Katniss Everdeen

— Só posso estar no inferno — foi a primeira coisa que a morena disse assim que acordou e abriu os olhos. Imediatamente uma dor de cabeça fortíssima a atingiu, fazendo-a gemer e se encolher na cama. Que diabos havia acontecido pra que ela se sentisse daquela maneira?

Não queria sair da cama. Sabia que assim que tentasse se levantar e abrir os olhos novamente sua cabeça ia doer, e tudo ao seu redor ia girar, e ela realmente não queria se sentir assim.

Novamente, o que diabos havia acontecido a ela?

Abriu os olhos bem devagar, olhando o quarto ao seu redor que girava e girava. Ficou enjoada e mordeu o lábio inferior com força, reprimindo sua vontade de vomitar. Céus, ela se sentia péssima. Mas precisava sair daquela cama e tomar algo que fizesse melhorar aquela dor de cabeça. Sabia que Rue mantinha uma caixinha de remédios no armário da cozinha pra emergências como aquela. O que seria dela sem Rue?

Sentou-se, gemendo ao ficar enjoada outra vez. Aquilo era horrível. Era horrível e tinha um nome: Ressaca. Katniss só teve ressaca uma única vez, e foi em seu aniversário de dezoito anos. A experiência de beber tanto pra ter uma ressaca no dia seguinte tinha sido tão ruim que ela jurou que nunca mais faria aquilo. Mas é claro que não cumpriu a própria promessa.

Antes que pudesse alcançar a cozinha ela correu até o banheiro e vomitou. Era como se uma força empurrasse seu estomago contra seu rosto, fazendo a morena gemer sempre que impulsionava o corpo pra frente pra vomitar.

Aquilo era nojento. Eca.

Lavou a boca, usando um pouco de enxaguante bucal pra se livrar do cheiro ruim. Já tinha lido que não se deveria escovar os dentes depois de vomitar porque o ácido do suco gástrico poderia corroer o esmalte dos dentes quando misturado com a pasta de dentes. E ela certamente não queria perder o esmalte dos seus dentes.

Encontrou no armário da cozinha a caixinha com os remédios de Rue, e ali no meio estava uma cartela de Advil. Ela tomou dois de uma vez, bebendo água da torneira e se jogando no sofá da sala em seguida. Não se sentia bem o bastante pra voltar pro quarto.

Mas o que havia acontecido?

Ela se lembrava de ter chegado na festa, encontrado Peeta logo depois, e claro, a quantidade de drinks que eles beberam... Aquilo provavelmente explicava sua ressaca. Só não conseguia se lembrar de como tinha ido pra casa. Peeta estava de carro? Ela não sabia. Não sabia mesmo.

No final das contas precisou voltar até o quarto, e pegou o celular pra que pudesse mandar uma mensagem para Peeta. Precisava se desculpar por qualquer coisa estúpida que tivesse feito. Não podia mesmo se lembrar ou se responsabilizar pelo o que tinha feito quando estava bêbada.

"Ei, boa tarde! Então... Eu não sei exatamente o que aconteceu ontem depois de todos aqueles drinks que tomamos, mas me desculpe por qualquer coisa idiota que eu tenha feito (o que eu sempre faço, mesmo quando não bebo, mas imagino que bêbada seja pior). E eu imagino que tenha sido você a me trazer pra casa, então obrigada por isso. Você é demais!"

Enviou a mensagem com um sorrisinho nos lábios. Peeta era uma cara tão legal. De fato, ela podia concordar agora com as palavras de Rue: "Peeta é um cara incrível". Ele realmente era. Não conseguia imaginar uma outra pessoa que faria todas as coisas que ele andava fazendo por ela.

Quando se sentiu um pouco melhor, Katniss pegou o notebook e resolveu checar sua caixa de entrada de e-mails e as mensagens do seu Facebook. Logo de cara viu uma mensagem da irmã. A menina adorava usar emojis e todas as suas saudações geralmente vinham acompanhadas de um.

"Oi, sis. *carinha sorridente*"

Ela não conseguia deixar de sorrir ao ver as mensagens da irmã. As duas eram tão diferentes que Katniss quase nunca se enjoava de trocar mensagens com a garota.

Mas sua caixa de mensagens estava cheia. Um rapaz, que costumava andar com Gale quando ela ainda o namorava, havia enviado uma mensagem dizendo que ela tinha arrasado na noite passada.
"Uau, Katniss! Eu sabia que você dançava bem, mas ontem a noite você arrasou. E bela maneira de se esquecer do Gale, ein?"

Ela não conseguiu entender a última parte. O que sua dança poderia ter a ver com esquecer o Gale?

Então sua cabeça ficou cheia de imagens de vídeos que viralizavam na internet. Meninas que tinham bebido demais em festas e faziam coisas idiotas. Que dançavam como se fossem strippers e se agarravam com vários caras numa mesma noite. Ela não poderia ter feito isso, poderia? Não, com toda certeza não. Mesmo se estivesse incrivelmente bêbada, ela não seria tão idiota a esse ponto. E sabia que Peeta jamais deixaria que ela fizesse essas coisas. Ele tinha cuidado dela e a levado pra casa. Como ele deixaria que ela fizesse um vexame na festa?

Pegou o celular e ligou pra Rue.

Rue sabia de tudo. Por mais que não estivesse na festa, ela tinha o incrível poder de saber de tudo o que acontecia. Principalmente das coisas que aconteciam a Katniss.

— E aí, gata? — A voz de Rue estava alegre como sempre.

— Por favor, me diz que não existe um vídeo meu rodando o Facebook onde estou muito bêbada e dançando de uma forma que minha mãe não se orgulharia.

— Do que você está falando, Kat?

— A festa de ontem. Eu bebi demais e não lembro muito bem do que eu fiz. Pelo menos não depois de tomar muitos shots de tequila.

— Meu Deus, Kat. — Rue suspirou e Katniss podia imaginar a amiga rolando os olhos. — Não há vídeo nenhum. Pelo menos não algum que eu tenha visto. Mas fica tranquila. Você estava com o Peeta, não? E pelo o que eu fiquei sabendo, vocês dois arrasaram ontem.

— Por que as pessoas continuam dizendo que eu arrasei ontem? — Sua caixa de mensagens estava cheia de pessoas dizendo-lhe que ela tinha "arrasado", mas nenhuma delas diziam o motivo.

— Céus. Quanto você bebeu? — Ela parecia um pouco irrita, e Katniss deu de ombros mesmo sabendo que ela não poderia ver. — Eu vou te enviar uma coisa por mensagem. Tchau. — E desligou logo em seguida.

Katniss ficou encarando o celular, esperando pela mensagem que demorou exatos dois minutos pra chegar. Baixou o arquivo de vídeo que Rue havia anexado junto a mensagem "Olha só isso".

E ela olhou. A princípio não viu nada de muito alarmante no vídeo. Conseguia ver ela e Peeta dançando juntos, e ambos pareciam muito bêbados e alegres. Ela até mesmo deu um sorrisinho, achando que naquele vídeo não existia nada de mais. Talvez Rue estivesse exagerando. Talvez ela mesma estivesse exagerando. Aquela era apenas uma dança inocente entre dois amigos.

Mas então ela viu.

O beijo. O modo como ela basicamente se jogou pra cima dele.

— Ai. Meu. Deus — gemeu, deixando o celular cair na cama e cobrindo a boca com as mãos. Ela e Peeta tinham se beijado. Beijado! E ela não conseguia se lembrar de nada.

***
Peeta Mellark

— Quando faremos uma festa pra estrear seu novo apartamento? — Finnick perguntou. Ele estava sentado sobre o balcão do Devil's Bar, as pernas balançando pra frente e pra trás. Parecia uma criança hiperativa que não podia permanecer quieta enquanto os adultos conversavam.

— Eu não sei. Vocês podem aparecer a qualquer hora. Mas não sei se seria uma boa ideia dar uma festa. O lugar não é realmente meu, é emprestado. Não quero bagunçar. — Se bem que bagunçar não seria bem o problema. O apartamento na verdade precisava de uma bela limpeza, ele só não sabia quando teria coragem de fazê-la.

— Ah, vamos lá, Peeta! Não seja um estraga prazeres! — Finnick continuou, as pernas ainda balançando enquanto ele falava. — Eu aposto que Cinna não vai se importar.

O problema nem mesmo era Cinna. Talvez ele realmente não se importasse se dessem uma festa no apartamento. Mas Peeta não estava no clima pra isso. Tinha saído de casa, estava morando num lugar que não o pertencia, e quando ele finalmente beijava a garota de quem gostava ela parecia não se lembrar de nada disso... Que inferno. Sim, era o inferno e não o tipo de inferno onde eles poderiam celebrar.

— Não sei não, cara. Depois a gente vê isso — ele disse por fim, esperando que Finnick esquecesse do assunto. Mas o outro voltou a falar, ignorando-o completamente, fazendo uma lista em voz alta de todas as coisas que eles poderiam comprar pra beber, e quem poderiam convidar etc e tal. Foi bem nesse momento que seu celular começou a tocar, e ele viu o nome de Katniss na tela, o que o fez congelar no lugar.

Por que ela estava ligando pra ele? Quer dizer, eles sairam juntos, se divertiram, ele era até seu falso namorado, pelo amor de Deus! Mas por que ela tinha que ligar pra ele justamente agora? Justo quando ele não queria pensar nela e muito menos no beijo da noite anterior.

Ele deixou o telefone tocar até que ela desligasse ou que caísse na caixa postal. Não queria falar com ela, pelo menos não por enquanto. Ignorá-la um pouco não faria mal, faria? Ao menos não pra ele, era o que esperava. Mas o celular voltou a tocar, e ainda era ela ligando. Agora Finnick já não falava mais, e estava estudando o amigo com olhos atentos, olhando dele para o celular e de volta pra ele, tentando entender por que diabos ele não atendia o telefone.

— Não vai atender? — ele perguntou por fim, sem conseguir se conter.

— Hmmm — Peeta murmurou, pressionando o botão na lateral do celular que fazia a tela do aparelha apagar. — Não é nada importante. — Mas Katniss insistiu, enviando mensagens entre as ligações. Ele não leu nenhuma, e um certo momento ele acabou desligando o aparelho, achando que aquela era a melhor maneira de fugir dela.

Ele e o resto da banda se reuniram no estúdio de Cinna mais tarde naquele dia. Eles fariam alguns ensaios, gravariam umas coisas... Enfim, coisas de banda. Cinna insistia que agora tudo fosse feito em estúdio, de forma profissional. Queria melhorar a qualidade do som deles, queria que tudo fosse gravado com ótima qualidade, e que as composições também fossem jogadas na mesa de uma vez, assim poderiam gravar algumas demos só pra ver como ficavam.

Peeta estava ansioso e excitado. Aquela era uma oportunidade e tanto. Ele não podia prever se as coisas dariam certo, se a banda faria sucesso ou não, mas Cinna era competente e famoso pelo o que fazia, e ele parecia tão empenhado em transformar a banda num sucesso que Peeta não conseguia duvidar que ele conseguiria fazê-lo.

Ele só voltou pra casa no início da noite, sozinho (apesar de Finnick continuar insistindo na história da festa e de ter ficado muito desapontado ao ver que Peeta seguiria sozinho de volta ao apartamento). Ele tomou um banho, se jogou no velho sofá de Cinna e só então ligou o celular, pensando em pedir uma pizza ou qualquer coisa comestível. Assim que o aparelho ligou a tela se iluminou com dezenas de notificações de mensagens e ligações perdidas. Uma delas era de sua mãe, mas todas as outras eram de Katniss.

As mensagens também eram dela.

"Me atende quando puder, por favor."
"Peeta, é importante, precisamos conversar!!!"
"Você tá ocupado?"
"Me liga de volta."
"Ou só me manda uma mensagem. Eu preciso falar com você."

Todas essas nesse estilo, todas desesperadas pra que ele ligasse pra ela, ou atendesse o telefone, pra que respondesse suas mensagens. Por que ele faria isso? Por que ele faria isso ainda mais depois de ter criado esperanças de que talvez as coisas fossem começar a ser real entre eles.

Ele só era mesmo um grande idiota.

"Eu estava ocupado, desculpe. O que você quer?"
Foi a mensagem que ele enviou antes de discar o número de uma pizzaria e fazer seu pedido. Quando desligou ela já havia respondido, a notificação de mensagem piscando na tela do celular.

"Conversar. Sobre a festa."

Ah, claro. A festa. No mínimo alguém já tinha contado o que havia acontecido.

"O que tem a festa?"
Ele estava mal humorado. Não queria mesmo ter que tocar nesse assunto.

"Parece que... Aconteceu uma coisa. Entre a gente, no caso. Você sabe o que."

Ela estava brincando com ele, era isso?

"Que coisa, Katniss?"
Queria que ela falasse. Se ela soubesse então que lhe dissesse de uma vez.

"A gente... O beijo. A gente se beijou."

Ele suspirou, querendo desligar o telefone outra vez, arrependido de ter respondido suas mensagens em primeiro lugar.

"Sim."
Foi tudo o que ele respondeu.

"Eu... Eu não consigo me lembrar disso, Peeta. Me desculpa."

É claro que ela não se lembrava. Por que ela lembraria? Ele só não era importante o suficiente pra ela, o beijo dos dois não havia significado nada pra que ela não se lembrasse dele.