"Não é sobre você e nem sobre mim. Não é sobre as circunstâncias ou o tempo perdido, por isso não se sinta especial meu amor, você sabe, não é sobre nós... nunca foi. Talvez tenha sido só um pouco sobre seus olhos e o efeito que eles tem em mim, mas é só isso que tirei de você ,eu juro. Sobre mim? Tirei o sentimento apenas, e fui cuidadosa em não exagerar aqui e dramatizar um pouco ali, não foi difícil. Claro devo admitir, foi sobre muita coisa, claro que foi um pouco sobre você e um pouco sobre mim devo me contradizer. Mesmo assim, nada disso foi realmente meu foco, foram detalhes, com sua devida importância é claro, mas não é realmente sobre nada disso. Amor você entende? Você já deve saber do que eu estou falando não é? Não sejamos ingênuos, foi sobre o amor... e é apenas sobre o amor que eu estou falando."

Autora.

Nunca acreditei muito em finais felizes, pra ser bem sincera, nunca acreditei muito em nada, nunca cheguei aos 100% de certeza de alguma coisa ou de alguém, nunca tive total confiança ou total controle. E só agora percebo, que a palavra ‘nunca’ sempre esteve muito presente em minha vida, embora ‘nunca e sempre’ na mesma frase, ou quem dirá lado a lado, não faça muito sentido, sentido nenhum na verdade.

Se bem que agora nada tem sentido...

Que sentido tem eu amar alguém por tanto tempo? Que sentido tem essa mesma pessoa finalmente corresponder ao meu amor? Que sentido tem essa mesma pessoa, sofrer um acidente grave quando ela estava planejando seu pedido de casamento? Que sentido tem eu escolher se ela vive ou morre, embora tecnicamente já não haja mais nenhuma esperança? Sentido nenhum... e isso é frustrante.

Eu estava nesse momento, sentada na poltrona desconfortável de acompanhante que tem em todo quarto de hospital. Encarava Henrique, como se procurasse uma solução, como se estivesse esperando que ele acordasse, sorrisse pra mim e me dissesse que eu não precisava mais fazer o que eu tinha ido fazer. Mas nada aconteceu, e eu sabia que nada aconteceria...

Comecei a chorar desesperadamente, esperando por um milagre, como nos livros... mas então me dei conta, que nem mesmo nos livros que eu lia, existiam milagres. As coisas simplesmente aconteciam, e os personagens só tinham que seguir em frente. Eu, só tinha que seguir em frente.

Vamos Angelina, você consegue! Disse pra mim mesma, puxando o ar com os pulmões, me levantei e caminhei até ele.

– Eu sei que é bem egoísta dizer isso, mas eu preferia que você tivesse morrido no acidente, a ter que simplesmente fazer isso... Mas eu sei que é o que você faria, se estivesse no meu lugar. Ia doer pra você do mesmo modo que dói pra mim, mas você me deixaria ir ao invés de ficar vegetando aqui, porque sabe que seria o melhor pra mim, e agora eu sei... que esse é o melhor pra você. – disse mexendo em seu cabelo, tentado ao máximo não voltar a chorar.

– E o que foi tudo isso de você me pedir em casamento? Você sabia que eu nunca casaria antes de terminar a faculdade... mas você também sabia, que muitas das minhas “regras” não se aplicavam a você. E é isso, eu aceito me casar com você Henri... eu amei o anel, coube certinho. – disse olhando pro anel de ouro com a metade de um coração que estava em meu dedo, e coloquei o outro anel com a outra metade no dedo de Henrique.

– Achei os anéis na sua gaveta... - disse começando a chorar silenciosamente.

– Eu vou sentir tanta falta de você! Você e seus olhos azuis... minhas recaídas por você serão infinitas enquanto você existir, então continue existindo... não desista, porque eu preciso de você, preciso da gente, preciso que continue brigando comigo quando eu estiver errada, preciso que continue sorrindo quando eu precisar do seu sorriso. – disse praticamente implorando.

– Eu só preciso... – deitei minha cabeça em cima do seu peito.

– Te amo, mas não pelo o que você é e sim pelo o que você me faz ser. Porque juntos somos erradamente certos, e eu amo isso, amo a coisa complicada que somos. – disse sorrindo, e deitei de vez ao seu lado, tirando um papel do bolso.

– Eu escrevi algo pra você também... fiquei a madrugada inteira escrevendo, mas antes de começar tenho que te agradecer pelas palavras que você escreveu, pela sua sinceridade, ainda to com vergonha de você ter lido os meus textos, mas você até que não é ruim também, viu? Então. Antes que você me deixe... – sussurrei em seu ouvido, e deixei um beijo em sua bochecha. Respirei fundo mais uma vez, e então comecei a ler o que havia escrito.

Tudo que eu quero é nada mais

Que ouvir você batendo na minha porta

Antes que você me deixe...

Quero que saiba que é um idiota... É um idiota dos grandes, é idiota por ter demorado tanto, por ter se atrasado tanto, e principalmente por continuar se comportando como um completo idiota, mesmo você já sabendo disso.

Porque se pudesse ver seu rosto mais uma vez

Poderia morrer um homem feliz, tenho certeza

Antes que você me deixe...

Quero deixar claro que o único sentimento instantâneo que tive quando te vi, foi raiva... Sim raiva, raiva por ter chego sem avisar, raiva por ter entrado sem permissão e feito uma bagunça sem ao menos ter se importado como eu arrumaria essa confusão sozinha mais tarde, quando as estrelas estivessem oscilando a imensidão azul marinho do céu à noite, com a minha cabeça afundando o travesseiro fofo, me preparando mentalmente para a insônia que viria a seguir causada por você, senti raiva por ter chamado tanta atenção deixando mais difícil ainda para que eu ao menos tentasse me aproximar, raiva por ter me importado tanto com quem você falava e dava atenção deixando você cego para enxergar alguém como eu, ofuscada pelo brilho dos flashes que se disparavam todos os dias em sua direção.

Quando voce disse seu último adeus

Morri um pouco por dentro

Me deito chorando na cama a noite toda

Sozinho, sem você ao meu lado

Antes que você me deixe...

Quero que saiba que era em você que eu pensava nos dias quentes e ensolarados, imaginando nós dois já um pouco mais velhos, sorrindo abertamente e correndo pela areia fofa e quente atrás de um casal de crianças que tivessem talvez quatro ou cinco anos, ambas com olhos azuis piscina penetrantes como os seus, porém ainda inocentes à beleza angelical de criança inofensiva que elas tinham. Elas corriam divertidas em direção ao imenso mar azul esverdeado, tão limpo que dava pra ver sua profundidade pra quem visse de uma montanha ou até mesmo das grandes e belas pedras rochosas na onde batiam as ondas do mar e faziam um barulho pelo qual já aviamos nos acostumado. A brisa leve e um tanto quente, batia contra aos nossos pequenos seres que ainda sorriam e tentavam correr ainda mais rápido em direção ao seu objetivo de se jogar na agua levemente gelada e gostosa, a brisa fazia balançar seus leves cachos cor chocolate que haviam herdado de mim.

Mas se você me amava

Porque você me deixou

Tome meu corpo

Tome meu corpo

Quero que saiba que era em você que eu pensava nos dias chuvosos e frios, imaginando nós dois escancarados no pequeno sofá cor madeira que havia em nossa sala simples e aconchegante, de baixo de um cobertor quente e fofo de lã já gasto com uma cor escura, olhando seu rosto pálido e sereno e decorando cada detalhe seu assim como tenho feito durante todos esses anos, como sua boca avermelhada, carnuda e convidativa, como seus olhos cor azul piscina que até um tempo atrás jurava que eram verdes esmeraldas, como sua pele muito branca que no final desses anos sempre pegava um leve bronzeado após passarmos nossas férias de verão no nosso pequeno chalé feito todo de madeira escura, com janelas grandes e uma varanda enorme que dava uma incrível vista para a bela praia que havia logo em frente ao chalé, e que mesmo que só o usássemos no verão, na sala de estar havia uma pequena lareira para que nos aquecesse nos dias frios para quando quiséssemos fugir para ter um momento só nosso. Como seus cabelos escuros, lisos e macios que você sempre estragava com cortes ridículos e sem noção mais mesmo assim me convidavam a passar minhas mãos pequenas e macias por eles quando você chegasse cansado do trabalho e deitasse sua cabeça sobre a almofada cor creme que estava em cima das minhas pernas magras e curtas te fazendo relaxar. Dividíamos uma panela de brigadeiro e assistíamos a um filme de terror barato em que você sempre numa tentativa falha, tentava me assustar quando na verdade era você que acabava assustado no final, e eu iria rir da sua cara e dizer que você é uma menininha medrosa, você rapidamente iria pra cima de mim com suas mãos grandes e fortes na minha barriga me causando cocegas e no final disso acabaríamos ofegantes em nossa cama de casal, depois de termos feito amor repetidas vezes, até suspirarmos cansados com as testas coladas e finalmente pegarmos num sono sereno e profundo.

Tudo que eu quero

E tudo que eu preciso

É encontrar alguém

Vou encontrar alguém

Como você, oh, oh

Antes que você me deixe...

Quero te agradecer por ter me feito confusa, por ter me feito te odiar às vezes só pra depois te amar de uma forma ainda mais intensa do que antes, agradecer por ter demorado, só pra depois passar o resto da sua vida ao meu lado, agradecer por ter vindo do nada e se tornado meu tudo, por não ter me enxergado antes só pra anos depois eu me tornar a única que você veria até o fim, por ter sido inicialmente minha fraqueza só pra depois me deixar mais forte, por ter me feito chorar só pra então eu descobrir que com você foi diferente, por não ter feito eu me arrepender de tudo só pra agora eu entender que por você valia a pena, e que agora sem mais um talvez no meio dessa frase, eu diga confiante e abertamente que por você eu faria tudo de novo... e de novo sem me cansar.

Veja, você trouxe o melhor de mim

Uma parte de mim que nunca tinha visto

Antes que você me deixe...

Quero que saiba que congelei quando eu te vi de novo após cinco anos, tomando sorvete de baunilha enquanto em sua face se criava um semblante de dúvida olhando duas camisetas polos, uma branca e uma preta, na vitrine de uma loja qualquer dentro do shopping, lembro-me de ter pensado que você ficaria melhor com a preta, mais ainda melhor sem nenhum pano cobrindo seu abdômen agora bem definido, quase morri quando você decidiu virar para o outro lado só pra então nossos olhares se cruzarem, lembro de ter ficado nervosa com seu semblante confuso, talvez não se lembrasse de mim, só pra então depois de dois longos minutos, seus lábios ainda convidativos se comprimissem a um sedutor sorriso de canto, talvez você tenha se lembrado de quem se tratava, a garota baixinha e magra que havia estudado com você a cinco anos atrás, ainda era baixinha porém não tão magra quanto antes, lembro agora sorrindo de como pensei que eu estava gostosa.

Você pegou minha alma e a purificou

Nosso amor foi feito para as telas de cinema

Antes que você me deixe...

Eu amo você.

Mas se você me amava

Porque você me deixou

Tome meu corpo

Tome meu corpo

Tudo que eu quero

E tudo que eu preciso

É encontrar alguém

Vou encontrar alguém

Antes que eu deixasse o quarto, com a voz rouca de tanto chorar, o rosto provavelmente enxado e as lagrimas não me deixando enxergar direito, não sei se foi culpa delas, se eu estava imaginando, ou se aconteceu mesmo... Mas quase tive certeza que uma lagrima caia do olho esquerdo de Henrique. E quase tive certeza que eu estava imaginando coisas também. Bom, eu nunca saberia...

...

Dizer adeus nunca é fácil, nem nunca foi.

No ultimo dia de aula, do nono ano, foi tudo um caos... as coisas pareciam surreais, e nada fazia sentido, o clima era pesado e de despedida, e não fizemos nada a manha inteira. Muitos ali, nunca mais se veriam, talvez fossem mudar de cidade ou simplesmente não iriam mais se esbarrar na rua, outros iam para a mesma escola, mas talvez não caíssem na mesma classe. Me perguntei naquele dia, porque eu havia ido já que sempre detestei despedidas, mas só naquele dia, eu queria uma... eu queria me despedir dele.

No entanto, meu coração só ficou pesado no sinal da saída, meu ultimo sinal ali. Tudo parecia ser brincadeira antes daquele barulho irritante, e só então percebi que muitas coisas seriam deixadas pra trás naquele momento. Não me despedi de Henrique, não tive coragem... como poderia abraçar um desconhecido? E então nada aconteceu.

Foi na esquina de uma rua que tudo aconteceu, eu e mais duas amigas seguiríamos caminhos diferentes, uma pra cada lado, e ali choramos e nos despedimos. Acho que foi nesse momento, que dei meu primeiro adeus, mesmo que não soubesse que era um. Iriamos nos ver de novo, no ano seguinte... mas talvez soubéssemos que não seria a mesma coisa, que nós... não seriamos a mesma coisa.

Em meio a uma despedida existem vários adeus, existe um adeus pras bobeiras que você diz, pra gargalhadas sem motivos, pro empurrão que você da na amiga só pra ela esbarrar no garoto que ela gosta, existe um adeus para o que você era. As coisas mudam quando você se despede, você tem que amadurecer, e as coisas simplesmente não voltam.. só passam a ficar na sua cabeça.

Decepção, essa sempre foi uma palavra muito bem conhecida por mim. Desde muito jovem, uma hora ou outra, as pessoas que eu amava sempre me decepcionavam, de propósito ou não, isso sempre acontecia. Talvez a culpa fosse minha, eu colocava esperança demais em algo que não tinha futuro, me importava demais com pessoas que não sentiam nem a metade por mim. E talvez, eu os decepcionava também, acontece. Mas acho que tudo isso, juntando com meu jeito calada de ser, minha personalidade complicada, acho que tudo isso me deixou realista, até demais.

Por incrível que pareça, Henrique foi o único que nunca me decepcionou, e a cada dia que nos aproximávamos eu só ficava esperando pelo seu primeiro vacilo, pela primeira vez que ele me faria chorar, e pela milésima vez que iria parar na frente do espelho, repetir para o meu reflexo o quanto eu sou otária. Isso não aconteceu, e aos poucos eu fui percebendo que não aconteceria tão cedo, eu ainda não estava segura, mas arrisquei mesmo assim, porque ele me mostrou que não seria que nem aquelas pessoas.

Ele me mostrou isso, todas as vezes em que eu sentava no sofá em um dia nublado, e chorava silenciosamente por todas as coisas que davam errado na minha vida, por cada falha minha e por cada "não" recebido na cara, ele simplesmente me embolava em seus braços por apenas 5 minutos, e depois me dava cosquinha alegando que não era certo eu chorar por coisas que já haviam acontecido e que era mais divertido eu gargalhar porque agora eu estava bem, e eu sabia que ele estava certo. Ele me mostrou isso, todas as vezes em que eu o dizia que não concordava com quase nada no mundo, que precisávamos fazer alguma coisa, pra mudar tudo pra nós ou tudo pra alguém, mas ele me fez perceber que ele tinha mudado tudo pra mim, e eu tinha mudado tudo pra ele, e por enquanto bastava, sempre bastou. Ele endireitou algo em mim que sempre foi meio torto, ele funcionava como um remédio pra mim, ele remediava coisas que eu não acreditava que podiam sem remediadas, esse era o seu efeito em mim, sempre foi, mesmo quando nós ainda não estávamos juntos, quando eu não me sentia bem, pensar nele me fazia quase de imediato melhorar. Ficamos juntos por 3 anos, e em nenhum momento ele desistiu de mim, todos os dias ele se empenhava em me fazer feliz, em me dar lembranças novas e boas, para que eu pudesse esquecer as ruins, e funcionou, no tempo em que estivemos juntos tivemos tantos momentos bons, tanta coisa para ser lembrada, que todo o rancor e magoa que eu sentia, passaram a não existir mais.

Ele se foi, e não vai voltar mais. Os médicos desligaram as maquinas, e foi tão doloroso assistir ele indo pra longe de mim, foi tão doloroso não poder salvá-lo da forma que ele me salvou, foi tão doloroso saber que eu não veria mais seus olhos azuis piscina e seu sorriso cafajeste, foi tão doloroso não ter sido o remédio dele, quando ele foi o meu.

O tempo em que ficamos juntos foi pequeno para alguém que queria passar uma longa vida, lado a lado. E eu até poderia pensar que se não fosse pelo acidente, ele ia acabar me decepcionando também, eu prefiro acreditar que não, ou melhor, eu sei que ele não me decepcionaria, porque em todos os dias em que ele respirou, ele provou pra mim que a pessoa errada pode ser a certa, e que a imperfeição na verdade é perfeita, ele provou pra mim que se importava, ele cuidou de mim e me fez a pessoa mais feliz do mundo, ele me fez acreditar que se eu quisesse mudanças eu devia busca-las, por que eu era alguém, sim... eu definitivamente era alguém. Embora eu não o tenha mais ao meu lado, lembrar dele vai ser sempre a minha cura, vai ser sempre a minha felicidade, e ele morreu sabendo da minha eterna gratidão por isso.

E seus olhos cristalinos serão as estrelas do meu universo, eternamente.

Ele me amou.

E amar ele vai ser sempre o meu único e eterno privilégio.

– Fim.