Engraçado eu ter começado tudo isso dizendo que não sabia o que dizer, e agora ter escrito mais de 15 páginas no word. De repente eu nem consigo acreditar direito que estou realmente fazendo isso. Tudo começou com um sentimento de confusão, lá atrás, em algum dos momentos em que eu liguei para a Tomoyo de Tokio contando várias novidades, e ela disse pela primeira vez que Yoshiro tinha um crush em mim - coisa que até então eu não tinha notado. Talvez tenha sido a primeira vez que eu notei com alguma consistência que eu não poderia deixar alguém se aproximar de mim, porque namorava você, mas ao mesmo tempo não tinha você perto de mim, porque você estava longe.

Isso, num primeiro momento, me fez sentir solitária. Eu te ligava e mandava mensagens com frequência, e você respondia na medida em que arranjava tempo entre seus tantos afazeres. Eu passei a refletir sobre nós, se você sentiria, tal como diz, tanta falta de mim quanto eu sentia de você. Me perguntei se ainda era quem você queria, e se você ainda era o garoto que eu conhecia - e fiz, em algum ponto, um verdadeiro trabalho investigativo sobre como estava a sua vida. Eu vi que você havia viajado algumas vezes, e algumas delas tinha passado em branco em seus relatos. Você nunca veio ao Japão, apesar de uma de suas irmãs ter vindo para cá no mínimo umas 15 vezes de lá pra cá.

Foi quando eu tomei conhecimento das nossas lacunas e deixei esses espaços se formarem entre nós. Eu me senti estranha, e não quis tocar no assunto com você. Eu conversei com os meus amigos mais próximos naquele momento e tive respostas diferentes. Tomoyo chegou a dizer que me emprestava dinheiro para ir para a China ter uma conversa séria com você, que essa espera já estava longa o bastante (ela voltou a dizer isso esses dias, inclusive). Yoshiro abriu minha cabeça para um mundo de possibilidades que iam de te dar espaço, pois se você não havia me contado dessas coisas, eu estava arranjando problemas atoa, até dar um tempo com você para nós dois reavaliarmos nossa situação.

Eu não queria falar com você sobre isso e acabei deixando assim. Kero uma vez me disse que talvez fosse a hora de eu me resolver com você para ficarmos juntos ou então seguir minha vida. Ele disse que eu era muito nova para ficar quieta e me prender, que eu era bonita e chamava mais a atenção do que eu pensava e, se estava me sentindo sozinha, precisava fazer algo sobre isso. Não era como se eu estivesse realmente bem. Kero me lembrou que desde pequena eu era acostumada a sonhar com alguém, e que me ver melancólica por continuar sonhando mas precisando da realidade era muito triste. Eu precisava encontrar minha própria realidade, ele disse, assim como havia construído minha própria força, minha própria magia. Eu precisava me reinventar - como estou tentando fazer agora.

Tudo isso que ele me disse me ajudou a manter de pé, depois que eu usei minhas novas habilidades de audição seletiva com ele e acabei saindo com Yoshiro e tendo uma porção de problemas depois. Eu acho que havia falado muito pouco do Kero até aqui, o que é até injusto, sendo que ele está me ajudando o tempo todo. Ele talvez seja uma das únicas pessoas que, apesar de ainda não gostar de você de todo coração, ainda vê essas duas possibilidades com pé de igualdade. Ele acredita que eu posso ser feliz com ou sem você, mas que não posso mais esperar. Por isso insistiu tanto para eu começar a te escrever.

Eu acredito que posso, sim, ser feliz com ou sem você. Mas, hoje em dia, as duas alternativas doem - e eu espero que possa fazer a segunda não doer mais, pois a minha esperança em nós dois morre em todas as vezes que eu penso nos sentimentos que escaparam pelas nossas lacunas. Ela morre por conta de toda essa espera na qual eu acabei me cansando cada vez mais. Ela morre quando eu penso que já desejei muitas vezes ser livre, e que acredito que em algum momento você tenha desejado o mesmo. A esperança se desfaz mesmo quando eu espero o contrário, quando eu te vejo tentando falar comigo, quando você me mandou uma sms que eu abri, fazendo com que eu traísse minhas próprias promessas. A esperança é rasgada quando eu leio suas palavras, quando eu sei que errei, quando eu acredito que nós dois erramos mas que você diz que ainda me ama e eu sei que te amo também, mas eu continuo sem entender como. A esperança se rasga porque a vida não apaga tudo o que eu fiz e escrevi, nem apaga suas olheiras da minha mente, Syaoran. Eu sei que a esperança se foi, acabou, morreu, quando eu estou a cada linha tentar ressuscitar ela sem nenhum sucesso, sabendo que te feri enquanto buscava alguma paz em meio de toda essa confusão e culpa. A gente se perdeu, eu te perdi ou eu me perdi em algum lugar dessa esperança de nós dois. Agora eu estou tentando me encontrar fora dela, em uma esperança só minha, que precisa acontecer agora. Uma esperança que não envolva mais medo de te machucar - ou machucar qualquer outra pessoa - que diga respeito apenas a mim.

Estou buscando uma vida sem espera e uma liberdade da qual eu nunca experimentei tendo esse compromisso com você, Syaoran. Eu tenho sim, noção de quanto te machuco com tudo isso e me dói. Eu tenho tentado renovar tudo na minha vida depois de ter… tido aqueles problemas com Yoshiro, desde então eu penso em talvez testar a minha vida sem você e sem essa confusão que é estar em um relacionamento onde eu estou quase sozinha. Eu sinto falta de uma vida que eu nunca tive. Por mais que meu pai tenha dito tantas coisas bonitas sobre ele e a mamãe e sobre nós dois, a minha esperança se perdeu e eu não sei como transformar o nosso amor em algo sublime, como ele diz. Mas ele pode estar certo, Kero também pode estar certo e eu seria feliz com você se eu tentasse. Mas para isso, eu ainda teria que esperar, eu ainda teria que ter esperanças. E você já sabe essa resposta. Eu preciso deixar a minha esperança particular acontecer.

Sabe algo curioso sobre esse término que teve a consulta de várias pessoas, menos de você? É que Yui não quis me dizer nada a respeito do que está acontecendo, por mais que ele saiba de tudo isso. Nem ele, nem o Yukito tentaram me aconselhar. Touya foi sempre a favor do nosso término e passou a ser mais ainda depois do que aconteceu em Tokio, porque ele te culpa por aquilo. Mas o silêncio do meu guardião e meu cunhado, os dois tão próximos de mim, cientes da minha dúvida e das minhas atitudes, me deixa realmente intrigada - não foram eles que abriram meus olhos para você? Que me livraram do deslumbramento que eu tinha pelo Yukito? E agora eu precisava, talvez, de algumas palavras deles e eu não encontro. Eu normalmente perguntaria a você o que pensa sobre isso - entretanto, não espero mais resposta, para fazer tal pergunta.

E dentre todas as coisas difíceis e desafiadoras de te dizer adeus, são os rastros que você está deixando em tudo o que existe no meu mundo - e a maneira com que você está fazendo questão de ser notado cada vez mais, logo no momento em que eu queria te esquecer. Era para esse ser o meu momento de liberdade, de redenção por tudo o que eu me torturei na minha cabeça por todos esses anos longe de você - seria o período exato para eu entender e acomodar em mim mesma os meus sentimentos por você, que se modificaram tanto. Só que eu não me sinto bem, agora, como me sentia no início dessa carta, há um mês atrás. Agora eu estou me sentindo tensa e cansada, como quando precisei transformar todas as cartas e resolver problemas que eu nunca pensei que teria. Eu estou tendo sentimentos que nunca pensei ter - no fundo, eu pensei que de alguma maneira você pudesse aceitar e seguir também a sua vida longe da minha. Eu não contava com uma resposta tão desesperada da sua parte quando, em todos esses anos, você deixou esse espaço se criar entre nós.

A confusão, Syaoran, está me deixando estranha. Eu sinto uma dor de barriga como se estivesse ansiosa, como se esperasse por algo acontecer. Preciso acabar com isso em mim - e quero que você entenda isso e, de uma vez por todas, entenda que estamos sim, terminando, e que a partir de agora somos estranhos, nossas vidas já não possuem mais o mesmo destino e não são mais entrelaçadas.

Antes que eu não consiga mais, antes que eu leia mais coisas suas e mude minha cabeça, antes que você venha me atormentar de novo, estou aproveitando essa folga de dois dias que você está me dando para concluir minha tarefa.

Acabou, Syaoran Li.

Adeus.