Matt era um garoto de 17 anos bem fortão.Ele sempre carregava um sorriso desdenhoso no rosto e seus olhos castanhos eram frios.Seu bando não ficava muito atrás em matéria de maldade e físico.Eles eram meus arqui-inimigos, já que eu sempre defendia os calouros que eles atormentavam.

- Olha aqui Matt, vai procurar o que fazer, tá legal? - eu disse sem paciência.Percy ia falar a verdade, eu sentia isso, e Matt tinha interrompido

- Uii, tá nervosinha é?O quê, vai me dizer que gostou do pivete? - provocou Matt

- Vê se fala com ela direito cara - disse um Percy irritado, para a minha surpresa.

Matt também me pareceu surpreso, mas logo recuperou o seu espírito

- Ihhhh, olha só!!!A elfo arrumou um namorado!! - disse Matt dando uma ênfase especial no "namorado", causando um ataque de riso entre os seus comparsas

- Ah meu Deus Matt, não tinha coisa melhor para inventar não? - eu suspirei, já prevendo o que ia acontecer quando a história se espalhasse

- Que tal você ir pra academia malhar? Porque aí você vai ficar tão bombado que seus músculos iriam explodir - disse Percy maldosamente enquanto eu olhava para ele sorrindo

Matt se aproximou até que eles estivessem a apenas alguns centímetros de distância, o que ficou estranho, pois ele era bem mais alto que Percy e disse encarando ele nos olhos

- Cuidado com a língua, novato.Posso fazer da sua vida aqui um inferno

- Manda ver então - disse Percy no mesmo tom ameaçador

- Tá legal Matt, já deu o seu recado, agora dá o fora - eu disse ao ver ele fechar os punhos, pronto para dar um soco. - Vamos Percy, estamos perdendo o nosso tempo.

Peguei ele pelo braço e o puxei comigo em direção ao prédio comum.

- Eu odeio valentões - ele disse irritado

- Eu também odeio, mas sabe, não é uma boa você arrumar briga com ele

- E você queria que eu deixasse ele humilhar a você e a mim?Nem pensar!

- Eu sei Percy, mas...

- Você também teria feito a mesma coisa!! - ele me interrompeu

Tínhamos parado de andar, de modo que estávamos de frente um para o outro.Olhei para os olhos dele, que pareciam uma parte do mar presa ali e eu disse:

- Eu faço isso todo os dias - eu confessei

Ficamos ali nos encarando por um tempo e percebi que aqueles olhos não me eram estranhos

- Certo, er...eu vou ver se minhas coisas estão do jeito que eu deixei lá no dormitório - ele disse visivelmente sem jeito com o clima estranho que surgiu

- Tá legal então - eu disse distraída

Percy saiu andando em direção ao dormitório e eu continuei ali, parada, tentando processar as bizarrices do dia, até que eu vi uma coisa dourada brilhando no bolso do dele.Parecia ser uma caneta...de ouro???Meu lado ladra começou a se manifestar, eu tinha que ter aquela caneta.