Yu-gi-oh! GX Duel Academy - Chapéu Vermelho escrita por Kingdom of the Saints


Capítulo 1
Piloto - Minha chegada na Ilha


Notas iniciais do capítulo

A coisa sobre Yu-gi-oh! que faz mais difícil a escrita é, além do cenário e o universo em si estar aberto à interpretação (como também a cultura e a nacionalidade da maioria dos personagens), também é a excentricidade singular dos próprios personagens e elementos. Tudo isso funciona muito bem num anime em que você simplesmente pode se esquecer que no meio de uma ilha tropical não há animais ferozes, que uma academia de duelo é um conceito, apesar de interessante e cativante, incrivelmente difícil de explicar mantendo-se a verissimilhança, e o fato de uma ilha vulcânica ser, aparentemente, a escolha mais sensata de localização para toda uma comunidade de estudantes. "Aqui estão seus dormitórios, se divirtam limpando a fuligem dos seus uniformes e das suas coisas. Ah, e não cobrimos doenças respiratórias causadas pela fumaça vulcânica."Apesar de tudo, é um cenário que muito me agrada. Talvez porque me lembra de tempos mais inocentes em que eu podia simplesmente imaginar um mundo fora das restrições da lógica e da consistência. Em que eu podia pegar um conceito tão, perdão aos fãs, "bobo" como um jogo de cartas e criar um mundo que revolve sobre isso e não pensar mais fundo que isso. Yu-gi-oh! foi uma boa parte da minha infância, e ocasionalmente não posso deixar de re-ingressar do mundo fantasioso dos monstros de duelo, das cartas mágicas e de exclamar "você ativou minha carta armadilha!". E especialmente o cenário GX, que é quase uma mistura de Yu-gi-oh! com Harry Potter, com todos os mistérios, todo o sabor e toda a atmosfera da vida estudantil, que é tão doce e que amamos tanto.E é por esses motivos que espero que você, leitor, possa se divertir com as histórias de Solomon, que é uma pessoa qualquer e qualquer pessoa, enquanto explora todo o potencial, todas as vivências e todos os eventos arquetípicos de uma vida estudantil. E que possa semicerrar os olhos acerca das inconsistências lógicas, ou apreciar (ou pelo menos rir) das minhas próprias tentativas (pífias) de explicar o cenário esquisito do anime de uma forma logicamente sólida e aceitável. Cheers!



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Parece que foi ontem que eu cheguei nesta ilha. Bem, não é como se fizesse muito tempo, de uma forma ou de outra. Eu, um jovem zé-ninguém de uma cidade interiorana, consegui ingressar na mais prestigiada escola, formadora das maiores lendas profissionais de Monstros de Duelo, o jogo mais popular do mundo.

Monstros de Duelo simplesmente me cativava. Era um jogo de cartas colecionáveis, as quais retratavam, não surpreendentemente, monstros de características baseadas na mitologia e na cultura popular. Também retratavam encantamentos, que eram usados das mais diferentes formas: para aperfeiçoar o poderio dos seus monstros aliados, para frustrar as tentativas do oponente, para se proteger das tentativas deste de frustrá-lo, para invocar monstros mais fortes e garantir sua vitória; o jogo era intricado, gigante, com milhões de táticas, milhões de estratégias e um sem-número de cartas com uma grande variedade de efeitos, proporcionando uma experiência sem-igual. Era comum que uma pessoa normal jamais conhecesse todos os cantos e recantos do jogo.

As crianças jogavam-no, os velhos jogavam-no, trabalhadores ocasionalmente jogavam-no, mães jogavam-no; em suma, a probabilidade de, numa cidade comum, uma pessoa gritar “quero duelar” e ser respondido em tempo hábil era muito grande. O jogo não mais era um nicho, não mais era um hobby — embora pudesse sê-lo para algumas pessoas—, era um fenômeno. Um esporte. Uma integral parte de nossa sociedade, movimentando a economia e a vida social, e era até um incentivador do avanço tecnológico.

E eu era bom. Bom o suficiente para ter me tornado imbatível na minha cidade natal. Bom o suficiente para competir em campeonatos amadores com prêmios em dinheiro nas casas das centenas, nas cidades vizinhas. O que quer dizer, eu não era espetacular, mas certamente era o tesouro da minha cidade. Meus amigos frequentemente diziam-me, meio em chiste, meio em reverência, que “um dia, você vai sair daqui direto para a Duel Academy”. Eu nunca acreditei neles.

E ainda assim, esse dia chegou. Um dia, eu participei da iniciação e fui selecionado com lisonjas. E, portanto, eu naveguei, nada na minha mala exceto meu deck vencedor, contendo quarenta cartas, e minhas roupas, meus itens de higiene, um cantil e o meu boné vermelho. Ao chegar na ilha, mesmo ao longe, reparei na enorme estrutura central, de uma arquitetura futurística, como se uma gigante pedra multicolor tivesse perdido parte de suas paredes e dentro houvesse uma infinidade de dutos e canos, de peças de metal. Ao redor, vários obeliscos de cor alaranjada posicionavam-se como muralhas de um castelo, alguns em diagonal formando uma grande entrada para o coração da estrutura, e ainda alguns em vertical, apontando para o céu azul tropical. No topo, domos de várias cores: um grande e de tom branco-azulado, um amarelo, um vermelho e um azul, cada um deles pintados num material lustroso e apenas em sua cor. Era uma das únicas coisas que quebravam o verde da flora e o marrom vivo da terra, hegemônicos na paisagem.

A academia em si era encostada num grande paredão de rocha, separando-a de um resto de vale, até que a terra se erguia de novo num enorme vulcão, que para minha surpresa parecia estar ativo. Seguramente ativo, diziam-me, já que uma grande soma de dinheiro era dedicada a manter sua função sísmica completamente em cheque. Bem, eu já tinha visto nos torneios o que a alta tecnologia podia realizar, trazendo os monstros e as cartas à vida usando tecnologia de hologramas, não me parecia menos plausível que conseguissem controlar a magma de um vulcão.

Havia outra estrutura facilmente reconhecível na ilha, à distância, mas cujo tamanho era quase insignificante em comparação à própria academia. Essa estrutura era na verdade um complexo de casas assemelhando-se a castelos, com telhados de telha azul. Naquela época, presumi que se tratasse dos dormitórios de todos os alunos. Eu estava parcialmente correto.

Nosso barco atracou num cais, que continha um grande farol. O porto em si era uma sub-ilha próxima à principal, e era conectado a ela por uma grande ponte de metal. Eu fui instruído a seguir a estrada primeiro, acompanhada pelo reitor em pessoa. Adentrei a grande estrutura, maravilhado com seu interior rico, em que toda vez que se virava um olho, se era cumprimentado apenas por alta tecnologia. Subimos alguns andares por elevador, até a própria reitoria. Lá, assinei alguns papeis em relação a minha bolsa de estudos, assinando meu nome com toda a propriedade do mundo —“Solomon Bane”. O reitor, um homem barbudo e calvo, já nos seus cinquenta, vestia uma roupa que muito se assemelhava aos uniformes estudantis, mas não era vermelho ou azul ou amarelo como o de costume; era de um bordô rico, revelando por baixo o colarinho de uma roupa social bege e uma gravata vermelha. Provavelmente um distintivo de sua posição como reitor.

— Não é sempre que se vê um menino jovem de uma cidade interiorana chegar nesta ilha, Solomon. – Disse, de sua forma gentil, o reitor Sheppard. – Sua chegada aqui é uma surpresa para todos os estudantes. Um exemplo para todos nós. Orgulhe-se! – Disse, juntando as duas mãos e brandindo-as em vitória, para simbolizar a minha própria. – Mas há um pequeno problema, Solomon. Foi difícil conseguir um lugar para você nessa academia, e apesar de você ter sido impressionante no seu duelo de entrada, você terá de começar como um Slifer.

Ele me deu meu uniforme, um de cor vermelha. Ensinou-me que haviam três dormitórios na ilha, cada um de uma cor diferente, cujos uniformes também incluíam o branco. “Slifer Red”, “Ra Yellow” e “Obelisk Blue”. Eu não pensaria nada de ser incluído em qualquer um deles, estava apenas feliz de ter ingressado. Lembro-me de ter esboçado um pequeno sorriso bobo, rindo da coincidência; meu uniforme casava perfeitamente com minha escolha de cor usual, e também com meu boné.

Fui direcionado para minha aula por um dos instrutores, este vestindo uma roupa aquém do uniforme escolar, porém de coloração negra. Todos os instrutores utilizavam esta roupagem, assim como um par de óculos escuros. Também foi uma pessoa com essa indumentária com quem duelei para ser selecionado. Eles eram o grupo de apoio dos professores, e logo quando entrei na sala de aula em formato de anfiteatro, notei mais dois deles.

Fui logo apresentado ao professor Velian Crowler, este vestindo um uniforme como dos Obeliscos Azuis, porém uma versão mais régia com acabamentos em ouro que se assemelhavam a um uniforme militar napoleônico, e babados em cor-de-rosa que subiam seu colarinho e transbordavam de suas mangas. Seus cabelos eram dourados, presos num rabo-de-cavalo e com franjas mantidas em ordem. Ele também era pálido, mas uma inspeção mais acurada revelaria que isto era um efeito do polvilho, e seus lábios carregavam uma coloração púrpura do batom. Tudo isso contrastava com os sinais da sua idade, bem além dos quarenta. Ele era, sem sombra de dúvidas, a pessoa mais excêntrica em que eu jamais havia colocado meus olhos.

— Oooh, mas se não é o novo prodígio? — Ele falou, em sua voz quase mezzosoprano, que carregava em si uma pompa nobre. Até suas feições pareciam esculpidas em mármore, com as características mais apreciadas pela nobreza. — “Seja lá o que faça, não seja como aquele preguiçoso Slifer do Jaden Yuki. Inclusive seria melhor se você nem falasse com ele. Ele é uma má influência.”

Numa data posterior, eu aprenderia que Crowler guardava rancor desse estudante que, atrasado para sua seleção e com um desempenho terrível na prova escrita, duelou contra ele e ganhou.

— A aula hoje será mais branda para acomodar os alunos novos. — As aulas de duelo não tinham distinção entre dormitórios ou séries. — A aula irá começar em trinta minutos. Pode ir se aclimatando aos estudantes, by all means.

Parecia uma sugestão sensata o suficiente. Havia poucos alunos em sala, muito mais deles do Ra ou do Obelisco, e muito poucos Slifer. Minha atenção gravitou para um rapaz mais velho de cabelos azuis, com uma cara séria e um olhar fulminante. Trajando um uniforme branco-e-azul que era uma variante do Obelisco, parecia solitário numa das bancadas no degrau mais próximo do palco do professor. Eu tinha conhecido Zane Truesdale, o duelista mais condecorado e de maior sucesso na academia inteira, apesar de no momento estar completamente ignorante de seu status e fama. Ele não respondeu minha tentativa de aproximação imediatamente. Permaneceu em silêncio por três segundos inteiros, um silêncio pesado.

—... Você é o mais novo prodígio? – Ele falou, olhando-me da cabeça aos pés, com movimentos sutis e econômicos. – ... Você deve ter coragem, vindo falar comigo primeiro. Geralmente poucos se aproximam de mim. É bom saber que o Jaden terá competição.  – E virou-se, determinado a encerrar o diálogo.

Eu não tinha me sentido intimidado por sua frieza ou sua indiferença. Na verdade, muito me interessava seu semblante quieto. Com certeza eu podia ver como qualquer pessoa o pensaria cruel e orgulhoso, tão magnético quanto implacável. E seu jeito de ser certamente me parecia “legal” e estiloso, mas eu sabia que poderíamos ser bons amigos. Eu queria que fôssemos bons amigos.

E a segunda pessoa quem me chamou atenção foi uma garota, também do Obelisco, sentada numa banca no mesmo nível, porém do outro lado da sala. Com os cabelos lisos, longos e loiros, parecia uma pessoa bem mais viva e alegre, rabiscando qualquer coisa em seu bloco de notas, sua pele branca como neve. Mais importantemente, parecia ser uma pessoa acolhedora, e após o balde de água fria que era Zane, me pareceu uma boa mudança.

Mas minha tentativa de aproximar-me dela foi frustrada, quando por trás percebi que meu colarinho estava sendo puxado. Ao olhar para trás, vi uma garota também do Obelisco, com cabelos curtos e vermelhos.

—... Pode me soltar, por favor? – Foi a primeira coisa que me veio a cabeça, quando deparado com a rudeza do gesto.

—... Aonde pensa que vai? – Ela pareceu ignorar meu pedido, ou minha voz, ou minha existência. –  Você não está pensando em ir incomodar a Alexis, está? – Suas sobrancelhas estavam franzidas, ameaçadoramente.
Na minha lateral, surgia uma outra figura feminina, trajando as mesmas cores.
— Pra esse daí eu daria um cinco, no máximo. – Falou a menina de cabelos negros. Como quase todos nessa classe, parecia ter dezesseis anos. Minha idade, também.
— Olha, eu não sei o que dá nesses novatos que sempre se apaixonam pela Alexis em primeira vista. – A afirmação de que eu tinha sido atraído pela beleza da menina, apesar de não ser de meu desgosto, era, no momento, uma inverdade. – Circulando, moço. Ela não quer saber de você. Não arruíne o humor dela. Xô.

E foi assim que me foi frustrado meu primeiro contato com Alexis Rhodes. Eu tinha vindo para a academia com a intenção de encontrar pessoas interessantes, fazer amizades novas. E por ser tão particular na escolha dos meus amigos e confidentes, essas primeiras tentativas tinham sido desanimadoras. Eu decidi que não iria me deixar abater. Eu simplesmente ia tentar outra avenida para me aproximar dos dois. De algum modo, em algum momento. Eu simplesmente precisava entender como.

E a resposta estava próxima. Bem próxima. Inclusive, eu estava vestindo ela. Meu uniforme era meu distintivo. E eu entendi, mais tarde, após as aulas, que os Slifer eram, apesar de uma irmandade solidária, a camada mais baixa da sociedade escolar. Os párias e os não comprovados, os infirmes e os fracos, essa era a composição do dormitório, que se encontrava mais próximo do cais. Tudo nas instalações dos Slifer gritava abandono e segunda-mão. O dormitório lembrava-me de casa, feito exclusivamente de madeira, uma casa econômica que tinha beliches em cada quarto, pratos de plástico e acomodações sem conforto ou regalias, e rumores de ratos e insetos que dividiam o espaço conosco, sem serem vistos. E embora eu tivesse começado a me aproximar dos outros estudantes —considero-me extrovertido o suficiente—, doía-me viver revestido do preconceito dos outros estudantes.

E foi na volta ao dormitório, organizada pelo professor Lyman Banner, um homem que trajava roupas simples como uma camisa branca, uma calça negra, mocacins de mesma cor, cinto, gravata, e uma grande juba negra que contrastava com tudo isso, que eu percebi exatamente o que significava ser Slifer. Significava andar por estradas de terra até o dormitório, significava conversar e fazer piadas e cantar em uníssono durante toda a trajetória. Lyman em si era bem-humorado, de traços asiáticos, com olhos que sempre pareciam semicerrados. Ele era sempre acompanhado de um gato gordo, tigrado de laranja e negro. Significava ser membro de uma comunidade pequena, pois grande parte dos Slifers não aguentavam a pressão e desistiam. E, além disso, significava ser o pior que a academia tinha a oferecer, o pior que você jamais seria.

Quando chegamos ao depósito-tornado-refeitório, Lyman me apresentou ao resto da “gangue”. Os slifers não passavam dos vinte, ao todo. Fui logo apresentado àquele chamado de Jaden Yuki, um rapaz à sorte, energético e extrovertido. Eu estava cético quanto ao Crowler, afinal nunca confiei numa pessoa que maldiz outra em público, a plenos pulmões, e se sente confortável com isso. Mas eu devo dizer, eu detestei a figura desde o momento em que pus meus olhos nele. Sua cabeça era puro vento, suas atitudes eram puro ímpeto e seu linguajar era pura puberdade. Ele era acompanhado de dois amigos, Syrus Truesdale e Chumley Huffington.

Chumley era um sujeito grandalhão, com um cabelo frisado e penugento que se juntava em dois coques em localizações opostas na cabeça, parecendo um coala. Sua cintura denunciava seu amor por comida, e seu nariz era tão grande e rombudo como uma batata. A primeira coisa que ele me disse ao se apresentar foi “sou um repetente, e, portanto, ainda um novato como você”. Supus que era uma tendência que se repetia nos alunos do Slifer.

Syrus era a pessoa realmente interessante dentre eles. Seu sobrenome o denunciava como o irmão de Zane, mas ao que aparentava era tudo o que tinham em comum. Syrus era um menino com problemas de auto-estima, que usava óculos e tinha um visual bastante nerdy por si só. Em momentos, esquecia-se de suas deficiências e proclamava-se, em alto e bom tom, o "campeão dos Slifers!", ou “rei dos jogos!", mas apenas em tom de chiste, uma brincadeira para os momentos em que se sentia em casa e seguro —e frequentemente se sentia seguro dentro do dormitório.

Eu não achei que iria me dar muito bem com nenhum dos três.


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