Wolfpack escrita por Junior Dulcan


Capítulo 4
1x04 - Wendigo


Notas iniciais do capítulo

Eai Bando o/
Mais um capítulo e mais novidades para David e Jonny!
Obrigado pelos comentários, e aos que marcaram como favorito e até aos leitores fantasmas que estão apenas acompanhando (Gente se manifestem não posso pagar uma sessão espírita para me comunicar com vocês)

Apenas um lembrete que apesar dos personagens de Teen Wolf não me pertencerem, os personagens originais criados para esse conto sim! Então nada de sair usando eles por ai, é crime!



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Anteriormente em Wolfpack... David e Jonny esperavam apenas aproveitar mais uma noite na reserva em uma festa, porém o ataque de um animal coloca todos em perigo os dois em uma tentativa de salvar Helen, a garota pela qual David tem uma queda, ficam para trás e acabam mordidos pelo animal. Pouco mais de um dia eles sentem as mudanças e agora o ataque de caçadores os colocam em uma situação de vida ou morte.

Jonny

Uma mordida, é incrível o que uma mordida pode fazer. Tudo havia começado no momento que aquele animal maldito havia mordido a mim e ao David, e isso mudou tudo. De adolescentes normais fomos transformados em algo que nem saberia definir, pessoalmente estava "Okay" com minha vida. Tinha amigos, vida social, notas razoavelmente boas, festas e garotas não via nenhuma mudança significativa que poderia ser feita em meu tempo como estudante do ensino médio.

Então aquela maldita festa, tudo bem, estava incrível. Tínhamos bebidas, garotas, música e uma fogueira irada. E em alguns lances eu tinha uma mordida feita pelo animal mais feio que já tinha visto na vida! Um tipo de quadrupede, peludo com a cara que lembrava vagamente a de um cão. Os olhos eram o ponto que dava realmente medo, íris vermelha mergulhada em um espaço escuro, os movimentos eram inteligentes demais, meticulosamente calculados e sem espaço para falhas, aquilo parecia pensar como uma pessoa e ter o corpo de uma fera. Mesmo minha avaliação tendo sido superficial dado à escuridão sabia que ele era a coisa mais tenebrosa que já havia visto.

Dormir na selva não era exatamente a parte estranha, já havia dormido em lugares mais esquisitos, certa vez acordei do lado de fora da minha casa dormindo entre os sacos de lixo no quintal dos fundos. Minha tia Eva era uma pessoa compreensiva, apenas me olhava com aquela expressão de "Não quero nem saber como você chegou aí" e voltava para os seus afazeres. Muito bonita aos trinta e sete anos, Eva Grace era alta, atlética e uma das morenas mais bonitas que conhecia. Tinha apenas um metro e sessenta e quatro, mas não se engane, ela sabia ser assustadora quando queria, a pele perfeita, lisa e forte, cabelos longos e negros, olhos amendoados da cor de chocolate ao leite, nariz pequeno, maças do rosto bem desenhadas e um queixo pequeno e firme. Tudo isso somado ao corpo escultural e a voz firme a faziam o alvo maior de muitos homens da cidade.

Morávamos juntos desde os meus cinco anos, meus pais haviam me mandado para viver com ela quando decidiram morar fora do país para ampliarem seus talentos em suas respectivas áreas de pesquisa. Eu estava bem com isso, eles sempre mantinham contato, vinham me visitar em feriados como o Natal e tentavam manter o mais próximo possível nosso relacionamento como família. Nunca entendi realmente porque nunca fui viver com eles, mas com o tempo me acostumei a viver com Eva.

Ela era meio que uma inspiração para mim, todos a queriam e a admiravam e ela sabia lidar com aquilo, era fantástico! Fiz de tudo para ser alguém que caminha ao lado dela, fiquei atlético, cuidei da minha aparência, mantive o limiar certo entre o acadêmico e o esportivo. Ela sempre dizia o quanto eu era parecido com ela na juventude e isso me deixava feliz, se tudo fosse como eu planejava, conseguia ver claramente meu futuro.

Minha casa ficava no setor oeste, apenas algumas quadras de onde David morava e seguia o mesmo estilo de todas as residências do local: casa recuada, portão grande, garagem e fundos. Não havia jardim em minha casa, não tínhamos tempo para cuidar das plantas por isso não havia necessidade de plantá-las e então deixá-las morrerem de sede no solo seco. A garagem era projetada para dois carros e com uma porta na lateral direita por onde se entrava.

Quando apareci em casa após o desastre que tinha sido na reserva, recebi um ultimato dos castigos. Nada de festas fora dos limites da cidade, tudo bem dentro da cidade era sempre movimentado, mas fora era onde as melhores festas aconteciam. Meus pais não foram tão legais, iriam cortar por quatro meses qualquer verba que eu pedisse, não importava para o que fosse.

Eva estava na sala quando cheguei após uma noite de sono no meio da floresta, os olhos inchados de choro e as marcas escuras sob o mesmo, resultado da noite insone. Foi um momento de alívio e abraço seguido de gritos de raiva, uns tapas na cabeça e mais gritos.

— Como você pode ser tão absurdamente irresponsável?! – Isso não era bom sinal, olhos muito abertos, expressão raivosa e queixo tremendo! Cara, ela ia me matar! – Você tem consciência de que um garoto morreu?! Podia ser você! Se eu sonhar, você me ouviu? Sonhar que você colocou os pés para fora dessa cidade eu mesma vou matá-lo!

— Eu não levei o animal! Nem sabia que tinha aquele tipo de coisa vivendo na reserva!

— Não quero saber se a culpa é sua ou da mãe Joana! – Mãe Joana? – Você está proibido de sair dos limites da cidade! E fique feliz de eu não trancá-lo em seu quarto e proibi-lo de sair na rua!

— Tudo bem. Sem sair da cidade, entendi. – Ela passou por mim pisando forte indo direto para o quarto dela, a batida estrondosa da porta era só o início de uma semana cheia de acessos de raiva.

Mais tarde tive que encarar meus pais, a parte boa era que estavam no telefone e com isso o sermão foi quase todo ignorado. A noite veio e com ela meu apetite, não era qualquer fome. Parecia que não comia há semanas! Preparei alguns ovos mexidos com bacon, o cheio estava muito bom e fazia meu estômago roncar com força, devorei tudo em questão de segundos e estava a caminho do quarto quando senti uma pontada aguda de dor no estômago.

Quase não deu tempo de chegar ao banheiro, à bile quente passou por minha garganta e vomitei como se meu estômago quisesse sair pela boca. É claro que o bacon poderia estar estragado, era estranho, havia comido dele havia apenas um dia. Por um instante encarei meu reflexo no espelho do banheiro, meus olhos estavam totalmente brancos e havia uma fileira nova de dentes curtos e afiados sobre meus dentes, o susto e a consequente queda no piso escorregadio me renderam uma dor extra na cabeça que havia batido no vaso sanitário. Estava meio atordoado, mas olhei para minha imagem novamente, nada parecia fora do normal. Excelente, além de faminto estava vendo coisas!

Minha segunda tentativa de uma refeição não foi melhor que a primeira, a vitamina de banana com maçã voltou no momento que tinha terminado de bebê-la. Estava com envenenamento de alguma coisa que tinha comido, o problema era que não tinha ideia do que havia sido.

Tudo bem, um pouco de antiácido estomacal e uma boa noite de sono talvez resolvessem meu problema. A boa noite de sono não aconteceu da forma que eu pensei, tive sonhos estranhos sobre estar comendo pedaços de pessoas. Quando acordei no dia seguinte minha fome parecia ter triplicado, minhas lembranças sobre comer pedaços de outras pessoas tinha o estranho impacto de fazer minha cabeça doer e a barriga roncar.

O café da manhã não aconteceu, o cheio dos ovos, pão, café, leite e biscoitos eram repugnantes. Fui direto para a escola e com isso tudo piorava, não havia reparado direito até estar sentado na sala de Português. As pessoas estavam com cheiros estranhos: chocolate, maçã, morangos, bacon, frango frito e filé. A fome crescia e o era mais estranho, estava com vontade de mordê-los e o pior que pensar em comer carne humana me dava uma sensação de contentamento.

Falar com David no primeiro intervalo das aulas não melhorou em nada, ele estava experimentando efeitos estranhos na audição e parecia tão perdido quanto eu. Quando estava a caminho da minha próxima aula um outro cheio veio até mim, sangue. Meu estômago borbulhou quando percebi que era carne de boi crua e cheia de sangue.

As mulheres que trabalhavam na cozinha haviam acabado de sair quando avistei dois homens descarregando alimentos para a escola, podia sentir o cheiro da carne no meio daquele amontoado de frutas e legumes. Era evidente que eles iriam colocar a carne no freezer, esperei até que eles terminassem de descarregar tudo e fossem para a diretoria. O grande pedaço de boi era maior do que esperava e estava pendurado em um suporte no freezer ainda dentro de uma embalagem protetora.

Estranhamente o enorme pedaço de carne não parecia pesado quando o removi, o mais rápido que pude com um saco negro nas costas sai do refeitório e levei minha encomenda. Quando estava passando próximo a sala dos professores ouvi vozes, esperei confuso sem saber se deveria ou não correr. E então parecia que eu estava na sala com eles, podia ouvir claramente o que conversavam.

— ...estou um pouco gripada, será que posso pegar antibióticos na enfermaria? – A voz era feminina e chiada, pertencia à professora de Literatura Sra. Amanda.

— Acho que não poderá, ouvi na secretária que Cíntia não veio trabalhar hoje. E se ela souber que alguém pegou medicamentos sem autorização vai prestar queixa. – A segunda voz era masculina e pertencia ao professor Mendes, achei que ele estava em aula.

Aquela era uma informação valiosa, fui direto para a enfermaria. Não foi fácil, tive que me esconder inúmeras vezes de alunos e funcionários. Quando cheguei à enfermaria a porta estava aberta, olhei algumas vezes lá dentro e constatando que realmente estava vazia levei meu prêmio. Assim que abri a embalagem que protegia a carne, o sangue escorreu da abertura para minhas mãos. Estava misturado com água, mas ainda cheirava melhor do que qualquer coisa que eu tivesse comido no último dia. Minha mente deveria achar aquilo nojento, mas não acontecia, simplesmente só conseguia pensar na sensação de mastigar aquela carne e de sentir o sangue em minha boca.

A primeira mordida foi uma enxurrada de sensações boas: calor, contentamento e prazer. Não era exatamente o que eu queria comer, mas meu estômago aceitou sem protestar. A próxima coisa que consegui me lembrar foi quando David apareceu, ainda sentia os cheiros a minha volta, mas ele era diferente, como uma etiqueta de "Não é bom para a saúde".

Levei alguns minutos para me situar e perceber que tinha comido quase tudo, e tinha ossos no meio! Estava surtando com certeza! David tentava me acalmar enquanto seguíamos com o nosso dia, ele até me ajudou a esconder o que restava da carne, parte de mim queria voltar ali mais tarde e comer o restante.

O jogo de basquete foi mais estranho ainda, conhecia David a tempo demais para saber que ele não era fenomenal no esporte, de repente parecia que estávamos cercados de lesmas, tínhamos uma sincronia anormal naquela partida e nem formávamos dupla com frequência!

— Temos que voltar na reserva! – Enquanto trocávamos de roupa no final do treino onde nós dois havíamos sido selecionados para titulares, bom, eu já era titular só havia recebido renovação da colocação. Tentei levar a conversa para um caminho onde descobriríamos o que estava acontecendo.

— Claro, vamos com certeza. – David parecia nem perceber que eu estava falando para voltar onde tudo havia começado. O sorriso idiota de felicidade não o deixava voltar à realidade da situação.

Cara! Você nem está me ouvindo!

— Absolutamente. Quer voltar a reserva. Vamos totalmente certo! – Edy apareceu no vestiário, estava com uma mistura de espanto, felicidade e nervosismo. Ele foi direto até nós e parou alguns passos à frente de David.

— Parabéns pelas jogadas! Não sabia que vocês eram tão bons assim! E é claro, bem-vindos ao time titular de basquete. – David o cumprimentou animadamente, eu por outro lado não estava tão bem assim. Edy e eu não éramos exatamente melhores amigos ou parceiros de equipe, ele sabia que há muito tempo queria o lugar de capitão do time e se empenhava em manter a posição até a formatura.

Edy saiu ainda meio sem jeito, foi se trocar no lado mais distante do vestiário, ele nem apertou minha mão como fez com David, talvez houvesse algo de bom nisso tudo, se conseguisse continuar jogando tão bem poderia me tornar o capitão. Já estava decidido a visita a reserva quando encontramos Helen na saída da escola, não tinha nada contra ela, mas tinha certeza de que David ficaria ainda mais distraído com ela por perto.

Não era possível que ela não percebia que ele praticamente estava se jogando em cima dela, e o pior! Ela correspondia! Sinceramente as garotas às vezes eram estranhas, nunca se podia confiar cem por cento no que elas diziam! Com apenas algumas palavras bem colocadas a garota nos fazer cancelar nossa visita à reserva para ir para outra festa, não tive opção a não ser concordar. Quando Helen falava, David não pensava com a cabeça certa.

Ele havia me sugerido passar no hospital para fazer um check up, mas já estava com dúvidas sobre o que tinha acontecido. Quando seus amigos te mandam para o hospital em geral você ignora, achei bem mais produtivo ir para o mercado comprar carne, o açougueiro achou estranho quando pedi as carnes mais sangrentas e recentes que havia em estoque. Até me perguntou se eu estava preparando algum churrasco, na falta de melhores respostas concordei.

Após comer quase dez quilos de file bovino, estranhamente meu apetite parecia regulado. Até consegui comer batatas fritas e tomar um pouco de coca, Eva não estava em casa e tinha um bilhete na geladeira avisando que ela chegaria tarde. Bom, não teria problema então em ir à festa afinal ela nem estava aqui para me dizer que não poderia.

Aproveite à tarde para fazer algumas pesquisas. Não precisava ser um gênio para ir ao Google e pesquisar sobre sintomas estranhos, porém tudo que explicava o que eu e David tínhamos eram lendas de Lobisomens e Wendigos.

Os sites indicavam que David havia sido infectado com um vírus que transmitia a licantropia, que era passado de um lobisomem alpha para um humano comum. Meus sintomas eram mais assustadores, ao que parecia eu era nascido dessa forma, apesar de muitas pesquisas indicarem que deveria ser uma forma de monstro deformado, outras diziam que pessoas como eu poderiam passar a vida toda sem perceberem o que eram, até que algo as mudasse. Comer carne humana era uma delas, e todas as fontes pareciam concordar que se uma pessoa com os mesmos sintomas comesse tal carne não teria volta.

Estava tão ocupado lendo os materiais na rede que quando meu celular tocou quase cai da cadeira, o identificador mostrava o nome David e nesse momento eu era capaz de apostar que não era nada de bom.

— Alo?

— Hey! – A voz dele estava carregada de tensão, provavelmente havia acontecido alguma coisa. – Sua casa por acaso não foi invadida por um cara de capuz e olhos vermelhos assustadores, foi?

? Não. A sua foi?

— Longa história, te vejo na festa vou tentar encontrar essa pessoa, talvez não tenha ido muito longe. Talvez me esconda debaixo da cama, o que parecer mais razoável. – Fiquei um pouco preocupado, talvez não fosse um lance estranho como o animal na floresta e sim algum ladrão comum. A reação mistura de sarcasmo dele era pouco convincente.

— Você não deveria ligar para polícia?

— Você não deveria ir ao médico?

— Bem observado espertinho. – Desliguei o aparelho e voltei minha atenção ao monitor, não havia feito nenhum progresso. Até onde sabia nada daquele material era confiável, precisava de uma resposta e não de contos da meia noite.

O restante da tarde passou sem nenhum grande evento, enquanto me preparava para a festa de Kelly pensava em como nada do que estava acontecendo fazia o menor sentido. Infelizmente não poderia ir dirigindo até a festa, tinha apenas dezesseis anos e isso significava mais dois anos de espera até minha carteira de motorista. Eva não estava em casa, ou seja, nada de carona.

Para minha sorte a casa de Kelly não ficava longe o bastante para uma caminhada se tornar cansativa, em sete minutos já estava próximo o bastante para ouvir o som da música alta. Desde o desastre na reserva não me sentia um adolescente novamente, mas ao chegar à casa de Kelly tudo voltou ao que sempre foi. Garotas, bebidas e música! Não queria perder aquele momento por isso me limitei apenas a cumprimentar David e Helen na entrada, já que estavam juntos.

Era questão de tempo até os dois ficarem, eles eram lerdos demais para simplificarem as coisas e colocarem mãos e corpos nos lugares certos. Eu por outro lado, estava interessado em algo mais emocionante que dançar. Senti alguns olhares de desejo em minha direção, era bom estar de volta aos negócios. A noite estava prometendo bastante, descobri que era relativamente tolerante a carne malpassada, tinha um gosto bom o tempero com sangue.

Infelizmente um uivo interrompeu minha noite perfeita, tentei me convencer de que era minha imaginação. O segundo veio e um terceiro, corri no meio das pessoas ainda sem terminar de engolir os pedaços de file malpassado. Quando David me avistou tive certeza de que não estava imaginando nada.

Podia sentir o tom de aviso nos uivos, não sabia como explicar, mas sentia que era um tipo de chamada de emergência. Tivemos que correr por boa parte da cidade até chegar a um lugar bem familiar, a rodovia que separava os limites da cidade e a reserva. Quando chegamos ao local não havia mais uivos, apenas o silêncio, até o primeiro tiro acertar David. O segundo quase me acertou, e então havia pessoas camufladas por toda parte, apontavam armas e conversavam baixo entre elas.

Não preciso dizer que eles nos dominaram em segundos, quando pensei que ia morrer o som de ossos quebrando chegou aos meus ouvidos. Que saber a pior parte? Senti certo prazer com o som, minha mente associava aquilo ao barulho da casca do pão francês. Tínhamos um salvador, não vi seu rosto, mas seus olhos vermelhos por baixo do capuz eram difíceis de não notar.

Ele nos mandou para a floresta enquanto lidava com os caçadores, mas não fomos longe. Eles estavam preparados, tinham armadilhas e caímos em uma em questão de minutos. O caçador gritou algo em triunfo e depois me atacou, ele mirou em meu coração, o bastardo queria me matar mesmo. Consegui evitar que a lamina que ele segurava acertasse seu alvo, mas senti quando logo acima do peito a dor aguda se espalhou.

David atacou e o homem nem teve tempo de reagir a sua fúria. Senti sua raiva e seu rugido explodiu na clareira. Um segundo caçador entrou na briga, ele atacou meu amigo, mas de alguma forma David pegou a flecha em pleno movimento. Quando olhei para ele algo se agitou dentro de mim, as orelhas estavam maiores e pontudas, haviam mais pelos em seu rosto que se expandiam do couro cabeludo para o queixo, o nariz parecia o focinho de um animal, os olhos ferozes da cor amarelo ouro estavam focados em seu alvo enquanto as presas estavam a mostra em desafio.

Minha mente foi tomada pela insanidade, quando o caçador apontou sua arma em minha direção à única coisa que tinha em mente era se ele tinha gosto de galinha ou peixe. Pulei sobre ele, as presas cresceram e as cravei em seu pescoço. Senti o sangue em meus lábios, era quente e doce como se tivesse provando o melhor doce que existe. Sentia a carne em minha boca, mas em algum lugar da minha mente um aviso explodia: Não coma isso!

Mesmo não tendo engolido sentia o sangue humano em meu sistema, aquilo estava me mudando. Quando rugi senti a besta em minha mente despertar. Fúria, poder e fome, um tipo de fome que não era fácil de ser aplacada. Uma mordida e tudo havia mudado para mim.

— Droga! – O cara encapuzado apareceu me empurrando com força para longe do caçador. Senti meu sangue bombear com força, mas quando parti para cima dele ele rugiu. A altissonância foi o bastante para que eu voltasse a pensar com clareza. – Vamos dar o fora daqui esses caçadores não vão ficar nada satisfeitos quando perceberem que um deles morreu!

Não tinha o que ser discutido, David ainda estava transformado e não parecia pronto para fazer qualquer objeção. O encapuzado disparou pela floresta correndo em uma postura semelhante à de um animal, levou apenas alguns instantes para David fazer o mesmo e apesar de ser ágil eu não via necessidade de mudar minha postura.

Já havíamos percorrido uma boa distância quando o homem simplesmente parou, meu amigo e eu secundamos o movimento. A noite estava escura, mas era fácil ver os olhos vermelhos daquele homem procurando por algo.

— Por que paramos? Não deveríamos estar criando a maior distância possível entre nós e eles? – Ele fez um sinal para que eu ficasse quieto, queria respostas e estava prestes a começar uma discussão quando outro rosnado cruzou a floresta.

— Tem mais? Quero dizer, você trouxe alguém com você? – Antes que o homem pudesse responder os gritos na floresta começaram, era como reviver a noite da festa.

Um grupo de caçadores surgiu da trilha de onde viemos, eles pararam quando nos viram apontando as armas, um deles foi pego antes de levantar a arma. Seus companheiros confusos procuravam o atacante, mas era impossível determinar de onde ele atacava.

— Vamos sair daqui, enquanto estão distraídos! – Seguimos o encapuzado correndo, não queria saber o que estava atacando os caçadores, mas se estava nos ajudando ou apenas fazendo um lanche era uma questão para a qual eu não tinha a menor curiosidade.

Infelizmente o monstro tinha outros planos, derrubou todos tão rapidamente que até perceber que o mundo não dá giros velozes como aquele e que o ar geralmente não tinha gosto de folhas e terra à fera já estava perto o bastante para vê-lo. Era enorme com certeza, do tamanho de um cavalo ou possivelmente maior, a pele escura como a noite e com pelos longos e negros, estava apoiado nas quatro patas que eram longas e curvadas de uma forma estranha, como se não fossem naturais daquela espécie, o rosto era particularmente difícil de descrever: tinha um focinho semelhante à de cão ou lobo, porém de alguma forma lembrava mais um demônio do que um animal, a boca escancarada tinha presas de pelo menos sete centímetros, os olhos pareciam um mar de sangue, totalmente vermelhos como faróis e a pelagem se espalhava da cabeça para o restante do corpo.

David estava no chão ainda aturdido, os caçadores se levantavam e já estavam se recuperando. O monstro tinha sua atenção voltada para o encapuzado, eles se mediam e rosnavam um para o outro. Tudo foi interrompido quando explosões luminosas convergiam nas árvores.

— Cubram os olhos! Vamos sair daqui! – Estava me sentindo completamente desorientado, mas cobrindo os olhos ajudei David e logo estávamos correndo novamente enquanto deixamos para trás caçadores enfurecidos e o monstro rosnando.

Aproveitamos a confusão para fazer um contorno e sair da reserva pelo lado oeste, havia ainda muitos gritos e tiros na floresta e isso logo atrairia a atenção da polícia. David estava anormalmente quieto quando finalmente saímos daquele inferno.

Fomos guiados até o ferro velho abandonado, o encapuzado havia feito algo para cobrir nossos rastros e em seguida nos levou para um tipo de contêiner coberto por vários carros enferrujados.

O lugar era pequeno, tinha apenas um colchão em um canto, alguns livros, um notebook, uma garrafa térmica e um mini freezer. Assim que entramos ele fechou a porta do lugar e acendeu uma lâmpada no centro do local, quando finalmente estava sentado em um canto ele removeu seu capuz. Esperava que ele fosse parecido com o monstro demônio da floresta, mas ele parecia uma pessoa normal.

Devia ter volta dos vinte anos, barba curta e preta, pele clara um tanto batida, cabelos escuros e rebeldes. Ele não nos encarou diretamente, levou alguns instantes até mexer no freezer pegar algumas garrafas e distribuí-las. Quando olhou em nossa direção com a luz certa pude avalia-lo melhor, tinha sobrancelhas marcadas e uma expressão fechada, olhos próximos de um tom cinza, nariz um pouco reto, o lábio superior era um pouco grande se comparado ao inferior, e as orelhas um pouco pequenas.

— Devo confessar que estou surpreso de ver um lobisomem em companhia de um wendigo. Não é o tipo de parceria que se vê todos os dias. – David me olhou dando o ombro, não havia entendido nem uma palavra do que o estranho tinha falado. Por outro lado, eu sabia um pouco e isso me assustava. – Meu nome é Henry e por enquanto é só o que precisam saber.

— Só? Depois de tudo que aconteceu hoje? Não tem como voltarmos para casa com só isso! Lobisomens, wendigos e ainda tem pessoas nos caçando! Não tem noção que não queríamos nos tornar monstros?

— Tornar? – Ele fez uma expressão confusa ao me olhar. – Tudo bem, esse cara foi mordido e transformado, mas não dá para transformar alguém em wendigo. Você nasce como um.

— Eu não estou entendendo nada. Você está Jonny? – Balancei a cabeça negativamente, era muita informação de uma só vez. – Estou tentando parecer calmo e controlado, mas estou quase surtando aqui! Que inferno está acontecendo? O que é você afinal de contas? O que era aquela coisa?! E porque tinha pessoas querendo nos matar!

— Eu já disse quem eu sou. Sou um lobisomem como você, mas sou um alpha, você é um beta e seu amigo é um wendigo, outro tipo de shapeshifter.

— Shape... O que? – Não reconheci o termo, mas como foi David quem perguntou obtive a resposta da mesma forma.

— Quer dizer que tem o poder de mudar sua forma. Aquele na floresta é um alpha como eu, mas ele é mais forte e mais monstruoso, foi ele que mordeu seu amigo beta aqui. – Henry apontou para David, trocamos um olhar antes de falarmos ao mesmo tempo.

— Nós dois. – Respondemos ao mesmo tempo.

— Como é?

— Ele mordeu a ambos, na mesma noite com apenas segundos de diferença. – Ele ficou me olhando como se tivesse falado em outro idioma. – No dia seguinte já estávamos estranhos. Particularmente o que me incomoda mais é a fome, mas David teve problemas com a audição.

— Isso é bem comum para lobisomens novatos, leva tempo para se acostumar e nem estamos perto da lua cheia ainda. Tudo vai ser pior quando ela chegar, mas você nunca tinha feito nada diferente antes da mordida? Nenhuma preferência por carne, vontade de comer pessoas nem nada disso?

— Nunca. Do dia para a noite acho que comi o equivalente a uma vaca inteira.

— Talvez a mordida de um alpha tenha despertado isso em você, tenho um amigo em Beacon Hills que talvez possa nos esclarecer isso. Você não chegou a ingerir muito sangue humano e como não comeu nenhuma parte talvez seja capaz de se controlar, vai ser mais difícil agora que provou a maior tentação para alguém como você.

— Não vou comer pessoas!

— Mesmo? Pense no que aconteceu na floresta, pense com vontade no que você realmente queria fazer. – Não precisei nem me concentrar muito, minha cabeça rapidamente se encheu de imagens dos caçadores pilhados, drenados e mutilados enquanto me deleitava comendo grandes pedaços diretamente dos corpos. – Um jantar e tanto não é mesmo? Não sou especialista na sua espécie, mas já encontrei com alguns. Quanto mais se alimentar de carne humana, mas difícil fica para largá-la. Então sugiro que não coma ninguém, mesmo em situações de vida ou morte.

— Esse seu amigo em Beacon... Ele pode ajuda o Jonny? – David como sempre se esquecendo dos próprios problemas para ajudar nos meus.

— Bom ele é um veterinário, mas conhece mais do que qualquer outra pessoa que conheço sobre criaturas sobrenaturais, se alguém pode dizer como lidar com seu amigo esse alguém é ele. – Henry não era exatamente explicativo nas respostas, sempre falava por alto e isso só fazia mais perguntas surgirem na minha cabeça.

— Beacon? Nunca ouvi falar desse lugar. Onde fica? – O nome não parecia com das cidades nesse país.

— Fica na Califórnia. Já estive na cidade há um tempo, mas tenho caçadores e outras coisas a minha procura por isso não fiquei muito por lá. – E mais uma resposta que só me fazia querer fazer mais dez perguntas.

— Tudo bem, não sei vocês dois, mas para mim já chega desse momento de “conhecendo o lobisomem”. O que eu quero mesmo saber é: O que você estava fazendo na minha casa, e depois na floresta? Não pode ser coincidência que você nos encontrou dentre tantas outras pessoas na cidade. – Henry se jogou em seu colchão, parecia um homem que havia sofrido muito na vida, sua expressão séria e exausta era incomum em alguém tão jovem.

— Estou na cidade por causa do alpha, meio que temos uma história juntos. Os caçadores devem ficar por aqui por um tempo, então temos que ficar quietos, o alpha com certeza vai diminuir suas atividades nos próximos dias. Segui um rastro até sua casa foi só isso. – Dava para ver que ele media cada uma das suas palavras para responder à pergunta de David, não iríamos conseguir todas as respostas de uma vez.

— Reconfortante. E agora o que fazemos? – Ele ergue uma sobrancelha com meu comentário sarcástico, mas não havia nada que pudesse ser feito, ironia era meu meio de lidar com situações difíceis.

— Fiquem alerta, mas não chamem atenção para vocês, caçadores não ficam muito tempo em uma cidade se não houver ameaças. Depois podem decidir o que vão fazer.

— Eu não quero ser um lobisomem!

— Nem eu um wendigo! Quero voltar para minha vida normal! – Não preciso destacar o obvio sobre mim e David, não queríamos fazer parte de nenhum mundo de monstros!

— Infelizmente não é possível. Se quiserem não morrer antes da lua cheia é melhor fazerem o que eu digo, ser um lobisomem não é uma maldição! Somos predadores não assassinos.

— Isso é tudo muito lindo, mas aparentemente eu não sou um lobisomem! Sou a porcaria de um canibal! Eu matei um cara hoje, talvez mate outros! Não quero ser um assassino!

— Não posso garantir que você nunca vai matar de novo, já ouvi e vi que ser um wendigo é difícil, mesmo quando falamos de outras criaturas sobrenaturais, poucas tem que passar pelo o que você vai experimentar. A escolha de ser um monstro ou não é sua. Agora vou deixá-los em casa, ir a pé pode atrair os caçadores.

Havia um mar de perguntas para serem feitas, mas não discordei. Estava mais do que a fim de deitar e esquecer esse pesadelo por algumas horas. A noite tinha sido um total desastre, tinha matado uma pessoa e apesar de não ter pensado sobre o assunto antes a imagem do homem agonizando não saia da minha cabeça. Por mais que tentasse me livrar das imagens, elas pareciam apenas mais enraizadas. O que aconteceria quando a polícia descobrisse o que tinha acontecido? Dois corpos em duas noites seguidas! Isso acabaria virando notícia nacional.

Henry nos guiou para fora do esconderijo, o carro dele era um fiesta sedan preto muito bem escondido em outro contêiner. A viagem de volta foi silenciosa, ainda estava absorvendo tudo e não queria acreditar que aquilo realmente estivesse acontecendo. Em menos de quarenta e oito horas uma mordida tinha me transformado de estudante em canibal.

Minha casa era a mais próxima, mas Henry fez uma volta e deixou David primeiro. Meu amigo ficou parado a mão na porta, uma expressão preocupada vincando seu rosto.

— Eu não vou matar seu amigo esfomeado. – David me olhou por um momento, fiz uma careta deixando claro que também achava que ele não iria fazer isso. Quando o carro deu a partida o lobisomem começou a falar.

— Não falei antes para não deixá-lo mais nervoso, mas você provavelmente vem de uma família de wendigos. Se eles já estiverem completos, ou seja, já se alimentaram de carne humana, vão saber que você também se alimentou. Se isso acontecer então não importa o que eles façam ou o que digam nunca se alimente de humanos. Uma pequena quantidade de sangue vai ter um grande impacto, mas você não ideia do que acontecerá se você realmente comer o bastante para se tornar viciado.

— Cara e eu pensando que você queria me levar para um jantar romântico. – Ele não era muito adepto ao sarcasmo pelo visto porque fechou a cara e ficou irritado. – Isso não vai ser um problema, eu vivo com minha tia e ela quase não está em casa. Sou um atleta sei me controlar.

— Eu espero que seja verdade, geralmente wendigos não são amigos entre outros shapeshifters, você vai ter que ter o dobro de cuidado.

Quando finalmente estava em casa e fechei a porta longe dos olhares, sabia que talvez não fosse possível me conter. Havia passado a noite tentando não pensar em carne, mas sentia a fera no fundo da minha mente me compelindo a ir lá fora e matar. Corri para o banheiro, talvez uma ducha fria me deixasse mais calmo. Antes de a água tocar meu corpo minha mente foi tomada pelo desejo, se aquilo era o efeito de um pouco de sangue, não conseguia imaginar como seria se tivesse continuado e devorado o caçador. O desejo cresceu dentro de mim tomando cada um dos meus pensamentos até não ser mais capaz de pensar, os instintos me dominaram e depois disso não conseguia me lembrar de mais nada.

O som dos pássaros me acordou, estava deitado no meio da floresta. Levei alguns segundos para me orientar, a manhã estava enevoada. Meu coração acelerou, quando percebi que estava ensopado de sangue. Tentei me levantar, mas assim que tentei ossos frescos se espalharam a minha volta, tantos que era impossível para eu contar quantos havia.

— Você comeu metade das pessoas recém-enterradas, e mais algumas que estavam para serem analisadas no necrotério. – Henry estava ali, parado apenas alguns passos de distância. – Isso com certeza vai chamar a atenção dos caçadores. O estranho é que você fez isso em um estado sonambulo, mas pelo menos não matou ninguém. Fiquei preocupado que fosse matar, mas alguma parte sua estava consciente em sua escapada.

— O que vou fazer?! – Minha voz tremeu, nunca tinha tido tanto medo antes.

— Temos que enterrar tudo isso, os caçadores vão levar um tempo para concluir que foi trabalho de um wendigo. Enquanto você de fato não matar ninguém talvez eu possa te ajudar. Meu amigo de Beacon Hills me disse que vai ser desagradável para você, como viver em um mundo feito de bacon defumado e podendo comer apenas tofu.

— Por que você está me ajudando? – Ele não me respondeu, apenas pegou um grande saco preto e começou a recolher os ossos. Não tinha como entender o que estava acontecendo comigo.

 


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Notas finais do capítulo

Eai Wolfers!
Chegando ao fim de mais capítulo. Um pouco maior que o normal ,mas como tive que incluir muita informação não teve outro jeito.
Para meus leitores fantasmas, que seguem a história no anonimato, pelo amor do Nemeton se manifestem!

Uma pequena adição ao Dreamcast:

Eva Grace - Pheobe Tonkin
Henry - Jesse Metcalfe



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