—Me fale que isso é algo muito importante e muito grande, se não, eu vou te bater por ter me feito levantar esse horário. – Bruni chegou marchando, dentro do quarto.

Usando um blusão de moletom amarelo, calças jeans coladas e seu cabelo preso em um rabo de cavalo, ela não tinha começado a se arrumar. A falta de maquiagem em seu rosto a deixava maravilhosa.

—É muito importante. – sentei-me na cama de Evans, abraçando as minhas pernas.

—Você parece horrível... – ela se sentou em minha frente, segurou minhas duas mãos e suspirou – Evans está indo, não está?

—Uma semana. – apertei as suas mãos.

—Ontem a noite? Dava pra ouvir ele gritando do meu quarto, achei que estavam tendo alguma conversa interessante sobre algum assunto do qual não fui convidada... Eu nunca...

Suas mãos frias soltaram as minhas, ela então segurou o seu rosto. Não sabia se ela chorava ou apenas estava processando toda aquela informação.

Meu coração se apertou.

Ver 45% daquela forma, desolada pela morte do nosso amigo era horrível e me fez sentir culpada e um lixo.

Aquilo não era a minha culpa, era a culpa de quem controlava as ações pedidas do universo. A morte de um amigo não era e nunca foi a minha culpa, mas, talvez, se eu acreditasse em alguma forma maior, em qualquer tipo de deus, podia rezar podia implorar e gritar aos céus e, quando ele fosse, acharia conforto em uma força cósmica.

A abracei com força e ela saiu do meu abraço em pouco tempo. Secou as suas lágrimas e suspirou novamente.

—O que você vai fazer?

—O que? – ergui uma sobrancelha.

—Você me chamou aqui esse horário da manhã, enquanto ele ainda está tomando banho. Você tem um plano, Violet, você sempre tem um maldito plano. – ela segurou minha mão de novo, como se desesperada por conforto.

—Nós vamos fugir. Vamos para a praia.

—Para a praia? – ela ergueu uma sobrancelha.

—Ontem a noite, ele reclamou que nunca foi a praia. Temos uma praia em duas cidades, é uma viagem de 10 horas. Podemos sair daqui na quinta-feira a noite, fazer uma viagem tranquila na sexta-feira, e chegar lá no sábado. – olhei fundo em seus olhos.

Estava animada com aquele plano, queria passar toda aquela animação para ela.

Infelizmente, a felicidade de Bruni não foi tocada. Ela, que era sempre tão alegre e saltitante, mas agora parecia uma criança infeliz com a perda de seu último doce.

Sua resposta foi juntar as sobrancelhas e soltar um desapontado:

—Como você acha que vamos fazer isso? – ela parecia muito irritada, mas eu não entendia o porque, então recostei a cabeça em meu ombro, o que a irritou mais – Nós não temos o dinheiro, não temos como ir, como voltar, o que comer, onde ficar e você não respira!

Seus olhos pularam do seu rosto, irritados, então ela bateu de leve em meu braço.

—Bruni... Nós dois juntos, temos quase dois mil guardados, meu tanque aguenta uma semana. Podemos pegar ônibus e eu tenho uma identidade falsa. Confie em mim, garota! – segurei seu rosto.

—Você é louca... Não podemos sair daqui. – ela fez que não com a cabeça.

—Eu quero o meu amigo feliz, bem, tudo vai dar certo, por favor... – fiz um biquinho com a boca.

45% fez uma pausa, se jogou para trás e abraçou a coberta azul de Evans.

—Tudo bem, mas vamos levar um tanque a mais, eu vou ajudar com o dinheiro e alguém daqui de dentro precisa saber onde estamos. – ela segurou meu joelho.

Deitei-me ao seu lado, ela se virou e me olhou fundo nos olhos, seu olho cinza estava perdido, enquanto o outro me analisava.

Me perdi em seus olhos, no que podia e no que não podia me ver e me notar. Seu rosto angelical e redondo era um convite louco para entrar em sua dança e, pela primeira vez depois da morte de Abby, eu queria chacoalhar meu corpo.

Sua mão tocou a minha bochecha, ela estava totalmente virada para mim. Virei-me para ela e sorri.

Bruni apertou seus lábios e sorriu.

Movi uma mechinha de seu cabelo para trás de sua orelha e ela apertou a minha mão, a mantendo ali. Ela se aproximou, devagar, me fazendo acostumar com sua respiração, com seu cheiro.

Quando ela estava bem próxima, quando nossos lábios iam se tocar...

—Eu não posso fazer isso. – retirei minha mão de sua nuca.

45% se deitou e suspirou.

—Porque?

Não respondi. Eu sabia?

Não era amor o que eu sentia pela falecida, mas minha mão segurou seu colar, quase que automaticamente.

—Você a ama, não ama? O que aconteceu? Você me queria tanto e agora tudo o que quer é alguém que já morreu. – ela se sentou, irritada.

Parei, tinha de pensar. Porque aquilo estava acontecendo?

Abby era uma garota incrível e que me tirou do buraco, mas não era o amor da minha vida. Quando estava com ela, sentia saudade de Bruni e de suas peculiaridades estranhas, desde como ela sempre passava a língua nos dentes depois de comer ou adorava séries policias. Abby foi uma paixão, uma que iria acabar... Com o tempo necessário.

45% era a garota que tinha me ganhado em um sorriso e eu tinha estragado tudo.

Eu tinha estragado tudo.

—Porque você não me ama. – me sentei.

—O que? – ela se espantou.

—Você me deixou, porque eu não era suficiente para você e me fez acreditar que era tudo minha culpa. Você não me ama, Bruni. Você me quer, é diferente.

Levantei-me da cama, então me sentei novamente. Eu não tinha para onde ir.

—Eu vou me arrumar e trazer o seu café da manhã. – ela saiu do quarto, sem me olhar nos olhos.

Assim que ela fechou a porta com força, Evans saiu do banheiro.

—O que você ouviu? – me enrolei em sua coberta azul, aquela era realmente a melhor coberta do mundo.

—Você finalmente se decidindo com relação a duas garotas e o fato de que vai me levar a praia. Queria muito que tivessem se agarrado, eu estava ouvindo tudo.

O loiro se deitou ao meu lado ainda de toalha.

—Nunca estive tão desconfortável com o seu pênis. – o abracei e ele sorriu – Eu estou fazendo algo horrível?

—Quanto a Bruni ou quanto a praia?

—Os dois.

—Você é incrível. – ele passou seu braço pelas minhas costas, me abraçando forte.

Perder aquele abraço era perder o meu mundo inteiro, não estava acostumada com a ideia e acho que nunca iria me acostumar.

Ele beijou a minha testa e tudo estava bem.