Divagando no escuro escrita por Agama


Capítulo 2
O Braseiro


Notas iniciais do capítulo

Mais uma macabraria pra vocês queridos o/ um pouco diferente, mas espero não perder o nível :^)



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— E então querido, o que achou?


Foi com essas palavras de minha amada esposa que entrei em minha nova casa, meu novo lar. Estavámos nos mudando do centro da nossa cidade para uma área mais... verde. Queríamos viver mais em contato com a natureza, sabe. Saindo da acomodação urbana e da selva de concreto, cinza e demasiadamente barulhenta, chegamos á zona verde, tranquila e pacífica do bosque municipal. Ah, o bosque. Um lugar esplendoroso na vista e revigorante na alma, o que poderia ser melhor do que essa mudança de ares?

Entro na casa e sou recebido por uma visão rústica e empoeirada do que seria uma casa de madeira perfeitamente conservada, com móveis revestidos por peles de animais (que não faço ideia se vem dessa ou outra região), entre eles um sofá grande e espaçoso, com peles pardas e macias, que me chamou atenção logo de cara. Olhando mais em volta, vejo tapetes com peles de ursos, quadros com diversas pinturas de décadas atrás decorando as paredes de madeira. Cômodas baixas se elevavam do chão de tábuas, suportando vasos com os mais variados tipos de plantas das quais nunca vi a aparência. Após andar um pouco pela sala e sentir o cheiro de poeira atravessar minhas narinas, me deparo com uma majestosa escada, que certamente nos levaria para o andar superior. Antes de subi-la, vejo a cozinha e a sala de estar, ambas de beleza inigualável que nunca havia presenciado em nenhuma residência normal da cidade grande. Ao subir a escada, passando a mão pela corrimão e retirando uma crosta de poeira que muda minha mão de sua cor natural para uma cinza e suja (que de imediato limpo na minha calça jeans), noto que a sensação de adentrar aqueles degraus era no mínimo tétrica, me deixava com uma certa temerosidade quanto ao local, mas isso é normal ao ir á um local novo e – principalmente – desconhecido.


— Querido? – Repete minha esposa, Katherine.

— Ah, desculpa amor, estou só... impressionado. – Digo enquanto continuo subindo as escadas e perco minha mulher de vista, já adentrando no andar superior.


Descubro rapidamente que se trata de um único quarto de casal, de tamanho médio, com uma decoração mais escura e pálida que o andar inferior, dando uma cara mais sombria ao aposento. A única janela que existia era ao lado direito do quarto, com um véu branco tampando a visão da floresta. A cama era enorme, podendo caber, num chute raso, até umas quatro pessoas sem nenhum problema. Mas apesar de tudo, sem dúvida, não é nada disso que me chama atenção no quarto. Do lado da cama, próximo à quina esquerda, preso à parede, um grande braseiro negro, se estendendo em relevo, na forma da cabeça de uma cabra. Feito de um metal extremamente pesado e grosseiro, resistente ao calor. Falando no calor, era possível ver em seu interior chamas de um rubro forte, queimando de forma intensa dentro da cabra, com brasas incandescentes saindo por suas narinas, como uma flama infernal. Os dentes do animal de metal eram quase cerrados, um pouco entreabertos, mas apenas o suficiente para deixar escapar umas poucas nuances de vermelho pelas fendas. Mas o mais aterrador de toda a tal alegoria macabra são os olhos da criatura. Orbitas vazias, que refletidas no crepitar das chamas davam a impressão de constante movimento, me incomodando bastante a princípio, como se a maldita cabra olhasse para mim, não importa onde me posicionasse.


— Amor? – Pergunta Katherine, fazendo menção em subir as escadas, ato que acaba por se concluir em poucos segundos. Ao chegar no aposento ela de imediato toma um susto ao ver a figura negra se destacando na parede. Eu a abraço como se a protegendo de algo pronto a ataca-la, me posicionando a frente de seu rosto para que ela não veja a escultura disforme. – Dave? O que é isso?

— Eu não sei querida... eu não sei. – Falo lentamente, com uma obscura sensação daqueles olhos me fitando incessantemente.


Após uma intensa faxina em ambos os andares da casa (inclusive o andar superior), eu e Katherine, exaustos, resolvemos dormir. Como minha esposa tem medo de escuro, apesar de uma revolta infantil da minha parte, resolvemos dormir na parte de cima da casa. Ledo engano. O braseiro iluminava o quarto de forma decente, mas sua distribuição de luz não era totalmente eficaz, deixando focos de escuridão pelo quarto. Embora o medo estivesse presente, estávamos cansados e com sono depois de um longo dia de mudança. Ela estava deitada do lado esquerdo da cama, próxima ao braseiro e consequentemente próxima da luz, enquanto eu ficava do lado direito, próximo à parede. Decido acabar com todo e qualquer temor e fecho os olhos. Ah, a escuridão de um fechar de pálpebras. Naquele momento me senti seguro, como se nada pudesse me atingir, eu estava sozinho no meu mundo negro e solitário. Minha mente começou a relaxar. Eu me senti na minha zona de conforto.

Até ouvir um maldito crepitar. Meus olhos foram abertos novamente. Tentei fechar os olhos mais uma vez, mas a incidência da luz na parede do cômodo não me deixava permanecer de olhos cerrados, de forma que fiquei paralisado olhando o reflexo do fogo na parede polida de madeira. Eu sinto um incômodo na minha cabeça, uma presença que não me deixava dormir. Como se aquela cabra infernal estivesse me olhando, me encarando. Mesmo sem vê-la eu sabia que ela estaria me vigiando, observando meu sofrimento perante ela mesma. Meu estômago revirava só de imaginar a cena de tais olhos me olhando num julgamento silencioso, que decidiria meu lugar nos mais profundos círculos do Inferno. As chamas continuavam tremulando na parede. Penso no quanto aquilo era bobagem, só um pensamento idiota e finalmente volto a fechar os olhos quando escuto mais um crepitar. Abro os olhos num susto. Não é possível. Estaria aquele demônio negro me intimando? Não, isso não é possível. A ciência jamais conseguiria prov—outro crepitar. Ele... Ela... essa coisa. Ela está se aproveitando de mim. Ela está lendo meus pensamentos, me subjugando. Me observando. Ela está do meu lado. Ela está á poucos metros de mim. E a menos metros ainda da minha esposa. Meu Deus, a minha esposa. Que coisas horríveis ele deve estar estampando na mente de minha amada. Que teatros de horrores estão sendo apresentados em sua imaginação. “Katherine...”, choro enquanto penso no rosto da minha esposa. Rosto este que começa a se transmutar na forma de uma cabra. As lágrimas escorrem pela minha face. Eu quero olhar pra ela. Ver se ela está bem. Mas eu me recuso a olhar para aqueles olhos. Aqueles malditos olhos vermelhos. Eu sei que eles me observam. Que eles estão arrancando minha alma, devorando minha existência. Neste momento ela deve estar se erguendo da parede, e nesse silêncio funesto se esgueira pelas sombras enquanto leva minha mulher para as trevas de onde veio. Ela deve estar se aproximando. Mais. E mais. Eu chego a sentir uma baforada de calor em meu rosto. Eu não posso acreditar nisso. Outro crepitar. A cabra. Ela está me fitando. Outro crepitar. Eu não aguento mais toda essa pressão. Eu preciso ver se esse braseiro infernal continua vendo minha agonia de indescritível pavor. Outro crepitar. Em meio à lágrimas e terror intenso, eu me viro num lento e arrastado movimento do pescoço. E meus olhos encontram os da cabra. Sim, ela continua me olhando. O tempo todo. Com seus assustadores olhos rubros. Eu me viro novamente, aliviado por ela continuar na parede, sem fazer mal a ninguém. E que Graças aos céus minha mulher está segura, queimando em agonia dentro do braseiro.


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Notas finais do capítulo

sweet dreams.



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