45% escrita por SobPoesia


Capítulo 31
Sangramentos nasais




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O sinal soou.

Os olhos de Bruni pararam do meu lado direito. Por sua respiração, sabia que ela estava aterrorizada.

Já os olhos de Evans pararam do meu lado esquerdo. Mas a sua respiração leve buscava me acalmar. Mesmo que a minha fachada fosse séria, ele sabia que eu estava perdendo a cabeça por dentro.

Ia sentir tanta saudade disso. De alguém que sabia exatamente quando eu estava me escondendo. De alguém que sabia exatamente como me acalmar.

Respirei fundo.

Precisava me acalmar, afinal, tinha de conduzir esses dois para a última jornada incrível de suas vidas. Nada podia dar errado dessa vez, e não daria.

Peguei meus cadernos e levantei. 45% se ergueu em seguida, me dando passagem. Com vários colegas de classe fomos até os corredores no final das salas, colocando nossos materiais no armário, pegando nossas mochilas, as colocando nas costas e seguindo com suas vidas.

Mas nossas vidas incluíam fugir para bem longe.

Iriamos sair pela porta da frente, sem problemas. Passamos com nossas mochilas nas costas, com várias pessoas ao nosso lado. Era bem comum sair para o pátio depois das aulas.

Meu cigarro estava em mãos e, assim que saímos do prédio, os acendi.

Ficamos próximos do prédio, duas ambulâncias de distância. Minha mochila tipo carteiro se embolou nas alças de Hazel, que agora estava em minhas costas. O loiro me puxou para uma dança sem música.

Rodopiamos algumas vezes, rebolamos e lá se foram os minutos para matar.

Enquanto vários funcionários saiam do prédio, nos mudamos mais para frente. Assim que a porta bateu, seguimos para a parede do mesmo.

Evans suspirou e foi para a porta, estava a ponto de abri-la. Sua mão alcançou a maçaneta enquanto Bruni observava os médicos que saiam, esperando que ninguém se virasse para trás. Minha testa suava, segurava as mãos dos dois, rezando para que nada desse errado.

A porta, então, em um estrondo, se abriu. O loiro se ajoelhou no chão com o barulho e o enfermeiro ergueu uma das sobrancelhas, me encarando.

—Meu isqueiro. – sorri.

—Espero que seja. – ele bufou.

Saiu andando com a cabeça erguida.

—A bunda dele é legal. – Bruni riu nervosa.

Evans se levantou e nos olhamos, era a hora. Sem pensar, entramos no prédio.

Meu pulmão se esvaziou ao notar que não havia ninguém ali nos vigiando. Mas se encheu rapidamente ao lembrar que iriam entrar pessoas novas naquele lugar a qualquer segundo.

Peguei ambos pelas mãos e corremos até o final do corredor, então seguimos o mesmo para a direita e corremos até que não houvessem mais portas, apenas a que nos daria liberdade.

Lá estava, a saída daquele hospital, nos esperando com uma cara amadeirada e uma maçaneta quadrada de metal. Coloquei a mão sobre a mesma, sentindo o frio. Apertei a trava  e segurei o ar, abrindo a porta.

Quando a brisa do lado de fora tocou nossos rostos, tinha um cheiro estranho de liberdade e lixo. Soltamos o ar juntos, na mesma velocidade, fazendo o mesmo barulho. Mas não pudemos aproveitar por muito tempo, já que ouvimos passos e saímos correndo para fora, nos escondendo atrás de uma lata enorme e azul de lixo, a nossa esquerda. Tivemos de segurar a nossa respiração, porque aquilo fedia muito.

Fugimos de um médico que ouviu  confusão, mas não dos meus pulmões desacostumados com essa disritmia respiratória.

Assim que a porta se fechou, voltamos a respirar, todos, exceto eu. Meu ar parou de entrar. Abri Hazel um pouco mais e soquei meu peito.

O ar entrou todo de uma vez, me fazendo soltar um suspiro-gemido oco e fino. Infelizmente, alto demais, já que a janela do vestiário dos enfermeiros era bem sobre a nossa cabeça.

Com rapidez, o loiro tapou a minha boca com sua mão. Respirar era difícil, mas bem possível para quem queria sair dali de qualquer forma.

Ninguém saiu de lá para chegar o lado de fora. Esperamos poucos minutos e começamos a correr muito.

Atingimos cerca de três quarteirões de distância até decidirmos virar para a esquerda, despistando qualquer rastro de visão do hospital.

Mas isso não era tudo. Algo a mais tinha de acontecer. Decidi que tropeçar seria o melhor jeito de estragar toda a viagem.

Vou contar um pequeno segredo para vocês. Meu tubo, tinha duas entradas de ar que enfiavam dentro das minhas narinas. Essa parte é feita de um material maleável, porque é de conhecimento geral que os narizes são áreas sensíveis. Infelizmente, eles não são a prova de idiotas e, em casos como o de se cair com o rosto direto no asfalto, eles podem machucar e muito. O que foi exatamente o que aconteceu comigo.

Assim que aquilo ocorreu, tive uma ideia do tamanho do sangramento que iria se iniciar. Sentei-me no chão e ergui a minha cabeça. Retirei meus tubos, já manchados de sangue e apertei meu nariz.

O loiro se abaixou, ficando agachado. Ele prendeu meu cabelo com um elástico que estava e meu pulso, pegou a minha bombinha de asma dentro de um dos bolsos externos da minha mochila e me entregou. Me sussurrou que tudo ficaria bem e olhou ao seu redor. Se levantou e correu até uma farmácia ainda na rua que estávamos.

45% se sentou ao meu lado e segurou meu nariz, pouco abaixo dos meus olhos.

Podia sentir as entradas ainda em meu nariz, o que significava pequenas perfurações. Respirei pela bombinha, tentando manter a calma, mas sentia meu sangue pulsar rapidamente.

—Vamos perder o ônibus. – respirei pela bombinha, minha voz saia rouca e oca

—Você fodeu seu nariz, não ligamos para isso. – ela tentou me acalmar.

—Eu sempre fodo tudo, Bruni.

—Isso nem sempre é um problema.

Pouco mais de três minutos se passaram, podia sentir um desmaio gelado consumir a minha mente. Então, Evans chegou, colocando um refrigerante gelado em meu nariz, absorventes internos em minhas narinas e apertando constantemente a minha bombinha de asma.

Me carregaram para dentro do táxi e em menos de dez minutos já estávamos na rodoviária. Limparam meus tubos com algodão e soro fisiológico, os recolocaram gentilmente em meu nariz. Estava meio perdida, grogue, com pouca oxigenação no sangue e com a pressão baixa, mas queria continuar.

Me deram pastéis, e entramos dentro do ônibus, no qual eu dormi durante todas as duas longas horas de viagem.

No final, fingi que dormia, porque queria estar quieta com a minha mente, mas tudo que conseguia pensar era em como raios eu tinha feito tudo dar errado.

Estava tentando proteger meu melhor amigo da morte e a garota que eu amava da infelicidade. Fingindo ser a mais forte de todos, com um cara seria e uma atitude ruim, quando, na verdade, eu era o elo fraco.

A pessoa frágil, que quebraria a qualquer momento, não era o garoto zumbi ou a garota quase cega, mas sim, os pulmões fracos.

Assim que o ônibus parou, o loiro me sacudiu um pouco e me levantou. Tive de me segurar para não vomitar.

Saí de lá tremendo, tomei um pouco de água. Caminhamos  até a lanchonete mais próxima, comi panquecas. Tirei minha blusa branca e coloquei a xadrez que estava na minha cintura, já que a antiga apontava para um assassinato.

Ainda não me sentia muito bem, mas uma noite bem-dormida e um banho seriam revigorantes.

O hotel era a poucos quarteirões do local, então caminhamos novamente. Foi bom, conversamos calmamente sobre o céu e como as pessoas nos olhavam estranho na rua.

            O nosso quarto tinha uma grande cama de casal e uma de solteiro. Juntamos tudo e matamos uma barata. Tomamos banho e nos deitamos. Em poucos minutos estávamos apagados, abraçados, roncando.

            E esse foi o terrível inicio da nossa viagem.


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