Elementar escrita por LunaLótus


Capítulo 19
Trem


Notas iniciais do capítulo

"A verdade é que uma parte do corpo de Thaís está acordado. Um pequena porção do seu cérebro está desperto, trabalhando, prestando atenção. É como se a porção restante tivesse sido sequestrada pelas memórias, como se estivesse sonolento, mas que consegue passar todas as informações para a parte acordada."



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Infelizmente o plano de Thaís não dá tão certo quanto ela imaginava.

Ao sair do banheiro e entrar novamente no saguão de espera e embarque, a jovem nota mais cinco homens andando de um lado para o outro, agitados, como se procurassem algo ou alguém. Tenta disfarçar e correr para o trem, que já está na plataforma. Ao passar, consegue olhar no rosto de um deles. Olhos vazios, expressão rancorosa. Com certeza é um androide.

– Droga – ela murmura baixinho e ajeita a gola de seu casaco para que não a vejam.

Ela anda ainda mais depressa e já está quase embarcando, quando esbarra em um deles. O trem já está quase entrando em movimento agora. O androide se vira rapidamente, mas ao vê-la, Thaís está correndo em direção ao seu transporte. Ela pega uma das armas, atira no robô mais próximo e continua correndo. Todas as pessoas estão dentro do trem e as portas estão quase se fechando.

Thaís dispara entre os pedestres, agora sem se importar se será identificada ou não. Uma vez em movimento, o trem não pode parar. Se ela conseguir chegar até ele...

Os androides começam a atirar em sua direção, porém nenhum raio consegue atingi-la. Ela continua correndo, e finalmente entra no veículo.

As portas se fecham rapidamente, mas Thaís não para até encontrar uma cabine vazia. Não demora muito para encontrar uma, logo a terceira porta à direita. Digita o código da sua passagem comprada na estação, entra e se joga no assento, ainda muito ofegante.

– Essa foi por pouco. Por muito pouco – diz, respirando pesadamente.

Thaís está agitada. A adrenalina no seu corpo ainda está a mil, mas ela tenta continuar sentada até a sua pulsação baixar. Não pode se arriscar a sair e ser reconhecida pro qualquer androide ou oficial que esteja ali. Abaixa a cabeça, joga as mochilas num canto e se ajeita no pequeno sofá. Descansar um pouco não fará mal algum...

Está claro. Há uma garota mais adiante, sentada no chão, olhando para o nada. Thaís tenta chegar mais perto para ver o rosto dela. Tem a impressão de que seu corpo está flutuando, mas continua seguindo em frente.

O lugar em que ela está é estranho. Thaís não se lembra de nada disso em seus sonhos com a Elementar da Água, então com certeza não é ela. Olha em volta e seguro um arquejo.

Há muitas árvores aqui e a terra está molhada. O céu tem um azul tão limpo que Thaís prende a respiração. O ar é puro e não há quase barulho nenhum, exceto o da floresta. No entanto, não existe praticamente lugar nenhum assim no planeta. É raríssimo encontrarmos um sistema tão intacto.

Thaís olha com mais atenção e percebe o erro do lugar.

As árvores brotam de alguns prédios altamente sofisticados, que agora parecem estar abandonados. Há armas e pedaços de corpos de androides espalhados pelo chão, mas a energia que devia estar presente nos fios não é mais visível, o que leva Thaís a crer que aquele caos já está presente há alguns dias. A garota sentada, entretanto, parece não se incomodar, e agora fala com algo. Thaís se aproxima mais um pouco para escutá-la.

– Agora eles não vão incomodar mais, está vendo? Esse lugar é só de vocês. Eu terei que partir em breve, mas vocês vão ficar bem. Aqui, tome. – Ela pega um noz e oferece. – Coma isso aqui.

Chega mais perto e vê com o que a garota está conversando, e simplesmente não pode acreditar. Achava que aquela espécie já estava extinta, vira por um acaso a foto do animal em uma das anotações de seu pai, mas vê-la viva, comendo, no colo de uma garota desconhecida... Aí já é outra coisa! Um esquilo? Um esquilo, em pleno ano de 2200? Impossível!

A outra garota levanta o rosto e Thaís finalmente pode observá-la. Olhos castanhos escuros e um pouco repuxados, cabelos cacheados, pele morena. Tem alguns traços indígenas, o que deixa Thaís confusa, já que os índios não existem há mais de 120 anos. É baixa e veste uma blusa de mangas compridas verde e um short. Sua expressão é gentil enquanto olha para o pequeno animal, mas quando se volta para os prédios destruídos, sua boca se contorce de raiva, desprezo, ódio.

– Não vão incomodar mais. Nunca mais – a garota diz.

O chão começa a tremer. Thaís olha desesperada para a outra garota, mas a menina parece não perceber nada de errado e continua a falar com o esquilo. As árvores começam a cair e o céu fica cinza chumbo como em uma tempestade. Está acontecendo algo muito esquisito, e ela não pode fazer nada.

Então tudo fica escuro, e Thaís acorda gritando.

Esse não é o pior pesadelo que Thaís já teve, mas está entre os dez. Não que a garota sentada fosse assustadora, ou o esquilo. Mas ver todos aqueles prédios destruídos, esmagados como se fossem papel, e depois tudo parecendo estar caindo... Foi tão real que ela se sentiu apavorada.

A respiração dela está acelerada novamente, e Thaís se pergunta quando terá sossego outra vez. Levanta-se e vai até uma pequena pia no canto da cabine. Lava o rosto e as mãos, e então volta para o assento.

O que ela fará agora? Está indo para o sul, mas não tem a mínima ideia de para onde. Apesar de parecer pouco tempo, ela dormiu durante quase toda a noite, e agora já está amanhecendo. O dia está nublado, a temperatura baixa e o trem é tão silencioso que não dá para escutar nem os passos dos passageiros.

Thaís pensa em Renato. Ele deve estar dormindo a essa hora, deitado sozinho, no quarto dela. Ou talvez não. Talvez esteja acordado, pensando nela como também está pensando nele. Talvez esteja na casa dos pais, ou ainda planejando uma forma de encontrá-la. Ela fica feliz, no entanto, somente por saber que ele está em segurança, que está bem.

Levanta-se do assento e começa a andar de um lado para o outro na cabine. Está inquieta. Alguma coisa parece prestes a dar errado. Ela olha para a porta. Em algum vagão do trem, devem estar servindo o café-da-manhã e, como é muito cedo, não deve ter ninguém que possa reconhecê-la. Talvez ela possa ir lá, pegar algo e voltar o mais rápido possível para a sua cabine.

Sim, vai fazer isso. Por via das dúvidas, checa se todas as suas armas estão ainda junto ao seu corpo. As shurikens, o bumerangue, o arpão e agora mais duas armas que ela conseguira, guardadas em dois bolsos escondidos em seu grande casaco. Então, dirige-se para a porta, que abre sem fazer o menor ruído, e caminha silenciosamente pelo imenso corredor.

– Uau... – murmura, quando chega ao vagão restaurante.

Não há ninguém, nem mesmo um androide, mas as mesas já estão postas com tudo o que há de melhor no mundo. Morangos, maçãs, pães, sucos de todos os sabores, queijos, capuccinos, cafés e mais uma porção de outras frutas. Thaís corre até a mesa mais próxima, pega um prato e se serve com um pouco de tudo. Depois pega um copo e escolhe uma jarra de suco. Olha em volta. Com certeza não irão sentir falta da jarra. Ela dá meia volta e retorna à cabine.

Ela devora uma pequena porção do que ela pegou em poucos minutos. Pensou em guardar um pouco para a viagem, já que não sabe do que vai precisar, e pelo menos aqui ela não está roubando, tecnicamente. Encontra, em um canto da cabine, uma sacola para manter os mantimentos. Embrulha tudo e os guarda na mochila. Ainda é pouco para a sua longa estrada, mas ainda haverá outras refeições no trem, e ela pode pegar um pouco mais. Coloca a mochila ao lado e põe-se a pensar.

Não sabe para onde ir. A única coisa que sabe é que vai para o sul, então quando foi comprar o bilhete na estação, pediu para o país que mais se encontra ao sul na Europa: Itália. No entanto, o trem vai dar tantas voltas que ela fica receosa. E se alguma coisa sair errado? E se ela precisar sair do trem?

A jovem olha pela janela, a paisagem lá fora que agora é apenas um borrão verde. Apesar do mundo estar mais conservado do que duzentos anos atrás, Thaís não pode deixar de sentir um aperto no peito ao pensar em como aquela suposta perfeição foi alcançada. Milhares de pessoas mortas, tudo substituído por máquinas, e as árvores estão longe de serem naturais. Foram alteradas geneticamente para parecem sempre vistosas, mesmo que estejam morrendo. E assim toda a população é enganada por esse falso progresso.

Thaís abaixa a cabeça e olha o relógio em seu pulso. Oito horas da manhã. Tenta não pensar em toda aquela injustiça, mas os nomes desconhecidos dos mortos continuam vindo sussurrar em seu ouvido. Respira fundo para não se descontrolar e se entregar ao medo. Pelo menos agora ela poderá fazer algo para mudar aquilo. E com esse pensamento, fecha os olhos pensando no quão diferente poderá ser seu futuro caso vença.

Os sonhos vêm rapidamente. Desta vez, Thaís não está em corpo, não vê ninguém ou lugar algum. As imagens passam como flashs por seus olhos, como se sua consciência estivesse procurando algo. A jovem começa a se impacientar com a demora daquilo. São muito mais úteis os sonhos com a Elementar da Água. Assim pelo menos tem alguma pista de como encontrá-la.

Então os flashs começam a desacelerar. Está perto, pode sentir. Seu olhar agora rasteja entre panos, como se ela fosse uma cobra passando entre espaços muito estreitos. As imagens entram mais em foco e Thaís consegue distinguir uma coisa: a sua mochila. A sua pulsação se acelera, mais um sinal que a resposta desse enigma está chegando.

“Muito perto, muito perto... Só mais uma pedra para encaixar, e o quebra-cabeça enfim solucionado...”, pensa inconscientemente.

A verdade é que uma parte do corpo de Thaís está acordado. Um pequena porção do seu cérebro está desperto, trabalhando, prestando atenção. É como se a porção restante tivesse sido sequestrada pelas memórias, como se estivesse sonolento, mas que consegue passar todas as informações para a parte acordada.

O seu olhar se demora na mochila, que está aberta. Até que, num rompante, a cobra entra na bolsa. Agora parece mais uma caverna. Várias coisas estão espalhadas por ali, como um labirinto, mas a consciência de Thaís parece saber o que quer, o que está procurando. Anda para lá e para cá, até que para abruptamente.

Ali, em frente a ela, está um caderno, um enorme caderno. Com um susto, Thaís o reconhece como seu, o mesmo caderno que ela fizera anotações há, talvez, um ou dois dias. De repente, a capa se abre e as folhas passam um após a outra, descontroladas. Thaís está prestes a gritar que pare, porque já está ficando tonta, quando tudo se aquieta e ela pode ver o que está escrito.

E, então, com um susto, volta à consciência.


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Notas finais do capítulo

Ooi, meus convocados! FELIZ 2016!
O que acharam do capítulo? Quero agradecer por todo carinho que têm me oferecido. Em breve, tem história novinha!
Ah, sei que o capítulo foi meio parado, mas há muitas revelações a seguir, ok?
Beijos e até o próximo!



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