— Você me parece estar especialmente bonita esta noite, Sakura.

— Hã? Deixe de falar bobagens Akio. - acabei rindo de leve com a sua cantada.

— E desde quando falar o quanto você é bonita seria uma bobagem? - ele piscou para mim e deu um passo para o meu lado, o que me fez andar discretamente um pouco mais rápido.

— Desde que isso não é nada relevante. - respondi com aquela calma ensinada por minha shisou.

— Claro, claro, - ele colocou as mãos no bolso da calça, enquanto sorria de lado para mim. - seu sorriso hoje está mais relevante que o comum.

Corei ao ouvir aquilo, e virei o rosto discretamente de lado, dando a impressão de que estava reparando nos enfeites que uma das poucas lojinhas que ainda estavam abertas mantinha na vitrine. Sorrir constantemente era um habito adquirido ainda na minha infância, graças a minha mãe que sempre me dizia que as coisas ficariam melhores assim, independente do quão ruim fossem, mas hoje tinha um motivo especial, eram aqueles olhos negros e linhas firmes do rosto do Sasuke-kun que tanto me deixavam feliz, principalmente pelo fato de estarem alí, na minha frente, e não em meus pensamentos como ocorreu outras tantas vezes.

— Não há nada de especial no meu sorriso, - retorqui tentando sair daquela conversa - ele está como sempre foi.

— Eu não diria isso sabe, - ele voltou a falar assim que paramos na entrada do meu prédio - posso estar enganado, mas acho que seu sorriso ficou ainda mais radiante depois da volta do Uchiha, afinal você era apaixonada por ele, certo?

— O-o que? - ri nervosa - Não seja bobo Akio, eu estou sim feliz pela volta do Sasuke-kun, mas também estou muito contente por Naruto, afinal não é todo dia que seu melhor amigo vira Hokage. - sorri tentando aliviar a tensão, mas não deixava de ser verdade, não era todos que poderiam se vangloriar de algo assim.

— Ah, por um momento achei que você ainda sentisse algo por ele. - Akio deu um passo para frente e levantou a mão em direção ao meu rosto, automaticamente me afastei de seu toque, mas isso não pareceu intimida-lo - Aquele cara é um cretino, não merece ter alguém como você.

— Akio, de onde você está tirando isso? - perguntei não gostando do rumo da conversa.

— Não é segredo para ninguém do passado sujo do Uchiha, todos ninjas dessa vila sabem o que ele fez, não se pode ignorar o fato que ele foi um ninja renegado, que garantia temos de que ele não vai se revoltar contra nós e atacar ou trair a vila novamente? Um nunkenin sempre será um nunkenin afinal de contas, nunca confiáveis, você merece algo muito melhor que isso. - suspirei fundo ao ouvir aquele discurso, não era a primeira vez que tive de aguentar uma coisa dessas, mas ao menos vinham diminuindo a frequência.

— Akio, se não fosse pelo Sasuke-kun nunca teríamos vencido a guerra, porque Naruto sozinho não tinha poder para isso, nem teríamos conseguido livrar a todos do Tsukuyomi Infinito, por tanto não há motivos para achar que uma pessoa que salvou o mundo shinobi possa fazer algo de ruim. - me virei e comecei a subir as escadas que davam para o meu apartamento, mas no terceiro degrau me virei para encará-lo - Além disso, as pessoas que eu me relaciono são somente do meu interesse, por isso só cabe a mim decidir alguma coisa.

— Sakura, espere. - ele foi subir as escadas, mas o ignorei indo mais rápido pelos degraus. - Eu não queria ofender ninguém, o que eu…

— Boa noite, Akio. - falei antes de subir o segundo lance de escada e sumir de seu campo de visão.

Cheguei no terceiro andar e puxei as chaves do bolso, bocejei ao tirar os sapatos os deixando num canto na porta do apartamento. A um ano tinha me decidido sair da casa dos meus pais, tinha sido uma boa experiência, pude amadurecer daquela forma, além de que assim não prejudicava as noites de sono dos meus pais com meus horários no hospital ou das minhas constantes missões. Fui até o quarto, peguei a toalha e fui direto para o banho, foi um alívio tirar o uniforme de vigilante, e mais ainda quando me joguei de toalha sobre cama após o banho. Estava tão exausta da correira do dia, que mesmo com minha mente perturbada com os pensamentos se voltando para o Sasuke-kun sem parar, acabei adormecendo.

[...]

— E então? - levantei a cabeça para a dona da voz.

— E então o que Ino? - perguntei levando o copo de chá até a boca.

— Como está o seu coração depois dessa volta repentina do Sasuke-kun?

— Bom… Confuso? - respondi demonstrando todo meu embaraço com uma careta, antes de ir me levantar para pegar mais um pouco de chá.

Estava sentada a quase meia hora no refeitório do hospital, e durante todo esse tempo meus pensamentos sobre o retorno de Sasuke-kun me consumiam, na verdade é meio estranho pensar que ele estava na vila. Para falar a verdade, eu ainda não tinha sido capaz de assimilar a sua chegada repentina, que de certa forma pegou a todos de surpresa, especialmente a mim, tanto que quando acordei nessa manhã me perguntei seriamente se tudo não passava de um sonho, um sonho incrivelmente bom. Não posso negar que meus sentimentos nutridos por ele a tantos anos continuam intactos, como senão tivesse passado tempo algum, mesmo depois de tudo que vivemos e das dores que passamos. Vê-lo parado naquele telhado, com aquele sorriso de leve nos lábios tinha sido a melhor visão que meus olhos foram capazes de captar nos últimos tempos, tão boa que só voltei para a realidade quando ouvi aquela sua voz grossa falando o meu nome.

Ainda conseguia sentir aquela sensação acolhedora no meu estômago, junto daquele aperto na garganta, e o arrepio de felicidade que passou por mim. De noite mal acreditei quando o vi chegando no Ichiraku, apesar da surpresa de todos ele agia como se fosse a coisa mais normal, o que era sua típica postura, e era tão bom vê-lo alí que quase me senti como se a sua viagem tivesse durado apenas alguns meses, e não três anos. Mesmo que a minha mente e a saudade no meu peito falassem o contrário.

— Mas e então, vocês se viram de novo depois de ontem? - Ino me perguntou assim que voltei pra mesa.

— Meu plantão começou logo cedo hoje, não tive tempo de ir procurar por ele.

— E ele? - ela apoiou o queixo na mão enquanto me encarava.

— E ele o que Ino? - rebati sem muita paciência.

— Veio procurar você? - engasguei com a chá e acabei rindo, o que fez Ino me olhar emburrada. - Por que está rindo Testuda?

— Não me chame assim, Porca - parei de rir no mesmo momento - Eu estou rindo porque não consigo imaginar o Sasuke-kun vindo me procurar, pelo menos não sem ter um motivo específico pra isso.

— E te ver não seria um motivo específico? - ela me perguntou com um sorriso provocativo no rosto.

— Duvido que para o Sasuke-kun isso seja um motivo justo.

— Eu não diria isso Sakura, até mesmo porque ele me pareceu bem incomodado ontem em ver o Akio e o Daichi dando em cima de você, principalmente quando o Akio foi te levar para casa. - ela me provocou com a lembrança, o que me fez ficar um pouco corada. - Sabe, já passou da hora de vocês se resolverem.

— Eu sei disso Ino, - suspirei cansada - do mesmo jeito que sei que o Sasuke-kun não vai tomar nenhuma atitude sobre isso.

— Ora, e por que não? Sempre foi você que foi atrás dele Sakura, agora está na hora de ele vir atrás de você também. Não foi ele que disse que te procuraria na próxima vez?

Involuntariamente levei minha mão a testa como se ainda fosse possível sentir o seu toque alí. Quantas vezes eu não tinha repetido esse gesto quando lembrava da nossa despedida? Fora um gesto simples, e provavelmente muito banal, mas tinha sido a primeira e única vez que ele claramente tinha aceitado uma aproximação minha, e ainda por cima, retribuído com aquele toque e suas palavras. Porém isso não significava nada muito específico, muito menos que o Sasuke-kun iria querer algo comigo, era vago demais para ter uma conclusão dessas, principalmente depois de todas aquelas vezes que tive meu amor rejeitado.

— Mas não dá pra saber a importância disso, - abaixei a mão e a fiquei olhando em cima da mesa - quero dizer, é meio difícil de saber o que o Sasuke-kun realmente queria comigo.

— Então Sakura, deixe ele correr atrás de você dessa vez, assim você vai ter certeza de que ele quer você.

— É, você pode ter razão. - falei me sentindo um pouco animada com a possibilidade. - Talvez eu deva mesmo esperar ele tomar uma atitude.

— É lógico que eu tenho razão, - ela jogou o cabelo para trás dos ombros - sou sua amiga genial. - Ino fez uma cara de intelectual que me fez rir.

— Desculpa interromper a conversa de vocês meninas, - quando olhamos para o lado vimos Shizune-san parada ao lado de nossa mesa. - Sakura o Hokage-sama pediu para vê-la, ele está lhe esperando no seu consultório.

— Esse Naruto, - falei me levantando da mesa - mal virou Hokage e já está abusando da autoridade, quem ele pensa que é pra ir invadindo a minha sala assim? - resmunguei vestindo novamente o jaleco. - Depois nos falamos Ino, até mais!

Saí andando rápido pelos corredores de paredes verde claro, enquanto enfermeiros e pacientes passavam de um lado para o outro junto de médicos apressados. Tentei adivinhar o que Naruto queria comigo e cheguei a conclusão que deveria ser algum motivo estúpido, como da primeira vez em que ele e Hinata brigaram e ele achou que ela terminaria o namoro com ele. Quando cheguei na porta da sala, que se encontrava um pouco aberta, a primeira coisa em que eu reparei foi Naruto mexendo na réplica de um crânio feito de porcelana, tinha sido um presente do meu pai que havia trazido pra mim durante uma de suas viagens. Coloquei a mão na porta com a intenção de abri-lá totalmente, me dando passagem para entrar. Porém Naruto se assustou com a minha chegada e antes que eu previsse o meu crânio de porcelana estava em pedaços no chão.

— Naruto… - encarei os pedaços brancos espalhados no chão - NARUTO, VOCÊ ACABOU DE QUEBRAR O MEU CRÂNIO DE PORCELANA? - esbravejei furiosa levantando o punho.

— Calma Sakura-chan, foi sem querer, - ele levantava a mão em sinal de paz - é que eu achei bonito e você me assustou, aí eu…

— Você acabou de destruir um presente caro do meu pai, seu idiota! - você tem noção do quanto eu gostava dele?!

— Baka, falei para você não mexer em nada Naruto. - ouvi aquela voz do outro lado do cômodo.

Sentado no pequeno sofá, estava Sasuke-kun com sua expressão séria de sempre e com um olhar entediado, o mesmo de quando éramos crianças. No primeiro momento congelei apenas ao som de sua voz, não posso negar o leve susto que ele me causou, seguido das milhares de sensações que se passaram dentro de mim em apenas alguns segundos.

Meu coração acelerou e pude sentir um nervosismo se apoderar de mim. Como pode ele ainda me causar tal efeito ?! Muitos pensamentos queriam tomar conta da minha mente naquele momento, porém pisquei algumas vezes para retomar minha concentração e entender o que eles estavam fazendo alí.

— O que está acontecendo pra vocês dois virem aqui? - perguntei fechando a porta atrás de mim, indo me sentar na cadeira por trás da minha mesa cheia de papéis.

— Bom, basicamente eu tô tentando fazer o teme aceitar o braço dele de volta. - Naruto disse com um certo entusiasmo, eu apenas olhei de relance pra Sasuke-kun que continuava com a mesma expressão, voltei meu olhar para Naruto, insinuando que continuasse. - Mas ele continua o chato de sempre, então achei que você poderia me ajudar.

— Sasuke-kun, - chamei sua atenção, o fazendo desviar para mim o olhar entediado que dirigia a Naruto. - por que você não quer o braço protético?

— Eu não falei que não queria, apenas já estou acostumado. - ele bufou ao terminar a frase.

— Vamos lá Sasuke, por que você não aceita o braço logo de uma vez? - Naruto reclamou como criança - A Sakura-chan e a obaa-chan tiveram muito trabalho pra fazer esses braços. Inclusive a Sakura-chan estava dormindo tão pouco que ficou mais estressada que o normal. - ele terminou a ultima parte como se falasse um segredo.

— Eu não fiquei mais estressada, aliás eu nem sou estressada. - me defendi segurando a vontade de acertar aquela cabeça loira, suspirei e voltei minha atenção ao Sasuke-kun - Mas Naruto tem um pouco de razão Sasuke-kun, ela iria querer te arrastar até o hospital e fazer a cirurgia a força se soubesse que você simplesmente dispensou a prótese. - Tsunade-sensei também faria questão de ir visitá-lo depois da cirurgia e passar horas falando sobre quantas noites teve de passar sem saquê, e de como ele era um moleque mal educado por ignorar seu trabalho daquela forma, mas preferi guardar isso para mim.

— Como funciona esse braço? - ele me perguntou, observei que seus dedos batiam ritmados apoiados na sua perna.

— Obviamente ele não é igual a um braço normal, tem correntes de chakra e terminações nervosas e nenhuma veia, também não acumula gordura e a camada de pele é mais fina do que o normal. - comecei a falar das características da prótese, o que me distraiu um pouco da sua presença na sala - Por ser feito com as células do Hashirama-sama tem uma regeneração incrivelmente rápida, porém suas percepções do tato nesse braço não são as mesmas que o resto do corpo, mas o chakra flui da mesma forma. A cirurgia é delicada, já que será necessário ligar sua rede de chakra com a sintética, também é dolorosa, pois pra ligar os nervos no braço com o seu sistema nervoso precisamos de você acordado, para descobrirmos se está tudo sendo feito corretamente, então você não seria anestesiado ou sedado. Depois disso você teria que passar cerca de uma semana no hospital em observação, como Naruto é um Uzumaki praticamente não existia chance de rejeição, mas você sendo um Uchiha recebendo células de um Senju torna o risco maior, porém não acho que isso venha a ser um problema. Nos primeiros dias você sentirá fortes dores nos ouvidos e nos olhos, seu tato e ofato poderão ficar mais sensíveis por alguns momentos, e seu paladar poderá desaparecer completamente nos dois primeiros dias até começar a retornar aos poucos. E também a fisioterapia intensiva, que é a última parte do tratamento, cerca de um mês até você ser capaz de se adaptar e adquirir força.

Depois que eu terminei um silêncio caiu sobre a sala, eu o encarava com expectativa junto de Naruto que tinha se sentado em cima da minha mesa, estava tão apreensiva com a resposta do moreno que nem me importei com os papéis que estavam sendo amassados pelo Hokage.

— Então teme, vai deixar de ser um medroso chato e aceitar o braço? - Naruto o provocou, e vi uma leve carranca se formar em seu rosto.

— Não é um tratamento muito animador. - ele disse e logo depois soltou um suspiro. - Quando a cirurgia pode ser feita?

Naruto derrubou meu pote da canetas ao pular da mesa e ir direto abraçar o amigo, o qual mesmo com um braço fez um bom trabalho em afastar a massa laranja, acabei rindo com a cena. Fui até uma gaveta e puxei uma fita métrica, puxei a gola da camisa de Naruto, finalmente conseguindo que ele largasse o Sasuke-kun.

— Pare Naruto, você é sempre tão impulsivo! - reclamei o fazendo sorrir sem graça. - Anda, estique esse braço que eu preciso saber se vou ter que mexer nas medidas.

Ele esticou o braço direito já sabendo o que eu faria, tirei suas medidas comparando com as que eu tinha guardada em minha mente, ignorei o olhar atento que observava cada um dos meus movimentos em silêncio, como se assim pudesse descobrir o que eu fazia. Engoli antes de me virar para ele, encarei bem os olhos escuros para enfim poder falar.

— Sasuke-kun, eu preciso verificar as medidas do seu braço pra saber se terei que adaptar a prótese. - ele automaticamente esticou o braço, parei observando por um momento o tecido temendo tocá-lo, ele percebeu minha hesitação, pois franziu o cenho como se perguntasse o porquê, balancei a cabeça o voltei ao que eu tinha de fazer.

— Por que você mediu o braço do Naruto? - ouvi me perguntar, mas não precisei responder graças ao meu amigo.

— A Sakura-chan me obriga vir aqui a cada seis meses pra saber se a sua prótese está ficando pequena, ela disse que como temos quase a mesma altura o crescimento é quase o mesmo.

Senti minhas bochechas ficarem vermelhas conforme Naruto falava aquilo, redobrei a atenção para a medição tentando ignorar o olhar que praticamente queimava sobre a minha cabeça, aquilo deixava evidente todo meu cuidado com o Sasuke-kun mesmo que ele ainda estivesse longe do meu alcance. Quando levantei o rosto para me afastar, aqueles olhos escuros me encaravam no meio das cortinas de mechas que caía em seu rosto, ele tinha um sorriso muito sútil nos lábios e eu tinha certeza que estava ainda mais vermelha, isso me fez sair rápido indo guardar a fita novamente na gaveta.

— Vou conversar com a equipe médica que irá me auxiliar, faremos sua cirurgia até o final desta tarde.

Não esperei resposta e somente sai daquela sala.