Um Estudo em Fanfictions escrita por Mrs Neko


Capítulo 6
6. Canção Sem Palavras


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo foi graciosamente iluminado e betado pela linda e diva James Martin Cumberbatch. Muito obrigada, sua fofa!

(Sim, pois foi ela que me sugeriu esta bela música [https://youtu.be/0R-FGchhwLw] que pertence à banda Extreme e à A&M Records.)

Obrigada também à Amy Pond pelo acompanhamento; à FaFaVe pelo acompanhamento e pelo like; e aos maravilhosos leitores do FF.net que se apresentam sob os nomes dos personagens da série, mas que por não terem contas, não me dão a oportunidade de responder seus reviews.

Para a turma do Nyah!: Caso o site torne a entrar em manutenção (é uma necessidade, afinal), esta fic está disponível nas minhas contas em outras duas fan-mídias:

FF.net: https://www.fanfiction.net/s/11414151/1/Um-Estudo-em-Fanfictions

E AO3: http://archiveofourown.org/works/4457171/chapters/10127213

Antes de prosseguir, gostaria de lembrar aos leitores em potencial, principalmente à turma do FF.net, que "Um Estudo em Fanfictions" é uma série de one-shots independentes, ou seja, não existe nenhum tipo de cronologia, lógica ou continuação entre os capítulos, a menos que isto venha escrito como aviso nas notas iniciais de algum deles. Portanto, por favor não se espante se seu shipping passar eras a fio no clima de "chove-não-molha", ou de repente aparecer como se já tivesse décadas de relação; ou se personagens julgados como superados, desaparecidos, mortos e enterrados, por exemplo Soo Lin Yao, Mary Watson, Moriarty ou o taxista do capeta, reaparecerem e contarem coisas inéditas, inesperadas e íntimas de suas vidas.

Para provar isto de uma vez por todas, vou dar uma de Dr. Who e dar um pontapé na lógica temporal. Este capítulo se passa na era vitoriana, com a arrogante pretensão de ter o clima do especial que talvez a BBC, Moffat (the Devil), Mark Gatiss (imo), sua competentíssima staff e seu grande elenco estejam preparando. Então, por favor, imagine os personagens todos caracterizados com roupas e posturas de época, mais ou menos como nesta imagem delícia, [http://i.imgur.com/yl9kmHc.jpg]
que quase foi a capa desta fic, e cujos créditos vão para o blog Sherlock Brasil e o Twitter oficial da série.

Por favor me desculpe por este quilômetro de notas. Vamos à história propriamente dita?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/635398/chapter/6






O doutor Watson sentou-se confortavelmente à poltrona felpuda da sala de estar, bem munido de almofadas, mantas mornas, vários lápis, e com o volumoso caderno no colo. Muitas de suas histórias de suspense e mistério, ainda mais envolventes e sensacionais por terem sido protagonizadas por pessoas verdadeiras, nasciam de rascunhos rabiscados no seu simplório caderno amarelado, antes do sucesso nos folhetins de jornal.



Seu exótico astro particular, além do material inacreditável dos seus contos, também lhe ofereceu uma excelente máquina de escrever, um modelo Remington, evidência de um caso, material de experiência forense e argumento para um artigo. O soldado recusou a oferta. Preferia enroscar-se na cama, ou em sua poltrona favorita, em alguma posição aconchegante e bem prejudicial à coluna, para se concentrar e escrever com os lápis, sem risco de se sujar de tinta [1], ou perder o foco de alguma narrativa em busca das minúsculas e rígidas letras no teclado.



E sua caligrafia sinuosa e irregular, com a característica que a tornava totalmente ilegível para quaisquer outros profissionais que não os ordenanças e ajudantes da Força Médica do Exército de Sua Majestade; ou os farmacêuticos de St. Barts, não era um obstáculo para o companheiro de apartamento, nas raras ocasiões em que ele estava interessado em folhear, criticar, julgar e condenar todos os seus escritos.



Sherlock Holmes era um homem sábio e brilhante, mas não tinha a mínima noção de atos de gentileza e respeito à privacidade do amigo com quem dividia a casa.



Não importava que a indiferença daquele homem em relação à boa educação e ao bom senso o enlouquecesse, Watson ainda queria escrever sobre ele, sobre como ele mudou sua vida, e certamente a de inúmeras pessoas. Queria escrever sobre como ele trazia luz aos mistérios, justiça aos malfeitores, e em ocasiões inesperadas, bondade a pessoas aflitas. Queria desfrutar ao máximo do prazer de anunciar e provar ao mundo que seu companheiro não era uma máquina.



Queria dizer a si mesmo que descobriu isto porque o amava.



Queria escrever sobre as ciladas estonteantes do destino, e as pessoas fascinantes e misteriosas que conseguiram derrotá-lo; mesmo que fossem relatos desagradáveis, histórias sem final, problemas sem solução, caminhadas infrutíferas e infelizes em labirintos infinitos; porque assim era mais fácil ter empatia com a decepção do amigo, era mais fácil confortá-lo, sentir os tranquilos sentimentos dele, aquela curiosidade que oscilava entre a ingenuidade infantil e a morbidez de um cientista maluco, como se o mundo fosse um grande campo de experimentos.



Sim, oferecer empatia era a melhor maneira de sufocar os próprios sentimentos, baixos, indecentes, indignos da generosidade que Sherlock tivera, de dividir com ele tudo o que tinha, e mais ainda, tudo o que mais gostava: sua casa, seus defeitos, seus segredos, sua profissão e suas aventuras. [2]



Watson jamais deveria se atrever a amá-lo como mais que um amigo. Porém, quando seu coração transbordava com aquele sentimento, quando as palavras estavam quase a ponto de jorrar de sua boca como um gêiser, ele procurava um momento de distração solitária e confortável, e escrevia. O papel sempre seria um confidente silencioso e compreensivo.



A aventura com Irene Adler, por exemplo. A impossibilidade de publicar o texto não incomodava o médico-escritor, zeloso do sigilo necessário ao rei da Boêmia. No entanto, o detetive julgara a fotografia da Mulher mais valiosa que ouro, jóias, dinheiro, ou até mesmo uma das províncias do reino que o imprudente monarca ofereceu como pagamento pela solução daquele caso.



A atividade de escrever, extravasar sobre o acontecido, contar o que devia permanecer em segredo, perdeu o usual conforto, transformado numa sensação amarga e sufocante, que o ex-soldado se recusava a chamar de ciúme.



Afinal, quem sentiria ciúme e possessão pelo que jamais estaria ao seu alcance?



Era apenas ânsia pela segurança e bem-estar do parceiro, algo natural numa amizade de tantos anos, uma dádiva inestimável em sua vida solitária, a vida absolutamente comum e sem perspectivas de um desastrado e preguiçoso soldado viúvo.



Ele seria eternamente grato por desfrutar daquele puro e reconfortante sentimento de companheirismo e proteção. E ainda mais agradecido por saber que era recíproco. Valia a pena ferir-se, expor-se a muito mais perigo do que dois tiros de raspão, para admirar o grande coração que existia por trás do grande cérebro [3], e saborear, naqueles maravilhosos olhos multicores, a sinceridade do amor puro e fiel que seu amigo era capaz.



"O senhor teve mais sorte do que merece. Se tivesse matado meu Watson, não sairia vivo deste aposento." [3]



Sim, era muito melhor tentar acalmar o medo que tornava os olhos de cinzentos e azuis mesclados tempestuosos de pavor; do que distrair-se, perdido, na observação obsessiva daquela boca fina, tão maravilhosamente esculpida, trêmula e vulnerável, que matava o pobre médico com uma vontade irresistível de beijá-la, até que ambos perdessem o fôlego.



Certamente o esconderijo de um falsificador, habitado por um homicida armado e perigoso, não era o cenário ideal para realizar uma fantasia amorosa impossível.



Escondido atrás do caderno, com os rascunhos já esquecidos, o rapaz de cabelos loiro-acinzentados concluiu, em silêncio, que o amplo e confortável sofá de couro era uma moldura muito melhor para seus sonhos; onde Sherlock Holmes, trajado com o robe-de-chambre ao invés da usual combinação elegante de terno e sobretudo, esparramado como um gato preguiçoso, brincava distraidamente com seu violino, com aquele pequeno e quase imperceptível sorriso nos lábios finos que matavam o observador de desejo.



E quando aquelas gotas de prata, reluzentes de tranquilidade e gentileza, encontraram os olhos verde-escuros do pequeno ex-combatente, o som quase irreal do instrumento espalhou-se pela casa, como um perfume.



Ah, Lieder. [4]



O felino moreno sempre tocava uma passagem das Canções Sem Palavras, que estavam entre as músicas prediletas do amigo. Era um pequeno gesto para compensar a paciência do bondoso ouvinte com solos tortuosos e antimusicais em praticamente todas as vigílias da madrugada.


Num raro momento de distração, antes de, exasperado com a ausência de casos, ser tomado pelo tédio, e tornar-se insuportavelmente destrutivo e imaturo, Holmes tentava desanuviar a expressão infeliz do amigo, que se encolhia em tanta opressão como se estivesse sufocado por uma carga pesada, ao invés de aconchegado em sua poltrona favorita. Ele era seu protetor, seu porto seguro. Era a pessoa mais preciosa de sua vida, e ele tentaria, com prazer, um pequeno gesto para agradá-lo e fazê-lo feliz.



Watson suspirou para os sons suaves que enchiam e acalmavam seu corpo e sua alma. Não havia percebido que seus pensamentos o levaram ao ato involuntário de curvar o corpo tenso, enrolando-se todo, como uma bola. Não percebeu, até desfazer lentamente a posição desconfortável do tronco e dos membros, que com um gesto sem palavras, uma canção sem palavras, com aquele contato etéreo, mais íntimo que o físico, seu amigo desfez todos os nós de tensão que lhe maltratavam o corpo e a alma.



Apenas um movimento, belo e mudo, e aquele homem misterioso, magnífico, quase irreal, descobria tudo que houvesse de oculto na alma das pessoas. Através da leitura do que ele próprio chamara uma vez, livro da vida, era perigosamente claro que o arguto detetive havia lido, na linguagem sem palavras do corpo, na voz, nos olhos, janelas da alma, o amor impossível, irracional e proibido que o médico nutria.



Embora o detetive mantivesse a usual expressão de tranquilidade inabalável, seus olhos multicores não escondiam uma luz tempestuosa e quase perversa, que parecia dissecar o pequeno companheiro.



Nenhum outro olho, em nenhum mundo em potencial de existir, seria capaz de submetê-lo a um escrutínio tão detalhado e implacável, capaz de deixá-lo mais constrangido do que se estivesse nu. Mesmo assim, tudo que o bondoso doutor fez foi render-se, olhar fixamente para aqueles orbes de prata, janelas da alma fantástica pela qual ele havia se apaixonado, que lhe comunicavam sem palavras que seu amor era recíproco.



Tudo que o pequeno loiro conseguiu fazer foi devolver o olhar direto e intenso para aqueles fantásticos globos de prata, deixar-se render, submisso, à contradição maravilhosa em sua vida, que era o homem que ele amava.



Ele podia não ser um mestre na Ciência da Dedução, mas conseguia, por alguma causa misteriosa, estabelecer uma comunicação íntima e silenciosa com aquele homem. Juntos eles tinha seu santuário, uma bolha de paz formada pela aura transparente do som do violino, apenas os dois amantes, e a consciência silenciosa, através do milagre da canção sem palavras. Apenas som, sentimento, e a aceitação mútua do amor entre eles. Não importava que a prisão, a dor ou a morte quisessem, algum dia, separá-los. Então, enquanto pudesse, queria ter o amado em seus braços. Levantou-se e seus braços ficaram estendidos, num momento congelado no tempo, o corpo parado no ato suspenso de fazer o que a alma pedia.



Tão proibido. Tão próximo. Tão certo.



Sherlock rendeu-se à honestidade daqueles olhos escuros, enormes e irresistíveis.



Adoração.



Paixão.



Amor.



Sinceridade, luminosa como a vida nos fantásticos olhos do seu Watson, luminares meigos e paternais, que a luz rarefeita das velas transformava, da usual cor de avelã para o azul sombrio da meia-noite.



E sem palavras, ele também se deixou render. Largou o violino sobre a mesa de centro e, ato contínuo, abraçou o corpo pequeno, desejável e gracioso, que se encaixou contra o seu com o calor aconchegante da casa que dividiam há tantos anos, e o beijo tinha a leveza espontânea e o sabor irresistível da rendição do seu adorado, melhor do que ele sempre sonhou.



Melhor do que qualquer palavra no universo poderia descrever.



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Notas finais do capítulo

1. Se você não está interessada em pormenores inexatos de reconstituição histórica, nem no meu belo e chato estágio de Paleografia, sinta-se à vontade pra pular esta nota. As canetas-tinteiro, avós das nossas queridas canetas esferográficas, eram muito mais estáveis que suas antecedentes de pena, mas ainda vazavam facilmente, e se a gente tenta recuperar e ler documentos diretamente dos séculos XVIII-XIX, onde o papel não se esfarela pela composição química ácida, não tem como ler nada, porque essa bela tinta (ferrogálica) oxida e consome tudo! Você não imagina a habilidade ninja que essa galera de antigamente tinha pra escrever aquelas letras todas bordadas!!


2. A homossexualidade era crime, punido com a prisão, na Inglaterra vitoriana. Não é impossível que Conan Doyle tenha escrito, sobre a amizade profunda e quase dubiamente amorosa, dos nossos queridos Holmes e Watson, como uma forma de desprezar seu personagem mais famoso, que ele próprio considerava, desgostoso, como literatura de última classe. Ainda bem que o tiro saiu pela culatra!!


3. Estas são as palavras que Sir Arthur coloca na boca do meigo dr. Watson, para descrever a reação de Sherlock após James Winter tentar matar o médico fofinho; e a resposta do detetive genial, após certificar-se que seu precioso soldadinho corajoso estava bem, e dar uma bela surra no desventurado assassino. Estão no conto Os Três Garridebs, graciosamente traduzido por este blog: https://mundosherlock.wordpress.com/canon_e/arthur-conan-doyle-historias-de-sherlock-holmes-1927/os-tres-garridebs/


4. Canções sem Palavras [Lieder Ohne Worte] é uma série de mais de 100 canções, composta pelo músico alemão Felix Mendelssohn, no século XIX. Logo em Um Estudo em Vermelho, o simpático dr. Watson conta que, para recompensá-lo por sua paciência após presenciar, por horas e horas, como um certo detetive-consultor transforma um Stradivarius num instrumento de tortura sonora, Sherlock Holmes gosta de tocar pedacinhos dessas músicas, para agradar o amigo - e note que eles acabaram de se conhecer! Aqui tem um trechinho, num dueto de piano e violino: https://www.youtube.com/watch?v=nEealgOO3ik


5. Sim, ao invés de pesquisar para meus trabalhos da faculdade, faço pesquisa para fanfictions!! Então já que provavelmente, depois de contemplar o esforço deste capítulo longo e chato,você acabou de me dar uma bela banana e uma sacudida de ombros, que tal um comentário?



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