–Agora, sem mais delongas. Vamos festejar – fala Kami sorrindo maliciosamente enquanto caminha em minha direção.

–Aika... – murmura Sora, felizmente está vivo, mas não por muito tempo.

–Kami, seu descarado! Mentiroso! – acuso – Você prometeu! Prometeu que no ia matar Sora!

–Ele quebrou as regras – diz ele segurando meu rosto – Agora, vamos ao que interessa?

Reprimo a vontade de chorar, não posso suportar a ideia de minha única luz sendo apagada e ser forçada a viver com esse deus narcisista nojento. Não quero isso, preciso fugir e ajudar Sora ou tudo estará perdido.

Os olhos consumidores de Kami parecem queimar minha alma fazendo-me gritar por dentro, sua expressão monstruosa e odiável ativa aquela parte de mim dormindo em meu coração, a terrível loucura no fundo dele. O desejo sujo e explosivo que me deixa fora de controle.

–Vermelho... – sussurro já possuída pela loucura.

–O que foi, querida? – pergunta Kami confuso e despreocupado.

–Vermelho... Eu quero vermelho! – berro.

Uma força inacreditável me ajuda a libertar-me das correntes, a sede de sangue é incontrolável.

–Mostre-me! Mostre-me! Como é o sangue dos deuses?! – dou-lhe socos e ele é atirado para trás.

–Isso! Liberte-se! Solte a insanidade presa em seu coração! – Kami ri como se fosse uma brincadeira.

Pego minha lâmina que por algum motivo misterioso está no chão, meus olhos brilham num vermelho vivido, meus desejos selvagens se misturam nos ataques impulsivos que desfiro em Kami. Pra lá e pra cá, tentando feri-lo de todas as formas possíveis, rápida como o vento que ainda sopra a minha volta.

–Ah, você é tão linda desse jeito! – comenta Kami desviando, levando pequenos cortes de quando em quando – É por isso que eu amo você.

–Eu te odeio! – quase perfuro seu peito, mas ele coloca a mão na frente e acabo furando sua mão.

No entanto, Kami sorri sem sentir dor alguma.

Ele chuta meu rosto e dou uma cambalhota para o lado. O deus fica em cima de mim e me beija a força, tento me libertar de seus braços fortes, mas não consigo. O cara não cede mesmo que eu morda seus lábios e começo a ficar apavorada quando ele começa a tirar meu casaco.

A vontade de ver seu sangue vai enfraquecendo e só resta o desespero de estar em seus braços.

Sora grita meu nome fracamente, sua voz parece distante, mas ainda desejo poder alcançá-la.

–Aika! Aika! Eu...não...vou...deixar... – ouço.

Uma estranha energia que transmite paz perdura no ambiente. Kami para de me beijar e olha para trás.

Uma incrível luz azul o atira do outro lado do salão rolando no chão.

Fico chocada ao ver Sora flutuando no ar, brilhando, com um poder imenso em seu corpo.

–Eu não vou deixar nada te acertar Aika! – seus olhos azuis reluzem uma determinação sem igual – Eu amo você! E vou te proteger desses monstros para que um dia possamos viver juntos, felizes e em paz! Suas emoções voltarão e eu não deixarei nada mais machucar seu coração!

Meus batimentos cardíacos estão acelerados demais, não consigo segurar aquela emoção de que o vidro que protege meu coração tenha sido derrubado, ele é frágil demais. E as lágrimas são inevitáveis.

–So-Sora... – soluço chorando incontrolavelmente – Sora eu... Eu te amo!

–Ah! – Kami de repente ataca Sora.

Os dois atravessam a parede quebrando-a de forma inacreditável .

–Sora! – berro temendo que ele tenha morrido. A batida foi tão grande que é quase impossível que alguém sobreviva.

No entanto, ele sobrevive. Kami é empurrado para trás e mesmo com toda essa poeira, consigo ver os dois lutando, a luz incandescente em seus olhos me deixa quase maravilhada.

Ele defende velozmente os ataques de Kami e voa pelo salão desviando dos poderes malucos que ele faz.

Fico tão entorpecida pela luta e preocupada com Sora que quase nem respiro.

Kami tenta feri-lo fora de controle, tomado pela insanidade, como quando lutei contra Youmu. É, nós dois somos parecidos.

Ele voa até Sora desferindo golpes rápidos demais pra assimilar, mas Sora se defende de todos determinado a vencer. Kami começa a ficar com mais raiva, tanta raiva que seus olhos estão vermelhos de algum jeito que me deixa apavorada, é como se ele quisesse sangue tanto quanto eu. Quer ver Sora morrendo, sangrando e implorando por piedade.

De tão maluco que ele está, corta uma das pernas de Sora.

Berro desesperada ao ver o sangue jorrando e meu amor agonizando.

Kami chuta Sora longe e ele sai rolando nos escombros da parece destruída, sua luz azul está enfraquecida.

–Agora não tem mais escolha – Kami ri se aproximando dele – Você acha que pode me vencer? É só um fedelho apaixonado! Você nem sequer deveria existir! Um boneco, um fantasma!

–Pare Kami! – grito tentando desesperadamente me soltar das correntes – Pare, por favor!

–Aika... – murmura Sora, mas é interrompido por um chute no rosto.

–Seu verme! Aika é minha agora! – diz Kami – Vamos dominar este mundo por meio desta catástrofe de desejos, dois deuses invencíveis e logo ela também será corrompida pelo poder. Incrível, não?

–Seu...

Kami finca uma lâmina nas costas de Sora e ele geme.

–Não! – grito impotente – Não, Kami! Não!

–Não se preocupe Aika, logo seremos só nós dois e o poder – fala Kami esfaqueando Sora.

–Pare! Pare! – choro lamentando tudo o que fiz Sora passar – Ah!

“Eu vou viver, Aika” ouço em minha mente a voz dele “Eu vou viver por você”

–Sora...Sora, por favor fique comigo! – imploro detestando as risadas malignas e doentias de Kami, ele precisa morrer.

De repente os vidros são quebrados e uma silhueta conhecida aterrissa de mau jeito no chão do salão.

–Droga! – pragueja se levantando e ajeitando os trajes – Sua casa não poderia ser mais próxima do chão, Kami? E por que não tem uma porta? Por onde, diabos, você entra?!

–Gekkou... – Kami se vira – Há quanto tempo?

–Há quanto tempo, seu traidor – Gekkou se arma – Saudades?

–De te matar? Muita! – responde o deus – Será que você nunca desiste? Precisa morrer mais cem vezes para deixar esse desejo absurdo para trás?

–Sempre arrogante e prepotente, não é? Vamos ver quem morre desta vez – Gekkou ataca Kami.

–Vai ser um prazer matá-lo de novo...amigo – diz ele repelindo o golpe e tentando feri-lo.

Mais uma luta e Sora continua lá no chão sangrando com a morte se aproximando lentamente, quero ajudá-lo, mas não sei o que fazer. As correntes são fortes demais.

Gekkou em combustão golpeia Kami rapidamente tentando machucá-lo diversas vezes fracassadas, o deus é certamente mais forte e o fere bastante. Concentro-me nas correntes que me prendem para me libertar pensando apenas em meu objetivo: salvar Sora. Pergunto-me como farei isso, mas tenho de me soltar de qualquer forma. Pelo menos Kami está ocupado com Gekkou.

Um dia Sora foi aquele que me deixou feliz e tudo era um paraíso, então tudo ficou cinzento, triste e doloroso. Não quero que isso aconteça novamente, não agora que consegui recuperar minhas emoções e seria horrível viver com Kami pra sempre.

Não adianta pensar em sangue, não é? Mas vermelho também é a cor de um sentimento lindo, uma emoção nostálgica, amável e traiçoeira. Agora que voltei a senti-la devo transformá-la em algo bom e apagar os desejos egoístas de minha mente. Vermelho também é a cor do coração, é minha cor favorita.

A cor do amor.

Algo estranho me faz sorrir, não algo ruim, mas as memórias boas e felizes que eu guardava nas profundezas de meu coração. As lembranças de quando meu paraíso infantil era real e isso me faz derramar tantas lágrimas, mesmo agora. O tempo mudou meus pensamentos, mas Sora continua o céu em que eu gostaria de voar. Quando será que criarei asas para alcançá-lo? Ainda quero voar no meu céu, ainda quero ver o azul de seu olhar, ainda quero amá-lo.

Um poder incrivelmente brilhante me rodeia até que eu me liberta das correntes e a antiga felicidade me dá vontade de cantar e dançar.

Ajoelho-me na frente do corpo inconsciente de Sora, não vou deixá-lo morrer.

–Eu te amo, Sora – deito-me ao seu lado e o puxo para um beijo, um beijo verdadeiro e cheio de amor.

Agarro-me a ele na esperança de que ele se cure com esse ato de amor, mas não é somente o sentimento vermelho, também há algo especial por trás de tudo isso. Talvez uma magia escarlate e, por incrível que pareça, uma coisa boa.

Então Sora me envolve com seus braços e retribui o beijo ainda com gosto de sangue. Sabia que ele não morreria.

E depois de tanto errar na cor avermelhada finalmente sei que é muito melhor crer que é a cor do amor que sinto e esquecer a escuridão sanguinária que rouba a felicidade. Deixarei essa vingança cega para trás, não quero matar mais ninguém.

Vermelho é a cor da vida, é a cor da minha alma.