Três semanas. Três semanas desde que eu era o Tordo. Três semanas que Prim morreu. Três semanas que eu matei Coin com uma flechada bem no meio de sua testa. Quatro semanas atrás eu ainda tinha uma vida, complicada e estava com uma ameaça de morte junto com a minha família, e Peeta, mas ainda sim, uma vida.

O tempo parece ter parado para mim. Não estou dizendo que estou velha, e sim que não tenho mais a noção do tempo. Se quiser me achar, venha até o canto do meu quarto. Provavelmente estarei dormindo, ou desmaiada, melhor assim dizendo.

Nos últimos dias tem sido mais difícil. Os pesadelos agora sabem que eu estou sucumbida a eles e por isso eu não durmo. Me movimentar não é uma opção, já que mal consigo me levantar. Eu não me lembro da última vez que eu pus algo na boca e engoli, parece que foram há séculos. Porém, devo ter sido alimentada quando estava dopada pela medicação que me deram ontem pois Greasy Sae me achou aqui jogada. Meus músculos estão fracos. Eu estou fraca. Meu corpo não é mais o mesmo. Eu deveria ter comido aquelas amoras quando tive a chance.

Greasy é a única que ainda vem aqui tentar cuidar de mim. Haymitch deve estar desmaiado em seu vômito por beber demais e bem, Peeta... Peeta não está aqui.

Greasy diz que eles tem seus próprios problemas e que logo estarão bem. E ela está certa. Eles não podem colocar uma garota de 17 anos que se recusa a se cuidar como prioridade quando um tem problemas de alcoolismo e o outro tem visões.

A culpa não é deles. Ela não é de ninguém. Dr. Aurelius vive me alertando sobre isso. Ele também vive falando que logo Peeta se recuperará totalmente e voltará para mim. Mas será? Ele provavelmente vai achar uma garota bonita com quem vai se casar e formar uma família, como sempre quis. Já até imagino. Iria ser notícia em toda Panem. “Peeta Mellark casa com garota e pretende formar uma família” “Peeta Mellark e sua esposa vão construir uma padaria”. Ficarei triste no início porque era para ser eu e ele. Juntos, cuidando um do outro. Mas depois será só mais uma mágoa acrescentada as outras. Só espero que ele lembre de mim, em algum desses momentos de sua vida. Eu não deveria estar pensando nisso! Não mesmo! Pode ser que até lá eu esteja morta. A verdade é que eu preciso dele. Sempre precisei.

Eu penso no Gale sim. Mas não tanto quanto em Peeta. Gale nunca foi e nunca terá algo romântico comigo. Ele é meu irmão, meu amigo. Nós costumávamos caçar juntos e isso criou um laço forte entre nós. Ele montava as armadilhas melhor que eu. E eu, tinha a mira melhor do que a dele. Quase nunca nos falávamos enquanto estávamos na mata. E nenhum dos dois reclamava. Caçar é se concentrar. É seguir sua presa onde ela for, para no final a pegar.

O que me resta é ser levada pelos pesadelos até que meu dia final chegue.

[...]

Estou perto. Estou chegando. Consigo ver Prim me esperando sentada. Nade, Katniss! Você está quase lá! Vamos lá Katniss, você consegue! Eu falo para mim mesma. Consigo quase sentir o aperto dos braços de minha patinha, como eu estava sentindo falta dela. Mas então, ela olha para o lado e vê, mirado em sua cabeça, a arma de um peacekeeper. Eu tento gritar, implorar para que ele não puxe o gatilho. Olho para a sua vestimenta. Armadura da Capitol branca que agora está com respingos vermelhos. Eu tento fechar os olhos. Porque ele puxa o gatilho, e o sangue da minha patinha corre até a água, onde se mistura com o azul do mar.

Acordo gritando. Não sei mais o que é real e o que não é. Coloco minhas mãos em minha cabeça e logo ouço passos vindo para cá. Será que são os peacekeepers? Eles estão aqui para me buscar? O que realmente aconteceu?

“ Katniss! O que aconteceu?!? ” Afinal não eram pessoas da Capitol. Apenas a doce e querida Greasy. Estou ficando maluca. “Está tudo bem minha querida? O que houve?!” Ela pergunta se aproximando de mim. Sua voz demonstra cansaço, ela não deve ter dormido a noite. Ela se abaixa e tenta levantar minha cabeça que está entre os joelhos. “Estava resolvendo algumas ...coisas na rua quando resolvi passar aqui.”

“Eu estou ficando louca, é isso!” Falo baixinho. “LOUCA! Isso que eu sou, não é mesmo? L-O-U-C-A! Com todas 5 letras!” Meu tom de voz aumenta.

“Você não está! Está tudo bem. Você apenas está confusa. Já tentou fazer o monólogo que Aurelius pediu?” Ela pergunta. Eu faço que não com a minha cabeça. “Então tente.”

“Meu nome é..” Começo a sussurrar para mim mesma. São tantas coisas na minha cabeça, tantas confusões, ideias... Tudo está misturado e o simples pensamento da felicidade parece tão...distante, tão inalcançável que perco as esperanças de que eu faça o monólogo certo. Porém, eu continuo. “Meu nome é Katniss Everdeen. Tenho 17 anos e passei por duas edições dos Jogos Vorazes. Eu venci. Eu fui o símbolo de uma revolução. Peeta...” Eu dou uma pausa. Pronunciar seu simples nome depois de tudo o que aconteceu ainda é difícil. “Peeta foi telessequestrado e agora ele me odeia. A Capitol foi derrotada e o Presidente Snow agora está morto. Os amigos que não estão mortos estão longe de mim. Peeta está longe de mim.” Respiro fundo. Não pensei que tudo viria a tona. Só tomei jus dos fatos agora, estou começando a me dar conta de tudo. Prim está morta. Peeta está longe de mim. Então, eu deixo que as lágrimas venham e encharquem meu rosto. Isso não era para ser assim!

“O mundo é tão injusto, Greasy!” Falo em meio as lágrimas. Elas não param.

“É, ele é sim. Mas para cada coisa injusta há uma justa no mundo.” Ela diz.

É nesse momento que eu a olho. Seus conselhos sempre me ajudam, ela é como uma mãe para mim.

“Obrigada Greasy.” Eu tento lhe abraçar, como forma do meu agradecimento.

“Não me agradeça ainda.” Dou um pequeno sorriso e limpo algumas das lágrimas com a manga do meu moletom. “Sério, ainda não.”