Os cabelos dele caiam pela testa completamente em desordem. Sua cabeça loura lhe lembrava um dente-de-leão. Afastou com cuidado as mechas que caiam em sua testa. Sua expressão dormindo era tão serena, que não queria despertá-lo. Aliás, não deveria despertá-lo. Ele não tinha dormido muito naquelas últimas noites. Passava a maior parte delas desenhando. Às vezes, era difícil ter acesso ao mundo interior de Peeta.

Depositou um beijo rápido nos lábios de Peeta. Olhou para o relógio. Precisava ir. Caso o contrário, iria chegar atrasada no trabalho. Será que ele iria ficar bem? Era impossível não se preocupar com Peeta.

Melinda, a mãe de Peeta, não havia aceitado nada bem o relacionamento do filho com Katniss. Nada bem era um eufemismo.

Peeta abriu os olhos. Por alguns segundos, olhou confuso para ela, mas depois sorriu.

— Já vai?

— Já está na hora...

— Por que não me acordou?

— Não quis... você é uma gracinha dormindo — brincou. — Gosto de apreciar a visão.

Peeta riu. Era bom vê-lo rindo. Seu riso era uma das coisas mais adoráveis que existia, nem mesmo gatinhos filhotes poderiam competiam com isso.

— Eu queria fazer outra coisa... — a beijou.

— Claro... — afastou seus lábios dele, rindo. — Tenho que ir. E você também, se não quiser chegar atrasado ao seu trabalho.

Peeta fez beicinho. E ela não pode evitar beijá-lo.

— Agora, é sério. Vou indo! Finnick pode ser um chefe muito chato quanto ao atraso dos funcionários...

Katniss levantou-se da cama e pegou suas coisas.

— Você... — ela olhou para ele. Mas desistiu no meio da frase. — Te vejo mais tarde.

Peeta assentiu com um sorriso.

Ele dissera que não se importava com a oposição de Gale, de sua mãe ou ninguém. A única coisa que importava era estar perto dela. No entanto, Katniss não queria ser um obstáculo entre o relacionamento de mãe e filho. Peeta já havia sofrido muito com a morte do pai. Não deveria sofrer mais uma vez pelo afastamento da mãe. E, Katniss se sentia como uma intrusa. Era ela que estava criando aquela situação. Era lógico que amava Peeta. Ele se instalara em seu coração aos pouquinhos. Nem percebera quando ocupara cada pequeno espaço de seu coração, e o preenchera completamente. Apenas sabia que tinha acontecido. E aquilo era mágico, especial. A relação que tinha com Peeta era algo precioso. Entretanto, não queria que sua felicidade fosse construída à custa de sofrimento. Não deseja que sua felicidade estivesse estruturada sobre a discórdia.

De certa forma, poderia compreender Melinda. Afinal, Katniss já fora a namorada de Gale. E Peeta só tinha 18 anos. Para qualquer mãe, o filho sempre seria uma criança. Era o que sua mãe sempre afirmara. Ela e a mãe poderiam não ter uma relação muito próxima. Mas as duas se amavam. Não poderia pensar como seria cortar totalmente as relações com a mãe.

Primeiro, interferira na relação entre Peeta e Gale, e agora estava entre mãe e filho.

Ah, estava em uma situação terrível. Não sabia o que fazer.

— Já enviou aquele relatório para o Haymitch? — indagou Finnick, interrompendo suas divagações.

— Desculpa... eu acabei esquecendo...

Finnick franziu o cenho.

— Mas, já estou indo...

— Você sabe que Haymitch Abernathy não é alguém que costuma esperar... Concentre-se, Katniss.

E como ela sabia. Haymitch Abernathy era um dos pesquisadores mais famosos da atualidade. Ele selecionava apenas os pesquisadores mais brilhantes para trabalhar com ele. Foi com muito custo que Finnick conseguiu aquela colaboração com a equipe de Haymitch na Suíça. Embora Haymitch fosse nada paciente, trabalhar com ele, era uma oportunidade única.

Finnick tinha razão (embora não gostaria de admitir), precisava se concentrar.

Espreguiçou-se, relaxando seus músculos, quando terminou de fazer o relatório e enviá-lo para Haymitch. Já havia passado da hora de sair do trabalho, se deu conta. Começou a apanhar suas coisas que estavam espalhadas por sua sala. A organização realmente não era seu ponto forte.

Alguém bateu com a nós dos dedos na porta.

— Pode entrar — disse sem se voltar para a porta.

— Finnick pediu para te entregar esses relatórios — falou Gale.

— Pode colocar em cima da minha mesa, por favor, amanhã dou uma olhada nisso — disse, apanhando sua bolsa.

Gale depositou os papéis em cima da mesa. No entanto, não saiu da sala como ela previa. Não, ele ficou por um tempo a olhando.

— Peeta está bem — disse. Sabia que era exatamente isso que ele queria saber.

— Ah... — ele coçou o queixo.

— Na medida do possível, ele está bem... — se sentou em cima da mesa. Suspirou.

Gale também se sentou ao seu lado. Aquilo lhe lembrava os velhos tempos, quando Gale não estava zangado com ela, quando os dois podiam conversar livremente.

— Sua mãe como está?

— Bem... — respondeu laconicamente.

— Mesmo?

— Bem, ela está sofrendo, aquilo foi um choque para ela...

— Eu sei... Parece que sempre estou no meio... sendo um obstáculo. Primeiro, me enfiei no relacionamento de você e seu irmão... e agora, estou no meio de Peeta e sua mãe... — colocou sua frustação em palavras.

Gale a olhou.

— Katniss, eu... Eu só não quero que nenhum de vocês acabe ferido. Peeta... bem, ele já passou por tanta coisa. Não quero que meu irmão sofra novamente...

— E eu posso fazê-lo sofrer, não é isso?

— Não, não é... Eu me preocupo com você... Não quero que os problemas de Peeta te afetem também. Peeta sofreu por muito tempo de depressão. Na verdade, isso é uma batalha constante. Sobreviver cada dia. E se... acontecer novamente?

— Então, tentaremos superar — respondeu simplesmente. — Todos nós precisamos sobreviver todos os dias. Enfrentamos batalhas constantes. Nossos fantasmas sempre irão existir, precisamos derrotá-los todos os dias — refletiu. As palavras simplesmente fluíam. — Eu só não quero ser um obstáculo entre Peeta e qualquer pessoa que é importante para ele.

Gale colocou as mãos no bolso de seu jaleco. Os dois ficaram em silêncio por um longo tempo. Sentados lado a lado. Por fim, Gale se levantou da mesa.

— É melhor eu ir... — disse ele, saindo da sala.

Katniss ainda ficou por alguns minutos sem sair do lugar. Suspirou. E decidiu que já estava na hora de ir embora.

Durante o trajeto até seu apartamento, sua mente ficou vagando entre seus problemas. Peeta era alguém constante em sua mente. Seus pensamentos foram interrompidos pelo chamado do seu celular. Era uma mensagem:

“Poderíamos nos encontrar? Preciso falar com você”.

Era uma mensagem de Melinda. Respondeu rapidamente:

“Sim, onde podemos nos encontrar?”

Ela logo retornou sua mensagem, indicando o local, um café. Katniss estava um pouco longe, mas não se importou.

O café estava completamente vazio. Uma garçonete apenas atendia. Não foi difícil localizar Melinda. Ela estava na mesa mais afastada, olhava pela janela. E em suas mãos tinha uma xícara. No entanto, ela estava suspensa em suas mãos, como se Melinda houvesse se esquecido completamente de sua existência. Sua expressão era preocupada.

Katniss caminhou vagarosamente até ela.

— Com licença... — mas, Melinda não fez qualquer menção de ter a ouvido. — Com licença — aumentou o tom de voz.

Melinda voltou-se para a ela, e piscou os olhos como se estivesse acordando depois de um longo sono.

— Posso me sentar?

Ela assentiu.

— Quer alguma coisa? — perguntou.

— Não, obrigada... — era estranho estar naquela posição com a mãe de Peeta.

Melinda voltou a olhar pela janela. Katniss sentiu-se desconfortável. E não ajudava em nada o fato de Melinda ficar em silêncio. O que exatamente ela queria? Na verdade, ela tinha suas teorias...

— Logo será primavera — disse repentinamente, interrompendo o silêncio que havia caído sobre elas. — Você não gosta da primavera, Katniss?

— Gosto...

— As flores desabrocham e as pessoas tornam-se mais amáveis...

Aquilo estava ficando estranho. Tinha certeza absoluta que Melinda não havia a chamado para falar sobre a próxima estação.

— Você deve estar perguntando o motivo de eu ter a chamado aqui, não é mesmo? — falou repentinamente, como se pudesse ler seus pensamentos.

— Posso imaginar... é sobre... Peeta... não é?

— Sim, é sobre ele.

— Eu sinto muito por você não aprovar nosso relacionamento. Eu não quero interferir entre a relação de você e Peeta de forma alguma...

— Entenda, Katniss — ela o interrompeu. — Peeta só tem 18 anos! — enfatizou. — E você é uma mulher de 27 anos. Vocês dois estão em fases diferentes da vida. Ele é apenas um garoto de 18 anos. Um garoto...

Ai, estava um grande problema. Melinda via o filho como um garotinho. E deveria ver Katniss como uma sedutora de garotos desprotegidos. Katniss não a interrompeu e deixou que ela prosseguisse.

— Além disso, você foi a namorada de Gale. Ele até estava pensando em casar com você. Meu filho sofreu muito quando vocês romperam. Eu vi Gale chorando por você. Vi meu filho, sempre tão forte, sofrendo. Nenhuma uma mãe gosta de ver isso. E agora, você está junto de Peeta...

Como uma boa mãe, Melinda se preocupava com a felicidade de seu filho.

— Eu não posso garantir que não vá magoar Peeta... — interrompeu. — Os relacionamentos são assim... é impossível não se ferir no caminho... Ter um relacionamento só de felicidade e risos é totalmente irreal... Mas, eu amo Peeta e sei que ele também me ama. E se eu podermos estar um ao lado do outro, sei que o caminho que estamos trilhando poderá se tornar menos árduo...

Melinda tomou um gole de sua bebida.

— Eu não sei, Katniss. Não sei... Peeta é tão jovem. Tem apenas 18 anos. Ele está tomando algumas decisões equivocadas em sua vida, como não fazer faculdade. Se dedicar a um sonho que pode não dar certo, que tem grandes probabilidades de não dar certo... O pai de Peeta também tinha um sonho muito grande... e olha só onde ele acabou... Meu filho não pode seguir por esse caminho... Agora, eu sei o motivo de Peeta estar tomando essas decisões. Isso tem um pouco a ver com você...

— Comigo? — Katniss a olhou interrogativa.

— Ele só pensa em estar ao seu lado. Não pensa em seu futuro... E eu provavelmente não estarei ao seu lado para ampará-lo no futuro. Katniss... eu tenho câncer.

Katniss  só sabia de uma coisa uma tempestade imensa havia desabado. E ela estava completamente desprotegida.