Você aceita ser meu único amigo? escrita por snow Steps


Capítulo 2
Óculos Escuros


Notas iniciais do capítulo

Venho agradecer aos novos leitores que começaram a acompanhar esta história! Fico muito feliz por tê-los aqui, e adoraria ouvir a opinião de vocês sobre o que estão achando :)
Enjoy!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/644943/chapter/2

Encostada no vigoroso tronco que dá vida ao opulento carvalho, sou capaz de vislumbrar todos os montes que circundam o ponto mais alto onde estou, os quais se alastram até a linha do horizonte e se transformam num borrão difuso, não sendo possível determinar os seus limites. As costas verdejantes das colinas reluzem ao brilho do sol, que se abre no céu sem nuvens e se propaga na imensidão. O carvalho para mim não é apenas um refúgio no qual posso ler meus livros em paz, mas é também um lugar único onde eu consigo me sentir... infinita. De vez em quando eu gosto de olhar para cima e fingir que não há chão sob meus pés, como se meu corpo fosse um objeto livre no ar. Imagino que aquela deve ser a sensação dos pássaros ao voarem, ou de um astronauta em meio ao espaço. Eu frequentemente estou imaginando coisas, e às vezes gostaria mais de viver emoções do que imaginá-las.

No entanto, hoje minha cabeça não está boa para isso. Espano com as mãos uma pedra ao pé do carvalho e me sento, abrindo meu livro de romance policial. Dou uma lida nas primeiras linhas e logo me desconcentro. Ah, o bonitão dos óculos escuros... Espera aí! Não é possível que ele ainda esteja ocupando espaço na minha mente atarefada! Trato logo de esquecê-lo com um abanar de cabeça e volto para as páginas.

“A detetive sabe que está correndo perigo. Seu parceiro não apareceu na estação de trem conforme o combinado...” ... será que ele realmente sorriu para mim?

_ Aaah! – Exclamo indignada, fechando o livro num baque surdo.

Abraço as pernas e apoio o queixo entre os joelhos, rendendo-me aos pensamentos que me perturbam. Mesmo tendo a certeza de que nunca (nunquinha mesmo!) me interessaria por um cara do tipo dele, deixo-me relembrar a cena anterior como um filme. Relembro uma, duas, três e mais outras vezes... e no final não tenho como negar: ele é um gato. E talvez seja por isso que tantas garotas criem paixões platônicas por caras gatos: eles tem o poder de nos hipnotizar, ao ponto de que não consigamos enjoar de suas belezas.

Escuto o sino de atividades tocar ao longe, significando que já está na hora da cerimônia de abertura do retiro. Com passos rastejantes, caminho de volta até o refeitório. Chegando lá, percebo que a maioria já se acomodou em seus lugares nas mesas dispostas em fileiras horizontais, sobrando apenas alguns míseros assentos dispersos pelo salão. Num palanque improvisado mais à frente, a mãe de Rebeca bate no microfone e provoca um som estridente que rapidamente encerra o burburinho inquieto das conversas.

_ Testando, testando! – Ela diz, produzindo mais ruídos agudos.

Levanto o queixo e começo a procurar algum lugar acima das centenas de cabeças, mas não avisto nenhum próximo de mim.

_ Ah, agora sim. Sejam bem-vindos à décima oitava edição do Retiro Jovens Cristãos! Antes de apresentar as maravilhosas aventuras que vivenciaremos nesta semana, peço encarecidamente para os que ainda estão de pé se sentem... – Anuncia a mãe de Rebeca, fazendo com que todos do refeitório procurem os tais indivíduos atrasados. E claro, eu sou a única de pé ainda.

Antes que minhas bochechas tomem a cor de uma pimenta malagueta, vejo uma cadeira vazia no final da mesa ao meu lado. Aliviada, me espremo entre as pessoas e casualmente piso em alguns pés e dou umas cotoveladas, pedindo perdão milhares de vezes. Alcanço o assento e caio sobre ele feito um peso morto, e assim a mãe de Rebeca faz um aceno positivo e prossegue com o discurso.

_ É com grande prazer que nós os recebemos para desfrutarmos de mais uma oportunidade que Deus nos oferece para agracia-lo...

_ Você não deveria estar lá na frente, Rebeca? – Alguém me pergunta num sussurro, e levo um sobressalto ao perceber quem está sentado ao meu lado.

De todos os trezentos e cinquenta lugares naquele refeitório, sentei justamente à esquerda do carinha de óculos escuros. Qual a probabilidade matemática disso acontecer?

_ Ah… oi? Eu não sou a Rebeca. – O que é meio óbvio, não é?!

_ Hmm... então por que está sentada no lugar que eu guardei para ela? – Ele prossegue, franzindo o cenho por trás dos óculos.

_ É com muito orgulho que passo o encargo de líder das tarefas para minha filha, Rebeca Farias!

Uma salva de palmas repercute pelo refeitório, acompanhada de assobios e encorajamentos. Rebeca sobe ao palanque com um sorriso de orelha a orelha, agradecendo pela recepção calorosa.

_ Por acaso o nome dela está escrito aqui para eu adivinhar? – Devolvo, com ar de revolta.

O.k., talvez essa resposta tenha sido um pouco infantil. Ou totalmente!

_ Desculpa, não precisa ser grossa... – Ele fala, levantando um tom de surpresa.

_ Só Deus sabe como me sinto agradecida por exercer a função de líder das tarefas...

_ Eu não estou sendo grossa, acho que você é quem está... afinal, qual o seu problema? – Indago, indignada com tamanha audácia daquele sujeito.

_ Como assim, meu problema? – O garoto questiona, soltando um riso pretensioso.

_ Aparentemente você tirou o dia para zoar com a minha cara...

_ É mesmo? – Ele continua, sem tirar o sorriso debochado dos lábios.

Ai, que vontade de socar o nariz dele!

_ Nesta edição contaremos com incríveis experiências como trilhas até uma cachoeira lindíssima e um jantar oriental à caráter...

_ Primeiramente você fica me olhando igual um idiota, e agora me confunde com a Rebeca... e por acaso, quem em sã consciência usa óculos de sol num ambiente fechado? Você pode estar se achando “o garanhão” daqui, mas acredite em mim, você está sendo...

_ Silêncio! – Exclama ameaçadoramente a dona Gina, uma das organizadoras mais idosas do retiro JC, e também uma das mais chatas.

Calo a boca tragando a saliva amarga, lançando um olhar azedo para o garoto que mantém sua expressão gozadora. Voltamos para o discurso de Rebeca, porém se torna impossível prestar atenção nas suas palavras.

_ Sério mesmo que eu olhei para você? – Ele volta a cochichar perto do meu ouvido, quando dona Gina dá as costas para nós.

_ Sim, por um tempão.

_ Tipo, eu olhei para você como uma pessoa normal? Sério mesmo? – Ele persistiu, entusiasmado.

_ Vou lhe perguntar de novo, qual é o seu problema?

_ O meu problema? Na verdade, tenho muitos. Mas ultimamente eu tenho andando meio cego.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Você aceita ser meu único amigo?" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.