Sui Generis escrita por Human Being


Capítulo 21
Lei dos Cavaleiros: A vida é o que acontece enquanto fazemos outros planos.


Notas iniciais do capítulo

No capítulo anterior...
Os intrépidos cavaleiros de Atena seguem em uma sigilosa missão para capturar o temível mafioso Benicio Basili, chefe da organização criminosa conhecida como Camorra. Para isso, Kanon, Saga, Camus, Shura, Máscara da Morte e Afrodite se infiltraram no Hotel Cassino Royale, em Mônaco, para então se aproximarem do alvo e proceder à captura. Porém, o mercenário conhecido como Deadpool recebeu uma missão semelhante: capturar e matar o referido criminoso, a mando de seu primo Gennaro Basili. Porém, durante a investida de Deadpool, os cavaleiros acabaram por descobrir que Verônica, a exótica aliada do mercenário, era na verdade uma agente dupla com a missão de capturá-lo, convertendo-se assim em uma importante aliada. Porém, o terrível Deadpool instalou vários explosivos dentro do Hotel, no afã de completar a sua missão a qualquer custo...



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Em algum ponto do Hotel Cassino Royale...

Deadpool se movimentava com sua fluidez habitual, mas não escondia sua irritação. Na verdade, nunca estivera tão irritado em toda sua vida.

Já passara por situações onde sua vida foi posta em risco, inclusive já fizeram o possível e o impossível para que ela lhe fosse tirada; e ele sabia que, apesar dos pesares, não podia dizer que era algo pessoal. Negócios são negócios, isso ele sabia melhor do que ninguém, mas nunca tinha se sentido tão irritado quanto se sentia dessa vez.

Ele tivera seu alvo bem ao alcance da mira de sua arma, mas deixou a oportunidade passar. Deixou-a passar por conta da bela moça que acompanhava o mafioso; e que, por ter sido resgatada por um dos tais Cavaleiros de Atena, só poderia estar também envolvida com eles. Não só isso, a maneira como ela livrou seu alvo do seu primeiro tiro também a denunciava, posto que nenhum civil poderia se mover daquela forma, nem ter reflexos tão rápidos. Sim, muito provavelmente ela era uma agente infiltrada... tanto ela como o homem louro e alto que a acompanhava. Suspirou, amargo, ao perceber a obviedade do que constatava. A moça era uma isca dos tais Cavaleiros para atrair Basili, e que funcionou à perfeição.

Devia ter apagado o mafioso quando teve a chance. E apagado a moça, também.

"Deixe estar" - Pensou o mercenário, de si para si. - "Ela não terá uma nova chance de atrapalhar meus planos."

Ele não voltaria a ser tão descuidado.

OOO

Enquanto isso, Kanon e Ikki seguiam correndo pelos corredores dos andares Hotel, procurando o mafioso como quem procura uma agulha num palheiro.

— Kanon, eu não sei se você está percebendo, mas vai ser praticamente impossível de encontrar o tal Basili assim. - Bufou o japonês, contrariado. - E nós realmente temos que sair daqui...

— Eu nem vou discutir isso com você, Ikki. - A agora moça seguia procurando, e já se preparava para subir por uma escada quando o outro a segurou pelo braço.

— Você ficou doido?! Kanon, nós já estamos no quarto andar, cara! Nós temos que descer, não subir ainda mais!

— Eu preciso de uma visão aérea, Ikki! O mais provável é que Basili se misture à multidão do mezanino, mas vai ser perda de tempo descer até lá se nós não tivemos certeza de que ele vai sair por ali!

— Kanon-

— Cadê teu binóculo?

— Hã?

— Deixa de bestice, eu sei que aí dentro dessa tua mochila cheia de cacareco tem um binóculo. Anda, passa ele pra cá, e cuidado pra não derrubar minhas coisas daí de dentro!

Ikki bufou, contrariadíssimo. Mas sabia que o ex-rapaz tinha razão: Havia, sim, um binóculo na mochila que carregava. Como ele sabia que seguir discutindo com Kanon era perda de um tempo que eles não tinham, passou o binóculo para a agora moça, que o agarrou e passou a esquadrinhar a área do mezanino.

— Olha, o time de resgate está lá. - Kanon apontou para a saída principal da parte descoberta do mezanino, onde Aiolia, Milo, Camus e Shura se esforçavam para controlar o incêndio causado por uma das bombas detonadas. Mu, por sua vez, ajudava os bombeiros a organizarem a multidão em pânico para que saíssem do complexo do hotel em relativa segurança; sem muito sucesso.

— Deixa eu ver. - O outro pegou o binóculo, e nesse momento uma explosão ainda mais forte do que a primeira se fez sentir.

Ikki detestava admitir, mas estava ficando preocupado.

— Kanon, pelo amor de todos os deuses do Olimpo, esquece essa missão e vamos embora daqui!

— Espera... - Kanon pegava o binóculo de volta, olhando para o mezanino. Em outro ponto do mezanino, viu Máscara da Morte acompanhado pela tal loira que rendeu a Saga e Afrodite. - Lá está a loira pernuda. Ao que parece, ela pegou o Máscara da Morte... Não, peraí. Ela está com o Máscara da Morte? Ele tá com ela? Que negócio é esse?

— Hã? Deixa eu ver... - Ikki pegou o binóculo, olhou na direção apontada. - Credo, é mesmo, que é que é isso?

— Também não tô entendendo mais nada, viu. - Kanon tomou o binóculo de volta. - Mas é muita palhaçada pra uma missão só.

— Pois é, cara, por isso que a gente tem que se mandar...

— Espera aí!. - Kanon continuava grudado na janela, de binóculo na mão. - Deixa eu tentar entender o que tá acontecendo...

OOO

Mezanino do hotel...

— Ô, Verônica... - Máscara da Morte seguia a agente dupla, a contragosto. Ele praticamente podia sentir as gargalhadas que dava amigo Afrodite de Peixes às suas custas, a respeito de sua... nova colega de missão. - Cê tem certeza que é pra gente procurar o mafioso aqui?

— Meu bem, entenda uma coisa: Basili pode ser tudo, menos burro. A melhor chance que ele tem de sair daqui com vida é se misturar à multidão e sair pra rua no meio desse povaréu. E é bom que seus amigos do tal time de resgate estejam aqui, porque daqui a pouco Deadpool vai começar a detonar mais bombas, e a atirar em qualquer coisa que se pareça com Benicio Basili.

— Só se ele for louco, porque pra ele atirar ele teria que subir no prédio que ele mesmo encheu de explosivos pra derrubar...

— Se você acha que ele morreria numa explosão como essa, querido, você tem que rever os seus conceitos. Eu aposto minha cirurgia de mudança de sexo que ele está agora nos andares de cima, com uma arma numa mão e os controles dos detonadores na outra, só checando quem está aqui e quem não está. Ele sabe melhor do que ninguém que ele sobreviveria até mesmo se esse prédio fosse inteiro implodido. Nós é que não...

O italiano fez um muxoxo; reconhecendo que, caso Verônica esteja falando a verdade sobre o tal mercenário, esse era um excelente plano.

— ...Aliás, meu bem, me explica essa história de 'Kanon e lagoa mágica'...

— Eu não sou 'seu bem', capisce?

— É um jeito de falar, brucutu. Pode ficar tranquilo e calmo, que eu não tô dando em cima de você, não.

— Hunf... - Bufou o italiano, visivelmente contrariado. - Mas, no caso do Kanon, nem tem o que explicar. Ele caiu numa lagoa mágica e virou mulher.

— Vocês que me desculpem, mas não dá pra acreditar numa coisa dessas! Ele é uma trans, que nem eu, aposto! Essa história de lagoa mágica deve ser conversa do irmão dela! Aquele loirão homofóbico lá nunca ia aceitar ter um irmão trans, aí resolveu se sair com uma história dessas...

— Não é, não. - Máscara da Morte respondeu. - Não deu pra perceber que ela realmente é uma mulher? Ele agora está até menor do que o Saga!

— Como assim?

— Eles são irmãos gêmeos idênticos, Verônica... Só que agora o Kanon é a tal moça que te viu no banheiro. Não tem cirurgia nesse mundo que faça isso...

— Espera, você está falando sério, mesmo? - Verônica estava perplexa. - E onde fica a tal lagoa?

— Eu sei lá onde fica esse negócio! Se você quiser descobrir, é só perguntar pro Kanon. Mas, pra isso, a gente tem que achar o mafioso e todo mundo tem que sair daqui vivo, esqueceu?

— De jeito nenhum, baby. Eu não tenho a menor intenção de morrer aqui dentro dessa espelunca.

— Então vamos andando. - Máscara da Morte seguiu pelo mezanino, desviando da turba em pânico por uma nova explosão.

OOO

Em outro ponto do mezanino do hotel, oposto à saída principal, Saga, Afrodite e Nicholas Fury seguiam procurando por Kanon e Ikki.

— Eles não estão aqui, Saga! - Afrodite não conseguia mais esconder seu nervosismo, porque sabia que, se Kanon não estava no mezanino, ele só podia estar em um dos andares mais altos do prédio. O que era uma péssima ideia, considerando-se a atual situação da agora moça.

Mas nem de longe a apreensão de Afrodite se comparava à de Saga.

Procurar por Kanon no meio do mezanino lotado de pessoas ensandecidas pelo pânico estava se revelando uma missão impossível. Kanon não podia usar seu cosmo, e nem mesmo tentar alcançar Ikki por ele seria útil em determinar a localização exata do cavaleiro de bronze. Isso considerando-se que Ikki tenha conseguido encontrar Kanon...

— Saga! - A urgência na voz de Nick Fury imediatamente capturou sua atenção. Levantou os olhos achando que o americano poderia ter encontrado seu irmão; e viu Basili esgueirando-se no meio da multidão, tentando passar desapercebido com um chapéu que lhe escondia o rosto e a careca.

E não havia nem sinal de Kanon onde estava o mafioso.

— Saga, espera! - Ele não registrou a voz de Fury o mandando esperar, e avançou no meio da multidão para pegá-lo. Obviamente, não podia usar seu cosmo no meio de tantas pessoas, então teria que capturar o alvo à moda antiga.

Saga nem sequer atinou que estava de roupas civis, sem colete de proteção e desarmado. Ainda assim, cruzou a área descoberta e agarrou o mafioso pelo braço, arrastando-o para a área descoberta do mezanino ao tentar puxá-lo de encontro a Afrodite e Fury.

— Onde ela está? - Gritou para o mafioso, enquanto se agarrava ao braço do homem. - Cadê ela?

— Me solte, seu inútil! - Gritou de volta o mafioso, se debatendo para livrar seu braço e continuar sua fuga.

Mas Saga o mantinha preso sob um punho de ferro, mesmo apesar dos esforços do outro para soltar-se. E não percebeu que, ao empurrar o mafioso e se engalfinhar com ele, as pessoas se afastavam deles dois e os deixavam visíveis no mezanino cercados de andares de prédios.

OOO

— Olha lá o Basili! - Kanon seguia agarrado ao binóculo, e viu Basili tentando se livrar de alguém que o agarrava. Não conseguia ver direito quem era, mas via que não era o mercenário. "Menos mal", pensou, e quando o mafioso levou um tranco um tanto mais forte percebeu que era Saga quem o estava tentando dominar.

A multidão, que já estava indócil em direção à saída principal, de repente entrou em um pânico caótico. Todos tentavam ir para a área coberta do mezanino, e não mais para a saída. Basili empurrou Saga, mais uma bomba explodiu em outro dos andares, e Saga voltou a segurar o mafioso na área descoberta do mezanino. Ele gritava alguma coisa para o mafioso, que o empurrava tentando escapar.

— Mas o que é que o Saga está fazendo?! - Ikki percebia que Saga estava exposto e desarmado, e depois de um bufido agarrou Kanon pelo braço, instando-o a descer. - Vamos, Kanon, vamos!

Mas Kanon não se afastou da janela.

Em outro ponto do prédio, coincidentemente em frente à janela onde Kanon estava, Deadpool sorriu por baixo de sua máscara. Apontou a arma, um rifle semiautomático de longo alcance, e pela mira estava vendo Basili tentando escapar do loiro alto que o agarrava. Justamente o loiro alto que acompanhava a moça que lhe tirou a oportunidade de completar sua missão.

Finalmente teria a chance de pegar seu alvo, e ainda por cima se fazer um agradinho.

Deslizou o dedo no gatilho, deu o primeiro tiro.

Kanon viu, de sua janela, o irmão cambaleando pelo projétil que o atingiu pelas costas. Outro tiro o derrubou de joelhos, no momento em que tentava empurrar Basili para uma área menos exposta. Mais um tiro, e dessa vez foi Basili a ser atingido e cair no chão; mas não sem antes conseguir, graças ao empurrão de Saga, abrigo dos disparos junto aos outros cavaleiros.

A turba seguia se afastando do alvo dos disparos, e Deadpool entendeu que Basili, apesar de ferido, estava fora de seu alcance. Tudo que ele podia fazer era esperar que o disparo tivesse sido fatal.

Mais uma vez, falhara graças aos tais Cavaleiros de Atena.

O mercenário mirou a cabeça do loiro que tentava ficar novamente de pé. Ele lhe tirara o mafioso, mas pagaria caro por isso. E, claro, depois de acertar o loiro de vez, ele explodiria todo aquele cassino dos infernos.

Mas só depois de enfiar uma bala certeira na cabeça daquele infeliz sob sua mira.

Nesse mesmo momento, Kanon levantou o binóculo e viu um vulto vermelho com o que parecia ser um rifle na mão; apontando na direção de Saga, que estava agora totalmente exposto no meio daquele mezanino. Kanon sabia que era o mercenário quem estava atirando; tinha visto Basili ser abatido, mas aparentemente ainda estava vivo e sob a custódia dos seus companheiros. O mercenário não teria mais como pegar o mafioso, logo o mais prudente para ele seria abortar a missão e dar o fora dali. Mas ele seguia de arma na mão, pronto para atirar novamente, e a única pessoa que ele tinha na direção em que apontava era Saga. O ex-rapaz sabia que o outro, nessas alturas, tinha um tiro limpo para acertar o seu irmão.

Saga ainda se mexia, tentava se levantar. Devia estar completamente perplexo, já que jamais imaginaria, ele sendo como era, que alguém teria a pachorra de lhe matar atirando pelas costas. Kanon viu que ele tinha elevado seu cosmo, embora que de forma parcial porque sabia que estava no meio de vários civis que poderiam sair feridos caso ele usasse seus poderes de forma plena. Ainda assim, Saga tentava usar o que pudesse de sua cosmoenergia, numa reação de defesa instintiva que lhes fora incutida por anos de treinamento para se tornarem cavaleiros, mas que dessa vez seria inútil. Seu irmão era um alvo fácil, pois mesmo com o cosmo não tinha como se proteger de um atirador que ele não sabia onde estava.

Mas ele sabia.

Nem ouviu os berros de Ikki, que agora tentava vencer a distância entre eles para arrastá-lo para fora dali de vez. Não teria essa chance: Soltou o binóculo e elevou seu cosmo de forma furiosa, estourando a janela; invocou o poder das estrelas, indo além de seus próprios limites para concentrar a energia que fluía de seu corpo de forma desordenada e disparar um feixe certeiro quase que à velocidade da luz, e que continha em si a fúria das galáxias em explosão.

Nem sequer disse o nome do golpe que compartilhava com o irmão.

Em uma fração de segundo, o local de onde Deadpool atirava foi destruído pelo seu cosmo, enquanto as pessoas fora da linha de tiro fugiam em busca de abrigo dos poucos escombros que caíam.

Um tiro limpo, mas foi ele quem deu.

E foi pensando nisso que caiu no chão.

OOO

— O que foi isso?! - Gritava Aiolia, vendo a clareira de cosmo que se formara num dos andares do prédio.

— Pelos Deuses... - Camus estava pálido. - Foi uma Explosão Galáctica!

— SAGA! - A voz de Afrodite e seu cosmo agitado chamaram a atenção de Milo, a vários metros dali; e que por isso viu o sueco correr em direção ao grego que jazia no chão sobre uma poça de sangue. E só então o time de resgate percebeu que um deles tinha sido baleado durante a confusão de explosões.

O cavaleiro de Escorpião engoliu em seco, sentindo o coração falhar algumas batidas. Não que já não tivessem passado por situações piores, mas era sempre ruim ver um de seus colegas entre os feridos.

— NÃO! - Apesar de sua gigantesca apreensão, Milo ainda conseguiu segurar Aiolia, que já avançava em direção ao colega de armas. - Aiolia! Tira essa gente daqui!

— O cac***! Acertaram o Saga!

— Eu vou lá! Ajuda o Mu, tira essa gente daqui!

— A Explosão Galáctica! - Aiolia gritava. - Milo, não foi o Saga, não foi!

Milo ficou pálido como uma folha de papel. Também tinha tido essa impressão, e sabia o que aquilo poderia significar. Mas tentou se recompôr, não podiam perder o foco.

— Shura! Ajuda o Mu a tirar essa gente daqui! Eu vou lá com o Camus! Você, Aiolia e os outros, tirem essas pessoas daqui, ouviram bem?

Shura assentiu, arrastando Aiolia consigo.

OOO

— Saga! Saga! - Afrodite gritava, virando o colega com o máximo de cuidado que conseguia ter naquela hora.

Saga estava vivo, mas respirava com dificuldade. Seu cosmo amorteceu o impacto das balas de longo alcance que, em condições normais, teriam matado a ele e a Basili apenas pelo impacto da munição pesada. Mas mesmo o cosmo formidável do Cavaleiro de Gêmeos não conseguiu evitar graves, potencialmente fatais. A bala o acertara nas costas, provavelmente perfurou-lhe o pulmão, podia inclusive ter atingido algum vaso sanguíneo importante e causar hemorragia. Precisaria de atendimento médico o mais rápido possível.

— Fury! Vai atrás de um médico, anda! - O sueco berrava, enquanto Camus e Milo chegavam para ajudá-lo e Fury seguia em disparada atrás de socorro.

— Shh, Saga, calma... - Camus tentava acalmar o outro, que apesar da dificuldade de respirar estava desesperado para falar. - Fique quieto!

— Não... - Saga seguia tentando falar. - Não... fui...

— Saga, fique quieto!

— Camus... não...

— Eu sei, Saga, nós sabemos! - Milo o cortou, sentindo o coração apertado de entender o que Saga queria dizer. - Mas respire devagar, tente ficar calmo...

Mais adiante, Verônica checava os sinais vitais de Basili, que apesar do tiro estava vivo, e já cercado de agentes da S.H.I.E.L.D. Ela olhou, frustrada, para o local atingido pelo golpe de cosmoenergia; sabendo que muito provavelmente Deadpool estaria ferido, muito ferido, mas vivo. E, uma vez vivo, ele se recuperaria graças ao seu fator de cura; e logo estaria de volta à ativa, mas mais mentalmente instável do que nunca.

Máscara da Morte correu em direção a Mu, quase atropelando a multidão que tentava se direcionar à porta de saída congestionada por pessoas em pânico. Aos gritos, convenceu-o a trocar de lugar consigo, porque sabia que Saga poderia precisar de um teleporte o mais rápido possível, enquanto Verônica seguia tentando ajudar os cavaleiros e os agentes da S.H.I.E.L.D ali presentes a evacuar o prédio com relativa segurança aos civis.

Mu correu em direção a Saga, pedindo licença aos colegas que o ajudavam. Ele seguia respirando, mas com uma dificuldade que só parecia aumentar a cada segundo. Olhou as feridas: Dois tiros que entraram pelas costas e saíram pelo lado direito do peito, e pareciam muito graves até mesmo para seus parcos conhecimentos de biologia e primeiros socorros. Saga sangrava bastante, mas o lemuriano também sabia que, pelo trajeto das balas, o pulmão poderia ter sido seriamente afetado, assim como o coração e grandes vasos importantes também poderiam estar no trajeto dos disparos. Mesmo o uso do cosmo não teriam como curar lesões daquela magnitude; talvez apenas retardar seus efeitos por alguns momentos, até que pudessem buscar socorro especializado. O cavaleiro de Câncer estava certo, não tinham muito tempo.

Puxou Saga, Milo e Camus para si, contatando Dohko através de telepatia para avisá-lo que estava teleportando um baleado grave e que precisariam de atendimento médico de emergência, o que seria mais fácil de se conseguir em Atenas do que no meio daquele hotel-cassino com vários feridos.

Em poucos segundos, sumiram do chão do mezanino do hotel.

OOO

Kanon achava que sentiria dor, como das outras vezes que tentou elevar o cosmo no seu atual corpo. Estava enganado. Dessa vez, ele não sentia nada.

Via Ikki já em cima de si, levantando-o como se fosse uma boneca de pano, e só o fato de ele ter mexido em seu corpo lhe fez o ar faltar. Ikki gritava, o mandava ficar acordado, o mandava respirar.

"Se fosse fácil, eu estaria dando meus pulos pra conseguir isso, frango..." - Pensou o ex-rapaz, surpreso por conseguir essa piadinha num momento como esse.

— Kanon! Kanon! - Ikki continuava gritando como se os gritos pudessem manter a agora moça respirando. Talvez ajudassem a mantê-la acordada, mas a palidez extrema, a respiração quase inexistente e os lábios e pontas dos dedos já arroxeados lhe diziam que a situação era, no mínimo, desesperadora. Sentiu Shion, Julian e Atena praticamente se materializarem diante deles; Shion o afastou com um solavanco para segurar Kanon nos braços.

Kanon tentou falar, mas o ar simplesmente não saía.

— Não fale. Não fale. - Saori estava ao seu lado, junto de Julian e do lemuriano que o segurava, e tentava usar seu cosmo junto ao dele para ajudar; fazer com que a energia vital exaurida pelo uso indevido do cosmo do ex-rapaz se restabelecesse pelo menos o mínimo necessário para manter suas funções vitais funcionantes; assim como tentava o avatar do Deus dos Mares. Mas ambos percebiam que era inútil. - Não fale...

— É minha culpa... - Ikki dizia, entre lágrimas, de joelhos junto aos dois. - Eu devia ter visto, eu quem devia ter acertado o atirador que acertou o Saga...

"O tonto nunca ia adivinhar que atirariam pelas costas..." - Ikki, Shion, Julian e Saori sentiram os pensamentos vacilantes de Kanon, junto com a preocupação de não saber se o que fizera foi suficiente para salvar a Saga.

— Saga está bem. - Atena sussurrou, ainda tentando manter Kanon respirando com seu cosmo e sua própria energia vital, sem efeito nenhum. - Ele está recebendo atendimento nesse exato momento, ele vai se recuperar, Kanon...

Kanon tentou esboçar um sorriso, e a última coisa que eles sentiram nele foi a satisfação de saber que o irmão ficaria bem.

Depois, nada.

OOO

Saga inquietou-se ainda mais, embaixo da máscara de oxigênio que colocavam em seu rosto.

Estava num dos hospitais mantidos pela Fundação Graad, especializado no atendimento de militares e cavaleiros. Cortesia do teleporte de Mu, do apoio dos cosmos do lemuriano, de Milo e de Camus, e também da presteza de Dohko, Aiolos, Shaka, Seiya, Shiryu, Shun e Hyoga, que praticamente o enfiaram, em tempo recorde, dentro da sala de emergência do hospital.

Estava difícil respirar, sentia dor e uma sensação horrível de sufocamento, mas o que lhe preocupava agora era o que não sentia.

A cosmoenergia de Kanon fora o responsável pela Explosão Galáctica, disso ele tinha certeza; mas agora ela tinha simplesmente desaparecido. Junto com qualquer traço, cósmico ou psíquico, de sua presença.

— Fique calmo, Senhor Saga! - A enfermeira tentava manter a máscara no lugar, sem sucesso. - Não se agite, ou pode precisar ser entubado!

— Vamos precisar drenar o tórax dele. - O cirurgião o avaliava auscultando seu peito com um estetoscópio, o que só aumentava sua dor. - Levem-no à Sala de Trauma, separem o material.

— Ele vai ficar bem? - Perguntou Shun, com um fio de voz.

— Não sei, dependerá da quantidade de sangue que sair durante a drenagem. - Respondeu o cirurgião.

— Posso ir junto? - Perguntou Mu, apreensivo.

— Melhor não...

— Doutor, eu posso ajudar a mantê-lo calmo com meus poderes...

— Você tem certeza que consegue ficar lá durante o procedimento sem atrapalhar? - O cirurgião foi direto em sua pergunta.

— Tenho. - Mu ergueu o queixo, ainda mais direto em sua resposta.

— Então pode, mas entrará apenas você. - O cirurgião olhou diretamente para Camus e Milo, que estavam ali junto com o lemuriano.

Saga continuava querendo falar. Olhou para Mu, com os olhos suplicantes, sabendo o que o lemuriano faria: Desligá-lo da realidade para que a equipe médica pudesse trabalhar.

Mas antes ele precisava saber o que tinha acontecido com Kanon.

Fique calmo... — A voz de Mu ressoou em sua cabeça conforme as mãos do lemuriano encontraram as suas. - ...Tudo ficará bem....

Saga ainda fez um último esforço, mas sentiu seu corpo relaxar contra sua vontade, e sua mente ficar cada vez mais embotada.

Depois, Saga.

OOO

Shion estava com o corpo da agora moça em seus braços, apesar das muitas tentativas que fizeram de tentar reanimá-la.

Massagem cardíaca, respiração boca a boca, transfusão de cosmo, a intervenção divina de Atena e Poseidon, juntos. Nada adiantou.

Saori chorava desconsolada, enquanto era amparada por Julian em um estado misto entre a devastação pela perda do líder de seus generais e a incredulidade por ver Kanon de Dragão Marinho morto; algo que ele considerava impossível mesmo em sua forma feminina. Ikki mantinha o rosto abaixado, escondido entre as mãos, se recriminando incessantemente pela morte do colega; e Shion seguia segurando Kanon, quase imóvel pelo peso daquela perda, enquanto jurava que Nicholas Fury e a S.H.I.E.L.D pagariam caríssimo por aquilo. Porque ele tinha avisado, desde o começo, que aquilo daria errado. Muito errado.

Kanon pagou com a vida pela insensatez de Nick Fury. E pela sua própria.

Colocou o corpo da agora moça no chão, cobrindo-a com um lençol aparecido sabe-se lá de onde. Ouviu Julian dizer, com a voz embargada, que teriam que tirar o uniforme de copeira que ela usava, porque não poderiam prestar-lhe as últimas homenagens com ela vestida como estava.

Até nisso ele falhara com Kanon. Ele teve que perder a vida preso a um corpo que não era seu.

— Ele salvou a vida do Saga... - Ikki seguia repetindo enquanto Julian confortava a Deusa, que seguia chorando em seus braços.

— Ikki, Julian tem razão... Precisamos de um macacão, ou uma outra roupa masculina qualquer. - Shion levantou-se, apreciando o pragmatismo do avatar de Poseidon. - Não podemos deixar que ele seja visto... assim.

O outro assentiu, e foi até a porta de um dos vestiários da equipe de serviço para pegar um dos macacões do pessoal de limpeza. Não demorou nem cinco minutos, voltou com um deles na mão. Julian se ofereceu para trocar a roupa da agora moça, e se ajoelhou diante dela com o macacão na mão. Hesitou, porém, na hora de desabotoar a camisa do uniforme de copeira que usava a agora moça.

— Saori... - Virou-se para Atena, reticente. - Você poderia...

— Claro. - Saori assentiu. - Por favor, me deem licença...

Shion, Julian e Ikki saíram do local, sem dizer uma palavra.

Cinco minutos depois, os gritos de Saori os trouxe de volta.

— O que houve? - Shion cortou sua frase em seco quando viu a Deusa ao lado do corpo de Kanon, que agora emitia uma estranha luz azulada.

Bem que Shion já tinha visto muita coisa estranha em sua longa vida, mas um corpo que começa a brilhar era certamente uma novidade.

— Mas o que é isso? - Ikki estava assustadíssimo. Era verdade que ele era um guerreiro corajoso como poucos, mas tinha um certo receio de histórias de almas de outro mundo, por mais absurdo que isso pudesse parecer a um cavaleiro que já descera até as últimas prisões do Inferno de Hades para enfrentar espectros poderosos. Culpa, claro, das apavorantes histórias contadas por Tatsume quando ele era criança. - Será que é a alma do Kanon que está voltando pra se vingar?

— Não é cosmoenergia... É magia... - Shion seguia olhando as luzes que vinha do ex-rapaz; e, súbito, o pergaminho que tentara traduzir algum tempo atrás, quando procurava uma solução para o problema de Kanon, veio à sua mente.

Na época não entendia o que ele queria dizer, mas agora estava claro como água.

— Uma forma de provar o seu valor... - Atena deu um passo em direção à agora moça quando o corpo dela começou a brilhar de forma mais intensa. - Ser capaz de amar alguém de forma incondicional...

E a magia seguiu seu curso, no meio de um clarão o corpo da moça se suspendeu no ar, para voltar lentamente ao chão conforme as luzes se apagavam.

Mas não era mais uma moça quem estava nas roupas de copeira. A camiseta se rasgara na altura dos botões do busto, expondo um torso musculoso, e a saia aparentemente encolhera, mostrando pernas bem mais longas, e evidentemente masculinas.

— Ele... Voltou ao normal? Depois de morto? - Julian estava confuso, mas não deixava de pensar que isso, pelo menos, pouparia algumas situações embaraçosas durante o funeral e o enterro.

— Ele não vai ganhar só seu corpo original de volta... - Atena conseguia sentir a alma da antiga feiticeira, que não só desfazia o feitiço, como também lhe acenava uma graça que concedia aos que consideravam dignos. A Deusa sorriu em agradecimento enquanto a presença da feiticeira milenar se esfumava, e continuava olhando fixamente para o rapaz que, mesmo desacordado, parecia bem mais corado do que há momentos atrás.

Não esperaram muito. Com um toque da Deusa em Kanon, ele acordou puxando o ar com força, sendo logo apoiado por Shion e Julian, que correram para ajudá-lo.

— Calma... Calma. - Shion não sabia se chorava de alegria por ver que ele estava vivo, ou se ria pela divertida visão do suplente de Gêmeos em um uniforme de copeira alguns números menores do que ele. No entanto o rapaz, agora um rapaz novamente, olhava para ele de forma confusa; ainda não conseguindo falar. - Você voltou, Kanon.

OOO

Saga acordou em uma cama de hospital, cercado do barulho de vários aparelhos conectados a si. Sua cama ficava entre duas paredes que davam pouco espaço para qualquer coisa além da cama, dos aparelhos ao seu lado e uma poltrona de couro falso. Não havia uma porta à sua frente, e sim uma cortina que separava aquele pequeno ambiente de um mezanino maior.

Pelo visto estava vivo. Em uma UTI, aparentemente, mas vivo.

Sentia uma dor enorme ao respirar e tentar se movimentar, e uma tontura constante que minimizava o incômodo da máscara de oxigênio em seu rosto. Tinha vontade de dormir de novo, mas obrigou-se a ficar acordado elevando seu cosmo de maneira imperceptível, mas o suficiente para melhorar, por enquanto, os sintomas que sentia.

Precisava descobrir o que tinha acontecido com Kanon.

Viu quando duas mulheres se aproximaram de onde ele estava, provavelmente enfermeiras que vinham lhe dar remédios, trocar curativos, algo assim. Era provável que, estando Kanon ferido, ele tivesse sido trazido para aquele mesmo hospital. Pensou em perguntar algo a elas, mas se manteve calado ao perceber do que falavam as duas.

Estavam falando, justamente, do pretenso 'atentado terrorista' a um cassino em Mônaco, bem como da captura de Benicio Basili que, segundo elas, estava internado no mesmo local que ele.

— Pois é, agora eu não entendo como que trouxeram o tal mafioso pra cá, sabe? Dê Mônaco pra cá é até bem longe... - Disse uma delas, enquanto ajeitava o soro no suporte ao seu lado.

— Segundo o agente que tá lá tomando conta do homem, ele veio pra cá por motivos de 'segurança nacional'... - A outra respondeu. - Agora eu é que não entendo como que um mafioso italiano vem parar na Grécia depois de um atentado em Mônaco...

— Olha, eu só sei que o tal agente que tá lá pajeando o bandido é bem bonitão. Né não?

Saga seguia de olhos fechados, deixando que a ilusão de sua inconsciência estimulasse as duas a seguirem adiante com a conversa. Não se enganou, elas continuavam falando.

— Isso é. Agora, as meninas do setor onde ele está é que dizem que o tal mafioso está chateadíssimo...

— Eu também ficaria chateadíssima se fosse um mafioso que foi pego pela polícia...

— ...Mas não é por isso. Parece que ele perdeu uma das amantes dele nesse atentado aí...

— Bem, menos uma biscate no mundo...

— Coitada da moça, vai... Cê nem conhece e já tá falando que é uma biscate!

— Mas não é? Que tipo de moça se envolve com um mafioso?

— Ele disse que a moça salvou a vida dele... Era o amor da vida dele, a pobre coitada!

Enquanto a outra moça bufava em resposta a colega, elas se afastavam de Saga. E, por estarem entretidas com sua própria conversa, não perceberam que ele abriu os olhos, e nem que ele fazia um esforço enorme para não chorar.

Não precisava ser muito esperto para deduzir que a tal moça falecida durante o pretenso atentado era ninguém menos do que "Tessália", que provavelmente morrera para tentar defender o mafioso das tentativas de assassinato de Deadpool. Funcionou, já que o criminoso seguia vivo, mas isso custou a vida do seu irmão, que provavelmente deve ter usado um ataque de cosmo para parar o mercenário, interpretado pelo mafioso como uma explosão que lhe tirou a vida, ou alguma coisa parecida.

Nem teve muito tempo, porém, para lamentar sua perda. Em menos de uma hora, outra mulher chegou perto de si, mas essa não se contentou e trocar-lhe o soro ou aplicar medicação na veia.

— Olá, Saga. Tudo bem?

Saga acenou com a cabeça.

— Eu sou sua fisioterapeuta. Fico feliz que finalmente esteja acordado, hoje vamos precisar fazer alguns exercícios. Tudo bem?

Saga assentiu novamente, mas era perceptível o quanto ele estava alheio às suas tentativas de comunicação.

— Você precisou passar dois dias entubado, por isso ficou sedado. É natural que esteja sonolento, mas preciso que me ajude...

Olhou para a moça, que em outros tempos julgaria bem bonitinha. Não era uma moça tipo 'capa de revista', mas era bonita, parecia ser educada, solícita, fazia seu tipo...

Quase ouviu a voz do irmão lhe dizendo, em tom de sorna, que só ele mesmo pra pensar que a moça que cuidava dele numa cama de hospital fazia seu tipo.

E isso, por mais prosaico que fosse, o fez ficar infinitamente triste.

— Aconteceu alguma coisa, Senhor Saga?

— Não, não... - Saga tentou endireitar-se na cama, mas sentiu uma dor lancinante ao fazê-lo. As mãos da moça o ajudaram, mas nem isso melhorou seu desconforto.

— Cuidado pra se movimentar, tem um dreno do lado direito do seu tórax...

— Percebi. - Respondeu Saga, lacônico.

— Mas, fora isso, você está sentindo alguma outra coisa?

— É que eu escutei, por alto, algumas coisas sobre uma moça que estava acompanhando o mafioso que foi capturado no tal atentado em Mônaco... Ela morreu, não foi?

— Oh... - A moça ficou perceptivelmente reticente. - Eu não sou a pessoa mais indicada pra te dar esse tipo de informação, me desculpe...

— Por favor, eu preciso saber. Eu a conhecia...

— Eu não tenho a confirmação exata, isso são apenas rumores... Fica complicado pra mim te confirmar uma coisa dessas.

— Entendo...

— ...Mas você pode perguntar ao seu irmão, assim que ele entrar pro horário de visitas.

A palavra 'irmão' fez os sentidos de Saga ficarem em alerta.

— Meu o quê?

— Seu irmão. - A moça seguia falando com uma naturalidade assustadora. - Ele esteve aqui todos esses dias que você esteve sedado. Inclusive, foi ele quem disse pro tal agente que toma conta do mafioso que a moça tinha morrido.

— Como você sabe que... Ele é meu irmão?

— Ele é... Igual a você. - A moça respondeu, com visível estranheza. - Ele não é seu irmão gêmeo?

Saga recostou-se no leito, visivelmente abalado.

Kanon estava lá fora?

Igual a ele?

— Ele... está aí fora? - Saga disse, com um tantinho de dificuldade.

— Está, mas não pode entrar até o horário de visitas...

— Eu preciso falar com ele... - A moça olhou para ele, desconcertada. - Por favor...

— Vou falar com o médico responsável, vamos ver o que ele pode fazer...

A fisioterapeuta saiu em direção ao salão, deixando Saga na expectativa.

Ela não podia estar errada. Não teria como saber que ele teria um irmão gêmeo, e ela disse que o vira ali, que ele veio vê-lo. Kanon não estava morto. Inclusive, ao que parecia, tinha voltado ao normal.

Mas como isso aconteceu? Ele tinha certeza que sentiu o cosmo dele desaparecer depois da Explosão Galáctica.

Seus pensamentos foram interrompidos pela visão da fisioterapeuta, que colocou a cabeça na cortina em frente a sua cama para lhe dizer que o médico liberara a entrada de seu irmão.

Segurou a respiração até ver que era realmente Kanon quem afastava a cortina para entrar, forte e saudável, vestido à paisana com uma camiseta e uma calça jeans.

E homem, novamente um homem.

— Oi, Saga. - Ele disse, um tanto sem graça. - O pessoal disse que você pediu pra eu entrar um pouco antes, que você estava acordado. E eu... Tô vendo que as meninas bem que cuidaram direitinho de você. Claro que você não tá nos seus melhores dias, mas não parece mais que você tomou um tiro.

— Kanon...

— É, eu voltei a ser eu mesmo. - Ele respondeu, com um sorriso. - Eu não posso descrever com palavras o quanto eu estou aliviado.

— Mas como...

— Antes que você continue perguntando, não foi nada agradável voltar a ser eu mesmo vestido como eu estava, ainda mais na frente da Saori, do Julian, do Ikki e do Shion. Eu troquei o tal vestido de renda por um uniforme de copeira, agora imagine você: Eu, de blusinha e sainha de copeira, sendo acordado pelo Julian e a Saori. Não foi legal, de jeito nenhum. E ainda tem o Ikki, aquele p*to, dizendo que eu fiquei ótimo de saiote e babadinhos. Mas ele vai ter o que merece, é só esperar.

— E o Basili?...

— Ah, sim. - Kanon meneou a cabeça. - Eu me apresentei como seu irmão e o informei do terrível destino que acometeu nossa pobre prima Tessália. Uma lástima, coitadinha. Ele está inconsolável, ele achava que aquilo era amor. - Kanon estalou a língua, aparentando pesar. - E até eu gostaria de te pedir que, por favor, se você encontrar com ele pelo hospital, não deixe de lhe prestar as condolências.

— Eu senti seu cosmo desaparecer... - Saga disse com dificuldade, mudando o assunto. Kanon mudou sua expressão para algo que Saga não soube definir bem o que era, fixando os olhos em algo bem interessante nos lençóis perto de onde estava sua mão direita.

— Ah. - Kanon disse, após algum tempo calado. - Teve isso, também.

— Foi você que disparou a Explosão Galáctica, não foi?

— Foi. - Kanon seguia sem olhá-lo nos olhos.

— Então já tinha voltado ao normal?

— Não. - O outro respondeu.

— Então como...? - Saga parou de falar, sem entender o que se passava. Kanon seguia em silêncio, olhando fixamente para o equipo de soro em seu braço direito.

— Ao que parece, eu bati de novo na porta do inferno. Ainda não bati seu recorde, mas o placar já está em três mortes pra você, e duas pra mim...

— E por que você disparou o golpe? - Saga perguntou, e o outro seguiu calado.

Mas Kanon resolveu resolveu falar, antes que ele perguntasse mais alguma coisa.

— Eu estava com o Ikki, no quarto, ou quinto, andar do prédio... Estava tentando achar o Basili, peguei um binóculo e vi você tentando prendê-lo no meio da confusão do mezanino do hotel. - Saga seguiu calado, dando a Kanon a chance de continuar. - Naquela mesma hora foi que te acertaram com um tiro.

— Você viu...?

— Vi. Com o binóculo e estando nos andares, eu consegui ver também quem estava atirando, e de onde. Eu vi quando você empurrou o Basili, e vi que o tal mercenário estava mirando pra te acertar de novo, apesar de que, pra ele, seria muito mais negócio se mandar dali já que a missão dele tinha ido pras cucuias... Mas ele parecia bem convencido em te acertar, e você não tinha como saber de onde ele estava atirando... Ele te tinha na mira, não ia errar o terceiro tiro. Não ia dar tempo de avisar ninguém, o Ikki estava mais na frente, sem o binóculo, não sabia onde estava o atirador. Eu vi que, se eu fizesse o que tinha que ser feito, eu conseguiria eliminar o cara. Aí eu... Concentrei o cosmo e soltei uma explosão galáctica.

— Você não devia... - Saga entendeu o que Kanon tinha feito, e preparou-se para lhe dar uma reprimenda, mas foi interrompido pelo irmão.

— É, eu sabia que eu não devia, Saga. E assim que eu terminei de soltar o cosmo eu entendi que eu ia morrer por causa daquilo. Imagina, depois de tudo que a gente passou, lá estava eu morrendo de novo por conta de uma explosão galáctica. Uma bela m****, você há de concordar, mas... Estranhamente, eu não estava triste. Ou com raiva. Eu estava... Como eu estava quando isso aconteceu pela primeira vez, em paz. - Kanon agora entretinha seus dedos no lençol próximo ao braço do irmão. - Porque... Quando eu morri pela primeira vez, eu morri por Atena, e eu morri feliz. Era como se eu tivesse cumprido uma missão que eu relutei por anos e anos pra aceitar, uma missão que era meu destino, que estava escrita nas estrelas que trouxeram a gente até o Santuário e até a armadura de Gêmeos. Eu demorei mais do que você pra entender isso, mas no final eu também entendi. Mas isso foi a primeira vez. Agora... dessa vez, no cassino, eu estava morrendo também. E eu devia estar triste, devia estar puto da vida, que dessa vez eu não morri por ela.

Saga sentiu a respiração ficar pesada pelo bolo na sua garganta.

— Mas eu também não estava bravo porque estava morrendo pra tentar te salvar, sabe?... Porque eu não sei se eu não ia conseguir viver comigo mesmo, sabendo que eu podia ter te salvado, e não te salvei. Eu... - Kanon parou um pouco, engolindo em seco. - Nem eu entendi; depois daquela briga que a gente teve, do negócio lá da Taberna, nem eu imaginava que eu fosse fazer isso. E eu sei que, no nosso caso, existem muitos motivos pra que eu não te salvasse. Não ia ser surpresa pra ninguém. Mas... Apesar de tudo... Ali, naquela hora, te vendo cair, eu acabei entendendo que pra mim até valia a pena fazer isso, e se pra te salvar eu tivesse que morrer, eu... Não ia ser assim tão ruim...

Saga não conseguiu mais segurar as lágrimas em seus olhos, não só porque sabia que devia a vida a Kanon, mas também porque ele entendera o porquê dele estar ali, vivo, de volta a seu verdadeiro corpo.

Lembrou-se do tal pergaminho que tanto penaram para encontrar, e cujo trecho que explicava como a maldição da feiticeira poderia ser revertida através de uma prova de amor incondicional foi interpretado por todos, ele próprio incluído, como um erro na tradução assumidamente truncada de Shion.

Não era um erro, e Kanon estava ali justamente por ter sido capaz de uma coisa que ele, Saga, jamais pensava que ele seria: De amar uma pessoa apesar de todos os pesares, de todas as arestas, de todos os inúmeros motivos que tinha para discordar, desgostar e odiar; e de amar essa pessoa a ponto de dar, por ela, sua própria vida em troca.

Essa pessoa era ele.

Usou a mão direita para encontrar os dedos vacilantes do irmão, e com o outro braço pediu por um abraço que não se davam já há muitos anos; talvez desde a infância difícil, seguida por uma adolescência ainda mais complicada, que serviu de prólogo para toda a tragédia de suas vidas adultas. Kanon não rejeitou seu pedido, e foi com um cuidado surpreendente que ele o abraçou de volta, afundando o rosto nos cabelos do irmão que sempre amou apesar de ter passado uma vida repetindo para si mesmo que odiava, uma ilusão que não resistiu a ideia de vê-lo perder a vida diante de seus olhos.

— Mas não é pra se acostumar não, viu? Eu é que não pretendo passar a minha vida arriscando meu traseiro desse jeito por sua causa... - A voz de Kanon estava abafada, talvez por conta dos cabelos de Saga, talvez porque ele também estivesse com a garganta fechada por um choro que, Saga sabia, lutaria até a a morte para conter.

Mas Saga chorou, como já chorara antes outras vezes; mas pela primeira vez ele chorava se sentindo realmente seguro, porque ele se sentia amado. E amado por uma pessoa cujo amor sempre lhe fizera muita falta, mas que agora estava ali, em volta dele, apesar de tudo. Mesmo que de forma disfuncional, como era característico de todo o histórico dos dois; mesmo que tivessem descoberto em si mesmos a capacidade de chegar a esse sentimento depois de passarem por tudo o que passaram.

Mas ainda assim, agora, eles poderiam ser os irmãos que sempre deveriam ter sido.

Ele e Kanon finalmente seriam uma família.

OOO

FIM...?

 

Calma, pessoal. Ainda tem o EPÍLOGO!


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