o relógio alerta
mais um dia começa
amanhecendo cada dia mais morto
café na mesa, pão e torradeiras
uma despedida sorrateira
a gente poderia conversar a manhã inteira
eu tenho contas a pagar
ontem mesmo cortaram a luz
reforcei meu pedido pra Jesus

já na rua 5 da manhã
no interior de um trem lotado
observo gestos banalizados
um cachorro jogado no asfalto
ou um rico atropelando o pobre coitado
uma criança pedindo uns trocados
ou um cara fumando um cigarro
a cidade amanhece
antes mesmo do sol clarear

sobra planos, falta tempo
trabalho e mais trabalho
pareço um condenado
esfregando o chão molhado
nesse escritório sem ar-condicionado
o tempo passa
como quem passa por aí
tá vendo? já passou
um descuido?
que absurdo
não tenho tempo nem de raciocinar
quanto mais pensar
todo dia, os mesmos dias
repito essa rotina
salário mal-remunerado, patrão estressado
volta pra casa, o trem continua lotado
olho para as ruas e vejo
fome, pobreza, omissão e inflação
a culpa é mesmo da população?
polícia pelas ruas, pela TV vejo o negro fuzilado
publicidade enganadora, rituais consumistas
chego em casa e recebo a noticia
o filho parou de estudar, a escola fechou por falta de providência
que burocracia
aí entra a tal da meritocracia
somos todos passageiros da nação
subordinação
olho o pão na mesa, sinto os trocados no bolso
e penso: apesar de desagradável, o trabalho traz o aceitável
e no fim, chegamos ao fim do dia
chegamos, quem diria?