POV Kira

Obriguei-me a abrir meus olhos e os fechei em seguida, alguma coisa brilhava fortemente perto de mim. Depois de alguns segundos, me sentei e abri os olhos novamente, encarando o chão. Ou pelo menos deveria ser o chão, aquilo parecia mais água. Na verdade... Era água. Me levantei rápido, senti a tontura de sempre e me sentei novamente, olhando para o lado. Acabei encarando o objeto brilhante que eu havia encarado antes, o soquei e o quebrei.
Depois do estralo do vidro se quebrando, olhei o objeto de novo. Parecia uma lâmpada, mas tinha algo flutuando dentro. Aquilo começou a flutuar e desapareceu no ar, no momento em que um homem entrou na sala:
— Estava esperando você acordar – Falou – Parece que não gosta muito da luz...
Ele se aproximou de mim com um pano molhado, o forçando contra minha mão. Um pequeno filete de sangue escorreu do meu pulso até a metade do meu braço e pingou na água do chão. O sangue desapareceu, afundando como algo sólido e sumindo da minha vista:
— Mas o que...
— Coisas vivas não se mantêm flutuantes, então não conseguem ficar no nosso plano. Mas você...
— O que quer dizer com isso? – O encarei, ele sorriu. Era um senhor de idade avançada, provavelmente algo entre os 80 ou 90 anos. Ele retirou o pano do meu punho, o corte que eu havia feito com o vidro estilhaçado tinha sumido:
— Você está morta, senhorita Aoikami. Fui enviado para cá para lhe guiar em nosso plano

Morta.
Eu estou morta.
É claro, como alguém sobreviveria a uma queda como aquela? Depois do impacto, não senti mais nada. Apenas vi fumaça e brilho, mas tudo sumiu em segundos...

— Eu... Morri? Onde estou, então? – O senhor riu baixo, ele me passava uma estranha calma:
— No Plano dos Mortos, Plano Espectral, Plano Oposto, Plano Espiritual... Este lugar possui vários nomes – Disse, olhando os estilhaços de vidro que haviam perto de nós:
— Então eu sou um fantasma? – Perguntei, ele negou:
— Fantasmas são Espíritos Perdidos que ficam presos no mundo material. Não somos fantasmas, senhorita
— Por que eu estou aqui? – Por um momento, senti meus pés afundarem no chão líquido:
— É uma ótima pergunta, você não devia estar aqui.

Depois dessa frase, senti meu corpo todo afundar. Olhei para cima, vi o senhor me olhando fixamente. Eu não conseguia respirar e nem me mexer, apenas olhar o nada ao meu redor. Tudo era branco, e, por um momento, escutei um único grito vir de todos os lados. Aquele grito fez com que toda a calma que o homem me passou se esvaísse, a água ao meu redor tremeu e senti meus pulmões pedirem por ar. Em um segundo, eu estava ao lado do homem novamente, o mesmo alternando o olhar entre mim e o chão:
— Eu não sei por que você está aqui, senhorita Aoikami. Mas algo ou alguém lhe quer nesse Plano – Assenti ofegante e pendi minha cabeça para trás, sentindo meu cabelo encharcado pingar atrás de mim:
— E como... Como eu saio...? – Senti o senhor se levantar e fechar os olhos, o encarei confusa e tudo ao nosso redor se desfez:
— Irei te levar para o local apropriado – E, assim que terminou de falar, estávamos de frente para um enorme abismo. Eu não conseguia enxergar o final, na verdade nem sabia se aquilo teria ou não um fim:
— O que... – Olhei para o lado, uma lágrima solitária e dolorosa escorreu pela bochecha do mais velho e caiu dentro do abismo:
— Eu não posso ir com você... A partir daqui, você terá de encontrá-la sozinha – Não era difícil ver o sofrimento em seu olhar. Por um segundo pensei que, seja lá o que existir no fim daquela cratera, tem um efeito devastador no senhor ao meu lado:
— Eu vou pular?
— Sim
Obedeci e me joguei.

POV Maya

Engraçado, eu não estava no meu quarto agora pouco? Eu jurava que...:
— PEGA ELA! – Me virei rápido, duas crianças corriam atrás de outra no meio do gramado:
— PEGUEI – Uma delas pulou na que estava sendo perseguida, a outra pulou em cima das duas e a última soltou um gemido de dor:
— Qual é, vocês não são tão leves assim tá?! – As duas saíram de cima dela, e então pude enxergá-las melhor.
Eu, Yukki e Kira?
— Eu falei que era fácil pegar você – Kira sorriu, apoiando as mãos firmemente no chão – Não é como se você corresse muito rápido
— Se eu voasse... – Yu beliscou minha perna, soltei um choramingo e a encarei indignada – Ei!
— Se você voasse, você seria um passarinho – Falou, Kira concordou rindo – Não podemos contar, lembra?! — Murmurou em meu ouvido, assenti e massageei o local que minha irmã beliscou.
É tão estranho lembrar disso... Não costumo ter sonhos desse tipo, ainda mais agora que a Kira...
— Hey, Maya! – Encarei Kira, ela olhava a “eu” menor ainda sorridente. Em um movimento rápido, ela virou seu olhar para mim – Você me deixou morrer

— MAYA! – Levantei minha cabeça rápido e bati em alguma coisa – AI
Olhei para frente e forcei meus olhos, Lucy estava parada ao meu lado passando uma mão em sua testa, resmungando:
— O que... Lucy? O que foi? – A garota iria falar algo quando Menma entrou voando pela janela:
— Temos de ir para o Santuário, agora – Encarei a de cabelos verde-água, olhei ao redor rapidamente e não encontrei Zoe ou minha irmã. Menma se jogou da janela e saiu voando, pulei atrás dela e vi Lucy pulando de sacada em sacada até chegarmos na sala de Dante.
Lucy entrou dando um chute na porta de vidro, eu e Menma entramos atrás dela e vi os outros lá. Zoe, Peter e Will liam alguma coisa, Jeff, Jason e Luke estavam sentados no canto. Ben estava sentado no chão com a flor azul flutuando a sua frente:
— Consegui acordá-la – Lucy disse alto, chamando a atenção dos outros. Procurei minha irmã, ela não estava ali:
— O que aconteceu? – Perguntei, todos me olharam fixamente:
— Minha mãe me deu esse livro – Zoe ergueu um livro de capa dura, preto com algo escrito na capa – É sobre Lobisomens, e nós achamos isso
A loira colocou o livro no chão, aberto em alguma página. De um lado, o desenho de uma rosa e ao seu lado um texto:
— Essa página fala sobre a flor – A garota comentou – Hiems Blue, conhecida como “Flor da Fera Azul”, dizem que a primeira floresceu no local em que o Aoikami original morreu
— Aoikami original? – As páginas do livro passaram sozinhas, parando em uma página com o título “Aoikami”. Uma folha inteira possuía o desenho de um enorme lobo pintado em azul, a outra era um texto:
— Aoikami, o criador dos sentimentos, sensações e lembranças – Peter leu – Ao ser morto pelo Outro, o Ciclo do Aoikami se iniciou, marcado pelo nascimento da Hiems Blue e do primeiro portador de sua alma
— Então depois que ele morreu, essa flor nasceu e uma criança também? – O de cabelos verdes assentiu:
— Seus portadores eram presos desde o nascimento, passavam a vida em locais fechados e, ao chegar a hora de serem mortos, eram levados para uma Pedra de Sacrifício, onde eram assassinados a sangue frio pelos Anciões do local – Engoli em seco, eu não esperava ouvir aquilo:
— Mortos?! – Jeff pareceu surpreso, encarei o livro. O Lobo desenhado possuía os olhos em um tom de dourado forte:
— Se um não está vivo, o outro também não pode estar... – Yukki entrou voando pela janela, parando de pé sobre a mesa de Dante:
— Como sabe? – Zoe encarou Yu intrigada, minha irmã deu de ombros:
— Flor da Fera Azul – O livro a obedeceu, virando suas páginas e parando na página inicial:
— Hey, olhem isso – Luke apontou para o final do texto, encarei o local indicado e li o título.
“ Plano dos Mortos “
— O que é isso? – Will perguntou, reli a frase algumas vezes. Mortos?
— O lugar para onde as pessoas mortas vão, eu acho – Zoe respondeu, assentimos em silêncio:
— Ahnn... Ah, nada de interessante – Falei quando terminei de ler, só dizia que quem morre vai para esse Plano:
— Plano dos Mortos – Lucy disse alto, o livro mudou para uma página com o mesmo título:
— Wow... Parece interessante agora – Comentei, vi o desenho da página esquerda e o encarei por alguns segundos.
Uma árvore desenhada em branco, com as folhas em algum tom de verde forte. Seja lá quem escreveu esse livro, sabia fazer ótimos desenhos:
— Espera, isso é... – Jason e Luke liam um parágrafo, “Teleporte” foi a única palavra que consegui distinguir dali:
— Ritual da Fera Florescente – Zoe começou, continuei olhando o desenho enquanto ouvia a garota – É necessário utilizar a última coisa que entrou em contato com o morto, sangue daquele que será levado e um círculo feito por fogo místico. Aquele que será levado deve ficar dentro do círculo, pensando no morto e na melhor lembrança que tem dele. Após isso, o levado deve esperar pelo sinal para abrir os olhos. Se não seguir essas regras, o levado ficará preso no Plano dos Mortos eternamente
— Wow, eternamente é muito tempo – Jeff comentou:
— Ah vá, é mesmo? – Yukki retrucou, ri baixo:
— Espera, então se fizermos isso... Podemos achar a Kira? – Perguntei, todos me olharam:
— Bem... Acho que sim – A loira pareceu refletir um pouco, assenti:
— Então vamos – Ben disse alto, todos pareceram concordar. Assim que nos levantamos, Lucy se pronunciou:
— Ahnn, será que dá para todos nós irmos? – Parei e pensei, o texto falava no singular o tempo todo:
— Apenas um?
— Um de cada vez? – Menma tentou, Will negou:
— Se é preciso do sangue de quem vai, duvido que seja possível todos nós irmos

Senti alguém se aproximar, mexi um pouco minha cabeça e olhei para trás de canto. Uma silhueta negra estava na porta:
— Vocês sabem que Bruxos andavam sozinhos ou em grupos pequenos antes, certo? Naquela época, era quase impossível alguém se arriscar a esse ponto por alguém morto, imagine um grupo – Nico estava encostado no batente da porta, vi William estreitar os olhos:
— Você pode nos ajudar, por favor? – Zoe pediu, vi o Ghoul abrir um pouco a boca e mostrar os dentes serrilhados. O Bruxo sorriu de canto:
— Mas é claro – A loira sorriu, senti a energia de Will ficar negativa. Encarei Menma, ela riu baixo, Yukki deu de ombros – Vocês precisam de fogo místico, não é? Apenas Bruxos muito poderosos conseguem fazê-lo, e o único que conheço que consegue é o Diretor Dante
Dei um tapa em minha testa, Dante?!
— Mas eles não podem saber... – Murmurei, o garoto assentiu:
— Eu sei, sorte de vocês que eu também sei invocar fogo místico
— Claro, um mestiço de Bruxo e Feiticeiro... – Nico pareceu ignorar William completamente:
— Então como começamos? – O de cabelos pretos pareceu pensar um pouco, deu de ombros e disse:
— Preciso da última coisa que a Kira tocou e o sangue, vocês sabem o que ela tocou antes de morrer?
— A rosa serve? O sangue dela, ou sei lá o que era aquilo, caiu nas pétalas – Ben estendeu a planta para o Bruxo, ele a observou por alguns segundos e assentiu:
— Serve, quem vai?
— Eu – Todos falamos juntos, o garoto riu baixo:
— Certo, vamos esperar anoitecer de novo. Será mais fácil fazermos isso sem que os professores vejam se estiver escuro
— Hoje à noite – Lucy falou, assentimos:
— Descansem, quando anoitecer eu chamo vocês
Todos concordamos e saímos da sala, fui direto para o quarto e me sentei em minha cama. Eu não estava com sono, então simplesmente fiquei encarando o nada:
— Vou dar uma volta – Falei, Menma se levantou:
— Vou com você – Assenti e pulei a janela, abrindo as asas em seguida. Vi a garota atrás de mim e fiquei planando, apenas vendo o lugar.

Vamos te encontrar, eu prometo...