Tenshi no Tatakai, não Há apenas Um escrita por Anita


Capítulo 19
Um Anjo de Luz Dourada




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Tenshi no Tatakai, Não Há Apenas um § 19 - Um Anjo de Luz Dourada

Olho Azul Apresenta:

Tenshi no Tatakai,

Não Há Apenas Um

Capítulo 19 - Um Anjo de Luz Dourada

  Muito barulho. Fazia sua cabeça doer. Seus olhos. Até sua mão. Esta ardia de uma forma especial, além da dor, não sentia mais nada dali. Beatrice não tinha certeza do que havia ocorrido, mas bem onde estava parecia haver muitas pessoas falando alto, coisas que depois de muito tempo começaram a virar palavras e fazer sentido:

-Eu já disse que ninguém me segura!
-Meichi-kun, estamos num hospital...
-Não posso perdoar que machuquem minha preciosíssima!
-E onde está a prova de que é sua?

  Três pessoas continuavam a falar. Enfim, começara a identificar sua amiga, Kari Tadahara, e achava que os outros deviam ser Hanato Meichi e Shin Kandatsu.

-Mas o que estou fazendo em um hospital? -perguntara-se alto sem querer e nem podia abrir os olhos sem que ardessem demais.
-Bia-chan!-Kari fora a primeira a responder, -Os médicos disseram que estava com uma infecção seríssima!
-E esse cantorzinho de quinta tem algo a ver, eu sei!-Hanato disse, parecendo se aproximar de seu ouvido, apoiando a cabeça em seu travesseiro.
-Ei, não pode controlar melhor o tom de voz? Tem sempre que agir como se estivesse no primário?-Shin comentou, inerte bem longe dela.
-Olha, só não te chamo pra ir pra trás do hospital porque-
-Eu não iria?
-Ah, isso também, afinal é um maricas!
-Meichi-kun, está aborrecendo a Bia-chan, -mais uma vez, Kari interferira, indo mais para perto da amiga e perguntando sobre como se sentia.

  Não podia responder nada além de péssima. Mal se lembrava do que tinha ocorrido. Discutia com Shin, mas não sabia sobre o quê. Pensando melhor, devia ser algum brinquedo... Por que discutiam por algo tão bobo? E aí pensou em Michael sem entender o motivo. Decidiu arriscar-se; abrindo um pouco os olhos, voltou-os para o vulto perto da porta:

-Alguém da minha escola estava lá quando desmaiei, né?
-Sim, -ele respondeu um pouco hesitante, logo a jovem entendeu o porquê.
-AQUELE RETARDADO DO INGLESINHO! -gritou Hanato, perto de si, causando-lhe mais dor de cabeça, -Como alguém vê uma amiga desmaiar e sai correndo, some do mapa!?
-Tenho certeza de que Itonokoi-kun tinha algum compromisso muito urgente. E Kandatsu-senpai já nos explicou que ele foi o primeiro a pedir socorro, Meichi-kun.
-Você não se lembra dele lá, Beatrice?-Shin perguntou-lhe.
-Acho que não... Não tenho certeza.
-Só sei que perto da minha Trix-chan aquele loiro oxigenado não chega!
-Ha-na-to! Nem no hospital eu me livro dessa assombração!? Solta!-Começou a afastar o moreno que pulara em cima da cama em pose de cavaleiro de armadura brilhante.
-Eu estou indo. Tenho ainda um show e nem fui ao ensaio. Ligarei para Nana, ela vai ficar contigo pela noite, até mais.

  Todos observaram a figura sair da sala como se deslizasse em vez de andar.

-Ele parece o Batman...
-HANATO!
-É sério, Trix-chan! Convencido, metido a "sei-mais-que-teu-pai" e-
-Mas ele ficou aqui a noite toda, foi pra escola e voltou direto... -Kari interrompeu, espantando a amiga, -Bia-chan não notou que já é outro dia, né?
-Tá falando sério? Aiiii! Afinal o que houve!?

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

  Michael passou a mão por seu cabelo negro, tentando arrumar um pouco do bagunçado. Podia senti-lo chegar, mas, para sua surpresa, Shin Kandatsu não estava desacompanhado e a menina que o seguia não parecia pretender separar-se dele antes de chegarem à mansão do pai de Beatrice.

  Ao ser percebido, fez-lhe um sinal amigável, apenas levantando um das mãos. O casal se aproximou e o mais velho ficou lhe olhando com seus olhos prateados, brilhando com a luz da noite; estaria lhe fazendo algum tipo de raio-x?

-Não foi visitar a Beatrice no hospital?-perguntou em seguida.
-Não tive o tempo ainda. Mas fico feliz que receba alta amanhã... Não tem sido um bom ano pra ela, né?
-É amigo da nova irmãzinha do Shin?-a mulher lhe perguntou de maneira bem informal, porém não rude.
-Sim, estudo com a Beatrice. Você deve ser Eriko Wataru-senpai, né?
-Exato!
-Prazer, Michael Itonokoi.
-Prazer... O que você quer com o Shin?
-Boa pergunta, -o próprio acrescentou.
-Só saber notícias de sua irmã. Kari me de disse que foi infecção.
-Sim, ela ainda estava com febre alta quando fui embora.
-Eu já estou indo, então...-Eriko disse, ainda de olho em Michael. Então, deu um leve tapa no ombro do amigo e seguiu seu caminho.
-Ela é sempre estranha assim, -brincou Shin, -E você?
-Perdão?
-Sempre invade a casa pra roubar objetos estranhos? Ou tem predileção por bolas vermelhas?
-Senpai, eu-
-Não sabe do que estou falando... Okay. Vou te dar essa chance porque realmente queria me livrar daquilo.
-Em troca, não devo te perguntar o porquê?
-Acho que veio aqui à toa, né?
-Não, também queria te agradecer por tentar proteger a Bia. Aliás, ainda consegui confirmar que foi de propósito! Valeu muito a pena ficar esperando por tanto tempo.
-Ainda não sei se te odeio ou gosto de você. Só que você é um garoto estranho que às vezes fala como um velho.
-Nunca encontrou um que fosse pior que você, não é, senpai?
-Acho que tem razão. Mas eu definitivamente não confio em você, Itonokoi-kun.
-Não gostaria que fosse o contrário. Talvez eu não faça bem à sua irmã algum dia, então é bom saber que alguém a protegerá na hora certa.
-Estou cansado, até mais.
-Não quer mais conversar comigo?
-Não, seus olhos me perturbam, -Shin, disse, dando-lhe as costas em direção à sua nova casa.
-Não mais que os seus, -Michael murmurou quase como se reclasse aquele mistério. Se fosse tempos antes, já saberia tudo o que precisasse sobre aquela nova pessoa na vida de Beatrice, mas tudo em que poderia confiar agora era em sua intuição aguçada.

  Ou seria em seus ciúmes?

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

  Fahel encarou insistentemente os outros três anjos em suas formas originais de luz. Não podia entender como podiam ter ficado parados enquanto Beatrice sofrera risco de vida após a tentativa de envenenamento.

-Às vezes penso que as leis valem mais que a vida da filha de Deus, -falou, olhando a cada hora para uma das luzes mais brilhantes do Céu depois de Deus.

  Uriel assumiu sua forma humana, como sempre preferira e riu de Fahel:

-E o que poderíamos ter feito? Roubado a tal bola para examinarmos? Melhor, examinar a cada segundo a casa dela, né?
-Ó, Uriel está completamente certo!-Gabriel interrompeu, -Devíamos deixar alguém com ela para garantir sua segurança. Mas, poxa, eu realmente achava que já o tinha feito!
-Logo o anjo da Sabedoria e das Boas Novas para me dizer essas ironias?-Fahel disse com, a cada segundo, mais raiva.
-Acalmem-se todos. A menina está bem, não há motivo para discórdia, -Rafael, enfim, se pronunciava, -A medicação que lhe ministrei surtiu logo efeito. Acho que não há por que julgarmos Fahel por essa falha.
-Eu!? Vocês, Grandes Arcanjos, também têm sua parte nesta missão, incluindo proteger a Beatrice. Detectei o problema e fiz o que pude. Mas e vocês?
-Não vou ficar aqui para ser desrespeitado desta forma, -disse Uriel, dando-lhe as costas, pronto para sumir.
-Só quero saber por que não impediram.
-Sem Miguel por aqui, essa nossa função bélica fica severamente prejudicada, Fahel, -Gabriel explicou com o tom paciente.
-Até quando culparão Miguel? Realmente acho que o Céu não quer se salvar do desequilíbrio. -Ao terminar, Fahel desapareceu antes de receber qualquer resposta, deixando os demais anjos atônitos. Um assunto proibido fora mencionado até o limite da tolerância de todos.

  Contudo, os arcanjos estavam certos. Sem Miguel, ficava quase impossível lutar pelo divino equilíbrio, pois ele era o anjo das batalhas, que comandava todo o exército dos anjos. O que o Céu faria sem um de seus Quatro Guias? E quem teria a espada mais forte naquele momento para proteger sua querida Beatrice contra tantas investidas imprevisíveis e cada vez mais perigosas dos demônios?

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

  Beatrice apenas levantou a cabeça ao sentir a presença de seu anjo da guarda no hospital. Era noite e Nana havia ido embora a seu pedido, não achou certo que ela perdesse seu pouco tempo de folga com ela, dormindo em um sofá desconfortável; tivera que levantar sua voz e ser bem mal-criada até que a sua companheira de tantos anos a deixasse só. De início, o quarto vazio trouxera-lhe alívio; uma tarde inteira com Hanato causava efeitos estranhos a uma pessoa... Todavia, sonhos começaram lhe vir durante os breves cochilos e fora inevitável pensar em Eyuku.

  Estava profundamente triste por perceber que se não estivessem na mesma escola, o rapaz ainda seria carregado pelos cantos pelo amigo, ainda conquistaria todas as garotas da escola, ainda... Ainda estaria vivo. Por que tivera que levar tão profunda tragédia, apenas por seus caminhos haverem se cruzado alguma vez? Lembrara-se de todo o tempo que passaram juntos até o dia do aniversário dele, fora menos de um mês, menos de um mês para selar o destino de seu amor.

-Ó, Bia,-Fahel exclamou, parecendo entender só em observá-la, -Se eu pudesse fazer algo...
-Não há nada mesmo? Nem a pista daquela anja em meu sonho? De que adianta eu ser a filha de Deus se nem salvar a alma de alguém que não merece sofrer tanto posso?
-Não fale assim, Ele sabe o que está fazendo e um dia entenderemos.
-Eu não quero que o faça! É simples assim. Não há nadinha?
-Eyuku está muito mal... Sinto isso.
-Fahel!
-Entendo seu desespero, mas...
-Se pode senti-lo, pelo menos deixe-me falar com ele! É só uma vez, talvez se eu der a dica, ele possa ser forte para vencer os demônios e seguir o caminho daquela anja.
-Não posso! Seria um crime terrível violar o silêncio da morte.
-Por favor, ninguém precisa saber.
-Acha mesmo que anjos têm os mesmos privilégios dos homens? Há vantagens para nós, porém, também outras para vocês que são tão incríveis quanto as nossas. Em compensação, ambas as partes perdem outras. Não temos livre-arbítrio ou privacidade real. É muito difícil fazermos algo sem sermos descobertos e falar com uma alma a caminho do Inferno com certeza não será uma ação discreta.
-Nem que seja rápido?

  A loira estava sentada na cama, segurando os próprios cachos, como se para aliviar a tensão ante a real possibilidade de retribuir o sacrifício de Eyuku. Podia ver nos olhos rubis do anjo que estava mesmo pesquisando algum método e o silêncio só a fazia enrolar mais seu cabelo desgrenhado pela sua condição de saúde atual.

-Bia, será uma infração grave e me deixará muito debilitado, mas posso usar como troca a falha deles em te proteger do objeto que te envenenou.
-MESMO!? Fará isso por mim?- Dera um pulo. Nem percebera o anjo dando-lhe detalhes sobre o motivo de haver ido para o hospital, apenas ficava juntando as palavas ideais para quando o revisse. -Mas quando vai ser?
-Prestou atenção no resto? Isso foi um incidente gravíssimo! E ainda houve uma nova chacina logo depois.
-Fahel! Quando!?
-Não sei. Nem sei se vai dar. Terei que procurá-lo e testar seu nível de consciência após tanto tempo sem ter seu destino final decidido. Pode nem saber que morreu!
-Fahel...
-Quando sair do hospital e estiver linda e saudável. Não com essa cara de bebê com fome como te encontrei aqui ao chegar.
-Ah! É pra já!
-BIA! Volte para a cama neste momento! Sabia que não era uma boa idéia; se não ficar comportada, deitadinha e dormindo, nem me esforçarei pra encontrá-lo. Também se ficar mais tempo no hospital, terá menos chance de conseguir falar com o verdadeiro Eyuku; será apenas uma alma penada.
-Certo. Olhe, já estou deitando e indo mimi, boa noite, Fahel! Sonhe com os anjos você também. Pra mim, quero um sonho com meu humano especial!-disse, de fato fechando os olhos dourados.
-Você sabe que ninguém volta, né? Será sua última vez mesmo.
-Mas vai ser meu Eyuku... Fahel, faz tanto tempo que não sinto isso que só em vê-lo sinto no estômago. Varie um pouco e não estrague o momento. -Virou-se para o outro lado e cobriu todo o rosto.
-Sim, sim, tudo por você, minha menina, -respondeu, já desaparecendo. Seu tom era um misto de satisfação por lhe ter dado um ânimo que não via tinha tempos e de tristeza pelo que passaria ao ter seu desejo atendido.

  Não seria simples ter a alma de uma pessoa tão condenada como Eyuku perto da filha de Deus. Mesmo assim, aqueles arcanjos estavam devendo pelo menos uma recompensa a Beatrice depois de passar por tanto sem ser acudida uma só vez por eles e suas leis maiores.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

  Estavam no quarto mais afastado que Beatrice conhecia em sua casa. Shin tinha saído com a banda e o rapaz que trabalhava na boate e a perspectiva de retornar logo naquela noite de sábado era remota. Ainda sentia-se fraca por tudo o que a fizera ir parar no hospital, mas pensar que veria Eyuku em breve punha seu peito em chamas.

-Vai demorar?-perguntou, sentada em seus pés.
-Espere, eu nunca fiz isto antes!
-Ai, Fahel, você é um inútil mesmo.
-Tá bom, vamos ver o que Chavakiah pensa sobre Eyuku.
-Não brinque com um assunto tão sério!
-Agora preciso que você reze o que vier em seu coração. Precisamos acalmar a alma dele o bastante para que se estabilize.

  Fechou os olhos e começou a rezar o Credo, em seguida percebeu que já estava falando em uma língua desconhecida. Realmente, devia estar bastante inspirada naquele dia. Apertou mais os olhos até sentir que a sala toda ficava muito quente. Um cheiro familiar roçava suas narinas até que não agüentou-se de curiosidade e abriu seus olhos para ver o que ocorria.

  Toda a sala estava amarela de tão forte que era a luz dourada que a envolvia e no centro dela, Fahel falava bem baixo com um lindo ser transparente. Eram poucas palavras e não dera para Beatrice ouvir, ela nem o queria, estava maravilhada com a beleza e os bons sentimentos que a mulher lhe mostrava. Não pôde ver seu rosto por estar de costas para a menina, mas tinha certeza de que era ainda mais lindo que os longos cabelos loiros flutuando pelo ar.

  Então, sentiu um frio. Na sua frente parecia haver uma pedra de gelo, era um frio bem concentrado que lhe causava arrepios. Estava prestes a fechar os olhos para rezar, pois algo podia ter dado errado, quando notou que o lugar gélido estava ficando turvo, cada vez mais, até o vulto de alguém lhe ser visível. Pernas, braços, um rosto... Tudo tinha um tom escuro, como se não emitisse luz alguma, como se só os pudesse ver graças àquela luz dourada. Ainda assim, lágrimas corriam livres pelo rosto da jovem, sabia o que era aquilo:

-Eyuku, você está aqui!-disse, mas a figura não se mexia perdida em seu mundo próprio. Bia estendeu os braços, mas não conseguira abraçá-lo. Continuou tentando, mas seus braços perdiam todo o tato ao tocar aquela região de baixa temperatura. -O que está havendo?
-Eu sinto muito, Bia, Eyuku não está em condições de continuar por aqui...-Fahel lhe disse, voltando-se, então para a linda mulher à sua frente.
-Não. Esta é a melhor condição que ele pode adquirir. Tenham fé, -disse ela, ainda sem olhar para Beatrice.

  A menina decidiu-se por rezar mais, não sabia o que pedir, só que aquele era Eyuku e queria tanto vê-lo...

-Beatrice...

  Abriu os olhos de novo quando ouviu aquela voz semi metálica chamá-la. A figura havia tomado um pouco mais de forma, mas continuava sem cor nem muita nitidez. A boca movia-se lenta e dolorosamente chamando por seu nome e os olhos brilhavam fracos.

-Beatrice...
-Eyuku! Tenha força, vamos! A gente vai conseguir isto!-disse, sem nem saber se aquilo faria alguma diferença para ele. Seria egoísmo querê-lo ali?
-Sinto muito... Beatrice, eu sinto tanto...
-Não deixe que ele se desespere!-Fahel alertou, mas algo parecia impedi-lo de falar mais.

  A jovem continuou a olhar cada detalhe embaçado daquele rapaz. Nem mesmo aquele frio podia impedir seu coração de queimar e suas mãos de suarem tanto. Era um nervoso bobo comparado à situação tão séria daquele rapaz, mas lhe trazia uma segurança incrível perceber que os sentimentos continuavam os mesmos de antes.

-Eu estou aqui, Eyuku!-declarou, sem nem entender por que o fazia.
-Sinto muito...-continuou e logo repetia seu nome várias vezes.

  Beatrice tentou novamente tocar nele, pegar suas mãos. Desta vez, teve mais sucesso, porém estava tudo tão frio que não sentia nada além de dor.

-Senti tantas saudades!-ela declarou, chorando.
-Beatrice...-Seus olhos negros começaram a crescer. Não; eram lágrimas. Ele estava chorando.
-Queria te agradecer por seu sacrifício. Gostaria que fosse justamente recompensado, mas parece que tudo depende de você agora, Eyuku. Ai, não quero que vá para o Céu!- Deixou-se cair ao constatar o absurdo de toda aquela situação. Achou que passaria direto por aquela projeção de corpo e iria de encontro ao chão, mas encontrou apoio no meio do caminho. Eyuku parecia ainda mais presente agora que a cabeça de Beatrice se afundava em seu ombro gelado. -Como eu o queria de volta mesmo, pra sempre! Eu estou bem com você nunca saber quem sou eu... Só preciso de você lá na escola, mesmo que seja em outra sala!
-Desde o início, isso não era para ser, -Eyuku falou, quase como se sussurrasse em seu ouvido, -Minha alma esteve desde sempre marcada para descer. Sinto muito por te fazer passar por isso.
-Como isso é possível?
-Faz tempos que estou naquela seita.
-E por que entrou nela?
-Eu precisava sobreviver. Estava quase morrendo quando eles me salvaram. Então, vieram os benefícios materiais e logo eu não sabia mais como era antes. É uma história antiga, né?
-Estava morrendo? Quando isso?
-Sou adotado e meus pais sempre fizeram questão de que eu soubesse disso. Até que tentei o suicídio. -Baixou os olhos, agora Bia podia ver muitos mais detalhes, aos poucos a vontade de ele desabafar dava forças à sua alma. -Nesse dia, o chefe do meu pai tinha ido jantar lá em casa e eu fora proibido de ir à mesa, é claro.
-Mas sua mãe te trata-
-O chefe me salvou com a condição de me ter em sua seita. Na época, apenas me chamou de um novo aprendiz. Disse que precisaria dali a uns anos de uma criança de minha idade e, por isso, seria uma ocasião perfeita.
-Seus pais...
-Sem pestanejar. Imagine como seria se eu morresse? Na verdade, não devia dar em nada, mas eles não são pessoas más, só se arrependeram de adotar um filho.
-Foi quando entrou na escola?
-Sim. Nossa condição financeira também melhorou muito e todos da minha família iam aos encontros públicos da seita, apesar de sermos budistas. Aos poucos, meu pai abriu o próprio negócio, contudo, ele sabia que assim que eu saísse daquele grupo, perderíamos mais do que ganhamos. Não importa se também seguíssemos o budismo. Vendemos nossas almas e a minha ainda mais... Por isso, eu sinto muito. Se eu tivesse parado antes para pensar que aquela minha sobrevida seria apenas até o momento ideal para receber o enviado do Mestre! Hoje é tudo muito óbvio.
-Eyuku, você me salvou deles! Se não tivesse sido por aquilo...
-Não. Ainda não acabou. Existem outras seitas, mesmo não sendo todas articuladas, creio que as mais importantes tenham até mais informações sobre você que a minha. Cuide-se, Beatrice. Faça isso por mim.
-Você é quem deve se cuidar! Ore, tenha fé. Você consegue se salvar, Eyuku...
-É muito tarde. Um suicida merece o inferno. Um assassino também. Eu cometi tantos outros pecados...-Sua cor voltava a sumir. -O que me importa neste momento é ter o seu perdão. Fiz mal a uma menina que conheço desde pequeno, gritando a cada segundo com Hanato!
-Você se lembra de mim?
-Claro, eu só não podia me aproximar de você. Mas isso me deu ainda mais curiosidade quanto a quem era a tão misteriosa missão de minha vida.
-Eyuku, você se arrepende de tudo? Mesmo do suicídio? Diga que está arrependido que Deus o perdoará! Ai, se ao menos Padre Julius estivesse aqui...
-Não a teria feito sofrer tanto... Se não tivesse desistido de tudo. Era uma criança boba! Queria tanto que você me perdoasse, não me importa o que Deus ache.
-Por favor, peça perdão a ele.
-Eu já pedi. Há muito tempo, venho-o pedindo por machucar a linda filha d\'Ele. Agora já deve ser hora de eu enfrentar as conseqüências de meus atos.
-Não me fez nada, apenas me trouxe muita alegria! Não tenho o que perdoar, Eyuku... Só quero que fique bem. Por que não podemos voltar o tempo? Eu nunca aceitaria sair contigo, mesmo que meu coração se contorcesse!

  O rapaz sorriu, enfim devolvendo-lhe o abraço de forma que ela sentiu um pouco de calor, talvez por se lembrar tão claramente de como eram seus braços fortes.

-Só tenho mais uma coisa...
-Não! Não vai dizer, vai ficar aqui para sempre.
-Temo que aquela anja sofra muito se tiver que me manter aqui por mais tempo. -Afastou-a apenas o bastante para lhe olhar nos olhos. -Acho que será meu último ato egoísta.

  Beatrice viu em seus olhos negros, bem lá no fundo, que aquele era mesmo o fim. Sua última chance com Eyuku se esvaía naquela luz dourada que agora também envolvia o rapaz.

-Eu vou sempre te amar e, mesmo indo pro inferno, tentarei te proteger de todas as formas. Aliás, vou me aproveitar de minha posição privilegiada e acabar com aquele Mestre por você, Beatrice. Mas nossas vidas nunca deveriam ter se cruzado, por isso, entenda que deve procurar seu amor em outra pessoa. Vou ficar feliz se você de vez enquanto se lembrar de mim, mesmo se sua vida for maravilhosa demais e assim começar a esquecer minha pessoa, lembre-se de mim...-Sua cor sumia para dar lugar a um tom dourado; estava desaparecendo? Aproximou mais seu rosto do da menina e beijou sua bochecha bem de leve. -Reze por mim, aí vou ter ainda mais força contra aquele sujeito! E diga ao Hanato para cuidar de meus pais, eles sabem de tudo o que houve, mas não quero que se culpem. Eles apenas erraram ao escolher por adotar um filho tão fraco.
-Você é forte, Eyuku! Ninguém esperava que conseguíssemos revê-lo e...
-Não, você o é. Não vê que é seu medalhão que me dá tanta força? De qualquer forma, obrigado por me ensinar um caminho para ser forte. Por você. -Beijou-lhe o outro lado da face. Então levantou-se, indo em direção ao anjo de cabelos dourados.

  Aquele belo ser voltou-se para os dois e sorriu-lhes:

-Vai dar tudo certo, Beatrice. Apenas confie em sua própria força e todos seus desejos serão realizados, -ela disse. Seus olhos brilhavam ainda mais que toda a sua luz. -E quanto a você, Eyuku, agora se sente pronto para o que lhe cabe?
-Sim, minha consciência está limpa neste momento.
-Ótimo. Despeçam-se, mas não digam "adeus", pois nada é para sempre.
-Até mais, então, Beatrice. Vou cumprir minha promessa, -disse, virando-se novamente para a menina já repleta de lágrimas, -Ah, não tive coragem de dizer a ela com medo de sujar mais ainda minha ficha, mas sua mãe é linda! Só que ela me assusta mais que seu pai, he he! Obrigado por me ceder um pouco de sua família... Assim eu acabo me sentindo parte dela!

  Quando a menina deu por si o quarto estava vazio e a luz dourada sumira, substituída por um brilho do medalhão. A imagem refletida na parede era de Fahel, mas em sua forma humana, com os cabelos loiros e os olhos um pouco sem cor.

  "Acho que meu plano não deu certo, Bia..." foi tudo o que disse, enquanto era cercado por três luzes, cada uma de uma cor. E à sua frente voltou a ter uma simples parede.

Continuará...

Anita, 16/09/2007 (aniversário da Bia XDDD)

Notas da Autora:
Acho que aqui, de alguma forma, encerramos o que faltou da segunda fase. Eu sempre gostei muito do Eyuku, por isso foi uma tristeza perceber que ninguém mais ligava pra ele ^^; Desculpa por ter te feito tão assim Kuku-kun!! Não se esqueçam de me mandar qualquer opinião para o meu e-mail!! Ele tá sempre aberto hehehe anita_fiction@yahoo.com e para mais fics visitem meu site Olho Azul http://olhoazul.here.ws Se quiserem fazer os dois estarão ganhando o extra de deixar uma pobre autora de fics feliz :p

Até o próximo capítulo!


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