Twilight - a Magia do Amor escrita por Sol Swan Cullen


Capítulo 7
6º Capítulo – Grupo Sanguíneo


Notas iniciais do capítulo

Pelos pedidos de várias boas famílias!
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(Bella POV)

 

Encaminhei-me para a aula de Inglês num estado de estupefacção. Ao entrar na sala, não me apercebi sequer de que a aula já havia começado.

- Obrigado por se juntar a nós, Miss Swan. – Disse o professor Mason de forma depreciativa.

Enrubesci e precipitei-me para o meu lugar.

Só quando a aula terminou é que me apercebi de que Mike estava sentado no seu lugar habitual, ao meu lado. Senti uma pontada de culpa. No entanto, tanto ele como Eric se encontraram comigo à porta como era costume e, assim, deduzi que o seu perdão era possível. Mike parecia tornar-se mais ele próprio à medida que caminhávamos, passando a estar entusiasmado ao referir-se às previsões do boletim meteorológico para o fim-de-semana seguinte. Supostamente, iria haver uma pausa mínima no tempo chuvoso e, deste modo, talvez a sua viagem à praia pudesse realizar-se. Tentei parecer ansiosa, de modo a compensá-lo pela desilusão que eu lhe provocara no dia anterior. Era difícil; com ou sem chuva, a temperatura não ultrapassaria os nove graus, se tivéssemos sorte.

O resto da manhã passou sem que nada ficasse retido na minha memória, não que realmente precisasse das informações dadas pelos professores, eu já sabia tudo o que eles estavam a ensinar. Era difícil acreditar que eu não havia apenas imaginado aquilo que Edward dissera nessa manhã e o seu olhar. Talvez se tratasse apenas de um sonho extremamente convincente que eu confundira com a realidade. Esta hipótese era mais provável do que a de que eu o cativava a que nível fosse.

Assim, estava impaciente e assustada quando eu e Jessica entrámos na cantina. Desejava ver o rosto dele para verificar se voltara a ser a pessoa fria e indiferente que eu conhecera ao longo das semanas anteriores ou se, por algum milagre, eu realmente ouvira aquilo que pensava ter ouvido nessa manhã. Completamente alheia à minha desatenção, Jessica tagarelava incessantemente a propósito dos seus planos para o baile – Lauren e Angela tinham convidado os outros rapazes e iam todos juntos.

A desilusão invadiu-me quando os meus olhos focaram infalivelmente a mesa de Edward. Só os quatro ali se encontravam, ele estava ausente. Será que fora para casa? Antes que eu me pudesse voltar para a minha depressão, Alice virou-se para mim e sorriu-me um sorriso que eu julguei não ser possível caber no seu rosto. Fiquei confusa, mas então deixei-me cair na desilusão de Edward não estar presente. Arrasada, segui Jessica, que continuava a tagarelar, ao longo da fila. Perdera o apetite – comprei unicamente uma garrafa de limonada. Desejava apenas ir sentar-me e amuar.

- O Edward Cullen está, de novo, a olhar-te fixamente. – Afirmou Jessica, rompendo finalmente a minha abstracção ao pronunciar o nome dele. – Pergunto-me porque estará ele hoje sentado a uma mesa sozinho.

Levantei a cabeça bruscamente. Segui o olhar dela e deparei com Edward, esboçando um sorriso constrangido, olhando-me fixamente a partir de uma mesa vazia no lado da cantina oposto àquele em que costumava sentar-se. Assim que os nossos olhares se cruzaram, levantou uma mão e fez um gesto com o dedo indicador para que eu fosse fazer-lhe companhia. Enquanto o fitava com incredulidade, ele piscou o olho.

- Está a dirigir-se a ti? – Perguntou Jessica com uma admiração insultuosa patente na voz. Nota para mim mesma: encontrar uma maneira de apagar o lado insultuoso desta rapariga.

- Talvez precise de ajuda nos trabalhos de casa de Biologia. – Murmurei por entre dentes. Tentando esconder a felicidade que me fazia querer levitar neste momento. – Hum, é melhor ir ver o que ele deseja.

Sentia o olhar dela fixo na direcção em que eu seguia à medida que me afastava. Muito a sério, embora ela fosse uma “boa” amiga, às vezes, ela conseguia fazer-me odiá-la.

Quando cheguei junto à mesa, mantive-me de pé, insegura, atrás da cadeira que se encontrava defronte dele. Bella, pára com isso, tu és superior às coisas humanas.

- Porque não te sentas à minha mesa hoje? – Perguntou, sorrindo. E que sorriso, meu Deus.

Sentei-me automaticamente, observando-o com cautela. Ainda me custava a acreditar que ele tinha acabado de me convidar a sentar-me à sua mesa. Ele estava ainda a sorrir. Era difícil acreditar que alguém tão belo pudesse ser real. Temia que ele desaparecesse numa súbita nuvem de fumo e eu acordasse.

Ele parecia estar à espera que eu dissesse algo.

- Esta situação é fora do vulgar. – Consegui finalmente afirmar, sem me aperceber do duplo sentido que a frase adquiria dita por mim. Sentido 1: era fora do vulgar porque ainda ontem Edward e eu ignorávamo-nos um ao outro e agora “almoçávamos” juntos; sentido 2: era fora do vulgar porque, no geral, o predador não confraternizava com a sua presa.

- Bem.

Deteve-se e, em seguida, as restantes palavras sucederam-se num ímpeto. Dou graças por ter a minha capacidade auditiva bastante evoluída.

- Decidi que, já que ia para o inferno, mais valia fazê-lo de forma consumada.

Esperei que ele dissesse algo que tivesse sentido. Como é que um anjo como ele podia ir para o inferno? Isso era mais para mim do que para este deus. Os segundos passaram.

- Tu sabes que eu não faço a menor ideia daquilo a que te referes. – Acabei por salientar, mordendo a língua para não dizer aquilo que pensara em voz alta.

- Pois sei.

Voltou a sorrir e, depois, mudou de assunto.

- Acho que os teus amigos estão zangados comigo por te ter roubado.

Subitamente, tive uma imensa vontade de rir.

- Hão-de sobreviver. – Disse-lhe tentando evitar a gargalhada que se formava no meu peito.

Conseguia sentir os seus olhares a trespassar-me as costas.

- Mas eu posso não te devolver. – Disse ele com um brilho perverso nos olhos. E alguém disse que eu queria ser devolvida?

Eu engasguei-me com as palavras que me queriam sair pela boca. Ele riu-se.

- Pareces preocupada.

Sim, estou ao pé de ti e não sei se vou conseguir manter todos os meus pensamentos perversos só para mim.

- Não. – Retorqui, mas, ridiculamente, a minha voz falhou. Sem dúvida que hoje não era o meu dia para manter-me calada. – Na verdade, estou surpreendida… A que se deve tudo isto?

- Já te disse, fartei-me de tentar manter-me afastado de ti. Portanto, desisto.

Ainda sorria, mas os seus olhos ocres estavam sérios. Senti vontade de lhe dizer que não devia desistir, mas o meu lado irracional não deixou que este pensamento escapasse pelos meus lábios como desejava fazer com os outros.

- Desistes? – Repeti num estado de confusão fingida, se pudesse, o meu tom seria de pura tristeza. Estar comigo, no caso dele, significava morte certa, porque é que ele desistia?

- Sim, desisto de tentar ser bom. A partir de agora, faço apenas o que me apetece e o resto que se dane.

O seu sorriso esmoreceu à medida que se explicava e um laivo de rispidez insinuou-se na sua voz. E à medida que o seu sorriso morria, o sorriso do monstro em mim crescia.

- Baralhaste-me de novo. – Menti.

O espantoso sorriso constrangido ressurgiu.

- Falo sempre demais quando converso contigo – esse é um dos problemas.

As palavras dele caíam tão bem no papel que eu desempenhava involuntariamente quando estava perto dele. Se ao menos pudesse parar de fingir.

- Não te preocupes, não compreendo nada do que dizes. – Declarei.

- Estou a contar com isso.

- Então, em bom inglês, já somos amigos?

- Amigos… - Meditou, indeciso.

A palavra parecia tão falsa em relação a nós os dois.

- Ou não? – Murmurei por entre dentes.

Ele esboçou um sorriso rasgado.

- Bem, suponho que podemos tentar, mas aviso-te de que não sou um bom amigo para ti.

Por trás do sorriso, o aviso era autêntico. Sorri também, este jogo eu também podia jogar.

- Repetes isso muitas vezes. – Referi, tentando ignorar o súbito estremecimento no meu estômago e procurando manter a voz isenta de variações. – Mas também tenho que te avisar de que também não sou uma boa amiga para ti.

Ele olhou-me confuso por uns momentos mas então disse:

- Pois, porque não estás a dar-me ouvidos. Ainda estou à espera que acredites no que te digo. Se fores esperta, evitas-me.

Ri-me secamente.

- Julgo que também já tornaste bastante clara a tua opinião a respeito do meu intelecto.

Semicerrei os olhos. Ele sorriu como quem pedia desculpa.

- Então, enquanto eu… e tu… não estivermos a ser espertos, tentaremos ser amigos? – Referi-o numa tentativa fraca de o avisar que devia manter distância mas como eu não a desejava.

Esforcei-me por sintetizar o confuso diálogo.

- Parece-me que é mais ou menos isso.

Olhei para as minhas mãos a envolverem a garrafa de limonada, não sabendo ao certo o que fazer a partir daquele momento.

- Em que é que estás a pensar? – Perguntou curiosamente.

Olhei para os seus olhos de um profundo tom dourado, fiquei confusa e, como habitualmente, deixei escapar a verdade.

- Estou a tentar compreender quem tu és.

Na verdade, o que eu queria dizer era o que tu és.

O seu maxilar contraiu-se, mas ele manteve o sorriso no devido lugar com algum esforço.

- Estás a fazer progressos nessa empreitada? – Perguntou ele, num tom de voz espontâneo.

- Não muitos. – Confessei.

Soltou um riso abafado.

- Quais são as tuas teorias?

Eu enrubesci. Ao longo do mês anterior, hesitara entre os (ridículos) personagens de Harry Potter e os quatro personagens d’ O Pacto, tal como também hesitara entre Bruce Wayne e Peter Parker. Não iria, de formar nenhuma, confessar este facto.

- Não me dizes? – Perguntou ele, inclinando a cabeça para um lado com um sorriso tremendamente tentador. Ele sem dúvida que me queria provocar um ataque cardíaco.

Abanei a cabeça.

- É demasiado embaraçoso. – Era só ele escolher qual das versões queria.

- Isso é mesmo frustrante, sabes. – Lamentou-se.

Ok, agora ele tinha tocado fundo na ferida!

- Não, – Discordei rapidamente, com um olhar duro. Frustrante era o que eu passava – não consigo imaginar por que motivo tal seria minimamente frustrante, apenas porque alguém recusa revelar-te os seus pensamentos, mesmo que, durante todo esse tempo, essa pessoa teça comentariozinhos obscuros que se destinam especificamente a manter-te acordado à noite, perguntando a ti mesmo qual será o respectivo significado… agora, por que motivo é que tal seria frustrante?

Ele fez um esgar. Ele merecia ouvir-me, mais que ninguém, ele merecia.

- Ou melhor – prossegui, com a irritação reprimida agora a fluir livremente – digamos que essa pessoa também cometeu uma grande variedade de actos bizarros, desde salvar a tua vida em circunstâncias incríveis num dia e a tratar-te como um pária no seguinte, nunca te tendo igualmente dado uma explicação para nenhum desses factos, mesmo depois de ter prometido fazê-lo. Isso também não seria nada frustrante.

- Tens um ligeiro mau feitio, não tens?

- Não me agrada a dualidade de critérios.

Olhámo-nos fixamente, sem sorrir.

Ele relanceou o olhar por cima do meu ombro e, em seguida, de forma inesperada, soltou um riso algo reprimido.

- O que foi?

- O teu namorado parece pensar que estou a ser desagradável contigo. Está a deliberar se há-de ou não vir interromper a nossa discussão. – Esclareceu ele, voltando a rir-se da mesma forma.

- Não sei a quem te referes. – Disse eu, glacialmente. Eu tinha a pequena noção a quem ele se referia… e não me estava a agradar. – Mas, seja como for, tenho a certeza de que estás enganado.

- Não estou. Já te disse, a maioria das pessoas é transparente.

- Excepto eu, é claro. – Graças a Deus.

- Sim, excepto tu.

O seu estado de espírito alterou-se de repente; os olhos tornaram-se-lhe pensativos.

- Pergunto-me porque será.

Tive de desviar os olhos da intensidade do seu olhar. Concentrei-me em desenroscar a tampa da minha limonada, com magia (estava demasiado distraída pela presença de Edward na minha frente para me preocupar em ser apanhada). Sorvi um trago, olhando fixamente para a mesa sem a ver.

- Não tens fome? – Perguntou, com o espírito perturbado.

- Não.

Não me apetecia dizer-lhe que já tinha a barriga cheia… de nervosismo.

- E tu?

Eu olhava para a mesa vazia que se encontrava diante dele.

- Não, não tenho fome.

Não compreendi a expressão estampada no seu rosto – parecia que estava a divertir-se com algum tipo de piada pessoal.

- Podes fazer-me um favor? – Perguntei após um instante de hesitação.

Ficou subitamente desconfiado.

- Depende daquilo que pretendes.

- Não é nada de mais. – Assegurei-lhe.

Ele esperou, cauteloso mas curioso.

- Pensei apenas… se poderias avisar-me antecipadamente da próxima vez que resolveres ignorar-me para o meu próprio bem? Apenas para que eu esteja preparada.

Olhava para a garrafa de limonada enquanto falava, percorrendo o círculo da abertura com o dedo rosado.

- Parece-me justo.

Quando levantei o olhar, ele estava a contrair os lábios para evitar rir-se. O que é que teria tanta piada?

- Obrigada.

- Sendo assim, podes dar-me uma resposta em troca? – Interrogou.

Agora era a minha vez de ficar desconfiada.

- Só uma

- Revela-me uma teoria.

Por um lado, o meu peito ficou mais leve ao aperceber-me que se calhar não teria que mentir, mas por outro, ele estava a pedir-me uma coisa MUITO embaraçosa.

- Ai, ai! Essa não.

- Não ficaste apurada; prometeste-me apenas uma resposta. – Relembrou-me.

- Tu também já fizeste promessa que não cumpriste. – Retorqui-lhe.

- Apenas uma teoria, eu não me rio.

- Sim, ris.

Estava certa quanto a esse facto.

Ele baixou o olhar e, em seguida, relanceou-o na minha direcção, através das suas longas pestanas negras, com os olhos ocres a exercerem um efeito cáustico. O que é que ele estava a fazer?

- Por favor? – Pronunciou suavemente, inclinando-se na minha direcção.

Eu pestanejei, ficando a minha mente completamente despojada de qualquer pensamento. Santo Deus, como é que ele fez aquilo?

- Hã, o quê? – Perguntei, aturdida.

- Por favor, revela-me apenas uma teoriazinha.

Os seus olhos ainda me lançavam fogo.

- Hum, bem, foste mordido por uma aranha radioactiva? – Optei por não lhe revelar a teoria do Harry Potter.

Será que ele era também hipnotizador? Ou seria eu apenas uma pessoa irremediavelmente fácil de convencer?

- Essa teoria não é muito criativa. – Escarneceu.

- Lamento, é a única que tenho. – Declarei, aborrecida. Não era, mas era a que menos dizia sobre mim e… a menos embaraçosa.

- Não estás nem perto da verdade. – Disse ele, em tom de provocação.

O meu coração apertou-se, estaria a minha outra teoria certa?

- Não há aranhas?

- Não.

- Nem radioactividade?

- Nenhuma.

- Raios! – Exclamei, suspirando.

- A criptonite também não me afecta. – Afirmou ele, soltando um riso abafado.

- Não podes rir-te, lembras-te?

Ele esforçou-se por ficar com um ar sério.

- Acabarei por descobrir. – Adverti-o.

- Quem me dera que não tentasses.

Ficou novamente com um ar grave.

- Porque…?

- E se eu não for um super-herói? E se eu for o vilão?

Sorriu jocosamente, mas os seus olhos estavam impenetráveis.

- Ah! – Exclamei, à medida que várias das suas insinuações se encaixavam subitamente. – Estou a ver.

Isso punha-o numa outra categoria de seres, seres que não se qualificavam humanos.

- Estás mesmo?

O seu rosto tornou-se bruscamente austero, como se receasse ter acidentalmente falado de mais.

- És perigoso? – Arrisquei a adivinhar, com a minha pulsação a acelerar quando me apercebi da verdade das minhas próprias palavras. Ele era perigoso. Estivera sempre a tentar transmitir-me esta ideia. Boa, génio, murmurou a minha consciência, fazendo o meu coração aquietar-se, tu também és perigosa, lembras-te?

Limitava-se a olhar-me, com os seus olhos repletos de alguma emoção. Eu não conseguia compreender.

- Mas não és mau. – Sussurrei, abanando a cabeça. Disto eu estava convicta. – Não, não acredito que sejas mau.

- Estás enganada.

A sua voz estava quase inaudível. Baixou o olhar, surripiando a tampa da minha garrafa e fazendo-a girar de lado entre os dedos. Fitei-o, perguntando-me por que motivo não sentia medo. Ele estava a falar a sério – isso era óbvio. Eu, porém, sentia-me apenas ansiosa, nervosa… e, acima de tudo, fascinada. Sentia-me como sempre me sentia quando estava perto dele. Talvez por eu ser como ele, aparência indefesa mas no fundo, uma arma mortífera.

Sorri com o pensamento e ele olhou para mim, curioso.

- Não te preocupes… Eu também não sou nada do que pareço ser.

- O quê? – Perguntou ele visivelmente confuso.

Levantei-me ao reparar que o refeitório já estava praticamente vazio.

- E se eu não for a donzela indefesa? E se eu for a vilã? – Repeti quase a mesma frase que ele, puxando um sorriso constrangido e confuso dele.

O silêncio perdurou durante um instante em que nos olhámos fixamente.

- Vamos chegar atrasados.

- Não vou à aula hoje. – Disse ele, fazendo com que a tampa rodopiasse tão rapidamente que chegava a ser uma mera névoa.

- Porque não?

Se ele não me desse uma boa desculpa, eu até lhe implorava para vir comigo.

- É saudável baldarmo-nos às aulas de vez em quando.

Sorriu-me, mas os seus olhos estavam ainda perturbados. Aquilo era uma boa desculpa para eu não lhe implorar… Pelo menos assim me tentei convencer.

- Bem, eu vou. – Informei-o. Embora gostasse imenso de ficar aqui contigo.

Eu era demasiado cobarde para correr o risco de ser apanhada. A sua atenção voltou a incidir sobre a tampa, que servia de recurso de ocasião.

- Então, vemo-nos mais tarde.

Espero que sim, pensei.

Hesitei, sentindo-me arrasada, mas, então, o primeiro toque da campainha fez-me precipitar pela porta, com um último relancear de olhos para confirmar que ele não se deslocara um único centímetro.

Enquanto me dirigia para a aula, quase em passo de corrida, a minha cabeça girava mais rapidamente do que a tampa da garrafa. Tão poucas perguntas haviam obtido resposta em comparação com a quantidade de novas questões que haviam sido levantadas. Pelo menos, a chuva cessara.

Tive sorte; o professor Banner ainda não estava na sala quando cheguei. Instalei-me rapidamente no meu lugar, ciente de que tanto Mike como Angela me olhavam fixamente. Mike parecia melindrado e Angela surpreendida e um pouco espantada.

O professor Banner entrou, então, impondo a ordem na sala. Fazia malabarismos com algumas pequenas caixas de cartão nos braços. Pousou-as na bancada de Mike, dizendo-lhe para começar a fazê-las circular pela turma.

- Muito bem, meninos, quero que todos retirem um instrumento de cada caixa. – Disse ele, enquanto sacava um par de luvas de borracha do seu bolso e as colocava. O som estridente produzido pelas luvas ao moldarem-se aos seus pulsos afigurou-se-me como sendo de mau agouro.

- O primeiro deve ser um cartão indicador. – Prosseguiu ele, pegando num cartão branco com quatro quadrados desenhados e exibiu-o. – O segundo é um aplicador com quatro dentes. – Mostrou algo que se assemelhava a um pente praticamente desprovido de dentes. – E o terceiro é uma microlanceta esterilizada.

Mostrou um pequeno instrumento de plástico azul e abriu-o. A farpa era invisível àquela distância, mas graças à minha “super” visão, eu conseguia vê-la e o meu estômago revolveu-se.

- Eu vou a cada bancada com um conta-gotas com água para preparar os vossos cartões, portanto, por favor, não comecem antes de eu me ter dirigido aos vossos lugares…

Começou novamente pela mesa de Mike, colocando cuidadosamente uma gota de água em cada um dos quatro quadrados.

- De seguida, quero que piquem cuidadosamente o dedo com a lanceta…

Pegou na mão de Mike e espetou o espigão na ponta do dedo médio deste último. Oh, não. Uma humidade pegajosa invadiu-me a testa.

- Coloquem uma gota de sangue em cada um dos dentes.

Procedeu a uma demonstração, apertando o dedo de Mike até que o sangue começou a correr. Eu engolia em seco convulsivamente, com o estômago às voltas. Edward tinha razão.

- Em seguida, apliquem-no no cartão.

Terminou, erguendo o cartão vermelho e gotejante no ar para que pudéssemos vê-lo. Fechei os olhos, esforçando-me por ouvir algo além do zunido nos meus ouvidos.

- A Cruz Vermelha irá promover uma recolha de sangue em Port Angeles no próximo fim-de-semana e, por conseguinte, julguei que todos deveriam tomar conhecimento do respectivo grupo sanguíneo.

Parecia sentir orgulho em si próprio. Já eu desejava mostrar-lhe que inventar uma aula destas não era motivo de orgulho.

- Aquele dentre vós que ainda não tiverem completado dezoito anos, necessitarão de uma autorização dos pais. Tenho os documentos a serem assinados na minha secretária.

Continuou a percorrer a sala com as suas gotas de água. Encostei a face ao fresco tampo negro da bancada e tentei manter-me consciente. Em meu redor, conseguia ouvir gritos agudos, reclamações e risinhos à medida que os meus colegas de turma espetavam os dedos. Inspirei e expirei lentamente pela boca. Eu devia ter ficado na cantina com ele.

- Bella, estás bem? – Perguntou o professor Banner.

A sua voz soava próximo à minha cabeça e parecia inquieta. Tive vontade de lhe perguntar se me achava bem, de um modo bastante brusco.

- Eu já sei qual é o meu grupo sanguíneo, professor Banner. – Disse sem energia.

Receava levantar a cabeça.

- Sentes-te a desfalecer?

Não, só devo ter a aparência de um fantasma.

- Sinto, senhor professor. – Murmurei, pontapeando-me por dentro por não ter faltado à aula quando surgiu a oportunidade de o fazer. Por outro lado, onde é que parava Ana quando ela era realmente necessária?

- Será que alguém pode levar a Bella até à enfermaria, por favor? – Bradou.

Não precisava de erguer o olhar para saber que seria Mike a oferecer-se. E eu desejava que Edward estivesse aqui para ser ele a levar-me.

- Consegues andar? – Perguntou o professor Banner.

- Consigo. – Sussurrei. Deixa-me só sair daqui, pensei. Se necessário, até rastejarei.

Mike parecia ansioso ao envolver-me a cintura com o braço e ao colocar o meu sobre o seu ombro. Encostei-me pesadamente a ele enquanto saíamos da sala de aula. Se ele queria carregar-me, seria com o peso todo e ai dele que reclamasse que eu era pesada!

Atravessou o recinto da escola comigo a reboque. Quando contornámos a cantina, saindo do campo visual do edifício quatro, na eventualidade de o professor Banner estar a observar-nos, parei.

- Deixas-me ficar sentada só por um instante, por favor? – Implorei.

Ajudou-me a sentar junto do passeio.

- E, faças o que fizeres, mantém a mão no bolso. – Avisei-o.

Sentia-me ainda tonta. Deixei-me cair bruscamente de lado, pousando a face no gélido e húmido cimento do passeio. Tal parecia exercer um certo efeito benéfico.

- Ena, estás verde, Bella! – Exclamou Mike nervosamente. Se eu estivesse num outra situação, consideraria a sua afirmação como um insulto, neste momento, considerava mais um elogio do que outra coisa.

- Bella? – Invocou uma outra voz ao longe.

Não! Por favor, que seja eu a imaginar aquela voz horrivelmente conhecida.

- O que é que se passa, ela magoou-se?

A sua voz estava agora mais próxima e ele parecia transtornado. Não era imaginação minha. Forcei as pálpebras umas contra as outras, desejando morrer ou, pelo menos, não vomitar. Os meus anteriores desejos tinham-se realizado e eu agora desejava intensamente que isso não tivesse acontecido.

Mike parecia tenso.

- Acho que ela desmaiou. Não sei o que aconteceu, ela nem sequer picou o dedo.

- Bella! Consegues ouvir-me?

A voz de Edward soava mesmo a meu lado, transmitia agora alívio.

- Não. – Gemi. – Vai-te embora.

Ele soltou um riso abafado.

- Eu ia levá-la à enfermaria. – Explicou Mike num tom defensivo. – Mas ela recusou-se a avançar mais.

- Eu levo-a. – Afirmou Edward. – Podes voltar para a aula.

Conseguia ainda ouvir o sorriso na sua voz. Parecia estar a divertir-se com o confronto com Mike.

- Não. – Protestou Mike. – Sou eu que devo fazê-lo.

De repente, o passeio desapareceu debaixo de mim. Os meus olhos abriram-se rapidamente com o sobressalto. Edward pegara em mim com os seus braços, tão facilmente como se eu pesasse cinco quilogramas em vez de cinquenta.

- Põe-me no chão! – Exclamei. Por favor, por favor, que eu não vomite para cima dele, pensei.

Ele já caminhava antes de eu ter acabado de falar.

- Hei! – Exclamou Mike, que já se encontrava dez passos atrás de nós.

Edward ignorou-o.

- Estás com péssimo aspecto. – Disse-me ele, esboçando um largo sorriso.

Obrigado pelo elogio. – Coloca-me novamente no passeio. – Afirmei, gemendo.

O movimento oscilante do seu andar não estava a ajudar. Ele segurava-me afastando-me do seu corpo, cuidadosamente, suportando todo o meu peso apenas com os braços – tal não parecia incomodá-lo.

- Com que então desmaias ao ver sangue? – Perguntou ele.

Este facto parecia diverti-lo. Não respondi. Voltei a fechar os olhos e debati-me contra as náuseas com todas as minhas forças, apertando os lábios.

- E nem sequer se tratava do teu próprio sangue. – Continuou, regozijando-se.

Não sei como é que ele conseguiu abrir a porta enquanto me carregava, mas, subitamente, a temperatura ambiente aumentou e, consequentemente, apercebi-me de que estávamos entre paredes.

- Credo! – Ouvi uma voz feminina pronunciar, sobressaltada.

- Ela desmaiou na aula de Biologia. – Explicou Edward.

Abri os olhos. Estava no gabinete do Conselho Executivo e Edward caminhava a passos largos em direcção à porta da enfermaria, passando pelo balcão da frente. A Miss Cope, a recepcionista ruiva do Conselho Executivo, precipitou-se à frente dele para segurar a porta. A enfermeira com ar de avó desviou o olhar de um romance, atónita, quando Edward entrou comigo na sala e me pousou delicadamente no papel crepitante que revestia o colchão de vinil castanho da única marquesa. Então, ele afastou-se para se encostar à parede, distanciando-se tanto quanto era possível na estreita sala. Os seus olhos estavam brilhantes, emocionados.

- Ela está apenas um pouco fraca. – Disse ele, tranquilizando a sobressaltada enfermeira. Resisti à vontade de revirar os olhos. – Estão a tipificar sangue na aula de Biologia.

A enfermeira acenou com a cabeça de modo sagaz.

- Acontece sempre a alguém.

Ele conteve o riso. Como se tivesse muita piada.

- Deita-te só um pouco, amor; isso passa. – Mas que novidade.

- Eu sei. – Disse eu, suspirando.

As náuseas começavam já a desvanecer-se.

- Isto acontece-te muito frequentemente? – Perguntou ela.

- Às vezes. – Confessei. Experimente cortar-se na minha frente que desmaio.

Edward tossiu para disfarçar outra gargalhada.

- Já podes voltar para a aula. – Disse-lhe ela.

- Devo ficar com ela.

Ele proferiu estas palavras com uma autoridade de tal modo segura que a enfermeira, ainda que tenha franzido os lábios, não voltou a argumentar.

- Vou buscar gelo para colocares na testa, querida. – Disse-me ela, saindo, em seguida, apressadamente da sala.

- Tinhas razão. – Gemi, deixando que os meus olhos se fechassem.

- Costumo ter, mas, desta vez, a respeito de quê, em particular?

- Fazer gazeta é mesmo saudável.

Eu ainda praticava exercícios de respiração.

- Por um instante, assustaste-me. – Confessou ele após um momento de silêncio.

O seu tom de voz levava a crer que estava a confessar uma fraqueza humilhante.

- Pensei que o Newton estava a arrastar o teu corpo sem vida para o enterrar no bosque.

- Ah! Ah!

Tinha ainda os olhos fechados, mas sentia-me mais normal a cada minuto que passava.

- Sinceramente, já vi cadáveres com melhor cor. Estava preocupado com a possibilidade de ter que vingar o teu homicídio.

Uma onda de satisfação espalhou-se pelo meu corpo. Ele preocupava-se comigo.

- Pobre Mike. Aposto que está furioso. – Disse tentando evitar o sorriso de satisfação que queria sair.

- Ele abomina-me de verdade. – Disse Edward animadamente.

- Não podes ter a certeza disso. – Argumentei, mas, depois, perguntei-me subitamente se poderia.

- Vi a cara dele, era perceptível.

- Como é que me viste? Pensei que estavas a fazer gazeta.

Já estava quase boa, ainda que o mal-estar tivesse provavelmente passado mais depressa se eu tivesse comido ao almoço. Por outro lado, talvez tivesse sido uma sorte o facto de o meu estômago estar vazio.

- Estava no meu carro, a ouvir um CD.

Uma resposta tão normal foi coisa que me surpreendeu. Ouvi a porta e abri os olhos, vendo a enfermeira com uma compressa fria na mão.

- Aqui tens, querida. – Disse e estendeu-a na minha testa. – Estás com melhor aspecto. – Acrescentou.

- Acho que estou bem. – Disse eu, sentando-me.

Sentia apenas um zunido nos ouvidos, mas a cabeça já parara de andar à roda. As paredes verde-hortelã permaneciam no seu devido lugar. Pude ver que ela estava prestes a fazer-me voltar a deitar, mas, nesse preciso momento, a porta abriu-se e Miss Cope espreitou. Timing perfeito, pensei.

- Chegou outro. – Avisou.

Desci da marquesa para deixá-la livre para o enfermo que se seguia.

Voltei a entregar a compressa à enfermeira.

- Aqui tem, não preciso disto.

Então, Mike entrou, cambaleante, amparando agora Lee Stephens, outro rapaz que pertencia à nossa turma de Biologia e que estava com um ar pálido. Eu e Edward recuámos, encostando-nos à parede, para lhes dar espaço. Foi nesse instante que percebi o pesado cheiro no ar.

- Oh, não. – Resmungou Edward. – Vai para o gabinete, Bella.

Olhei para ele, confusa. Teria ele sentido o mesmo cheiro que eu?

- Confia em mim, vai.

Voltei-me e agarrei a porta antes de esta se fechar, precipitando-me para fora da enfermaria. Sentia a presença de Edward mesmo atrás de mim.

- Tu deste-me mesmo ouvidos.

Ele estava estupefacto.

- Senti o cheiro do sangue. – Disse eu, torcendo o nariz com a memória do cheiro.

Lee não estava indisposto por ter observado outras pessoas, como era o meu caso.

- As pessoas não conseguem sentir o cheiro do sangue. – Refutou.

As pessoas normais não conseguem sentir o cheiro do sangue, corrigi-o mentalmente.

- Pois eu consigo. E é isso que me faz ficar indisposta. Cheira a ferrugem… e sal.

Ele fitava-me com um ar insondável.

- O que foi? – Interroguei.

- Não foi nada.

Então, Mike saiu, relanceando o olhar na minha direcção e na de Edward. O olhar que ele lançou a Edward confirmou o que este afirmara a respeito da abominação. Voltou a olhar para mim, com olhos sorumbáticos. Aquele olhar expressou claramente os seus pensamentos.

- Estás com melhor aspecto. – Acusou. Yap! Tal como eu previra.

- Mantém apenas a mão no bolso. – Voltei a adverti-lo. Ainda conseguia sentir o cheiro que emanava do seu dedo.

- Já não está a sangrar. – Murmurou por entre dentes. – Vais voltar para a aula?

- Estás a gozar? Teria apenas de dar meia volta e regressar para aqui. – Disse enquanto imaginava o cheiro que deveria estar presente na sala.

- Suponho que sim… Então, vais participar na viagem deste fim-de-semana? À praia?

Enquanto falava, lançou um outro olhar hostil na direcção de Edward que estava encostado ao balcão atulhado, imóvel como uma estátua, olhando o vazio. Senti uma vontade de bater em Mike pelo seu olhar para Edward, mas reprimi-a.

Tentei parecer o mais amável possível, camuflando a raiva que sentia.

- Claro, eu disse que alinhava.

- Vamos encontrar-nos na loja do meu pai, às dez horas.

Os seus olhos voltaram a tremular na direcção de Edward, perguntando-se se estaria a fornecer demasiada informação. A sua linguagem corporal tornava claro que não se tratava de um convite aberto a todos.

- Lá estarei. – Prometi.

- Então, vemo-nos na aula de Educação Física. – Disse ele, deslocando-se irresolutamente na direcção da porta.

- Até já. – Retorqui.

Ele olhou-me uma vez mais, com o rosto arredondado a mostrar-se ligeiramente aborrecido, e, em seguida, à medida que passava lentamente pela porta, os seus ombros baixaram-se subitamente. Fui invadida por uma onda de compaixão. Reflecti sobre o facto de ir novamente deparar com o seu ar de decepção… na aula de E.F.

- Educação Física. – Murmurei.

- Eu posso tratar disso.

Não reparara que Edward se aproximara de mim, mas ele falava-me agora ao ouvido.

- Vai sentar-te e faz um ar pálido. – Murmurou por entre dentes. Olhei para ele de um modo desconfiado e arranquei-lhe um sorriso.

Não se tratava de um grande desafio; eu estava sempre pálida e o desfalecimento que sofrera pouco antes deixara-me um ligeiro brilho de suor no rosto. Sentei-me numa das cadeiras articulada que rangiam e encostei a cabeça à parede com os olhos fechados. Os desmaios sempre me deixaram exausta.

Ouvi Edward a falar suavemente ao balcão.

- Miss Cope?

- Sim?

Eu não a ouvira regressar à sua secretária.

- A Bella tem Educação Física no próximo tempo e eu acho que ela não se sente suficientemente bem. Na verdade, estava a pensar se não deveria levá-la já para casa. Acha que podia dispensá-la da aula?

A voz dele assemelhava-se a mel a derreter-se. Conseguia imaginar quão mais avassaladores estariam os seus olhos.

- Também precisa de ser dispensado, Edward?

A Miss Cope agitava-se de um lado para o outro. Porque é que eu não consigo agir dessa forma?

- Não, eu tenho a professora Goff, ela não se importa.

- Muito bem, está tudo tratado. Desejo-lhe as melhoras, Bella.

Eu acenei com a cabeça sem energia, levantando-a apenas um pouco.

- Consegues andar ou queres que eu te carregue novamente?

De costas voltadas para a recepcionista, a expressão estampada no seu rosto tornou-se sarcástica.

- Eu vou a pé.

Levantei-me cuidadosamente e continuava a sentir-me bem. Ele segurou a porta para eu passar, com um sorriso educado, mas olhos trocistas. Saí, expondo-me à fria e miúda cacimba que acabara de começar a cair. À medida que me lavava o rosto, libertando-o da pegajosa transpiração, transmitia-me uma sensação agradável – esta foi a primeira vez que me agradou a constante humidade que caía do céu.

- Obrigada. – Disse eu, quando ele me seguiu em direcção ao exterior. – Quase vale a pena ficar doente para faltar a Educação Física.

- Sempre às ordens.

Estarás mesmo? Perguntei mentalmente olhando o seu rosto perfeito.

Ele olhava em frente, observando a chuva de soslaio.

- Então, vais? À viagem do próximo sábado, quero eu dizer.

Eu esperava que ele fosse, ainda que parecesse improvável. Não o imaginava a participar numa boleia organizada com os restantes miúdos da escola; ele não pertencia ao mesmo mundo. Eu esperava, todavia, que ele me proporcionasse o primeiro rasgo de entusiasmo que eu já sentira relativamente à excursão.

- Exactamente aonde é que todos vão?

Ele continuava a olhar em frente, impassível.

- Até La Push, ao porto.

Perscrutei o seu rosto, tentando decifrá-lo. Os seus olhos pareciam semicerrar-se infinitesimalmente.

Olhou-me de relance pelo canto do olho, esboçando um sorriso forçado. Comecei a perceber que não valia a pena lutar esta batalha, mas eu tinha que tentar.

- Penso que não fui mesmo convidado.

Suspirei. A tristeza de não poder apreciar a sua companhia começava a crescer.

- Eu acabei de te convidar.

- Não vamos, tu e eu, provocar ainda mais o coitado do Mike esta semana. Não queremos que ele se passe.

Os seus olhos dançavam; a ideia agradava-lhe mais do que ele gostaria. A mim também.

- Mike-chmike. – Murmurei por entre dentes, preocupada como a forma como ele dissera “tu e eu”. Agradava-me mais do que eu gostaria. Ou deveria gostar.

Encontrávamo-nos agora perto do parque de estacionamento. Virei para a esquerda, dirigindo-me para a minha pick-up. O meu casaco ficou preso em algo que me fez recuar bruscamente.

- Aonde pensas que vais? – Perguntou ele, escandalizado.

Estava a agarrar uma parte do meu casaco com uma mão. Eu estava confusa. Para onde ia? Não era óbvio?

- Vou para casa.

- Não me ouviste prometer levar-te a casa em segurança? Julgas que vou deixar-te conduzir no estado em que te encontras?

Na sua voz, a indignação ainda era patente.

- Qual estado? E a minha pick-up? – Reclamei.

- Peço à Alice que a leve até tua casa depois das aulas.

Ele levava-me, agora, a reboque na direcção do seu automóvel, puxando-me pelo casaco. Nada mais podia fazer para evitar cair de costas. De qualquer modo, se tal tivesse acontecido, ele limitar-se-ia, provavelmente, a arrastar-me ao longo do percurso. Achava eu.

- Larga-me! – Exclamei com insistência.

Ele ignorou-me. Eu caminhei aos ziguezagues, de lado, ao longo do passeio molhado até chegarmos junto do Volvo. Então ele libertou-me finalmente e eu esbarrei na porta do passageiro.

- És tão atrevido! – Resmunguei.

- Está aberta.

Foi esta a sua única réplica. Ele entrou pelo lado do condutor.

- Estou perfeitamente apta a conduzir até casa!

Mantive-me especada junto do carro, profundamente irritada. Chovia, agora, com maior intensidade e eu não colocara o capuz, pelo que o meu cabelo gotejava pelas costas abaixo.

Ele abriu o vidro eléctrico e inclinou-se, através do banco, na minha direcção.

- Entra, Bella.

Não retorqui. Parte da minha mente estava a calcular as minhas hipóteses de alcançar a minha pick-up antes de ele me conseguir apanhar. Tinha que admitir que não eram muito favoráveis. Enquanto a outra parte da minha mente se distraía a pensar em quão sexy o meu nome parecia dito por ele.

- Limitar-me-ei a arrastar-te novamente até aqui. – Ameaçou, adivinhando o meu plano.

Tentei manter o máximo de dignidade possível ao entrar no seu carro. Não fui muito bem sucedida. Parecia um pinto encharcado e as minhas botas chiavam.

- Isto é completamente desnecessário. – Disse eu, obstinadamente.

Ele não retorquiu. Mexia nos comandos, aumentando a potência do aquecimento e baixando o volume da música. Quando saiu do parque de estacionamento, eu estava a preparar-me para lhe aplicar o tratamento do silêncio, colocando o rosto em modo de beicinho total. Mas, de repente, reconheci a música que estava a tocar e a minha curiosidade levou a melhor sobre as minhas intenções.

- Claire de Lune? – Perguntei, surpreendida.

- Conheces Debussy?

Também ele pareceu surpreendido.

- Não muito bem. – Reconheci. – A minha mãe põe muita música clássica a tocar em casa. Só conheço os meus compositores preferidos.

- Debussy também é um dos meus compositores preferidos.

Mais uma coisa em comum para a lista!

Ele lançava o olhar fixo através da chuva, perdido nos seus pensamentos. Eu ouvia a música, descontraindo-me no banco de pele cinzento-clara. Era impossível não reagir à conhecida e tranquilizante melodia. A chuva transformava tudo o que se encontrava do lado de fora do vidro em meras manchas cinzentas e verdes. Comecei a aperceber-me de que seguíamos a grande velocidade; no entanto, o carro deslocava-se com tanta firmeza, com tanta regularidade, que não tinha noção da velocidade. Apenas a vista da cidade, que passava rapidamente, a denunciava.

Deixei a minha mente imaginar como ficaria a cara de Edward se os seus olhos fossem verdes esmeralda como no meu sonho. Teriam a mesma intensidade que os seus olhos dourados tinham?

- Como é a tua mãe? – Perguntou-me ele de repente, tirando-me dos meus pensamentos.

Eu olhei-o de relance e deparei com ele a perscrutar-me com olhos curiosos.

- Parece-se bastante comigo, mas é mais bonita. E ela é loira e tem olhos azuis. – Disse eu, enquanto ele franzia o sobrolho. – Tenho demasiada influência genética do Charlie. Ela é mais sociável do que eu e também mais corajosa. É irresponsável, ligeiramente excêntrica e uma cozinheira muito imprevisível. É a minha melhor amiga. Para além da minha irmã e da minha prima.

- Como é a tua irmã? – Ele perguntou.

- É tal e qual a minha mãe, embora sejamos gémeas. – Disse fazendo-o olhar para mim espantado. – Sim, eu tenho uma irmã gémea! Chama-se Anabella, mas gosta que a tratem por Ana. Ela é loira com olhos azuis. Totalmente o meu oposto.

Detive-me. Falar sobre a minha mãe e sobre a minha irmã estava a deprimir-me.

- Que idade tens, Bella?

Por algum motivo que eu não conseguia imaginar, era patente alguma frustração na voz dele. Ele parara o carro e apercebi-me de que já estávamos junto da casa de Charlie. A chuva era tão intensa que eu mal conseguia vê-la. Era como se o carro estivesse submerso num rio.

- Tenho dezassete anos. – Respondi, um pouco confusa.

- Não pareces ter dezassete anos.

O seu tom de voz transmitia censura; fez-me rir.

- O que foi? – Perguntou, novamente curioso.

- A minha mãe diz sempre que eu nasci com trinta e cinco anos de idade e que a minha mentalidade se torna mais característica de uma pessoa de meia-idade a cada ano que passa.

Ri-me e, em seguida, suspirei.

- Bem, alguém tem de desempenhar o papel de adulto. – Disse eu, detendo-me por um instante. – Tu também não pareces um jovenzinho do liceu. – Observei.

Ele manifestou discordância com um trejeito do rosto e mudou de assunto.

- Então, porque é que a tua mãe casou com o Phil?

Fiquei admirada com o facto de ele se recordar do nome; referira-o apenas uma vez, há quase dois meses. Demorei um pouco a responder.

- A minha mãe… tem um espírito muito jovem para a idade. Penso que o Phil a faz sentir ainda mais jovem. De qualquer modo, ela é louca por ele.

Abanei a cabeça. Esta atracção constituía um mistério.

- Tu aprovas? – Perguntou ele.

- A minha opinião tem alguma importância? – Contrapus. – Eu quero que ela seja feliz… e é ele quem ela quer.

- É muito generoso da tua parte… Pergunto-me… - Devaneou ele.

- O quê?

- Julgas que ela demonstraria a mesma cortesia em relação a ti? Independentemente da pessoa sobre a qual a tua escolha recaísse?

Ele estava subitamente atento, com os seus olhos a examinarem os meus. O que quereria ele dizer com aquilo?

- Julgo que sim. – Tartamudeei. – Mas, afinal, é ela a mãe. É um pouco diferente.

- Então, desde que não se tratasse de alguém demasiado assustador… - Disse ele num tom provocador.

Eu respondi-lhe com um sorriso rasgado. Eu estava curiosa por saber qual era a sua definição de assustador.

- O que queres dizer com “assustador”? Múltiplos piercings faciais e tatuagens generalizadas? – Ao imaginar um rapaz assim, arrepiei-me, nunca permitiria que alguém assim entrasse em minha casa.

- Suponho que é uma definição possível.

- Qual é a tua definição?

No entanto, ele ignorou a minha questão e colocou-me outra.

- Achas que eu poderia ser assustador?

Ele franziu uma sobrancelha e o ténue indício de um sorriso iluminou-lhe o rosto.

Reflecti por um momento, perguntando-me se seria preferível dizer a verdade ou recorrer a uma mentira. Decidi optar pela verdade.

- Hum… Acho que poderias sê-lo, se assim o desejasses.

- Agora, estás com medo de mim?

O sorriso desapareceu e o seu rosto celestial ficou, de repente, sério. Esbocei um sorriso irónico, iria ele alguma vez desistir de pensar que me metia medo?

- Não,

Respondi, porém, depressa de mais. O sorriso voltou.

- Então, vais agora falar-me sobre a tua família? – Perguntei, de modo a distraí-lo. – Deve tratar-se de uma história muito mais interessante do que a minha.

Tornou-se imediatamente cauteloso.

- O que queres saber?

Tudo.

- Os Cullen adoptaram-te? – Procurei confirmar.

- Adoptaram.

Hesitei um momento. Não sabia bem que pergunta fazer a seguir.

- O que aconteceu aos teus pais?

- Morreram há muitos anos. – Respondeu num tom de voz objectivo.

- Sinto muito. – Balbuciei.

- De facto, não me lembro deles assim tão nitidamente. O Carlisle e a Esme já são os meus pais há muito tempo.

- E tu ama-los.

Não era uma pergunta. Tal facto era evidente na forma como falava deles. Simples e claro como água.

- Amo. – Respondeu com um sorriso. – Não consigo imaginar duas pessoas melhores.

- Tens muita sorte.

- Eu sei que tenho.

- E os teus irmãos?

Ele olhou de relance para o relógio no tablier. Raios, estava na hora.

- Os meus irmãos, assim como, a propósito, o Jasper e a Rosalie, vão ficar bastante aborrecidos se tiverem de ficar à chuva à minha espera.

- Oh, desculpa, suponho que tens de te ir embora.

Eu não queria sair do carro. Antes a companhia de Edward trazia-me a vontade de matá-lo, agora a sua ausência causava-me uma dor mortal.

- E tu deves querer a tua pick-up de volta antes que o chefe Swan chegue a casa, de modo a que não tenhas de lhe contar o incidente que se deu na aula de Biologia.

Ele sorriu-me ironicamente. E eu sabendo das capacidades do meu pai…

- Tenho a certeza de que ele já soube. Não existem segredos em Forks. – Suspirei. Melhor dizer que não existem segredos para o meu pai, visto que em Forks habitava uma família de bruxos e ninguém sabia.

Ele riu-se e havia uma veemência patente no seu riso.

- Diverte-te na praia… está bom tempo para tomar banhos de sol.

Olhou de relance para a chuva que caía copiosamente.

- Não nos vemos amanhã? – Senti-me triste com o pensamento.

- Não. Eu e o Emmett vamos começar o fim-de-semana mais cedo.

- O que vão fazer?

Uma amiga podia fazer este tipo de perguntas, certo? Eu esperava que a decepção não fosse demasiado notória na minha voz. Oh Deus! O que é que eu estava a fazer?

- Vamos fazer caminhadas em Goat Rocks Wilderness, a Sul de Rainier.

Lembrei-me de que Charlie referira que os Cullen iam acampar frequentemente.

- Oh, bem, diverte-te.

Tentei parecer entusiástica. No entanto, não me parece que o tenha enganado. Um sorriso adivinhava-se à beira dos seus lábios. Porque seria?

- Fazes algo por mim este fim-de-semana?

Ele virou-se para me olhar directamente no rosto, utilizando todo o poder dos seus ardentes olhos dourados.

Tive vontade de lhe dizer que fazia tudo desde que ele não me pedisse para me afastar dele, isso eu nunca faria. Acenei com a cabeça, indefesa.

- Não fiques ofendida, mas pareces ser uma daquelas pessoas que atraem acidentes como um íman. Por isso… tenta não cair ao mar, ser atropelada ou algo do género, está bem?

Sorriu de través.

O meu estado indefeso desvaneceu-se à medida que ele falava. Lancei-lhe um olhar irritado. Quem se julgava ele para me dizer uma coisa daquelas?

- Verei o que posso fazer. – Disse com brusquidão ao sair do carro e ficar à chuva.

Depois de ter saído, bati com a porta com excessiva violência. Novamente, ocorreu-me o pensamento sobre a minha força.

Ao partir, ele ainda sorria.

 

 

(Edward POV)

 

Segui-a pelo resto do dia através dos olhos das outras pessoas, meramente consciente do que me rodeava.

Não pelos olhos de Mike Newton, porque eu já não conseguia suportar mais as suas fantasias ofensivas, e não pelos olhos de Jessica Stanley, porque o seu ressentimento para com Bella fazia-me ficar furioso de um modo que não era seguro para a pobre rapariga. Angela Weber era uma boa escolha quando os seus olhos estavam disponíveis; ela era bondosa – a sua cabeça era um lugar simples de se estar. E então às vezes eram os professores que providenciavam a melhor vista.

Eu estava surpreendido, observá-la tropeçar pelo dia – tropeçando em fendas no passeio, empilhados de livros, e, mais normalmente, nos seus próprios pés – que as pessoas que eu espiava por pensamento de Bella como desastrada.

Considerei isso. Era verdade que ela normalmente tinha problemas em ficar de pé, direita. Relembrei-me dela a tropeçar na secretária naquele primeiro dia, escorregar no gelo antes do acidente, cair na parte de baixo da ombreira da porta ontem… Quão estranho, eles estavam certos. Ela era desastrada.

Eu não sabia porque é que isto era tão divertido para mim, mas ri-me alto enquanto andei de História Americana para Inglês e várias pessoas me lançaram olhares prudentes. Como é que eu nunca reparei nisto antes? Talvez porque havia algo muito gracioso sobre ela em saliência, o modo como ela segurava a sua cabeça, a curva do seu pescoço…

Não havia nada de gracioso sobre ela agora. Mr. Varner observou enquanto ela ficou com a sua bota presa na carpete e literalmente caiu na sua cadeira.

Ri-me outra vez.

O tempo passou com incrível lentidão enquanto eu esperava pela minha hipótese de vê-la com os meus próprios olhos. Finalmente, a campainha tocou. Vaguei rapidamente para a cantina para assegurar o meu lugar. Fui um dos primeiros a chegar. Escolhi uma mesa que estava normalmente vazia, e era certo manter-se assim comigo lá sentado.

Quando a minha família entrou e me viu sentado sozinho num novo lugar, eles não estavam surpreendidos. Alice deve tê-los avisado.

Rosalie passou por mim sem olhar.

Idiota.

Rosalie e eu nunca tínhamos tido uma relação fácil – eu tinha-a ofendido da primeira vez que ela me ouviu falar, e foi encosta a baixo a partir dali – mas parecia que ela estava ainda mais maldisposta do que o normal nos últimos dias. Suspirei. Rosalie fazia tudo sobre ela.

Jasper deu-me um meio sorriso enquanto passou.

Boa sorte, ele pensou duvidosamente.

Emmett rolou os seus olhos e abanou a cabeça.

Perdeu a cabeça, pobre miúdo.

Alice estava radiante, os seus dentes a brilhar demasiado brilhantemente.

Já posso falar com a Bella agora??

- Mantém-te fora disto. – Disse sobre a minha respiração.

A sua cara caiu, e então iluminou-se outra vez.

Está bem. Sê teimoso. É apenas uma questão de tempo.

Suspirei novamente.

Não te esqueças do trabalho da aula de biologia, ela relembrou-me.

Assenti. Não, eu não me tinha esquecido disso.

Enquanto esperei que Bella chegasse, segui-a pelos olhos dos caloiros que estavam a andar atrás de Jessica no seu caminho para a cantina. Jessica estava a balbuciar sobre o baile próximo, mas Bella nada disse em resposta. Não que Jessica lhe desse muita hipótese.

No momento em que Bella passou pela porta, os seus olhos voaram para a mesa onde os meus irmãos se sentaram. Ela olhou por um momento, Alice dirigiu-lhe um olhar e um luminoso sorriso que me fez perguntar se ela realmente me dava ouvidos, e então Bella olhou-a curiosa e então a sua testa enrugou-se e os seus olhos caíram para o chão. Ela não reparou em mim aqui.

Ela parecia tão… triste. Eu senti uma poderosa necessidade de me levantar e ir para o seu lado, para confortá-la de alguma maneira, apenas que eu não sabia o que ela acharia confortante. Eu não fazia ideia do que a fazia parecer assim. Jessica continuou a tagarelar sobre o baile. Estaria Bella triste por ir perder o baile? Isso não parecia provável…

Mas isso podia ser remediado, se ela desejasse.

Ela comprou uma bebida para o seu almoço e nada mais. Estaria isso certo? Não precisaria ela de mais nutrição do que aquilo? Eu nunca prestei muita atenção à dieta humana antes.

Os humanos eram tão exasperantemente frágeis! Havia um milhão de diferentes coisas para se preocuparem…

- O Edward Cullen está, de novo, a olhar-te fixamente. – Ouvi Jessica dizer. – Pergunto-me porque estará ele hoje sentado a uma mesa sozinho.

Eu estava grato para com Jessica – ainda que ela estivesse ainda mais ressentida agora – porque a cabeça de Bella disparou para cima e os seus olhos procuraram até encontrarem os meus.

Não havia nenhum traço de tristeza na sua face agora. Deixei-me ter esperança de que ela estivesse triste por ter pensado que eu tinha saído da escola mais cedo, e essa esperança fez-me sorrir.

Movi o meu dedo para que ela se juntasse a mim. Ela parecia tão assustada por isto que eu quis provocá-la outra vez.

Então pisquei o olho, e a sua boca abriu-se.

- Está a dirigir-se a ti? – Jessica perguntou rudemente.

- Talvez precise de ajuda nos trabalhos de casa de Biologia. – Ela disse numa baixa e incerta voz. - Hum, é melhor ir ver o que ele deseja.

Isto era outro sim.

Ela tropeçou duas vezes no seu caminho para a minha mesa, ainda que não houvesse nada no seu caminho a não ser perfeitamente simples linóleo. Mesmo a sério, como é que eu não tinha percebido isto antes? Eu tinha estado a prestar mais atenção aos seus pensamentos silenciosos, eu suponha… O que mais tinha eu perdido?

Mantém-te sincero, mantém-te ao de leve, eu entoei para mim.

Ela parou atrás da cadeira à minha frente, hesitando. Inspirei profundamente, através do meu nariz desta vez em vez da minha boca.

Sente o fogo, pensei secamente.

- Porque não te sentas à minha mesa hoje? – Perguntei-lhe.

Ela puxou a cadeira e sentou-se, olhando para mim o tempo todo. Ela parecia nervosa, mas a sua física aceitação era ainda outro sim.

Esperei que ela falasse.

Levou um momento, mas, finalmente, ela disse: - Esta situação é fora do vulgar.

- Bem… - Hesitei. - Decidi que, já que ia para o inferno, mais valia fazê-lo de forma consumada.

O que é que me fez dizer aquilo? Pelo menos, supôs que fui sincero. E talvez ela ouvisse o nada subtil aviso que as minhas palavras implicavam. Talvez ela percebesse que ela devia levantar-se e afastar-se o mais depressa possível…

Ela não se levantou. Ela olhou para mim, esperando, como se eu tivesse deixado a minha frase inacabada.

- Tu sabes que eu não faço a menor ideia daquilo a que te referes. – Ela disse quando eu não continuei.

Isso era um alívio. Sorri.

- Pois sei.

Era difícil de ignorar os pensamentos a gritar para mim por detrás das costas dela – e eu queria mudar de assunto de qualquer maneira.

- Acho que os teus amigos estão zangados comigo por te ter roubado.

Isto pareceu não a preocupar e um lampejo de humor iluminou-lhe os seus olhos, supôs que ela se quisesse rir. - Hão-de sobreviver.

- Mas eu posso não te devolver. – Eu nem sabia se estava a tentar ser sincero agora, ou se estava apenas a tentar provocá-la outra vez. Estar perto dela tornava difícil de os meus próprios pensamentos fazerem sentido.

Bella engoliu em seco audivelmente.

Gargalhei da sua expressão. - Pareces preocupada. – Isso realmente não devia ser engraçado… Ela devia preocupar-se.

- Não. – Ela era uma má mentirosa; não ajudou a sua voz ter falhado. - Na verdade, estou surpreendida… A que se deve tudo isto?

- Já te disse. – Relembrei-a. - Fartei-me de tentar manter-me afastado de ti. Portanto, desisto. – Segurei o meu sorriso no lugar com um pouco de esforço. Isto não estava a funcionar de todo – tentar ser sincero e casual ao mesmo tempo.

- Desistes? – Ela repetiu, confusa. Mas nos seus olhos havia uma outra emoção que eu não consegui distinguir.

- Sim, desisto de tentar ser bom. – E, aparentemente, desistir de tentar ser casual. - A partir de agora, faço apenas o que me apetece e o resto que se dane. – Isso era sincero o suficiente. Deixá-la ver o meu egoísmo. Deixar isso avisá-la, também.

- Baralhaste-me de novo.

Eu era egoísta o suficiente para estar contente de que este fosse o caso. - Falo sempre demais quando converso contigo – esse é um dos problemas.

Um problema bastante insignificante, comparado com os restantes.

- Não te preocupes. – Ela assegurou-me. - Não compreendo nada do que dizes.

Bom. Então ela fica. – Estou a contar com isso.

- Então, em bom inglês, já somos amigos?

Ponderei sobre isso por um segundo. – Amigos… - Repeti. Não gostei do som disso. Não era o suficiente.

- Ou não? – Ela murmurou, parecendo embaraçada.

Pensava ela que eu não gostava assim tanto dela?

Sorri. – Bem, suponho que podemos tentar, mas aviso-te de que não sou um bom amigo para ti.

Esperei pela sua resposta, tornado em dois – desejando que ela pudesse finalmente ouvir e compreender, pensando que eu morreria se ela o fizesse. Quão melodramático. Eu estava a tornar-me tão humano.

O seu coração bateu mais depressa. – Repetes isso muitas vezes. – Ela fez uma pausa e então… - Mas também tenho que te avisar de que também não sou uma boa amiga para ti.

Olhei para ela, confuso. Que quereria ela dizer com aquilo? Escolhi ignorar a sua frase e a minha silenciosa pergunta.

- Pois, porque não estás a dar-me ouvidos. – Disse, demasiado intenso outra vez. - Ainda estou à espera que acredites no que te digo. Se fores esperta, evitas-me.

Ah, mas iria eu permitir-lhe isso, se ela tentasse?

Os seus olhos apertaram-se. - Julgo que também já tornaste bastante clara a tua opinião a respeito do meu intelecto.

Eu não estava exactamente certo o que ela queria dizer, mas sorri a pedir desculpa, adivinhando que eu devia tê-la ofendido acidentalmente.

- Então, - ela disse lentamente. - Enquanto eu… e tu… não estivermos a ser espertos, tentaremos ser amigos?

O que é que ela queria dizer ao envolver-me na sua frase? Que aviso é que ela me estava a tentar passar? Porque é que eu sentia que também ela tinha algo a esconder? Algo que ela queria que eu visse mas que, aos mesmo tempo, temia que eu visse? Como eu. Havia algo que me preocupava nisso, mas resolvi ser verdadeiro. Não importava o que fosse, eu amava-a de qualquer maneira.

- Parece-me que é mais ou menos isso.

Ela olhou para baixo, olhando intencionalmente para a garrafa de limonada nas suas mãos.

A velha curiosidade atormentou-me.

- Em que é que estás a pensar? – Perguntei – era um alívio dizer, finalmente, as palavras em voz alta.

Ela encontrou o meu olha, e a sua respiração acelerou enquanto as suas bochechas se coloriam de um leve rosa. Inspirei, saboreando o ar.

- Estou a tentar compreender quem tu és.

Segurei o sorriso na minha cara, prendendo as minhas feições daquele modo, enquanto o pânico alastrava pelo meu corpo.

Claro que ela estava a perguntar-se sobre isso. Ela não era estúpida. Eu não poderia esperar que ela fosse cega a algo tão óbvio.

- Estás a fazer progressos nessa empreitada? – Perguntei tão levemente como podia.

- Não muitos. – Ela admitiu.

Ri-me com o súbito alívio. - Quais são as tuas teorias?

Elas não podiam ser piores que a verdade, não importa o que ela inventasse.

As suas bochechas tornaram-se numa tonalidade mais forte de vermelho, e ela nada disse. Eu podia sentir o calor do seu rubor no ar.

Tentei usar o meu tom persuasivo nela. Funcionava bem nos humanos normais.

- Não me dizes? – Sorri encorajadoramente.

Ela abanou a sua cabeça. - É demasiado embaraçoso.

Ugh. Não saber era pior do que qualquer coisa. Porque poderiam as suas especulações embaraçá-la? Eu não conseguia suportar não saber.

- Isso é mesmo frustrante, sabes.

A minha queixa fez algo faiscar nela. Os seus olhos arregalaram-se e as suas palavras fluíram mais velozmente do que o costume.

- Não, não consigo imaginar por que motivo tal seria minimamente frustrante, apenas porque alguém recusa revelar-te os seus pensamentos, mesmo que, durante todo esse tempo, essa pessoa teça comentariozinhos obscuros que se destinam especificamente a manter-te acordado à noite, perguntando a ti mesmo qual será o respectivo significado… agora, por que motivo é que tal seria frustrante?

Fiz-lhe um esgar, aborrecido por perceber que ela estava certa. Eu não estava a ser justo.

Ela prosseguiu. - Ou melhor, digamos que essa pessoa também cometeu uma grande variedade de actos bizarros, desde salvar a tua vida em circunstâncias incríveis num dia e a tratar-te como um pária no seguinte, nunca te tendo igualmente dado uma explicação para nenhum desses factos, mesmo depois de ter prometido fazê-lo. Isso também não seria nada frustrante.

Era o discurso mais longo que eu já a ouvira fazer, e isso deu-me uma nova qualidade para a minha lista.

- Tens um ligeiro mau feitio, não tens?

- Não me agrada a dualidade de critérios.

Ela estava completamente justificada na sua irritação, claro.

Olhei para Bella, perguntando-me como eu poderia possivelmente fazer algo certo por ela, até que o silencioso gritar na cabeça de Mike Newton me distraiu.

Ele estava tão irritado que isso fez-me rir.

- O que foi? – Ela perguntou.

- O teu namorado parece pensar que estou a ser desagradável contigo. Está a deliberar se há-de ou não vir interromper a nossa discussão. – Eu adoraria vê-lo tentar. Gargalhei outra vez.

- Não sei a quem te referes. – Ela disse numa voz glacial. Mas nos seus olhos faiscou um pequeno lampejo de raiva. Aquilo seria por mim? - Mas, seja como for, tenho a certeza de que estás enganado.

Apreciei muito o modo como ela o descartou com a sua frase despachada.

- Não estou. Já te disse, a maioria das pessoas é transparente.

- Excepto eu, é claro.

- Sim, excepto tu. – Teria ela que ser a excepção para tudo? Não seria mais justo – considerando tudo o resto com que eu tinha que lidar agora – se eu pudesse ao menos ouvir algo da sua cabeça? Seria pedir muito? - Pergunto-me porque será.

Olhei-a nos olhos, tentando novamente…

Ela afastou o olhar. Ela abriu a sua limonada e tomou um rápido gole, os seus olhos na mesa.

- Não tens fome? – Perguntei.

- Não. – Ela olhou para a mesa vazia entre nós. – E tu?

- Não, não tenho fome. – Disse. Eu definitivamente não tinha.

Ela olhou para a mesa, os seus lábios pressionados um contra o outro. Esperei.

- Podes fazer-me um favor? – Ela perguntou, subitamente encontrando o meu olhar novamente.

O que poderia ela querer de mim? Pediria ela a verdade que eu não lhe podia contar – a verdade que eu não queria que ela nunca, mas nunca soubesse?

- Depende daquilo que pretendes.

- Não é nada de mais. – Ela prometeu.

Esperei, curioso outra vez.

- Pensei apenas… - Ela disse lentamente, olhando para a garrafa de limonada, traçando a abertura com o seu dedo mais pequeno. - Se poderias avisar-me antecipadamente da próxima vez que resolveres ignorar-me para o meu próprio bem? Apenas para que eu esteja preparada.

Ela queria um aviso? Então ser ignorada por mim deve ter sido uma coisa má… Sorri.

- Parece-me justo. – Concordei.

- Obrigada. – Ela disse, olhando para cima. A sua cara estava tão aliviada que eu queria gargalhar como o meu próprio alívio.

- Sendo assim, podes dar-me uma resposta em troca? – Perguntei esperançosamente.

- Só uma. – Ela anuiu.

- Revela-me uma teoria.

Ela corou. - Ai, ai! Essa não.

- Não ficaste apurada; prometeste-me apenas uma resposta. – Argumentei.

- Tu também já fizeste promessa que não cumpriste. – Ela refutou.

Ela apanhou-me nessa.

- Apenas uma teoria, eu não me rio.

- Sim, ris. – Ela parecia muito certa disso, ainda que eu não podia imaginar nada que pudesse ser engraçado acerca disso.

Dei à persuasão outra tentativa. Olhei profundamente nos seus olhos – uma coisa fácil de se fazer, com olhos tão profundos – e sussurrei. – Por favor?

Ela piscou os olhos, e a sua cara ficou sem expressão.

Bem, essa não era exactamente a reacção que eu esperava.

- Hã, o quê? – Ela perguntou. Ela parecia tonta. O que havia de errado com ela?

Mas eu ainda não ia desistir.

- Por favor, revela-me apenas uma teoriazinha. – Implorei na minha suave e não assustadora voz, prendendo o seu olhar ao meu.

Para minha surpresa e satisfação, finalmente resultou.

- Hum, bem, foste mordido por uma aranha radioactiva?

Bandas desenhada? Não admira que ela tenha pensado que eu me ia rir.

- Essa teoria não é muito criativa. – Provoquei-a, tentando esconder o meu fresco alivio.

- Lamento, é a única que tenho. – Ela disse, ofendida.

Isto aliviou-me ainda mais. Eu era capaz de a provocar novamente.

- Não estás nem perto da verdade.

- Não há aranhas?

- Não.

- Nem radioactividade?

- Nenhuma.

- Raios! – Ela suspirou.

- A criptonite também não me afecta. – Disse rapidamente – antes que ela pudesse perguntar sobre mordidas – e então ri-me, porque ela pensava que eu era um super-herói.

- Não podes rir-te, lembras-te?

Pressionei os meus lábios juntos.

- Acabarei por descobrir. – Ela prometeu.

E quando ela descobrisse, ela fugiria.

- Quem me dera que não tentasses. – Disse, toda a provocação desaparecera.

- Porque…?

Eu devia-lhe sinceridade. Ainda, eu tentei sorrir, fazer as minhas palavras soarem menos ameaçadoras. - E se eu não for um super-herói? E se eu for o vilão?

Os seus olhos arregalaram-se por uma fracção e os seus lábios afastaram-se levemente. – Ah. – Ela disse. E então, depois de outro segundo. – Estou a ver.

Ela finalmente ouviu-me.

- Estás mesmo? – Perguntei, esforçando-me para conciliar a minha agonia.

- És perigoso? – Ela adivinhou. A sua respiração acelerou, e o seu coração também. Mas depressa se aquietaram.

Eu não conseguia responder-lhe. Seria este o meu último momento com ela? Iria ela fugir agora? Ser-me-ia permitido dizer-lhe que a amava antes de ela partir? Ou iria isso assustá-la ainda mais?

- Mas não és mau. – Ela sussurrou, abanando a sua cabeça, não era visível nenhum medo nos seus claros olhos. - Não, não acredito que sejas mau.

- Estás enganada. – Respirei.

Claro que eu era mau. Não estava eu alegre agora, por ela pensar melhor de mim do que eu merecia? Se eu fosse uma boa pessoa, eu teria ficado longe dela.

Estiquei a minha mão pela mesa, alcançando a tampa da sua garrafa de limonada como uma desculpa. Ela não se afastou da minha subitamente próxima mão. Ela realmente não tinha medo de mim. Ainda não.

Girei a tampa como um peão, observando a tampa em vez dela. Os meus pensamentos estavam numa contenda.

Foge, Bella, foge. Eu não conseguia fazer-me dizer as palavras em voz alta. Lembrando-me dos seus únicos pensamentos que eu ouvira no primeiro dia. Implorando-me que fugisse.

Subitamente, os seus lábios abriram-se num sorriso que me fez olhar para cima confuso.

- Não te preocupes… Eu também não sou nada do que pareço ser. – Ela disse num tom misterioso. Que, devo admitir, a deixava estranhamente sensual.

- O quê? – Perguntei confuso pelo sorriso.

Ela levantou-se e olhou à volta da cantina, vendo esta praticamente vazia.

- E se eu não for a donzela indefesa? E se eu for a vilã? – Ela murmurou, olhando-me nos olhos com um estranho brilho.

O que quereria ela dizer? Não consegui evitar sorrir com o pensamento de que ela se achava perigosa, mas a confusão fez com que o meu sorriso fosse constrangido.

- Vamos chegar atrasados. – Ela disse.

- Não vou à aula hoje.

- Porque não?

Porque não quero matar-te. - É saudável baldarmo-nos às aulas de vez em quando.

Para ser preciso, era saudável para os humanos se os vampiros se baldassem em dias em que sangue humano iria ser derramado. Mr. Banner ia tipificar sangue hoje. Alice já se tinha baldado à sua aula de manhã.

- Bem, eu vou. – Ela disse. Isto não me surpreendeu. Ela era responsável – ela fazia sempre a coisa certa.

Ela era o meu oposto.

- Então, vemo-nos mais tarde. – Disse, tentando ser casual outra vez, olhando para baixo para a tampa rodopiante. E, a propósito, eu adoro-te… em assustadoras e perigosos modos.

Ela hesitou, e eu esperei por um momento que ela ficasse comigo depois de tudo. Mas a campainha tocou e ela apressou-se. Maldita campainha!

Esperei até ela se ter ido embora, e então pus a tampa no meu bolso – uma recordação desta muito consequente conversa – e caminhei pela chuva para o meu carro.

Pus o meu CD calmante favorito – o mesmo que eu tinha ouvido naquele primeiro dia – mas eu já não estava a ouvir as notas de Debussy. Outras notas corriam pela minha cabeça, um fragmento de uma melodia que me agradou e intrigou. Baixei o rádio e ouvi a melodia na minha cabeça, tocando com o fragmento até este desenvolver para uma harmonia completa. Instintivamente, os meus dedos moveram-se no ar sobre teclas de piano imaginárias.

A nova composição estava realmente a vir quando a minha atenção foi capturada por uma onda mental de sofrimento.

Procurei pela tristeza.

Irá ela desmaiar? O que é que eu faço? Mike entrou em pânico.

A um metro de distância, Mike Newton estava a baixar o corpo mole de Bella para o passeio. Ela caiu sem resposta contra o pavimento molhado, os seus olhos fechados, a sua pele pálida como a de um cadáver.

Eu quase arranquei a porta do carro.

- Bella? – Gritei.

Não houve nenhuma mudança na sua face morta quando eu gritei o seu nome.

Todo o meu corpo ficou mais frio que gelo.

Eu não estava ciente da surpresa agravada de Mike enquanto eu saltei furiosamente pelos seus pensamentos. Ele estava apenas a pensar na sua raiva para comigo, então eu não sabia o que se passava com Bella. Se ele fez algo para a magoar, eu iria aniquilá-lo.

- O que é que se passa, ela magoou-se? – Exigi, tentando focar os seus pensamentos. Era eloquente ter que andar a passo humano. Eu não devia ter chamado a atenção para a minha aproximação.

Então eu pude ouvir o seu coração a bater e a sua respiração estável. Enquanto observei, ela fechou os seus olhos com mais força. Isso amaciou algum do meu pânico.

Eu vi um tremeluzir de memórias na cabeça de Mike, uma mistura de imagens da sala de Biologia. A cabeça de Bella na nossa mesa, a sua mera pele a tornar-se verde. Gotas de vermelho contra os cartões brancos…

Tipificar sangue.

Parei onde estava, prendendo a minha respiração. O seu cheiro era uma coisa, o seu sangue a escorrer era outra totalmente diferente.

- Acho que ela desmaiou. – Mike disse, ansioso e ressentido ao mesmo tempo. - Não sei o que aconteceu, ela nem sequer picou o dedo.

Alívio correu por mim, e eu respirei outra vez, saboreando o ar. Ah, eu podia cheirar o pequeno corrimento da ferida de picada de Mike. Uma vez, aquilo ter-me-ia apelado.

Ajoelhei-me ao lado dela enquanto Mike se inclinou ao meu lado, furioso pela minha intervenção.

- Bella! Consegues ouvir-me?

- Não. – Ela gemeu. - Vai-te embora.

O alívio era tão esquisito que eu ri-me. Ela estava bem.

- Eu ia levá-la à enfermaria. – Disse Mike. - Mas ela recusou-se a avançar mais.

- Eu levo-a. Podes voltar para a aula. – Disse despachadamente.

Os dentes de Mike cerraram-se. - Não. Sou eu que devo fazê-lo.

Eu não ia suportar discutir com o desgraçado.

Animado e aterrorizado, meio grato e meio agravado pela previsão que fazia tocar nela uma necessidade. Eu gentilmente levantei Bella do passeio e segurei-a nos meus braços, tocando apenas nas suas roupas, mantendo tanta distância entre os nossos corpos quanto era possível. Eu estava a andar a passos largos para a frente no mesmo movimento, com pressa para a ter a salvo – mais afastada de mim, por outras palavras.

Os seus olhos abriram-se, admirados.

- Põe-me no chão! – Ela ordenou numa voz fraca – embaraçada outra vez, adivinhei pela sua expressão. Ela não gostava de mostrar fraqueza.

Eu mal ouvi os protestos gritados de Mike atrás de nós.

- Estás com péssimo aspecto. – Disse-lhe, sorrindo porque não havia nada de errado com ela, apenas uma cabeça leve e um estômago fraco.

– Coloca-me novamente no passeio. – Ela disse. Os seus lábios estavam brancos.

- Com que então desmaias ao ver sangue? – Iria isto ficar mais irónico?

Ela fechou os seus olhos e pressionou os seus lábios juntos.

- E nem sequer se tratava do teu próprio sangue. – Adicionei, o meu sorriso aumentando.

Nós estávamos no Conselho Executivo. A porta estava entreaberta, e eu pontapeei-a para se abrir.

Miss Cope saltou, assustada. - Credo! – Ela ofegou enquanto ela examinou a pálida rapariga nos meus braços.

- Ela desmaiou na aula de Biologia. – Expliquei, antes que a sua imaginação se descontrolasse muito.

Miss Cope apressou-se para abrir a porta da enfermaria. Os olhos de Bella estavam abertos novamente, observando-a. Ouvi o espanto interno da idosa enfermeira enquanto eu coloquei a rapariga cuidadosamente sobre a velha marquesa. Assim que Bella estava fora dos meus braços, eu pus a largura da sala entre nós. O meu corpo estava demasiado excitado, demasiado ansioso, os meus músculos tensos e o veneno a fluir. Ela era tão quente e cheirosa.

- Ela está apenas um pouco fraca. – Assegurei a Mrs. Hammond. - Estão a tipificar sangue na aula de Biologia.

Ela assentiu, compreendendo agora. - Acontece sempre a alguém.

Reprimi uma gargalhada. Confie na Bella para ser essa pessoa.

- Deita-te só um pouco, amor. – Disse Mrs. Hammond. – Isso passa.

- Eu sei. – Bella disse.

- Isto acontece-te muito frequentemente? – A enfermeira perguntou.

- Às vezes. – Bella admitiu.                                                            

Tentei disfarçar o meu riso, tossindo.

Isto trouxe a atenção da enfermeira para mim. - Já podes voltar para a aula. – Ela disse.

Olhei-a directamente nos olhos e menti com perfeita confiança. - Devo ficar com ela.

Hum. Pergunto-me… Oh, bem, Mrs. Hammond assentiu.

Isto funcionava bem nela. Porque é que Bella tinha que ser tão difícil?

- Vou buscar gelo para colocares na testa, querida. – A enfermeira disse, levemente desconfortável de olhar-me nos olhos – no modo que um humano devia estar – e saiu da sala.

- Tinhas razão. – Bella gemeu, fechando os seus olhos.

O que queria ela dizer? Saltei para a pior conclusão: ela tinha aceite os meus avisos.

- Costumo ter. – Disse, tentando manter o divertimento na minha voz; isto suava árido agora. - Mas, desta vez, a respeito de quê, em particular?

- Fazer gazeta é mesmo saudável. – Ela suspirou.

Ah, alívio outra vez.

Então ela ficou em silêncio. Ela apenas inspirava e expirava lentamente. Os seus lábios começavam a ficar rosa. A sua boca era ligeiramente desequilibrada, o seu lábio inferior era apenas um pouco mais cheio para combinar com o superior. Olhar para a boca dela fez-me sentir estranho. Fez-me querer aproximar-me dela, o que não era uma boa ideia.

- Por um instante, assustaste-me. – Disse – para recomeçar a conversa para que eu pudesse ouvir a sua voz outra vez. - Pensei que o Newton estava a arrastar o teu corpo sem vida para o enterrar no bosque.

- Ah! Ah! – Ela disse.

- Sinceramente, já vi cadáveres com melhor cor. – Isto era de facto verdade. - Estava preocupado com a possibilidade de ter que vingar o teu homicídio. – E eu teria.

- Pobre Mike. – Ela suspirou. - Aposto que está furioso.

Fúria pulsou por mim, mas contive-a rapidamente. A sua preocupação era certamente apenas pena. Ela era bondosa. Isso era tudo.

- Ele abomina-me de verdade. – Contei-lhe, animado por essa ideia.

- Não podes ter a certeza disso.

- Vi a cara dele, era perceptível. – Era provavelmente verdade que ler a cara dele ter-me-ia dado informação suficiente para fazer esta particular dedução. Toda esta prática com Bella estava a aperfeiçoar a minha habilidade a ler expressões humanas.

- Como é que me viste? Pensei que estavas a fazer gazeta. – A sua cara parecia melhor – o tom esverdeado tinha desaparecido da sua pele translúcida.

- Estava no meu carro, a ouvir um CD.

A sua expressão contorceu-se, como se a minha muito vulgar resposta a tivesse surpreendido de alguma maneira.

Os seus olhos abriram-se outra vez quando Mrs. Hammond regressou com uma compressa molhada.

- Aqui tens, querida. – A enfermeira disse enquanto colocou a compressa na testa de Bella. - Estás com melhor aspecto.

- Acho que estou bem. – Bella disse, e ela sentou-se enquanto retirava a compressa. Claro. Ela não gostava que tomassem conta dela.

As mãos enrugadas de Mrs. Hammond voaram na direcção da rapariga como se fosse empurrá-la de novo para baixo, mas nessa altura, Miss Cope abriu a porta do escritório e espreitou. Com a sua aparição veio o cheiro de sangue fresco, apenas uma baforada.

Invisível no escritório atrás dela, Mike Newton estava ainda muito zangado, desejando que o pesado rapaz que ele agora arrastava fosse a rapariga que estava aqui comigo.

- Chegou outro. – Disse Miss Cope.

Bella saltou rapidamente da marquesa, ansiosa por estar fora das atenções.

- Aqui tem. – Ela disse, devolvendo a compressa a Mrs. Hammond. - Não preciso disto.

Mike resmungou enquanto ele meio que arrastou Lee Stevens pela porta. Sangue ainda escorria pela mão que Lee levava à cara, escorrendo pelo pulso.

- Oh, não. – Esta era a minha deixa para sair – e a de Bella, também, assim parecia. - Vai para o gabinete, Bella.

Ela olhou para mim com olhos confusos.

- Confia em mim, vai.

Ela virou-se e agarrou a porta antes que esta se fechasse, apressando-se para o escritório. Segui-a poucos centímetros atrás dela. O seu cabelo flutuante tocou-me na mão…

Ela virou-se para olhar para mim, ainda de olhos arregalados.

- Tu deste-me mesmo ouvidos. – Era uma primeira vez.

O seu nariz franziu-se. - Senti o cheiro do sangue.

Olhei para ela com sincera surpresa. - As pessoas não conseguem sentir o cheiro do sangue.

- Pois eu consigo. E é isso que me faz ficar indisposta. Cheira a ferrugem… e sal.

A minha cara congelou, ainda a olhar.

Seria ela realmente humana? Ela parecia humana. Ela era suave como um humano. Ela cheirava a humana – bem, melhor na verdade. Ela agia como uma humana… mais ou menos. Mas ela não pensava como uma humana, ou respondia como uma.

Que outras opções haviam, todavia?

- O que foi? – Ela perguntou.

- Não foi nada.

Mike Newton interrompeu-nos nessa altura, entrando na sala com pensamentos ressentidos e violentos.

- Estás com melhor aspecto. – Ele disse-lhe rudemente.

A minha mão torceu-se, querendo ensinar-lhe algumas maneiras. Eu teria que me deter, ou eu acabaria por matar este desgraçado.

- Mantém apenas a mão no bolso. – Ela disse. Por um breve segundo, pensei que ela estava a falar comigo.

- Já não está a sangrar. – Ele respondeu taciturnamente. - Vais voltar para a aula?

- Estás a gozar? Teria apenas de dar meia volta e regressar para aqui.

Isso era muito bom. Pensei que ia ter que perder toda esta hora com ela, e agora em vez disso eu tinha mais tempo extra. Senti-me ansioso, um avarento ansiando por cada minuto.

- Suponho que sim… - Murmurou Mike. - Então, vais participar na viagem deste fim-de-semana? À praia?

Ah, eles tinham planos. Raiva paralisou-me no lugar. Era uma viagem de grupo, contudo. Eu tinha visto algo disto na cabeça de outros estudantes. Não era apenas eles os dois. Eu continuava furioso. Encostei-me imóvel ao balcão, tentando controlar-me.

- Claro, eu disse que alinhava. – Ela prometeu-lhe.

Então ela também lhe tinha dito que sim. O ciúme queimou-me, mais dolorosamente do que a cede.

Não, era uma saída de grupo, tentei convencer-me. Ela ia apenas passar o dia com os amigos. Nada mais.

- Vamos encontrar-nos na loja do meu pai, às dez horas. E o Cullen NÃO está convidado.

- Lá estarei. – Ela disse.

- Então, vemo-nos na aula de Educação Física.

- Até já. – Ela respondeu.

Ele dirigiu-se baralhado para a aula, os seus pensamentos cheios de ira. O que é que ela vê naquele anormal? Claro, ele é rico, suponho. As miúdas pensam que ele é bom, mas eu não vejo isso. Demasiado… Demasiado perfeito. Aposto que o pai dele faz experiências com cirurgias plásticas em todos eles. É por isso que eles são todos tão brancos e bonitos. Não é natural. E ele é tipo… assustador. Às vezes, quando ele olha para mim, eu juro que ele está a pensar matar-me… Anormal…

Mike não era inteiramente imperceptível.

- Educação Física. – Bella repetiu calmamente. Um rosnado.

Olhei para ela, e vi que ela estava triste sobre alguma coisa outra vez. Não estava certo porquê, mas era claro que ela não queria ir para a sua próxima aula com Mike, e eu estava totalmente de acordo com esse plano.

Fui para o seu lado e aproximei-me da sua cara, sentindo o calor da sua pele irradiar para os meus lábios. Não me atrevi a respirar.

- Eu posso tratar disso. – Murmurei. - Vai sentar-te e faz um ar pálido.

Ela olhou para mim com um daqueles olhares como quem diz que eu estava a gozar com ela e eu sorri.

Ela fez como lhe disse, sentando-se numa das cadeiras desdobráveis e encostando a sua cabeça contra a parede, enquanto, atrás de mim, Miss Cope saiu da sala dos fundos e foi para a sua secretária. Com os seus olhos fechados, Bella parecia ter desmaiado outra vez. Toda a sua cor ainda não tinha regressado.

Virei-me para a secretária. Esperançosamente, Bella estava a prestar atenção a isto, pensei cinicamente. Isto era como um humano era suposto reagir.

- Miss Cope? – Perguntei, usando a minha voz persuasiva outra vez.

As suas pestanas piscaram, e o seu coração acelerou. Demasiado jovem, controla-te! - Sim?

Isto era interessante. Quando a pulsação de Shelly Cope acelerava, era porque ela achava-me fisicamente atraente, não porque ela estava assustada. Eu estava habituado a isso das mulheres humanas… ainda assim eu não tinha considerado essa explicação para o batimento acelerado de Bella.

Eu até gostava disso. Demasiado, de facto. Sorri, e a respiração de Miss Cope tornou-se mais alta.

- A Bella tem Educação Física no próximo tempo e eu acho que ela não se sente suficientemente bem. Na verdade, estava a pensar se não deveria levá-la já para casa. Acha que podia dispensá-la da aula? – Eu olhei para os seus nada profundos olhos, apreciando os estragos que isto provocava nos seus processos de pensamento. Seria possível que Bella…?

Miss Cope teve que engolir em seco audivelmente antes de responder. - Também precisa de ser dispensado, Edward?

- Não, eu tenho a professora Goff, ela não se importa.

Eu não lhe estava a prestar muita atenção agora. Eu estava a explorar esta nova possibilidade.

Hum. Eu gostava de acreditar que Bella achava-me atraente como os outros humanos achavam, mas quando tinha Bella as mesmas reacções que os outros humanos? Eu não deveria ter esperanças.

- Muito bem, está tudo tratado. Desejo-lhe as melhoras, Bella.

Bella acenou fracamente – exagerando um pouco.

- Consegues andar ou queres que eu te carregue novamente? – Perguntei-lhe, divertido pela sua pobre actuação. Eu sabia que ela quereria andar – ela não quereria ser fraca.

- Eu vou a pé. – Ela disse.

Certo outra vez. Eu estava a melhorar nisto.

Ela levantou-se, hesitando por um momento como se para verificar o seu equilíbrio. Segurei a porta para ela, e saímos para a rua.

Observei-a enquanto ela levantou a sua face para a leve chuva com os seus olhos fechados, um leve sorriso nos seus lábios. Em que está ela a pensar? Havia algo nesta acção que era fora do comum, e eu depressa percebi o porque de a postura me parecer desconhecida. Raparigas humanas normais não levantariam as suas faces para a cacimba daquela maneira; raparigas humanas normais normalmente usavam maquilhagem, até mesmo aqui neste sítio molhado.

Bella nunca usava maquilhagem, nem ela devia. A indústria de cosméticos fazia bilhões de dólares por ano com mulheres que estavam a tentar obter pele como a dela.

- Obrigada. – Ela disse, a sorrir para mim agora. - Quase vale a pena ficar doente para faltar a Educação Física.

Olhei à volta do pátio, perguntando-me como prolongar o meu tempo com ela. - Sempre às ordens. – Disse.

- Então, vais? À viagem do próximo sábado, quero eu dizer. – Ela soava esperançosa.

Ah, a sua esperança era apaziguadora. Ela queria-me com ela, não Mike Newton. E eu queria dizer sim. Mas havia muitas coisas a considerar. Por exemplo, o sol estaria a brilhar este sábado…

- Exactamente aonde é que todos vão? – Tentei manter a minha voz indiferente, como se não desse muita importância a isso. Mike tinha dito praia, no entanto. Não havia muitas hipóteses de evitar a luz do sol lá.

- Até La Push, ao porto.

Raios. Bem, seria impossível, então.

De qualquer maneira, Emmett ficaria irritado se eu cancelasse os nossos planos.

Olhei para ela, sorrindo de través. - Penso que não fui mesmo convidado.

Ela suspirou, já resignada. - Eu acabei de te convidar.

- Não vamos, tu e eu, provocar ainda mais o coitado do Mike esta semana. Não queremos que ele se passe. – Pensei em passar o coitado do Mike eu mesmo, e apreciei intensamente a imagem mental.

- Mike-chmike. – Ela disse despachadamente outra vez. Sorri abertamente.

E então ela começou a afastar-se de mim.

Sem pensar na minha acção, estiquei a mão e agarrei-a pelas costas do seu impermeável. Ela parou abruptamente.

- Aonde pensas que vais? – Eu estava quase zangado por ela me estar a deixar. Eu não tinha tido tempo suficiente com ela. Ela não podia ir, não ainda.

- Vou para casa. – Ela disse, confusa pelo porque de isto me aborrecer.

- Não me ouviste prometer levar-te a casa em segurança? Julgas que vou deixar-te conduzir no estado em que te encontras? – Eu sabia que ela não gostaria disso – a minha implicação de fraqueza na sua parte. Mas eu precisava praticar para a viagem aonde ela fosse de qualquer maneira. Ver se eu conseguia aguentar a sua proximidade num espaço fechado. Esta era uma viagem muito mais curta.

- Qual estado? – Ela exigiu. - E a minha pick-up?

- Peço à Alice que a leve até tua casa depois das aulas. – Eu puxei-a para o meu carro cuidadosamente, como eu agora sabia que andar para a frente era um desafio suficiente para ela.

- Larga-me! – Ela disse, trocando de lados e quase tropeçando. Estiquei uma mão para a apanhar, mas ela endireitou-se antes de ser necessário. Eu não devia procurar desculpas para lhe tocar. Isso fez-me começar a pensar nas reacções de Miss Cope para comigo, mas afastei logo o assunto para mais tarde. Havia muito mais para ser considerado agora.

- És tão atrevido!

- Está aberta.

Entrei no meu lado e liguei o carro. Ela tornou o seu corpo rigidamente, ainda do lado de fora, ainda que a chuva tivesse engrossado e eu sabia que ela não gostava do frio e do molhado. Água estava a ensopar o seu espesso cabelo, escurecendo-o quase para preto.

- Estou perfeitamente apta a conduzir até casa!

Claro que ela estava – eu apenas não estava apto para a deixar ir.

Abri a sua janela e inclinei-me para ela. - Entra, Bella.

Os seus olhos estreitaram-se, e eu adivinhei que ela estava a debater-se entre correr até à sua carrinha ou não.

- Limitar-me-ei a arrastar-te novamente até aqui. – Prometi, apreciando a careta na sua cara quando ela percebeu que eu falava a sério.

Ela ergueu o seu queixo, abriu a porta e entrou. O seu cabelo pingando no cabedal e as suas botas a guincharem uma contra a outra.

- Isto é completamente desnecessário. – Ela disse friamente. Pensei que ela parecia embaraçada sob a fachada.

Eu apenas aumentei o aquecimento para que ela não ficasse desconfortável, e pus a música num agradável som de fundo. Conduzi para a saída, observando-a pelo canto do olho. O seu lábio inferior estava arqueado para fora teimosamente. Olhei para isto, examinando como me fazia sentir… pensando na reacção da secretária outra vez…

Edward, foca-te. Controla-te, disse-me a minha consciência.

Subitamente ela olhou para o rádio e sorriu, os seus olhos arregalando-se. - Claire de Lune? – Ela perguntou.

Uma fã de clássicos? - Conheces Debussy?

- Não muito bem. – Ela disse. - A minha mãe põe muita música clássica a tocar em casa. Só conheço os meus compositores preferidos.

- Debussy também é um dos meus compositores preferidos. – Olhei para a chuva, considerando isso. Eu realmente tinha algo em comum com a rapariga. Eu tinha começado a pensar que éramos opostos em tudo.

Ela parecia mais relaxada agora, olhando para a chuva como eu, distraída. Usei a sua distracção momentária para experimentar respirar.

Inspirei cuidadosamente pelo nariz.

Potente.

Apertei o volante com mais força. A chuva fazia-a cheirar melhor. Eu não teria pensado que isso era possível. Estupidamente, eu estava subitamente a imaginar como ela saberia.

Tentei engolir em seco contra o fogo na minha garganta, para pensar em outra coisa.

- Como é a tua mãe? – Perguntei como distracção.

Bella sorriu. - Parece-se bastante comigo, mas é mais bonita. E ela é loira e tem olhos azuis.

Eu duvidava disso.

- Tenho demasiada influência genética do Charlie. – Ela continuou. - Ela é mais sociável do que eu e também mais corajosa.

Também duvidava disso.

- É irresponsável, ligeiramente excêntrica e uma cozinheira muito imprevisível. É a minha melhor amiga. Para além da minha irmã e da minha prima. – A sua voz tornou-se melancólica; a sua testa enrugou-se.

Novamente, ela soava mais como a mãe do que como a filha.

Mas aquela nova informação tornava tudo novo. Ela tinha uma irmã? Então ela não era filha única. Isto deixou-me curioso, seria a irmã dela parecida a ela?

- Como é a tua irmã? – Perguntei.

- É tal e qual a minha mãe, embora sejamos gémeas. – Olhei para ela, curioso. Gémeas? - Sim, eu tenho uma irmã gémea! Chama-se Anabella, mas gosta que a tratem por Ana. Ela é loira com olhos azuis. Totalmente o meu oposto.

Parei na frente da sua casa, perguntando-me demasiado tarde se era suposto eu saber onde ela morava. Não, isto não seria suspeito numa cidade tão pequena, com o seu pai a ser uma figura pública…

- Que idade tens, Bella? – Ela devia ser mais velha do que os seus colegas. Talvez ela tivesse começado a escola mais tarde, ou tivesse perdido um ano… Contudo, isso parecia-me pouco provável.

- Tenho dezassete anos. – Ela respondeu.

- Não pareces ter dezassete anos.

Ela riu-se.

- O que foi?

- A minha mãe diz sempre que eu nasci com trinta e cinco anos de idade e que a minha mentalidade se torna mais característica de uma pessoa de meia-idade a cada ano que passa. – Ela riu-se outra vez, e então suspirou. - Bem, alguém tem de desempenhar o papel de adulto.

Isto clarificava-me as coisas. Eu podia ver isso agora… como a mãe irresponsável ajudava a explicar a maturidade de Bella. Ele teve que crescer mais cedo, para se tornar a pessoa responsável. Era por isso que ela não gostava que tratassem dela – ela sentia que era o seu trabalho.

- Tu também não pareces um jovenzinho do liceu. – Ela disse, puxando-me do meu devaneio.

Fiz uma careta. Por tudo o que eu tinha percebido dela, ela tinha percebido demasiado também. Mudei de assunto.

- Então, porque é que a tua mãe casou com o Phil?

Ela hesitou um minuto antes de responder. - A minha mãe… tem um espírito muito jovem para a idade. Penso que o Phil a faz sentir ainda mais jovem. De qualquer modo, ela é louca por ele. – Ela abanou a sua cabeça indulgentemente.

- Tu aprovas? – Perguntei.

- A minha opinião tem alguma importância? – Ela perguntou. - Eu quero que ela seja feliz… e é ele quem ela quer.

O altruísmo do seu comentário ter-me-ia chocado, excepto que isso encaixava demasiado bem com o que eu tinha aprendido sobre o seu carácter.

- É muito generoso da tua parte… Pergunto-me…

- O quê?

- Julgas que ela demonstraria a mesma cortesia em relação a ti? Independentemente da pessoa sobre a qual a tua escolha recaísse?

Era uma pergunta tola, e eu não conseguia manter a minha voz casual enquanto a perguntava. Quão estúpido sequer considerar que alguém me aprovaria para a sua filha. Quão estúpido sequer pensar que Bella me escolheria.

- Julgo que sim. – Ela gaguejou, reagindo de alguma maneira ao meu olhar. Medo… ou atracção?

- Mas, afinal, é ela a mãe. É um pouco diferente. – Ela concluiu.

Sorri de través. - Então, desde que não se tratasse de alguém demasiado assustador…

Ela sorriu-me. - O que queres dizer com “assustador”? Múltiplos piercings faciais e tatuagens generalizadas?

- Suponho que é uma definição possível. – Uma definição nada ameaçadora, para a minha mente. Vi-a arrepiar-se. Talvez fosse apenas o pensamento de uma pessoa com a descrição que ela deu.

- Qual é a tua definição?

Ela perguntava sempre as perguntas erradas. Ou exactamente as perguntas certas, talvez. As que eu não lhe queria responder, de qualquer modo.

- Achas que eu poderia ser assustador? – Perguntei-lhe, tentando sorrir um pouco.

Ela pensou sobre isso antes de me responder numa voz séria. - Hum… Acho que poderias sê-lo, se assim o desejasses.

Eu também estava sério. - Agora, estás com medo de mim?

Ela sorriu-me ironicamente. Então respondeu de uma só vez, sem pensar na sua resposta. - Não.

Sorri mais facilmente. Eu não achava que ela estivesse inteiramente a contar a verdade, mas ela também não estava a mentir. Pelo menos, ela não estava assustada o suficiente para querer ir-se embora. Perguntei-me como ela se sentiria se eu lhe contasse que estava a ter esta conversa com um vampiro. Estremeci internamente ao imaginar a sua reacção.

- Então, vais agora falar-me sobre a tua família? Deve tratar-se de uma história muito mais interessante do que a minha.

Pelo menos, uma mais assustadora.

- O que queres saber? – Perguntei cautelosamente.

- Os Cullen adoptaram-te?

- Adoptaram.

Ela hesitou, então falou numa voz baixa. - O que aconteceu aos teus pais?

Isto não era tão difícil; eu nem tinha que lhe mentir. - Morreram há muitos anos.

- Sinto muito. – Ela murmurou, claramente preocupada por me ter magoado.

Ela estava preocupada comigo.

- De facto, não me lembro deles assim tão nitidamente. – Assegurei-lhe. - O Carlisle e a Esme já são os meus pais há muito tempo.

- E tu ama-los. – Ela deduziu.

Sorri. - Amo. Não consigo imaginar duas pessoas melhores.

- Tens muita sorte.

- Eu sei que tenho. – Nessa circunstância, na questão de pais, a minha sorte não podia ser negada.

- E os teus irmãos?

Se a deixasse puxar por muitos detalhes, eu teria que lhe mentir. Olhei para o relógio, desolado por o meu tempo com ela estar a acabar.

- Os meus irmãos, assim como, a propósito, o Jasper e a Rosalie, vão ficar bastante aborrecidos se tiverem de ficar à chuva à minha espera.

- Oh, desculpa, suponho que tens de te ir embora.

Ela não se moveu. Ela também não queria que o nosso tempo acabasse. Eu gostei muito, muito disso.

- E tu deves querer a tua pick-up de volta antes que o chefe Swan chegue a casa, de modo a que não tenhas de lhe contar o incidente que se deu na aula de Biologia. – Sorri com a memória do seu embaraço nos meus braços.

- Tenho a certeza de que ele já soube. Não existem segredos em Forks. – Ela disse o nome da cidade com claro desgosto.

Ri-me com as suas palavras. De facto, não há segredos. - Diverte-te na praia… - Olhei para a chuva que caia, sabendo que não duraria, e desejando mais fortemente que durasse. - Está bom tempo para tomar banhos de sol. – Bem, estaria no sábado. Ela iria gostar disso.

- Não nos vemos amanhã?

A preocupação no seu tom agradou-me.

- Não. Eu e o Emmett vamos começar o fim-de-semana mais cedo. – Estava furioso comigo agora por ter feito planos, eu podia cancelá-los… mas não havia assim tanta caça nesta altura, e a minha família iria ficar preocupada o suficiente sobre o meu comportamento sem revelar quão obcecado me estava a tornar.

- O que vão fazer? – Ela perguntou, não soando feliz com a minha revelação.

Bom.

- Vamos fazer caminhadas em Goat Rocks Wilderness, a Sul de Rainier. – O Emmett estava ansioso pela época dos ursos.

- Oh, bem, diverte-te. – Ela disse com pouca convicção. A sua falta de entusiasmo agradou-me novamente.

Enquanto eu olhava para ela, começava a sentir-me quase agoniado com o pensamento de até mesmo dizer um adeus temporário. Ela era apenas tão suave e vulnerável. Parecia imprudente deixá-la fora de vista, onde qualquer coisa lhe podia acontecer. E ainda assim, as coisas piores que lhe podiam acontecer resultariam de estar comigo.

- Fazes algo por mim este fim-de-semana? – Perguntei seriamente.

Ela assentiu, os seus olhos arregalados e confusos pela minha intensidade.

Mantém-te ao de leve.

- Não fiques ofendida, mas pareces ser uma daquelas pessoas que atraem acidentes como um íman. Por isso… tenta não cair ao mar, ser atropelada ou algo do género, está bem?

Sorri-lhe lamentavelmente, esperando que ela não pudesse ver a tristeza nos meus olhos. Como eu desejava tanto que ela não estivesse tão melhor longe de mim, não importa o que lhe pudesse acontecer lá.

Foge, Bella, foge. Eu amo-te demasiado, para o teu bem e para o meu.

Ela ficou ofendida pela minha provocação. Ela olhou para mim. - Verei o que posso fazer. – Ela disse, saltando para a chuva e fechando a porta com tanta força como tinha atrás dela.

Como uma gatinha zangada que acreditava que era um tigre.

Torci a minha mão à volta da chave que eu tinha tirado do bolso do seu casaco, e sorri enquanto guiava para longe.


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