Abro os olhos e estou novamente na vida real, Sora me sacode assustado por algo, Gekkou não está mais aqui. Me pergunto se tudo aquilo foi um sonho ruim ou falei mesmo com Kami. Aquele Kami? O que me concedeu o desejo? Não tenho certeza, mas foi muito estranho.

–Sora, você está bem? O que houve? – pergunto confusa.

–Estou bem, de algum jeito. Depois que aquele cara te beijou você desmaiou e... – algo explode repentinamente e o interrompe.

Só sei que foi por perto e somos arrastados pelo vento, rolamos pelo chão tossindo pela fumaça.

–Esse lugar está uma loucura! – comenta Sora – Vamos para algum lugar mais seguro!

Corremos pelas ruas tentando evitar ao máximo as pessoas descontroladas, a maioria pede dinheiro, fama, poder. Mas esses são derrubados por delinquentes maníacos que os matam ou pior. Não deve ser tão horrível morrer comparado a morrer e estar vivo, deixe-me explicar: quem pede para ser imortal ainda pode morrer, mas seu espírito fica preso ao corpo deixando-o numa agonia horrível. Como o que aconteceu com aquela mulher que levou tiros antes.

Tolos.

Humanos covardes e tolos. Não pensaram que haveria consequências... Belos idiotas!

“O desejo foi seu” ouço Kami.

–Mas Você gostou – murmuro risonha.

–O que foi Aika? – indaga Sora.

–N-nada.

No fundo eu nem quero derrotar Kami, Ele concedeu meu desejo, a humanidade bem que mereceu. Mas se Kami for Gekkou, então quero derrotá-lo, aquele cara desprezível...

O rosto de Sora está pálido, ele ofega e parece apavorado com algo. Preocupada de alguma forma, questiono:

–Que foi? Você não parece bem. O que aconteceu? – tento parecer preocupada, às vezes, ou sempre, pareço fria demais.

–Estou bem – mente ele, o medo e o nervosismo estão estampados em seu rosto.

–Vamos, diga. Há algo errado – percebo.

–É que – Sora se entristece – Eu queria que você...voltasse.

–Por que eu não tenho sentimentos, não é? – suponho.

–Eu sei que não é culpa sua, mas queria ver seu sorriso novamente.

–Sora – digo – Não desejo. Não peça isso a Kami, pode ter consequências.

–Eu sei.

Sinto pena dele, não tem culpa por querer que eu volte a ser como antes. Eu era tão adorável, feliz e sonhadora. Uma criança gentil que via o bem na pior das criaturas. Agora sou justamente o contrário, entendo porquê ele sente saudades daquela antiga Aika, mas não pode pedir isso à Kami.

Abraço-o lentamente para reconfortá-lo e peço desculpas meio frias, mas Sora sorri, quero retribuir esse sorriso. Os meus sorrisos são tão falsos, no entanto, sorrio. Sinto algo de fato, uma estranha chama incandescente nasce em meu coração e o faz bater mais rápido. Isso é alegria?

Um disparo ao longe é ouvido e me sobressalto ao receber uma bala na cabeça. Uma lâmina atravessa meu estômago entrando por minhas costas, depois outra e mais outra. Sora grita meu nome e pragueja se armando.

As lâminas são retiradas de mim bruscamente e caio no chão tossindo sangue.

Sora ataca a pessoa atrás de mim, ouço o som das lâminas se chocando. As feridas em mim se curam, pego a antiga lâmina de Gekkou e desfiro um golpe cego e impulsivo na direção dos dois lutando. Sora felizmente desvia, a pessoa que é provavelmente nosso inimigo se defende. Arreglo os olhos ao ver... eu mesma.

Levo um chute na barriga e uma cotovelada no peito, tento não cair no chão e uma das lâminas da “outra eu” perfura um olho meu. Berro de dor com aquilo em minhas pálpebras. Um encontrão me faz cair com uma lâmina afundada em meu peito. Abro o olho cheio de lágrimas e sangue, já melhorou, mas foi muito horrível.

Sora tenta acertar a garota idêntica a mim, mas ela desvia tão rápido quanto a luz.

Logo o derruba e lhe dá um soco, a raiva me toma e tento socá-la impetuosamente. Ela segura meu punho e torce meu braço bruscamente, sinto-o quebrar confusa com o acontecimento e levo um soco no queixo. Ela me derruba também.

–Pare! – berra Sora.

A garota para e sorri como eu nunca faria, solta gargalhadas e de repente não se parece mais comigo. É uma garota de cabelos rosa curtos, suas roupas vulgares me deixam desconfortável de forma estranha. Tenho raiva dela, uma raiva não tão forte já que não tenho emoções concretas, mas o suficiente para querer bater nela.

–Ei! Quem é você?! Por que se parecia comigo?! E por que nos feriu?! – pergunto rispidamente.

–Precisava ver sua cara garota! – ela não para de rir – Não acredito que vocês são tão péssimos guerreiros! Como pretendem acabar com toda essa loucura?

–Quem é você? – Sora repete minha pergunta.

–Youmu, Tobidachi Youmu – responde – Não se preocupem, não vim aqui pra feri-los.

–Então por que lutou conosco?! – indago indignada.

–Só queria assustar vocês um pouco yo! – Youmu faz uma pose.

Meu ódio por ela aumenta ainda mais, o jeito dela de falar, aquelas roupas, aquela expressão despreocupada. São detestáveis!

–Só veio aqui nos incomodar?! Pois é, deu certo! Agora adeus! – digo impaciente.

–Mas eu não vim só por diversão, quer dizer, vou ajudar yo! E me divertir um pouco também yo! – fala Youmu.

Meu sangue ferve até que ouço em meus ouvidos:

– Você não pode escapar, erro seu ter me chamado de monstro àquela hora, você é igual. Pagará por suas ações. Afinal, todo desejo tem um preço.

A voz é de Gekkou, gelo ao ouvi-la.

–Você é Kami? – questiono sentindo suas mãos gélidas em meus braços, paralisada com medo de seu toque.

–Digamos que sim – recebo como resposta – Não deixarei barato, Aika.

Tudo treme como se estivesse ocorrendo um terremoto, não sinto mais Gekkou. Grito para Sora, mas ele está muito desorientado ao lado de Youmu pra ouvir. Solto outro berro, mas de raiva. Tudo o que vejo é a luz sendo engolida pela escuridão enquanto caio para dentro do solo.

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Abro os olhos e tento me sentar na cama fofa em que me encontro, algo metálico e frio prende meus pulsos e meus tornozelos, impedindo que eu levante. Praguejo sem dar muita importância, estou em um quarto escuro. Gekkou aparece das sombras e fico inquieta. O que esse maldito pensa que está fazendo?!

–Acho que você deveria sentir raiva de outra pessoa, não é? – fala ele sorrindo maliciosamente.

–Que outra pessoa poderia ser pior que você?! Desgraçado! Me solte! – ordeno irritada.

–E o... Sora? – pergunta Gekkou misterioso.

Arregalo os olhos ao pensar que ele pode tê-lo seqüestrado também, nada pode me assustar mais que perder Sora de novo.

–O que você fez com ele?! Onde ele está?!

–Eu não fiz nada, foi ele quem fez – diz Gekkou andando lentamente.

–Como assim?! Sora não fez nada! – discordo.

–Tem certeza? Olha só o que acontecia enquanto você estava inconsciente – Gekkou liga uma televisão.

Perco o fôlego, fico tonta. Não posso acreditar no que estou vendo: Sora beija Youmu no vídeo, a beija apaixonadamente como nunca me beijará, os dois se agarram no próprio chão desconfortável. Meu coração pulsa mais rápido do que eu gostaria, começo a queimar em ódio. Não tenho tempo de pensar que talvez minhas emoções tenham voltado, o ódio por aquela garota é grande demais e me cega, só consigo ver a porta da vingança sanguinária que imagino em minha mente que de repente se tornou insana.

Meu cérebro só consegue pensar no corpo daquela desgraçada ensanguentado e sem vida. As armas perfeitas para matá-la estão bem ali, no quarto de Gekkou, e ninguém me impedirá de pegá-las.

Uma força inacreditável me faz libertar-me das correntes que me prendem e num instante estou armada e sei, de alguma forma, que ela está aqui. Corro pelos corredores daquele lugar desconhecido como uma raposa perseguindo a presa, o desejo só aumenta a chama do ódio. Ciúmes é um sentimento enlouquecedor, não? Detestável armadilha do amor. No entanto, faz meus olhos brilharem. Como será que é a sensação de matar alguém? Talvez eu descubra daqui a pouco.

Aquele rosto repugnante faz meus olhos se dilatarem, nem me preocupo em ser sutil, quero ver de que cor é o sangue desse demônio. Abro um largo sorriso e parto para o ataque imaginando a linda e sádica cena.

–Vadia! – a golpeio tão rápido e forte que somos empurradas para a parede, mas Youmu se defende – Sua desgraçada! Infeliz!

A chuto com uma velocidade e força impressionante, Youmu dá uma cambalhota no chão antes de parar ajoelhada desnorteada. Tento feri-la de novo, mas não consigo, pois ela desvia e corta um pouco minha perna antes de ficar em pé. Não caio no chão com um corte tão insignificante, estou mais poderosa, mas veloz, mais selvagem e sedenta.

–Aika... – começa ela a falar, mas não a deixo terminar.

A ataco, ela defende. Piso em seu pé e quase acerto seu rosto, se Youmu não tivesse movido a cabeça alguns centímetros para o lado, teria perdido mais que um punhado de cabelo.

–Aika, eu posso explicar! – fala ela.

–Não explique nada! Desapareça! – chuto seu rosto.

E quase a perfuro, Youmu tenta desviar a lâmina de seu peito e machuco sua perna. Ela solta um gemido de dor e tenta me golpear, desvio e soco suas costas. Youmu sai rolando. Faço uma acrobacia e pulo por cima dela afundando minha lâmina em sua barriga exposta. Ela grita e eu rio. É como se meu corpo estivesse sendo controlado, mas esse choque de emoções maléficas me faz sorrir e gosto disso.

Youmu chuta minhas pernas o mais forte que consegue e eu caio, ela tenta me ferir ficando em cima de mm. Dou uma cambalhota para trás e a empurro pra longe com o pé. Youmu está fraca, mas se levanta persistente. Nós duas investimos colidindo bruscamente. Rodopio rapidamente e finco minha lâmina em seu pescoço. Youmu berra e lhe dou uma cotovelada, sangue sai de sua boca.

Preparo-me para o golpe final com ela choramingando pateticamente. Meus olhos brilham quando ergo a lâmina para àquela sensação de poder infinito que é matar. Não existe nada além de nós duas aqui e depois...serei uma deusa.

Não consigo ouvir nada além das batidas aceleradas de meu coração, mas há alguém vindo. Não importa quem seja, agora é meu momento de glória.

Abaixo o braço com o sorriso sádico ainda intacto, o sangue espirra sobre meu corpo fortalecido misteriosamente. Isso é sujo, não é? Mas é lindo! Brilha!

Os grunhidos de agonia me tiram do torpor e finalmente consigo ver o preço do desejo estragado que tive agora pouco. Maldita armadilha de Gekkou! Armadilha detestável do amor!

A lâmina cai de minhas mãos e caio de joelho no chão, em choque.

–So...SORA!