Um Estudo em Fanfictions escrita por Mrs Neko


Capítulo 5
5. One of Us


Notas iniciais do capítulo

Na verdade, era para este song-chapter ser o capítulo 4, mas morri de tanto tentar polir e corrigir o texto, sem sucesso, e foi assim que a Mary passou na frente do Governo Britânico (mas só dessa vez, xD). Como disse, tentei polir e corrigir sem sucesso, então quaisquer erros de ortografia e chatice são inteiramente culpa minha. Se alguma alma caridosa com saudades da série estiver a fim de ser beta de uma Neko pirada e chocólatra, podemos resolver tudo com alguma conversinha agradável e (des)elegante! ;3

Esta música é super triste, mas me faz sentir tão nostálgica! Aqui estão lencinhos, abraços, e o áudio para entrarmos todos no clima: http://letras.mus.br/joan-osborne/29618/traducao.html.


[Aviso de Conteúdo/ Trigger Warning]: Contém alusões a uso de drogas.



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Era apenas uma seringa, apenas um experimento como qualquer outro.



Ele já o repetiu quase até a inifinidade e conhece, em minúcias de detalhes, todos os efeitos e consequências.



Como qualquer profissional de Química, ele sabe perfeitamente que estas consequências são apenas a busca de equilíbrio entre ácidos e bases, sem nada de sentimental ou místico. Por outro lado, ele está perfeitamente consciente, assim como do próprio cérebro hiperativo, da própria existência defeituosa, dos próprios sentimentos, sensações, que explodem, entram em curto-circuito, no contato com as substâncias.



A sensação amarga e dolorida, quando o efeito se desvanece, é um pouco pior do que o inferno onde ele se resignou a viver desde há alguns anos.



Oh, one of these nights at about twelve o'clock
This whole earth is gonna reel and rock
Saints will tremble and cry for pain
For the lord's gonna come in his heavenly airplane


Oh, uma noites destas, por volta de meia noite
Esta terra inteira vai se recolher e chacoalhar
Os santos vão tremer e chorar de dor
Pois o Senhor vai chegar em seu avião celestial



Talvez Céu e Inferno sejam apenas duas faces diferentes de uma mesma divindade.



Talvez o Inferno seja simplesmente o Céu visto de outro ângulo. [1]



E ele certamente foi banido para o lugar com a pior vista do pior ângulo do Paraíso, e a Divindade, em pessoa, veio repreendê-lo, ostentar a sua perfeição magnífica, jogar a sua sabedoria infalível contra ele, um simples andarilho sujo e viciado.



If God had a name, what would it be?
And would you call it to his face
If you were faced with him in all his glory?
What would you ask if you had just one question?


Se Deus tivesse um nome, qual seria?
E você o diria diante dele
Se estivesse cara a cara com ele em toda a sua glória?
O que você perguntaria, se pudesse fazer só uma pergunta?



Aquela pessoa aparecia, novamente, diante de sua derrota, solidão e amargura, para esfregar em seu rosto o fracasso na tentativa de ser autossuficiente e perfeito como aquele que, desde quando conseguia se lembrar, era um deus, um titã, a melhor referência do Universo. O homem que o ensinou a pensar, que lhe deu escudos invulneráveis e armas perfeitas, com as quais ele também poderia derrotar pessoas, países, mundos inteiros.



Poderia, se não fosse igual às outras pessoas, incapaz de se livrar dos sentimentos, fraquezas irracionais. Poderia, se não fosse um tolo, lerdo e inútil defeito químico vivo ambulante.



Mas era o seu deus pessoal que tinha uma pergunta para o devoto impenitente.



– Como você pôde voltar ao vício, Sherlock?



E já que ele era um defeito além de qualquer possibilidade de conserto ou solução, um covarde incapaz de abacar com a própria vida solitária e sem objetivo, simplesmente transformaria a inútil falsa piedade de seu irmão mais velho, seu tormento divino particular, numa agressão de arrogância juvenil, e com alguma sorte, conseguiria mandá-lo embora.



– Por que diabos você veio aqui? Não sabe que não preciso de você? Não preciso de ninguém!!



– Nem mesmo de mais cocaína... Ou talvez da própria vida?



If God had a face, what would it look like?
And would you want to see
If seeing mean that you would have to believe
In things like heaven and Jesus and the saints
And all the prophets?


Se Deus tivesse um rosto, como seria?
E você quereria vê-lo
Se ver significasse que você teria que crer
Em coisas como o céu, Jesus e os santos
E todos os profetas?



Sherlock não conseguia acreditar em mais nada. Nem em si mesmo. Nem na própria morte, que se recusava a chegar, não importava a quantas overdoses ele submetesse seu coração, mais amargo, solitário e viciado como o próprio dono.



Toda a sabedoria da química não podia salvá-lo. Seu irmão, que crescera para se tornar quase uma divindade, não podia salvá-lo. Ele não queria, tampouco precisava, de qualquer coisa remotamente parecida com a salvação.



Talvez a capacidade máxima de um Palácio Mental fosse unicamente a proteção do dono. Ele e seu deus particular conheciam perfeitamente a história e os detalhes da redoma impenetrável que Mycroft construíra à própria volta.



What if God was one of us?
Just a slob like one of us
Just a stranger on the bus
Trying to make his way home
Like a holy rolling stone
Back up to heaven all alone
Just trying to make his way home
Nobody call him on the phone
'Cept for the pope, maybe, in Rome


E se Deus fosse um de nós?
Apenas um desajeitado como um de nós
Apenas um estranho no ônibus
Tentando ir pra casa
Como um andarilho sagrado
De volta para o céu sozinho
Apenas tentando ir pra casa
Ninguém telefona pra ele
Exceto, talvez, o papa, em Roma



Já se fora, muito distante, perdido em pó e memórias voluntariamente esquecidas, a época em que o titereiro sombrio parecia remotamente vivo, humano.



Seu irmão, que lutava sem necessidade contra o peso, as sardas, as rejeições amorosas. Aquele que apanhava dos pais, quando eles apareciam, no lugar do menor. Que lhe trouxe Redbeard. Que o ensinou a arte da Dedução. Que, com uma única brincadeira, era capaz de punir, ensinar, ou simplesmente diverti-lo, como ninguém. Que ficava ao lado dele sempre que estava doente. Que nunca reclamava da sopa medonha que ele fazia, no desespero de ajudar seu herói particular, que convalescia de febre ou gripe forte numa cama, a curar-se mais rápido.



O caçula desejava crescer depressa para ser igual ao seu titã particular, para ter a força e a sabedoria do seu irmão-herói, para poder devolver ao menos um pouco da proteção e amor com que ele o presenteava todos os dias.



Alto, forte, sábio e elegante, seu irmão segundo as conveniências de etiqueta, seu pai na realidade diária da vida privada, longe dos elegantes pais eternamente ocupados e ausentes.



E Sherlock, a despeito de todas as suas fraquezas, era um lógico, um cientista. Perdera sua imaginação na infância, depois que os livros de histórias de Piratas se tornaram provas medonhas da morte de Redbeard.



Não havia mais nenhum conforto no imaginário, no místico, no emotivo. A dor da perda do amigo de infância fez o garoto Holmes trancar, na estrutura do seu Palácio Mental em construção, qualquer porta capaz de levá-lo ao mundo na irrealidade, contrário à lógica.



De fato, ele nunca foi muito habilidoso em tentar comunicar-se com o sobrenatural, e depois desse trauma, pretendia jamais repetir a experiência.



Mesmo que o sobrenatural aparecesse na figura sólida e onipotente do irmão, cujos olhos cinzentos perdiam o usual brilho predador, apagados na agonia impossível da ânsia de salvá-lo.



Nem mesmo o deus específico de sua vida era capaz de manipular o tempo e fazer com que ambos se esquecessem de que era tarde demais para impedir que o jovem felino caísse, de cabeça, àquele precipício sem fundo de vício, ânsia, agonia e tortura autoinfligida.



Não importava que Mycroft ignorasse as palavras e gestos rudes com que o mais novo tentava expulsá-lo, não importava que ele ficasse ali o dia inteiro, com seus divinos escudos de gelo partidos em milhares de estilhaços, superfícies claras, reflexos visíveis de derrota, como os magníficos olhos verde-acinzentados, nublados de desesperança.



O primogênito subira ao paraíso, o caçula descera ao limbo.



Ambos deixaram, há muito, a condição de humanos.



Talvez, na morte, após algumas poucas overdoses, pudessem se encontrar, conversar, conviver, de igual para igual.



Tudo que Sherlock precisava fazer era tentar exercitar um pouco de paciência - algo relativamente fácil para sua vontade infinitamente mais forte que seu corpo - , e assim que o Governo Britânico deixasse seu flat miserável, preparar a outra dose escondida debaixo do colchão.



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Notas finais do capítulo

1. Umberto Eco coloca estas palavras na boca de William de Baskerville, um Sherlock Holmes do século XIV com uma batina franciscana, graciosamente interpretado por Sean Connery na versão em filme de "O Nome da Rosa". Se você ler o livro, vai rachar o bico com a semelhança na descrição do frade William por Adso de Melk, apesar dos quase 500 anos de distância, super parecida com o desenho em palavras de Sherlock Holmes, feito pelo simpático Dr. Watson em "Um Estudo em Vermelho".

2. Estou amargando um semestre medonho, como a fase de solidão do Náufrago. Então, por favor, lembre-se com carinho que escritores de reviews são infinitamente mais elegantes, vivos e queridos que cocos falantes. E, por favor [~le ajoelha-se] C-O-M-E-N-T-E!!!

(Sim, eu imploro por comentários na cara dura. PS: o próximo capítulo não será assim tão triste, prometo, juro!!)



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