Piel de Lava escrita por Emma Grimes
A vigem fora demasiada cansativa, por mais ajuda que eu tivesse para cuidar de minha pequena Perpétua, já não aguentava mais os solavancos da estrada e nem ela. Quando finalmente colocamos os pés em solo brasileiro me senti aliviada, até Bento dizer que tínhamos mais caminho a percorrer.
— Chegamos. - disse o cocheiro
A nossa casa lembrava a dos meus pais. Grandes escadas que davam para porta, uma varanda enorme, muitas janelas e videiras que subiam pelas paredes.
— Nossa nova casa, meu amor. - disse Bento e depois colocou um beijo na minha testa.
Antônia, Ana Joaquina e Maria estavam a nossa espera.
— Onde está minha mais nova sobrinha? - disse Ana logo depois de nos cumprimentar. Bento entregou a menina para a irmã.
***
Logo depois de chegarmos, Bento se juntou com alguns amigos e saíram, eu sabia que ele já estava envolvido com política, mas não era função minha dizer o que ele deveria fazer, mas a de esperar e rezar para que ele voltasse bem para casa. "Minha casa é onde tu estás, minha prenda" eu podia ouvir perfeitamente a voz de Bento me dizendo isso, mas ouve um tempo que essa voz ficou fraca e eu quase não podia ouvi-lá mais. Graças a Deus, Ana Joaquina estava sempre ao meu lado para me dar forças.
O novo quarto com uma cama grande de dossel, um espelho enorme e uma janela com varanda, era maior e diferente do quarto da outra casa, era bem mais espaçoso e aconchegante. Perpétua finalmente dormiu, e eu fiquei a espera de Bento, olhando pela janela esperando ele chegar, uma garoa fina veio chegando molhando meu rosto, fechei os olhos sentindo as gotas fazendo minha pele arrepiar.
— Prenda minha. - disse Bento com a sua voz rouca abraçando minha cintura.
— Voltastes meu amor? - me virei encarando seus olhos.
— Siempre! — ele sorriu e me beijou.
Quando ele me abraçava eu não precisava de mais nada, foi por Bento quem eu sempre esperei e sempre iria esperar toda vez que ele saísse, não consigo me imaginar com outro, não existe outro, apenas ele.
— O que tu fez comigo mulher? - ele sussurrou em meu ouvido. _ Quando estou longe de tu é como se eu estivesse em profunda tristeza, tu estas sempre em meu pensamento. - ele tinha a mão firme em meu quadril, eu ri.
— É que tu me amas cada vez mais e mais.
— E ainda duvidas disso, uruguaiana?
— Não.
30 de junho, 1817
— É um menino Sinhá! - disse a negra, segurando meu guri.
— Me dê.
Ela o enrolou em cueiros e colocou o menino em meus braços.
— Como chora alto. - eu disse.
— Pulmões fortes, Sinhá. Quer que eu chame vosso marido? - ela jogou um lençol limpo sob mim.
— Acho que não precisa. - apontei para a porta e Bento já estava lá, com o mesmo olhar assustado de quando Perpétua nasceu.
— Meu amor.- ele beijou minha testa.
— É um menino.
— Menino? - ele sorriu.
Entreguei o menino em seus braços, ele se levantou olhando o pequeno rostinho.
— Zefina disse que ele tem pulmões fortes. - sorri
Ele continuou calado olhando o menino, estava orgulhoso e emocionado.
— Caetana precisa descansar, e o menino também, precisa se alimentar melhor e se banhar. - disse Zefina.
— Deixe. - sussurrei para ela.
— Joaquim Gonçalves da Silva Neto. Se chamará Joaquim, assim como o avó. - seus olhos estavam marejados quando olhou para mim.
22 de janeiro, 1822
— Precisa comer Sinhá, senão quando for a hora de seu filho nascer, não terás forças. - disse Zefina.
— Mas eu não tenho vontade.
— Discutindo com Zefina novamente, Caetana? - disse Bento.
— Ela não quer comer, e não sai do quarto porque não tem forças.
— Eu cuido dela, obrigado Zefina.
Zefina deixou o quarto, logo em seguida Bento apagou as velas e abriu as janelas. Me ajudou a me sentar colocando almofadas nas minhas costas.
— Olhe para você naquele espelho uruguaiana. - ele se sentou ao meu lado na cama e apontou para o nosso reflexo no espelho. _ Não está bem, está pálida, tem que comer e beber algo, ouviu o que Zefina disse.
— Tudo o que eu como me faz mal, até falta de ar eu sinto, nunca me senti assim antes.
— Faça um esforço, por mim, pelos guris e por esse que vai nascer. - ele sorriu e beijou minha testa.
Acho que o fato de Ana Joaquina ter perdido o primeiro filho e o último parto de Maria ter sido difícil me afetaram de uma forma que eu não esperava. Desde o quarto mês vim me sentindo cada vez pior, mas fracas, com enjoos mais fortes, falta de ar e insônia. Me lembro de ouvir Zefina falando com Bento que tinha medo de que algo acontecesse comigo no parto, e aconteceu, foi o meu pior parto.
— Força dona Caetana!
— Eu não... cons...
As ondas lancinantes de dor me faziam perder o ar. Acho que perdi a consciência mais de uma vez.
— Pelo amor de Deus dona Caetana, aguenta! - Zefina gritou, tinha sangue em suas mãos
— Não deixa meu filho morrer... Zefina!
— Não vou!
Me lembro de ver a cruz que ficava na parede do quarto e pedi a Madre de Dios que me levasse, mas deixasse meu filho.
— Dona Caetana, olhe para mim, aguenta!
Perdi a consciência novamente, e quando acordei tudo estava em completo silêncio, o quarto estava vazio e eu estava exausta. Levou algum tempo até eu me lembrar de tudo, senti as lágrimas descerem com o pensamento de que eu teria perdido meu filho.
— Ela acordou! - gritou Zefina.
Bento entrou no quarto, me abraçou apertado e chorou.
— Meu amor, pensei que não iria mais acordar, pensei que tinhas me deixado. - ele segurava meu rosto.
— Meu filho morreu? - as lágrimas cobriam meu rosto.
— Não, não! - ele limpou as lágrimas. _ Está bem, é um guri lindo, forte feito a mãe.
Senti um alívio, leve, e voltei a chorar, agora de alegria e me agarrei a Bento.
— Quero vê-lo.
Zefina trouxe o menino e colocou nos braços de Bento, que me entregou.
— Que guri lindo. - ele tinha os olhos verde iguais aos meus.
— Se parece contigo. - Bento deitou sua cabeça em meu ombro.
— Deu um nome a ele? - perguntei.
— Não, esperei você para fazer isso. - ele me beijou a têmpora.
— Vamos chamá-lo de Caetano.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!